OS PARDAIS DE PEREIRA PASSOS

pardal

Em dezembro de 2012, logo após embarcar para uma viagem para o Uruguai, fui surpreendido com um procedimento dos comissários de bordo: depois do fechamento das portas do avião, os passageiros foram informados que seria aplicado um inseticida na aeronave em atendimento a uma determinação das autoridades sanitárias daquele país. O objetivo desse inseticida seria a eliminação de eventuais mosquitos Aedes aegypti clandestinos na aeronave, evitando a entrada do vetor em terras uruguaias. Foram alguns minutos sufocantes sob uma nuvem de gás, até que o sistema de ventilação fosse ligado – todos os passageiros protestaram vigorosamente. Em minha opinião,  esse tipo de atitude não é efetiva e está mais para o campo da “mágica”.

O combate ao mosquito Aedes aegypti está cheio de histórias “folclóricas” e curiosas como essa. Uma das mais interessantes se desenrolou na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, numa época em que a cidade enfrentava diferentes surtos de doenças como febre amarela, varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose.

Francisco Franco Pereira Passos (1836-1913), prefeito indicado da cidade do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, iniciou uma série de obras que tinham como objetivo a modernização da cidade. Inspirado nas reformas urbanas da cidade de Paris décadas antes, Pereira Passos desapropriou grandes áreas para a construção de largas avenidas e praças, iniciou a modernização da área do porto da cidade e também a construção do Teatro Municipal, do Museu Nacional de Belas Artes e da Biblioteca Nacional. Consta que muitos cortiços foram demolidos e que os moradores se refugiaram nos morros, dando origem a algumas das mais famosas favelas cariocas.

Parte importante do legado de Pereira Passos foram os trabalhos na área de saneamento básico e de higienização da cidade, cuja coordenação foi confiada ao médico sanitarista Oswaldo Cruz, empossado como diretor do Serviço de Saúde. Conforme comentado em post anterior, muitas das ações de Oswaldo Cruz não foram muito bem recebidas pela população, levando ao episódio que ficou conhecido como a Revolta da Vacina de 1904. Os agentes de saúde entravam nas residências, muitas vezes a força, buscando focos de mosquitos e de ratos, o que não era totalmente compreendido pela população. Quando o governo tornou obrigatória a vacinação contra a varíola, a população tomou as ruas e entrou em confronto com as forças de segurança.

Uma das ações polemicas do período foi a importação de 200 pardais (Passer domesticus) de Portugal em 1903. Alguns cientistas haviam afirmado ao Prefeito Pereira Passos que essas aves eram vorazes comedoras de insetos e que, uma vez introduzidas na cidade do Rio de Janeiro, atuariam como um agente biológico natural para o controle da população de mosquitos. As aves foram soltas no Campo de Santana, em cerimônia com pompa e muito protocolo.

Os pardais, assim como a imensa quantidade de pássaros autóctones já existentes no Brasil, se alimentam de grandes quantidades de insetos na época da reprodução, quando necessitam  de maior quantidade de proteína; na maior parte do ano são aves oportunistas, que comem o que lhes aparecer pela frente – frutas, sementes, formigas, cupins, minhocas etc, tornando inócua a soltura das aves para o combate aos mosquitos Aedes aegypti. Os pontos negativos da introdução dos pardais, ao contrário, foram muito grandes no meio biológico: o pardal é uma ave robusta e rústica, acostumada a enfrentar os invernos rigorosos da Europa; na competição natural contra os pássaros nativos, o pardal não encontrou competição à sua altura e acabou se espalhando com facilidade por todo o país. Cambacicas, curruíras, sanhaços, tico-ticos e outras espécies de pássaros de menor porte da Mata Atlântica perderam espaço nos seus nichos ecológicos para as aves invasoras. É impossível calcular o tamanho do estrago causado ao meio natural pela introdução dos pardais em nossas terras.

As obras de saneamento ambiental e de fumigação de inseticidas pelos agentes de saúde de Oswaldo Cruz é que foram efetivas no controle das populações de mosquitos da cidade, levando a uma redução substancial das doenças epidêmicas.

Não existe mágica ou ação isolada para o controle de um vetor tão danoso quanto o mosquito Aedes Aegypti – é preciso um esforço coletivo de toda a população, eliminando os focos de água parada, que são os criadouros naturais do mosquito, e evitando que novos focos voltem a se formar.

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11 Comments

  1. Um dia eu conversei com um pardal que dorme numa árvore em frente minha casa, numa avenida movimentada. 7 hs da noite ele já está dormindo todos os dias. Eu lhe perguntei se o barulho dos carros não o incomodava. “Não me incomoda, me faz perceber que os humanos trocam suas relações naturais em relações contra a natureza”…:)

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  2. […] Na visão dominante na época, a introdução controlada dos peixes nas fazendas resolveria os problemas criados pelas espécies invasoras. Essa história lembra muito uma outra que vivemos aqui no Brasil – a introdução dos pardais europeus (Passer domesticus) no Rio de Janeiro, no início do século XX pelo Prefeito Pereira Passos, para o controle dos mosquitos transmissores da febre amarela. Clique aqui para conferir. […]

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  3. […] As aves foram introduzidas na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX para combater uma grande infestação de mosquitos Aedes aegypti. Naquele momento, a antiga Capital Federal do Brasil enfrentava uma série de doenças como febre amarela, que é transmitida pelo mosquito Aedes, além de varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose. O responsável pela importação e soltura dos pardais na cidade foi o então Prefeito Pereira Passos.  […]

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