Desde meados de 2019, o Presidente da França, Emmanuel Macron, vem transformando a questão da Amazônia em um verdadeiro circo. Todos devem se lembrar de um discurso inflamado que ele fez há época para uma plateia de “micos amestrados”, onde usou a infeliz expressão “nossa Amazônia está pegando fogo”. No mesmo dia ele publicou um texto na internet onde usou uma foto antiga de um incêndio na Floresta Amazônica – inclusive, o autor dessa foto havia morrido vários anos antes.
À fala de Macron, inúmeros ativistas, intelectuais, artistas e famosos se seguiram. Um deles, o jogador de futebol português Cristiano Ronaldo, chegou a publicar uma imagem de um incêndio nos Pampas do Rio Grande do Sul como se fosse uma queimada na Amazônia. Eu não sei quantos dos leitores tiveram a mesma impressão, mas, desde aqueles tempos, eu entendi que tudo foi uma enorme orquestração. Publiquei há época uma extensa série de postagens falando da Amazônia.
Confirmei minhas suspeitas há poucos dias atrás – no último dia 3 de fevereiro, a “ativista” ambiental Greta Thunberg, aquela garota perturbada da Suécia que acusa os líderes do mundo de terem destruído o seu futuro, publicou por engano em sua página na internet um documento bastante suspeito. Nesse documento, um toolkit de um grupo anônimo, havia instruções completas para atacar o Governo da Índia durante um grande protesto de agricultores do país que estava previsto para meados de fevereiro. Esses trabalhadores estão lutando contra o fim de uma série de subsídios governamentais.
O documento tinha todo um planejamento com datas e horários para as postagens contra o Governo Indiano, dicas para as falas e emails dos famosos a serem acionados, sugestões de fotografias, entre outros detalhes. Seria uma grande armação nos mesmos moldes da que foi feita em relação às queimadas da Amazônia. Investigações do Governo do Canadá já descobriram que uma ONG – Organização Não Governamental, local está por trás da iniciativa e também já têm uma série de suspeitos de financiar o “projeto” – todos canadenses de origem indiana.
Pois bem – há poucas semanas atrás, o mesmo Emmanuel Macron apresentou a sua nova linha política na defesa da Amazônia – a França vai aumentar a sua produção de soja para, assim, não precisar comprar a soja brasileira que “é plantada em áreas desmatadas e queimadas da Floresta Amazônica”.
A má fé do Presidente francês já começa aqui – a soja brasileira é plantada, majoritariamente, nos domínios do Cerrado, que se espalha entre as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste, e também em áreas da Mata Atlântica e dos Pampas na Região Sul. O avanço dos campos de soja contra matas nativas é preocupante sim, mas falamos aqui de vegetação do Cerrado e de fragmentos remanescentes da Mata Atlântica e dos Pampas – a questão da Amazônia é outra.
Na Amazônia propriamente dita (falo aqui do bioma Amazônia e não da Amazônia Legal), a soja tem uma importante área de produção em Rondônia, onde ocupou áreas dos Campos Amazônicos, uma “extensão” do Cerrado, ainda na década de 1970. Também existem algumas áreas lindeiras da Floresta Amazônica nos limites do Cerrado que foram ocupadas no auge da colonização da região ainda nos tempos do Regime Militar. Fora isso, não há maiores notícias de grandes desmatamentos dentro da Floresta Amazônica para formação das gigantescas plantações de soja como as que existem no Cerrado.
Existem grandes problemas ambientais na Floresta Amazônica, especialmente, desmatamentos para exploração de madeira, para formação de pastagens para o gado, garimpos ilegais, além de abertura de áreas para a agricultura de subsistência, origem essa das grandes queimadas. Grandes áreas de produção de grãos como as que existem no Cerrado em Mato Groso e que se estendem por centenas e mais centenas de quilômetros, isso não existe na dentro do bioma Amazônia (a exceção de Rondônia) e precisamos todos nos esforçar para que continuem não existindo.
Todo presidente ou líder político de uma nação conta com uma equipe de profissionais que os municiam com informações relevantes sobre todos os assuntos de interesse do país. E é claro que Emmanuel Macron sabe de tudo isso – o interesse, porém, é outro. Na minha modesta opinião, a ideia dos franceses é evitar a assinatura do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia no curto prazo, o que atende aos interesses dos barulhentos agricultores franceses. Já no longo prazo, imagino que o objetivo é ressuscitar a velha ideia da internacionalização da Amazônia.
A soja, como já afirmamos em outras postagens, é um grão rico em proteínas e sais minerais, com enorme potencial para a produção de ração para animais, especialmente porcos – bem por acaso, a carne mais consumida pelos povos europeus. A produção de soja em países da Europa é bem modesta e grandes volumes precisam ser importados de outros países para suprir as necessidades locais. Como ocupa a posição de maior produtor de soja do mundo, o Brasil fornece uma parte significativa da soja consumida na Europa.
A França produz atualmente cerca de 500 mil toneladas de soja a cada ano, uma fração das necessidades do país. Em 2020, os franceses importaram 1,96 milhão de toneladas de soja, principalmente na forma de farelo de soja. De acordo com os planos de Emmanuel Macron, a França deverá aumentar sua produção nos próximos anos, caminhando para uma relativa autossuficiência em relação à soja brasileira.
A aparente boa intenção do mandatário francês é, tecnicamente, bastante viável – a soja é natural de regiões de clima temperado na Ásia e a cultura se adapta facilmente ao clima da Europa. A França possui os melhores solos para a agricultura do continente e já há vários séculos ostenta o título de “celeiro europeu”.
Dito isso, existem alguns pequenos problemas. O maior deles é a falta de espaço para a ampliação das plantações de soja no país. Grande parte dos solos da França, país que tem um tamanho equivalente ao Estado de Minas Gerais, já está ocupada por plantações tradicionais de uvas, essenciais para a indústria vinícola do país, oliveiras e pomares de frutas. Outras áreas são destinadas à produção de linho, famosa fibra têxtil da Europa, campos de alfazema e de flores, essenciais para a indústria cosmética e de perfumes, além das pastagens para bois, ovelhas e cabras.
Os campos agrícolas já existentes produzem trigo, cevada, centeio, batatas e outros alimentos básicos para o consumo da população. Inevitavelmente, será preciso sacrificar algumas dessas culturas e produções para aumentar os campos de cultivo de soja. O que seria melhor: reduzir a produção dos famosos vinhos do país ou sacrificar parte da fabricação dos deliciosos queijos franceses?
Uma opção seria ocupar áreas cobertas por florestas. Cerca de 31% do território da França é coberto por fragmentos e remanescentes florestais. A maior parte dessas matas formam reservas florestais e ficam em encostas de áreas montanhosas como os Pirineus e os Alpes. Mudando várias leis locais de preservação do meio ambiente, seria possível encontrar áreas onde seria possível implantar novos campos de soja. Seria interessante ver Macron justificando ao seu eleitorado a derrubada de matas em território francês em prol da “salvação” da Floresta Amazônica. Nesse caso, talvez fosse melhor a liberação da produção da soja na Guiana Francesa, território ultramarino do país na Amazônia.
Um outro problema sério para os franceses é o clima temperado, com invernos rigorosos e precipitação de neve, o que permite uma única safra de soja a cada ano. Aqui no Brasil, o clima tropical permite até duas safras de soja por ano, ainda sendo possível em algumas regiões uma safrinha de milho entre elas. A produtividade agrícola do Brasil é insuperável, o que se reflete em preços altamente competitivos.
Encerrando, precisamos falar dos custos que estariam envolvidos nessa ampliação da produção francesa de soja. Os agricultores do país já recebem pesados subsídios governamentais na sua produção (por isso a preocupação com eventual acordo comercial com o Mercosul), o que se traduz em preços finais dos produtos altamente distorcidos. Para conseguir equiparar o preço da soja francesa com o da brasileira, o Governo da França teria de subsidiar os produtores locais com outras centenas de milhões de Euros. Será que o “cofre” do Macron está tão cheio assim?
Apesar desses imensos subsídios e vantagens fiscais aos produtores, a agropecuária francesa, assim como outras da Europa Ocidental, usa como mão de obra trabalhadores vindos de países mais pobres da União Europeia como a Polônia, Eslováquia, Romênia e Bulgária. Recebendo salários miseráveis, esses trabalhadores viajam de seus países para as áreas de produção nos períodos de colheita e de plantio, fazendo todo o trabalho pesado e se hospedando em verdadeiros cortiços. Vamos falar disso na próxima postagem.
Os franceses vão colocar essa exploração humana ao lado das questões ambientais nessa provável ampliação da produção de soja?
Diz aí Macron…