ÍNDIA SE RECUSA A DIMINUIR AINDA MAIS AS SUAS EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA

Pegando emprestada uma expressão muito usada por colegas jornalistas que cobrem o dia a dia e a vida das celebridades – olhem só que babado: a Índia, terceiro maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, acaba de rejeitar os apelos de outros países para anunciar uma meta líquida de zero emissões de carbono na COP26. 

De acordo com os compromissos assumidos em 2015, quando mais de 195 países assinaram o Acordo de Paris, a Índia assumiu o compromisso de reduzir as suas emissões entre 33% e 35% até 2030, tomando-se como base os valores de 2005. Para muitos especialistas, o país teria condições de elevar essa redução para 40%. 

A Índia responde por 6,8% do total de emissões mundiais de gases de efeito estufa, ficando atrás da China, que emite 23,9%, e dos Estados Unidos, com 13,6% das emissões mundiais. Para efeito de comparação, as emissões do Brasil são da ordem de 2,9%, a menor entre todos os grandes países do mundo. 

Com a aproximação da COP26 – Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, marcada para acontecer entre os dias 1º e 12 de novembro, na cidade de Glasgow na Escócia, o Governo da Índia vinha sendo pressionado para anunciar planos para tornar o país neutro nas emissões de carbono até 2050. 

De acordo com declarações de autoridades do Governo indiano, se limitar a anunciar uma meta de zero emissões de carbono não vai diminuir a crise climática. Para os indianos o mais importante são os volumes de gases de efeito estufa que serão lançados na atmosfera pelos países até meados deste século. 

De acordo com cálculos feitos pelos indianos, a China irá emitir 450 Giga toneladas de carbono na atmosfera antes de atingir a neutralidade nas emissões em 2050. Nesse mesmo período de tempo, os Estados Unidos e a União Europeia vão liberar, respectivamente, 92 e 62 Giga toneladas de carbono até 2050. Do ponto de vista dos indianos, esses volumes mostram o real problema ambiental do planeta. 

De acordo com estudos da ONU – Organização das Nações Unidas, cerca de 1/3 da população mundial que se encontra em situação de pobreza extrema vive na Índia. São cerca de 400 milhões de pessoas que sobrevivem com menos de US$ 1.00 por dia. Esses números assustadores já foram bem maiores, mas a Índia vem conseguindo melhorar as condições de vida da sua população pouco a pouco. 

É justamente a manutenção desse crescimento econômico contínuo e da melhoria das condições sociais da população o que impede o Governo indiano de reduzir ainda mais as suas emissões de gases de efeito estufa. Um exemplo a ser citado é a queima de carvão para a geração de energia elétrica, uma das maiores fontes de emissões de gases do país e ao mesmo tempo a mola propulsora da economia da Índia. 

Mais de 60% da energia elétrica consumida na Índia vem de centrais termelétricas a carvão. O potencial de geração hidrelétrica é limitado e o país tem feito investimentos, dentro dos seus limites orçamentários, para ampliação da geração de energia elétrica em centrais nucleares (a Índia possui 21 unidades em operação e tem outras 6 em projeto ou construção), além da busca por fontes renováveis como a energia solar.   

O consumo per capita de energia elétrica das famílias indianas que têm acesso à rede elétrica e que tem condições de arcar com os custos dessa energia (20% dos indianos não tem acesso à energia elétrica) é muito baixo, equivalente a apenas 7% do que gasta uma família típica dos Estados Unidos. A precária rede elétrica do país sofre frequentemente com apagões e muitas empresas não conseguem trabalhar com a produção a plena carga devido às limitações no fornecimento de eletricidade.   

Além dos grandes volumes de carvão queimados a cada ano, o que corresponde a cerca de 40% da matriz energética do país, a Índia tem uma enorme dependência da queima de lenha e de resíduos. Cerca de 70% da população indiana depende destes combustíveis para cozinhar. Completando o caos, cerca de 16% da matriz energética depende dos derivados de petróleo, indo do querosene usado na iluminação das casas a gasolina, diesel e óleo combustível usado para mover uma imensa frota de veículos e centrais de geração termelétricas. 

As taxas de crescimento da Índia vêm se mantendo na casa dos 6% nos últimos anos, ficando atrás apenas da China. Com uma população gigantesca na casa dos 1,34 bilhão de habitantes, o país precisa gerar cerca de 1 milhão de empregos a cada mês somente para absorver a mão de obra dos jovens que estão entrando no mercado de trabalho.   

Para manter a sua gigantesca economia em funcionamento, a Índia precisa queimar mais de 600 milhões de toneladas de carvão por ano, o que coloca o país entre os maiores consumidores desse insumo do mundo e, de quebra, na posição de um dos maiores emissores de gases poluentes devido a queima do combustível. 

A mineração do carvão na Índia é extremamente problemática e altamente impactante ao meio ambiente. Cerca de 90% do carvão produzido no país vem de minas a céu aberto, que são as mais agressivas ao meio ambiente. A maior parte do carvão indiano tem baixo poder calorífico, o que o torna altamente poluente e emissor de grandes quantidades de cinzas, sendo considerado duas vezes mais poluente do que o carvão usado na Europa e nos Estados Unidos.  

Devido à alta densidade populacional na Índia, tanto as minas quanto as usinas termelétricas sempre ficam localizadas próximas a alguma cidade, onde as populações acabam sendo afetadas diretamente pelos poluentes gerados tanto pela extração quanto pela queima do carvão. A imagem que ilustra essa postagem mostra um dia de poluição extrema em Nova Déli, a capital do país. Um dos principais poluentes é o mercúrio, um metal pesado que causa inúmeros problemas à saúde humana.  

De acordo com estudos feitos em 2013, a poluição do ar gerada pela mineração e pela queima do carvão está associada a 20 milhões de novos casos de asma e de problemas cardíacos na Índia a cada ano. Também está associada a mais de 100 mil mortes prematuras de crianças (sendo que 10 mil dessas mortes são de crianças com menos de 5 anos de idade). Além de toda a tragédia humana, essas doenças geram um custo extra de US$ 4,6 bilhões ao sistema de saúde do país. 

Como diz um velho ditado, a Índia está entre a cruz e a espada. Os Governantes tem plena consciência dos males provocados pelas suas enormes emissões de gases de efeito estufa, que afetam tanto o país quanto o resto do mundo, ao mesmo tempo que dependem da energia gerada pela queima de combustíveis fósseis para garantir a melhoria das condições de vida de grande parte da sua população. 

E a Índia não está sozinha nessa situação – China, Indonésia e Paquistão, entre muitos outros países em desenvolvimento e que possuem grandes populações em situação de pobreza extrema, se valem dos mesmos argumentos para continuar emitindo grandes volumes de gases de efeito estufa e garantindo assim algum desenvolvimento econômico. 

Existe uma enorme lacuna econômica e social entre a França de Emmanuel Macron e a Suécia de Greta Thunberg em relação a países miseráveis como a Índia de Narendra Modi. Vamos acompanhar de perto a COP26 para conferir como vai ficar essa verdadeira queda de braços entre os países ricos, de um lado, e as nações pobres e em desenvolvimento do outro. 

FALANDO UM POUCO SOBRE A COP – CONFERÊNCIA DAS PARTES

Dentro de poucos dias terá início a COP26 – Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021. No encontro deste ano, que se realizará na cidade de Glasgow na Escócia, delegados e líderes mundiais vão discutir inúmeros temas ligados à situação ambiental do planeta, e, em especial, as ações que devem ser implementadas pelos países contra os efeitos das mudanças climáticas. 

A COP – Conference of the Parties, ou Conferência das Partes, é uma associação formada pelos países membros signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas adotada em 1992. Após a ratificação da Convenção em 1995, os países membros passaram a se reunir anualmente a partir de 1996. 

Nos encontros anuais, que duram duas semanas, a situação das mudanças climáticas no planeta é avaliada e novos mecanismos para o controle da emissão de gases de efeito estufa e outras agressões ambientais são colocados em discussão. Nem sempre essas discussões encontram consenso entre todas as partes envolvidas, o que torna as decisões lentas e árduas. 

Uma questão que provavelmente fará parte das discussões dessa COP é o recente aumento do volume de carvão queimado em centrais termelétricas para a geração de energia elétrica. Conforme discutimos em postagens anteriores, o mundo está vivendo uma grave crise energética. Uma saída encontrada por muitos países foi a de aumentar a geração de eletricidade via queima de carvão, algo que foge completamente das metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa. 

As preocupações climáticas se intensificaram nas últimas décadas e culminaram na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas em 1992 e, posteriormente na assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997. Através deste Protocolo, os países que ratificaram o acordo assumiriam o compromisso de reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa entre 2008-2012 para uma média de 5% em relação aos níveis de 1990. Num segundo momento, as nações signatárias assumiriam o compromisso de reduzir as emissões entre 2013-2020 em pelo menos 18% abaixo das emissões de 1990. 

No total, mais de 175 países assinaram o Protocolo de Kyoto, inclusive o Brasil, assumindo o compromisso de reduzir as suas emissões. Apesar de ser considerado um marco na defesa do meio ambiente, os resultados obtidos ficaram abaixo das expectativas. Em 2015, durante a COP21 em Paris, foi discutido um novo compromisso mundial em substituição ao Protocolo de Kyoto

Em 12 de dezembro de 2015 foi aprovado esse novo compromisso, que recebeu o nome de Acordo de Paris. Assinado por 195 países, o Acordo entrou em vigor em 2016, tendo como principal meta limitar o aumento da temperatura global abaixo dos 2º C até o final deste século. Todos os países que ratificaram esse acordo têm metas ambientais a cumprir e os encontros nas reuniões da COP são o espaço para avaliar o cumprimento dessas metas e o estabelecimento de novos desafios. 

As mudanças climáticas e o aumento das temperaturas do planeta têm como origem as emissões de Gases de Efeito Estufa. Esse Efeito é um processo físico natural do planeta Terra que ocorre quando determinados gases presentes na atmosfera absorvem parte da irradiação infravermelha do sol, irradiando e retendo esse calor na superfície do planeta. Entre os principais gases causadores do Efeito Estufa estão o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6) e duas famílias de gases, hidrofluorcarbono (HFC) e perfluorcarbono (PFC).  

O Efeito Estufa permitiu, ao longo dos vários ciclos da história geológica do planeta, a estabilização da temperatura dentro de uma faixa vital para a manutenção da vida e do clima. Essa estabilização permitiu o desenvolvimento dos sistemas florestais e a estabilização dos oceanos, com o consequente equilíbrio dos gases formadores da atmosfera e a explosão da vida biológica na Terra. 

Esse delicado e vital equilíbrio ambiental se manteve estável ao longo de milhões de anos, até que o crescimento das atividades humanas, notadamente nos últimos 300 anos, passou a afetar a composição dos gases da atmosfera e a estabilidade do clima. Um marco dessa mudança foi o início da Revolução Industrial a partir de 1750, quando volumes cada vez maiores de carvão passaram a ser queimados nas indústrias. 

Ao longo dos séculos XIX e XX, com a intensificação da queima de combustíveis fósseis, com as emissões atmosféricas das indústrias, das atividades agrícolas e pastoris, produziu-se gradativamente uma intensificação do Efeito Estufa, com consequências graves para a humanidade. Os efeitos das mudanças climáticas se tornaram bastante visíveis nas últimas décadas. 

Derretimento de grandes volumes de gelo em regiões polares e no alto de grandes cadeias de montanhas, aumento do nível dos oceanos e mudanças em correntes marítimas e de ventos, secas intensas em algumas partes do mundo e aumento das chuvas em outras, invernos rigorosos em alguns lugares e calor acima da média em outros. Em maior ou menor escala, todos os países do mundo já enfrentam as consequências das mudanças climáticas. 

Um tema bastante sensível para nós brasileiros são as queimadas na região da Amazônia. Grande parte da opinião pública mundial, mal informada ou informada incorretamente sobre a realidade, foi levada a ver o nosso país como um “grande vilão do clima mundial”. E, mais uma vez, nossos representantes vão comparecer ao encontro em uma situação complicada. 

Conforme comentamos na postagem anterior, nosso país não é exatamente um santo quando se fala em preservação da natureza, todavia, estamos entre os “menos piores” quando se avalia o patrimônio ambiental que ainda possuímos. Algo entre 56% e 63% de nosso território ainda é coberto por florestas, um dos percentuais mais altos entre os grandes países do mundo, e nossas contribuições em emissões de gases de efeito estufa correspondem a 2.9% das emissões mundiais. 

Além disso, mais de 80% de toda a energia elétrica que consumimos no país vem de fontes renováveis, especialmente de fontes hidráulicas, solares e eólicas. Também somos pioneiros no uso em larga escala de combustíveis renováveis com o nosso etanol. 

Temos uma agricultura altamente eficiente e de altíssima produtividade que ocupa apenas 7,6% do nosso território de acordo com cálculos feitos pela NASA – Administração de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, na sigla em inglês. E o que é melhor: nossas safras agrícolas estão aumentando continuamente enquanto que a área plantada permanece praticamente inalterada.

Temos sim os nossos problemas ambientais, porém, estamos em condição de dar umas boas aulas para os “gringos”. 

FALANDO DO PROGRAMA NACIONAL DE CRESCIMENTO VERDE 

Entre os dias 1º e 12 de novembro, na cidade de Glasgow na Escócia, será realizada a COP26 – Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021. No encontro, líderes mundiais vão discutir a situação ambiental do planeta e, especialmente, os efeitos das mudanças climáticas. Vamos tratar desse tema em uma outra postagem. 

Mais uma vez, nosso país vai chegar a esse encontro com um “telhado de vidro”. As grandes queimadas na Amazônia, que estão destruindo o “pulmão do mundo”, será uma espécie de mantra repetido incansavelmente contra nós. Segundo muitos críticos, celebridades e vários líderes mundiais, essas grandes queimadas estão na raiz das mudanças climáticas mundiais. 

Somos, é claro, responsáveis por muitos desses pecados ambientais, porém, não podemos assumir responsabilidades pelos grandes erros dos outros países. De acordo com dados da Climate Watch, as emissões de gases de efeito estufa no Brasil correspondem a 2,9% das emissões mundiais, muito abaixo das emissões de países como a China, Estados Unidos e Índia

De forma um tanto improvisada e as vésperas do início da COP26, o Governo Federal acabou de lançar o Programa Nacional de Crescimento Verde, uma parceria entre os Ministérios da Economia e do Meio Ambiente. A iniciativa vai incentivar propostas para o aumento da produção agropecuária com conservação ambiental. O Governo pretende vender a imagem de maior potência verde do mundo. 

Sem discutir ou entrar nos objetivos políticos do anúncio, essa é uma questão que já deveria estar em pauta há muito tempo. Apesar de toda a devastação ambiental que já se abateu sobre o nosso território desde o início de nossa colonização – o que se passou com a maioria dos países do mundo, ainda dispomos de um patrimônio natural invejável.  

Dependendo da fonte consultada, a cobertura florestal do Brasil está entre 56% e 63% do território, o que nos coloca no topo do ranking dos países com as maiores áreas florestais do mundo. Políticas governamentais que permitam desenvolver a agropecuária sem devastar ainda mais esse patrimônio natural serão sempre bem-vindas. 

A agricultura sempre ocupou uma posição de destaque na economia brasileira, a começar pela produção de cana e de açúcar no período colonial. Segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a safra agrícola de 2021 deverá superar a marca de 260 milhões de toneladas. Na produção de proteína animal destacam-se a carne de frango, com mais de 13,8 milhões de toneladas, carne suína com produção de 4,4 milhões de toneladas e a carne bovina com 9,5 milhões de toneladas. 

De acordo com cálculos feitos pela NASA – Administração de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, na sigla em inglês, a área total ocupada por lavouras no Brasil corresponde a cerca de 64 milhões de hectares ou aproximadamente 7,6% do território do país. Um dado extremamente relevante é que vem sendo observado um aumento da produtividade agrícola nos últimos anos sem aumentos expressivos na área ocupada. A pecuária e a criação de animais ocupam cerca de 221 milhões de hectares no Brasil segundo o IBGE. 

Entretanto, a questão não fica limitada apenas à nossa eficiência na produção agrícola e pecuária. Já há muito tempo, nosso país adotou diversas políticas – especialmente na área energética, que nos colocam bem à frente de outras nações na questão ambiental. O uso do etanol ou álcool combustível é uma delas. 

Pró-Álcool – Programa Nacional do Álcool, foi criado em 1975 pelo Governo brasileiro como uma resposta ã grande crise do petróleo que o mundo vivia naquele período. Em outubro de 1973, os países membros da OPAEP – Organização dos Países Árabes Produtores de Petróleo, decretaram um grande embargo petrolífero, o que elevou rapidamente o preço do barril do produto de US$ 3.00 para US$ 12.00. Esse evento entrou para a história como o Primeiro Choque do Petróleo. Em 1979, o mundo viveria uma segunda crise, essa batizada de Segundo Choque do Petróleo

O Brasil, que naquele momento passava por um vigoroso crescimento econômico – o chamado Milagre Econômico Brasileiro, foi fortemente impactado por essa crise. Perto de 80% do petróleo consumido no país era importado, o que causava uma enorme sangria nas reservas financeiras do país. Com o lançamento do Pró-Álcool e com a produção em massa de carros com motores adaptados para o uso desse combustível, o país ganharia uma razoável autonomia em relação a importação do petróleo. 

No auge do Pró-Álcool, entre os anos de 1983 e 1988, mais de 90% de todos os automóveis vendidos no Brasil tinham motores a álcool. Estimativas falam que houve uma redução de até 40% na poluição do ar das grandes cidades há época por causa do uso crescente do etanol como combustível. O volume de recursos economizados com a importação de petróleo foi calculado em aproximadamente US$ 15 bilhões (em valores há época) ao longo dos dez primeiros anos de vigência do Pró-Álcool. 

Ao final da década de 1990, com o fim de inúmeros subsídios para a compra de carros a álcool, esse número caiu drasticamente e apenas 1% dos carros novos tinham motores a álcool. Em 2003, com o desenvolvimento de veículos com motores flex – que funcionam tanto com etanol quanto com gasolina, o álcool combustível voltou a ganhar destaque como um combustível renovável. 

Um outro importante aspecto da economia brasileira é o uso intensivo de energia elétrica produzida a partir de fontes hidráulicas. Contando com grandes rios e detendo cerca de 12% das reservas mundiais de água doce superficial (de rios e lagos), o Brasil sempre priorizou a construção de usinas hidrelétricas – 70% de toda a energia elétrica consumida no país vem de fontes hidroelétricas. Entre os grandes empreendimentos nesse setor destacamos as Usinas de Itaipu, Tucuruí e Ilha Solteira, entre muitos outros. 

Nos últimos anos, o país vem assistindo um crescimento vigoroso de novos empreendimentos para a geração de energia renovável. A geração eólica é uma das que mais crescem, respondendo por cerca de 10% de toda a energia elétrica gerada no país. De acordo com informações da ABEEÓLICA – Associação Brasileira de Energia Eólica, a capacidade instalada do setor em setembro de 2020, era de 16,68 GW, com expectativa de chegar a 25,5 GW até 2024. 

Outro destaque é a energia fotovoltaica. O Brasil atingiu a marca de 7,5 GW em 2020, o que equivale à metade da capacidade instalada da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Também é importante incluir nessa lista a geração de energia elétrica a partir da queima de biomassa – especialmente do bagaço da cana-de-açúcar, que já responde por mais de 7% de toda a matriz elétrica do Brasil. 

Apesar de todos os inegáveis problemas que temos na área ambiental, nosso país tem muito a ensinar aos outros países, especialmente em áreas como a produção de alimentos, geração de energia e também na produção e uso de combustíveis sustentáveis. Pena que somos absolutamente incompetentes na divulgação de nossos méritos. 

O lançamento de Programa Nacional de Crescimento Verde há poucos dias da COP26 é uma prova inequívoca dessa nossa incompetência. 

CONCESSIONÁRIA ÁGUAS DO RIO ASSUMIRÁ PARTE DAS OPERAÇÕES DA CEDAE EM 1° DE NOVEMBRO

Na última postagem falamos dos problemas com a água fornecida pela Sanepar – Companhia de Saneamento do Paraná, aos consumidores da cidade de Ponta Grossa. A água “potável” que está chegando nas torneiras dos moradores está repleta de pequenos camarões brancos com cerca de 1 mm de comprimento. Apesar da concessionária afirmar que a água está em condições adequados para o consumo, a população está reclamando muito e se recusando a consumir essa água. 

Um outro caso que citamos na postagem é o da CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos, concessionária que atende grande parte dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. O principal manancial de captação de água da empresa, o rio Guandu, foi transformado em uma grande vala de esgotos a céu aberto. Os problemas com a qualidade da água fornecida para os consumidores são enormes. 

Em uma antiga postagem aqui do blog publicada em 2016, falamos das dificuldades enfrentadas pela empresa para tratar a água captada no rio Guandu. A ETA – Estação de Tratamento de Água, do Guandu (vide foto) utiliza, nada menos, que 140 toneladas de Sulfato de Alumínio, 20 toneladas de Cloreto Férrico, 15 toneladas de Cloro, 25 toneladas de Cal Virgem, 10 toneladas de Ácido Fluossilícico (o famoso flúor) entre outros produtos químicos, a cada dia. 

Apesar de todo esse volume de produtos químicos, que muitas estações de tratamento de água de pequenas cidades gastam ao longo de todo um mês, a qualidade da água nem sempre é das melhores. No início de 2020, citando um exemplo, centenas de milhares de consumidores em vários bairros da cidade do Rio de Janeiro e também da Baixada Fluminense receberam uma água escura e malcheirosa em suas torneiras por vários dias

Em sucessivas notas e comunicados encaminhados aos meios de comunicação, a CEDAE afirmava que essa água era potável e que poderia ser consumida pela população sem nenhum risco. Os consumidores, é claro, optaram por não acreditar na empresa e passaram a consumir água mineral – aliás, o preço da água mineral aumentou brutalmente na região ao longo de mais essa “crise” no abastecimento de água. 

Pois bem – vamos à boa notícia (pelo menos é o que se espera): de acordo com um comunicado do Governo do Rio de Janeiro, a concessionária Águas do Rio, que venceu a disputa em leilão pelo controle das operações de distribuição de água potável e coleta/tratamento de esgotos em 27 municípios fluminenses, irá assumir as operações do seu “quinhão” da CEDAE já em 1° de novembro. A data prevista anteriormente era o início de 2022. 

Relembrando, uma boa parte das operações da CEDAE foi levada a leilão público no final do último mês de abril. O modelo da concessão, que foi estruturado pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, dividiu essas operações em quatro grandes blocos – 30 cidades fluminenses optaram por manter esses serviços nas mãos da CEDAE. 

A concessionária Águas do Rio, que faz parte do grupo Aegea Saneamento, arrematou os blocos 1 e 4, com ofertas de R$ 8,2 e R$ 7,2 bilhões, respectivamente. No total, as operações da concessionária abrangerão 26 municípios fluminenses e 124 bairros da cidade do Rio de Janeiro. 

De acordo com as regras, a empresa terá a concessão dos serviços por 35 anos e assumiu o compromisso de atingir a universalização dos serviços de fornecimento de água potável e coleta/tratamento de esgotos até 2033. A empresa comunicou ao mercado a contratação de cerca de 1,5 mil colaboradores até o momento, com a perspectiva de contratar outros 5 mil até o final deste ano. 

Uma característica interessante dessa concessão é que a CEDAE continuará operando a ETA Guandu e venderá a água que será distribuída pelas novas concessionárias. O sistema produtor de águas do rio Guandu atende aproximadamente 85% da população da cidade do Rio de Janeiro e cerca de 70% das populações da Região da Baixada Fluminense, especialmente nos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, Itaguaí, Queimados e Mesquita.   

A Baía da Guanabara foi descoberta em 1° de janeiro de 1502 pela primeira expedição exploratória portuguesa. As águas calmas e protegidas da baía forneciam as melhores condições para a construção de um grande porto. Essa cobiçada geografia atraiu a atenção dos franceses, que pretendiam construir uma grande base naval para controlar todo o Oceano Atlântico Sul. Os franceses invadiram a região em 1555 e ali ficaram até 1570, quando foram expulsos por forças portuguesas. 

Em meio a toda essa disputa, a cidade do Rio de Janeiro foi fundada em 1565. Apesar de toda a exuberância da Baía da Guanabara, a história mostrou que a região não apresentava as melhores condições naturais para a vida de uma cidade – as fontes de água doce são escassas, principalmente durante os meses de seca. Esse é um tema que já tratamos em várias postagens anteriores. 

Sem nos alongarmos muito, a derradeira solução para os graves problemas de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro e municípios vizinhos só teria início nas primeiras décadas do século XX, quando começaram a ser construídas várias usinas hidrelétricas no interior do Estado do Rio de Janeiro. 

A empresa concessionária dos serviços de geração e de distribuição de energia elétrica no Estado, a Light, realizou diversas obras para possibilitar a transposição de águas da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Essas águas eram direcionadas primeiro para as usinas hidrelétricas da empresa e depois eram despejadas na direção do rio Guandu, um curso de água com nascentes nas encostas da Serra do Mar e foz na Baía de Sepetiba. 

A crescente demanda por energia elétrica, especialmente no antigo Estado da Guanabara, levou a um aumento cada vez maior dos volumes de águas lançados na bacia hidrográfica do rio Guandu – o antigo riozinho acabou sendo transformado num grande manancial, que em pouco tempo se tornou o principal manancial de abastecimento de grande parte da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. 

Com a concessão de grande parte das operações da CEDAE para a iniciativa privada, criou-se a expectativa de uma solução a médio e longo prazo dos problemas de poluição no rio Guandu. A maior parte dessa poluição é formada por esgotos domésticos lançados nas águas do rio – com a implantação de redes de coleta e de estações de tratamento pelas novas concessionárias, a tendência será uma redução drástica da poluição no rio Guandu. 

A privatização de empresas públicas aqui no Brasil criou inúmeros cases de grande sucesso. Nessa lista podemos incluir os serviços de telefonia, a Embraer e a Companhia Vale do Rio Doce. Cariocas e fluminenses torcem por um destino semelhante no saneamento básico de seus bairros e cidades. 

Como dizemos aqui em casa – que os anjos digam amém! 

A PRESENÇA DE MICROCRUSTÁCEOS NA ÁGUA SERVIDA À POPULAÇÃO DE PONTA GROSSA NO PARANÁ 

Imagine a seguinte situação: a água que é fornecida pela empresa de saneamento básico de sua cidade chega até as suas torneiras com centenas de pequenos camarões brancos com pouco mais de 1 mm de comprimento. Você reclama da qualidade da água e recebe a seguinte resposta da concessionária: pode beber essa água tranquilamente pois ela é potável! 

Por mais absurdo que isso possa lhe parecer é exatamente o que está acontecendo hoje na cidade de Ponta Grossa. Vamos entender a situação: 

Ponta Grossa fica a cerca de 100 km de Curitiba, a Capital do Paraná, e conta com uma população de mais de 350 mil habitantes. Observem que se trata de uma cidade média, a quarta em tamanho de população no Estado e a nona da Região Sul do país. 

Nos últimos dias muitos moradores passaram a observar pequenos pontos brancos em suspensão na água de suas casas. Um exame mais minucioso mostrou que eram pequenos camarões. Rapidamente, os canais de atendimento da Sanepar – Companhia de Saneamento do Paraná, ficaram congestionados com reclamações dos consumidores. O problema também foi comunicado ao Ministério Público do Paraná, que abriu um inquérito para investigar o caso. 

De acordo com a Sanepar, esses microcrustáceos são nativos dos rios da região e, devido ao aumento da poluição das águas por lançamentos irregulares de esgotos e por carreamento de resíduos de fertilizantes de plantações, a espécie passou a apresentar uma reprodução descontrolada. As estações de tratamento de água da empresa não estando dando conta de filtrar a grande quantidade de animais encontrados na água. 

De acordo com os laudos técnicos feitos por especialistas da concessionária, a presença desses pequenos animais na água não traz qualquer risco para os consumidores. Basta filtrar ou coar a água, que assim pode ser consumida sem maiores riscos. Só que a maioria dos consumidores não acredita nisso. 

Assim como acontece nas águas salgadas dos oceanos, as águas doces ou frescas de rios, lagos e represas são povoadas por criaturas microscópicas – animais e vegetais, que formam a base da cadeia alimentar desses ecossistemas. Entre essas criaturas destacam-se micro algas e pequenos crustáceos. 

Normalmente, as micro algas ficam em suspensão na água a pequenas profundidades, o que lhes permite captar a luz solar. Já os pequenos animais dessa fauna costumam viver nos sedimentos do fundo dos lagos e dos rios, agrupamentos que costumam ser chamados de bentos ou comunidades bentônicas. 

Para que todos tenham uma ideia da ordem de grandeza dessas criaturas – existem casos em que a densidade dessas criaturas é de até cinco indivíduos por grão de areia. Essas plantas e pequenos animais tem uma enorme importância ambiental para as espécies maiores, que predam e se alimentam dessas criaturas. 

A presença de resíduos de esgotos e de fertilizantes nas águas aumenta a proliferação e o crescimento das micro algas, que por sua vez alimentam as pequenas espécies animais. Se existe abundancia de alimentos, os pequenos animais também vão procriar em quantidades cada vez maiores, exatamente o que parece estar acontecendo em rios e represas de Ponta Grossa. 

Segundo a Sanepar, o problema está concentrado nas represas de Alagados e de Pitangui, que são os mananciais onde a empresa capta a água bruta que será tratada e distribuída para a população da cidade. Como é usual aqui no Brasil, essas áreas de mananciais não receberam a atenção adequada e suas águas passaram a sofrer com o despejo de esgotos de bairros e vilas periféricas, além de receber resíduos de agrotóxicos e de fertilizantes usados em plantações nas vizinhanças. 

Coletar e tratar esgotos sanitários nunca foi uma prioridade aqui em nosso país. Obras desse tipo são consideradas “invisíveis” pelos governantes de plantão, que preferem investir os parcos recursos públicos disponíveis em pontes, viadutos, grandes edifícios ou outras iniciativas de grande visibilidade. 

Estações de Tratamento de Água, as ETAs, são preparadas para transformar a água bruta em água potável. Numa etapa conhecida como tratamento primário, essas unidades removem toda a sujeira mais grosseira presente na água – lixo, restos de galhos, pedras e areia. 

Na etapa seguinte, conhecida como tratamento secundário, a água recebe diversos produtos químicos que facilitam a separação dos resíduos, que decantam e/ou se agregam em pequenos flocos. A seguir, a água passa por diversos sistemas de filtragem, onde os resíduos ficam retidos. Na etapa final, antes da água ser encaminhada para os consumidores, é aplicado cloro, um poderoso bactericida, e flúor, um elemento químico que atua na prevenção das cáries dentárias. 

De uma forma extremamente resumida, esse é o processo de tratamento da água. No caso de Ponta Grossa, fica muito claro que está havendo algum problema muito sério na etapa de filtração da água. Esse sistema é formado por várias camadas de sedimentos, onde se incluem cascalho, areia e antracito, um carvão em pó muito fino. Em condições normais, esse sistema de filtragem consegue reter sedimentos microscópicos – se um camarão com cerca de 1 mm está conseguindo passar pela filtragem, algo está muito errado nas estações de tratamento da cidade. 

Além da grande redução nos volumes disponíveis, os mananciais de água que atendem os grandes centros urbanos sofrem cada vez mais com a poluição, principalmente por causa do lançamento irregular de esgotos sanitários e carreamento de resíduos sólidos. Um caso que já tratamos em diversas postagens aqui no blog é o da ETA Guandu, o maior centro de produção de água potável da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. 

O grande manancial da região é o rio Guandu, cuja maior parte do seu volume de água tem origem no sistema de transposição das águas do rio Paraíba do Sul. Esse sistema foi construído com a missão de garantir o fornecimento de água para movimentar as turbinas de usinas de geração de energia elétrica. Após o uso, a água é lançada na bacia hidrográfica do rio Guandu e usada para o abastecimento de grande parte da população da cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. 

De solução para o problema crônico de água na capital fluminense e região de entorno, o rio Guandu se transformou numa enorme fonte de problemas por causa da poluição de suas águas. Frequentemente, os consumidores recebem água de péssima qualidade – os sistemas de tratamento não estão conseguindo dar conta de tanta poluição.  

Esse parece ser o caso de Ponta Grossa. Os pequenos camarões que estão chegando junto com as águas nas torneiras é o menor de todos os problemas. 

OS MIL DIAS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE BRUMADINHO 

O tema segurança de barragens frequentemente é citado aqui nas páginas do blog. Na última postagem falamos do risco de colapso da barragem de uma represa de água na Serra da Mantiqueira, mais especificamente no município de Paraisópolis, no Sul de Minas Gerais. 

Entre os comentários feitos, foi lembrado o trágico acidente com uma barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho, também em Minas Gerais. Essa tragédia é considerada como o maior acidente de trabalho do Brasil em número de vítimas – foram 170 mortos, sendo que 8 corpos ainda não foram recuperados. 

Por uma estranha coincidência (para não dizer trágica), hoje completam mil dias desde o rompimento dessa barragem. Equipes do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, que nunca descansaram no seu trabalho de busca aos corpos dos desaparecidos, receberam homenagens dos moradores de Brumadinho, em especial de familiares das vítimas. 

O rompimento da barragem ocorreu no dia 25 de janeiro de 2019 – imagens de uma câmera de segurança registraram o momento exato em que a barragem 1, literalmente, se dissolveu – 12h28min25s. As imagens deixam claro o completo estado de liquefação dos rejeitos minerais, características que explica a velocidade da onda que correu morro abaixo. 

A onda de lama e rejeitos precisou de poucos segundos para atingir diversos prédios e instalações da Mina do Córrego do Feijão, empreendimento de propriedade da Vale do Rio Doce. Um dos prédios atingidos foi justamente o refeitório da unidade, onde centenas de funcionários estavam reunidos para almoçar. A poderosa vaga engoliu a construção a um só golpe. 

Em pouco mais de 3 minutos, cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos minerais se espalharam por todo o vale do Córrego do Feijão até chegar na calha do rio Paraopeba, afluente do rio São Francisco. Casas ribeirinhas, plantações, matas e até um segmento de uma ponte ferroviária foram destruídos. 

De acordo com o IEF – Instituto Estadual de Florestas, cerca de 150 hectares de matas nativas foram destruídas pela lama. Essas matas eram importantes remanescentes da Mata Atlântica na região, onde se encontrava uma valiosa biodiversidade. 

Além da destruição da vegetação nativa e de plantações comerciais de muitas propriedades, essa onda de rejeitos poderá prejudicar a fertilidade dos solos por um longo tempo. Os rejeitos minerais contêm uma grande diversidade de metais pesados e outras substancias tóxicas prejudiciais ao meio ambiente. Mesmo com a remoção dessa camada de lama, os efeitos poderão ainda ser sentidos por muito tempo. 

As maiores perdas dessa tragédia foram mesmo as vidas humanas, onde se incluem funcionários e prestadores de serviço da empresa, assim como pessoas que estavam em casas próximas na hora do acidente. Um desses locais foi a pousada Nova Estancia, que na hora do acidente abrigava cerca de 35 pessoas. 

As equipes de socorro e de busca, formadas inicialmente por soldados do Corpo de Bombeiro de Minas Gerais, começaram seus trabalhos pouco tempo após a ruptura da barragem. Essa força recebeu apoio de tropas do Exército e da Aeronáutica, além de 130 militares de Israel, que se juntaram ao esforço emergencial. 

Cerca de uma semana depois, um total de 110 corpos de vítimas já haviam sido encontrados e começava uma fase complicada para a identificação das vítimas. Devido às características do acidente, os corpos encontrados se apresentavam bastante mutilados e as únicas formas para se fazer o reconhecimento era através de exames dentários, pela identificação de sinais particulares como tatuagens ou cicatrizes de fraturas, ou ainda por exames de DNA. 

Além dessas vítimas já localizadas, o balanço feito até então pelas autoridades falavam de outros 238 desaparecidos. Esse número foi sendo reduzido pouco a pouco à medida que supostos desaparecidos começaram a ser localizados. O número oficial de vítimas ficou em 270 mortos. 

Nas semanas que se seguiram, flashes ao vivo nas TVs e reportagens dos telejornais gravadas no local apresentaram todo o drama do resgate das vítimas. Reportagens especiais também buscavam mostrar as razões que levaram a essa tragédia. Cerca de três anos antes, não custa lembrar, um outro acidente do mesmo tipo e em um empreendimento da mesma empresa, acabou com a destruição do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, onde 19 pessoas morreram e a calha do rio Doce foi praticamente destruída. 

No início desse mês de outubro, o MPF – Ministério Público Federal, recebeu um estudo feito por especialistas em engenharia da UPCUniversitat Politècnica de Catalunya, onde as causas mais prováveis da tragédia foram estabelecidas. 

Como as imagens da onda de lama e rejeitos já mostravam, os especialistas afirmaram que a excessiva liquefação dos rejeitos foi a causa determinante para o colapso da barragem. O estudo também concluiu que a instalação de um dreno na barragem cerca de três meses antes do colapso também contribuiu para a tragédia. 

Todo esse conjunto de novas informações contidas nesse estudo, que foi acompanhado por especialistas da Polícia Federal e de instituições brasileiras, deverá auxiliar o Ministério Público Federal na formulação do processo de apuração das responsabilidades pela tragédia. Ressalte-se que, até o momento, ninguém ainda foi condenado e/ou responsabilizado em definitivo pelas mortes. 

De acordo com registros de organizações internacionais, ocorreram 35 acidentes com barragens de rejeitos de mineração em todo o mundo entre os anos de 2001 e 2018. Esse número indica a ocorrência de uma média de quatro acidentes desse tipo a cada ano, sendo que, pelo menos, um desses acidentes é de grandes proporções

Após a ocorrência de dois grandes acidentes com barragens de rejeitos de mineração, além de outras dezenas de acidentes menores, dentro de um período relativamente curto aqui no Brasil, era de se esperar que a fiscalização da segurança de estruturas desse tipo fosse uma prioridade de nossas autoridades. 

No milésimo dia após o acidente de Brumadinho, é lamentável constatar que ainda existem inúmeras barragens, de rejeitos minerais e de água, cheias de problemas, sendo que uma grande parte delas sequer está devidamente cadastrada nos órgãos responsáveis. Isso me leva a acreditar que “acidentes” similares ainda poderão acontecer em breve. Isso é lamentável. 

Como sempre, espero estar enganado quanto a isso… 

O RISCO DE ROMPIMENTO DE UMA BARRAGEM NO SUL DE MINAS GERAIS 

As fortes chuvas que estão caindo em extensas áreas do Estado de Minas Gerais são muito bem-vindas num período de seca extrema e de risco de racionamento de energia elétrica. Entretanto, conforme apresentamos na postagem anterior, nossas cidades não foram preparadas para suportar chuvas intensas e, sempre que uma cidade é atingida por um desses eventos, registram-se enchentes, alagamento e escorregamentos de encostas, muitos desses com vítimas fatais. 

Um exemplo do descaso com os problemas criados pela chegada do período das chuvas é o caso da represa do Parque Municipal Brejo Grande, localizada em Paraisópolis, um município mineiro localiza a cerca de 420 km de Belo Horizonte e bem próximo da divisa com o Estado de São Paulo. 

Essa represa foi construída no início da década de 1970, ocupando uma área de 12 hectares de um vale na Serra da Mantiqueira. Localizada a uma altitude de 1.400 metros acima do nível do mar, é considerada a maior represa artificial de altitude do Brasil. O objetivo inicial da obra era garantir o abastecimento de água da população, mas acabou transformada em uma atração turística da cidade. 

Em novembro de 2018, uma vistoria técnica encontrou diversas rachaduras e infiltrações no aterro da barragem. Um laudo técnico elaborado pelos especialistas determinou a realização de obras de recuperação em caráter de urgência, obras que não foram realizadas. 

Desde o último dia 1 de outubro, a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros iniciaram a remoção de famílias que vivem nas proximidades da barragem e que correm riscos em caso de colapso da estrutura. Segundo a Defesa Civil, essa evacuação é necessária por que a barragem foi colocada na classificação 3 – estrutura com alto risco de ruptura. 

De acordo com as autoridades, todos os moradores do Bairro Serra da Usina, que fica abaixo da crista da represa, precisam ser evacuados. As famílias que vivem na região, estimadas em número de 25, estão sendo encaminhadas para a casa de parentes ou para quartos de hotéis disponibilizados pela prefeitura. 

Segundo a Prefeitura de Paraisópolis, estão sendo feitos estudos para a recuperação da barragem desde o início de 2021. Como medida de segurança, o nível da represa foi rebaixado em 5 metros. A represa também possui um sistema de bombeamento monitorado 24 horas por dia que permite a redução do nível da represa a qualquer momento caso seja necessário. A Prefeitura não pretende esvaziar a represa. 

Um dado interessante que surgiu após a repercussão do risco de rompimento da barragem – apesar da construção já ter 50 anos, o projeto ainda não está cadastrado no IGAM – Instituto Mineiro de Gestão das Águas. Por mais absurdo que possa parecer, isso é algo que acontece com relativa frequência. 

De acordo com dados da ANM – Agencia Nacional de Mineração, o Estado de Minas Gerais possui 364 barragens de rejeitos de minerais, sendo que 46 apresentam problemas de segurança de diversos níveis nos últimos anos. Segundo o IGAM existem mais de 2.300 barragens de água outorgadas em Minas Gerais, além de 28 mil pequenas barragens classificadas como de “uso insignificante”. 

Notícias sobre o risco de colapso da barragem dessa represa surgem no momento em que um relatório preparado pelo CIMNE – Centro Internacional de Métodos Numéricos em Engenharia, na sigla em catalão, entidade vinculada a UPC – Universitat Politècnica de Catalunya, apresentou um estudo sobre o rompimento da barragem de Brumadinho, acidente ocorrido em 25 de janeiro de 2019. 

A produção do relatório de 500 páginas, que foi requisitado pelo MPF – Ministério Público Federal, foi acompanhada por peritos da Polícia Federal e por consultores técnicos independentes. O Relatório foi entregue ao MPF no dia 4 de outubro. 

De acordo com as conclusões do estudo, a ruptura da barragem aconteceu devido ao fenômeno da liquefação, ou seja, uma mudança do estado do material represado para a forma líquida. Segundo os estudos, a “maioria dos rejeitos minerais da barragem eram fofos, contráteis, saturados e mal drenados e, portanto, altamente sujeitos à liquefação”. 

Para se chegar a essas conclusões, os pesquisadores coletaram amostras de materiais e realizam uma série de estudos e testes em laboratórios. O estudo também incluiu a construção de um modelo matemático da barragem em computador, o que permitiu a realização de diversas simulações do processo de ruptura da estrutura. 

O colapso da barragem de rejeitos minerais da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho é classificado como o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas, além de ser o segundo maior acidente industrial deste século. O acidente deixou 270 mortos, sendo que os corpos de 8 vítimas ainda não foram recuperados. 

O impacto ambiental provocado pelo rompimento da barragem liberou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerais na bacia hidrográfica do rio Paraopeba, que é afluente do rio São Francisco. Esse desastre ambiental só é superado pelo rompimento da barragem de Mariana, ocorrido em 2015, que liberou um volume de mais de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerais e lama na bacia hidrográfica do rio Doce, além de causar 19 mortes. 

Entre outras informações importantes, o estudo cita um incidente ocorrido durante a instalação de um dreno em junho de 2018, cerca de 7 meses antes da ruptura da barragem. O procedimento resultou em vazamentos de lama em vários pontos da barragem, vazamentos esses que foram contidos logo depois. Esse dreno e os vazamentos provocaram um aumento local e temporário nas pressões da água, além de algum dano na barragem. 

Dados sismográficos, que registram ondas geradas pela movimentação do solo, sugerem a ocorrência de alguma liquefação contida dos rejeitos há época. Todos esses problemas foram determinantes para o desenvolvimento das condições que levaram ao colapso da barragem meses depois. 

Todas essas novas informações são essenciais para o processo judicial que busca identificar e responsabilizar todos os profissionais e autoridades com alguma responsabilidade nessa grande tragédia. 

Apesar do potencial de risco da represa do Parque Municipal Brejo Grande estar muito aquém daquele das grandes barragens de rejeitos mineiros, o eventual colapso da barragem pode colocar vidas em risco. Com o histórico recente de vítimas fatais em acidentes com barragens em Minas Gerais, todo o cuidado é pouco. 

Agora, o que chama mesmo a atenção nesse caso é o tempo que demorou para a tomada de providencias – foram quase três anos entre a elaboração do laudo com a indicação do risco de colapso e a efetiva evacuação dos moradores. Isso é “abusar da sorte”. 

AS FORTES CHUVAS CHEGAM A BELO HORIZONTE 

Enquanto muitas regiões do país ainda estão sofrendo com os efeitos de uma seca prolongada, as chuvas começam a voltar gradativamente em outras, trazendo no seu encalço todo um conjunto de problemas. Nessa última segunda-feira, dia 18, uma extensa área entre a Região Metropolitana de Belo Horizonte e a Represa de Três Marias sofreu com a forte chuva. 

No início da noite, o INMET – Instituto Nacional de Meteorologia, já havia emitido um Alerta Laranja, informando que eram esperadas chuvas entre 30 e 60 mm em toda a região, com ventos intensos, riscos de corte no fornecimento da energia elétrica, quedas de árvores, riscos de alagamentos e de descargas elétricas. 

Na capital mineira, Belo Horizonte, choveu metade de todo o volume esperado para todo o mês de outubro em apenas três horas. De acordo com o balanço da Defesa Civil do município, o volume médio acumulado na cidade de 51,7 milímetros. A média histórica de precipitações no mês na cidade é de 104,7 mm. 

A região mais castigada com as fortes chuvas foi a Região Leste, onde o volume acumulado foi de 93,2 mm. Na sequencia as regiões Nordeste, com 61,2 mm, Oeste, com 59,2 mm e Centro-Sul, onde os volumes acumulados chegaram aos 57 mm. 

No volume acumulado mensal, considerando o intervalo entre os dias 1 e 18 de outubro, algumas regiões da cidade já receberam um volume de chuvas duas vezes maior do que o esperado para todo o mês. Um desses casos é a Região Leste da cidade, onde o volume acumulado já atingiu a marca dos 219,2 mm. 

Por mais animadoras que as notícias dessas chuvas sejam em um momento em que muitas regiões estão sofrendo com uma escassez hídrica histórica, somos obrigados a lembrar que as cidades brasileiras não estão preparadas para conviver com fortes chuvas. Belo Horizonte, que historicamente sofre com enchentes a cada chuva mais forte, apresentou inúmeros pontos de alagamentos. 

A Defesa Civil interditou três avenidas da cidade por risco de alagamento. Uma dessas vias foi a Rua Joaquim Murtinho, no bairro Santo Antônio, onde eram visíveis os grandes volumes de lixo e resíduos sendo arrastados pelas fortes enxurradas. 

Belo Horizonte foi uma cidade planejada e construída especialmente para sediar o Governo de Minas Gerais. A região escolhida para o empreendimento foi uma grande planície que se estendia entre as Serras do Curral e de Contagem, com uma altitude de 800 metros e um clima agradável. A inauguração da cidade se deu em 12 de dezembro de 1897. Já em seus primeiros anos de vida, a população de Belo Horizonte chegou aos 10 mil habitantes. 

O principal curso d`água da cidade é o Ribeirão dos Arrudas, que tem suas nascentes na Serra do Rola Moça e que deságua no rio das Velhas. Ao longo do seu curso de cerca de 40 km, o Ribeirão Arrudas recebe contribuições de uma infinidade de córregos: Jatobá, Barreiro, Bonsucesso, Cercadinho, Piteiras, Leitão, Acaba Mundo, Serra, Taquaril, Navio-Baleia, Santa Terezinha, Ferrugem, Tijuco e Pastinho, entre muitos outros. 

Assim como aconteceu em outras grandes cidades brasileiras, o rápido crescimento da população de Belo Horizonte resultou numa ocupação desordenada dos solos urbanos. Áreas de várzeas foram aterradas para a criação de novos terrenos para a especulação imobiliária, córregos tiveram seus cursos retificados e restritos a canais com paredes de concreto. Outros tantos cursos d`água foram canalizados e tiveram suas antigas várzeas transformadas em avenidas de fundo de vale

Os grandes “milagres” da urbanização transformaram Belo Horizonte na terceira maior metrópole do país e centro de uma importante região metropolitana. Esse crescimento todo, é claro, teve um grande custo ambiental e, nos períodos de chuva, a natureza sempre lembra de “mandar a fatura”. 

Todos os anos, a cidade é palco de enchentes catastróficas no período das chuvas. Muitas das enchentes recorrentes têm endereço certo como longos trechos da Avenida do Contorno e da Avenida Andradas, vias construídas na antiga várzea do Ribeirão dos Arrudas. A temporada de chuvas deste ano, ao que tudo indica, será acompanhada pelas grandes enchentes de sempre. 

Outra cidade próxima que foi fortemente castigada por chuvas nesse mesmo dia foi Ouro Preto, localizada a cerca de 100 km de Belo Horizonte. A cidade histórica e antiga capital do Estado registrou um volume total acumulado de 220 mm em poucas horas. Os rios Maracujá e Cachoeira do Campo transbordaram, causando uma série de transtornos. 

Em vários bairros localizados próximos das margens desses rios, os moradores foram obrigados a subir nos telhados das casas para fugir das fortes correntezas criadas pela enchente. De acordo com a Defesa Civil, pelo menos 25 famílias tiveram de ser removidas de suas casas e abrigadas em uma escola pública. 

No distrito de Cachoeira do Campo, a enchente tomou conta das ruas em poucos minutos, com o nível da água atingindo a marca de 1,5 metro. Um rio de lama tomou conta das ruas locais e das casas. Segundo relatos dos moradores, essa foi a “uma das piores enchentes de todos os tempos” na localidade. 

Como sempre acontece nessas situações, moradores tiveram as suas casas invadidas e destruídas pelas águas das enchentes, pela lama e também pelo lixo trazido pela enxurrada. Carros foram arrastados e danificados, muitos inclusive sendo considerados como perda total. Governantes e funcionários públicos repetiram mais uma vez exaustivos discursos, afirmando que inúmeras providencias e ações preventivas foram tomadas para evitar os transtornos e prometeram redobrar os esforços no futuro. 

Felizmente, até onde foi possível acompanhar nos relatos das chuvas desse dia, não foi registrada nenhuma morte por afogamento ou por desabamento de alguma construção. Porém, quando fazemos um retrospecto dos anos anteriores, essas são tragédias anunciadas e com hora marcada, e que fatalmente farão suas vítimas nos próximos eventos. 

Chuvas de verão em um país de clima essencialmente tropical como o Brasil são mais do que esperadas e, o mínimo que se pode prescindir é que nossas cidades tenham uma infraestrutura adequada para suportar grandes volumes acumulados em poucas horas. Por mais elementar que isso possa parecer, não é o que acontece. 

Entra ano, sai ano e as tragédias continuam a se repetir.  Lamentavelmente, notícias sobre enchentes, alagamentos, desabamentos de encostas de morros e outros problemas ligados à temporada de chuvas de verão voltarão a ocupar postagens aqui do blog nessa e outras temporadas de chuva. 

Quem sabe, ainda veremos chegar um dia em que tais notícias serão lembranças de um passado distante…

A “LENDÁRIA” TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO 

Na última postagem fizemos um rápido apanhado dos problemas históricos vividos pelas populações do Semiárido Nordestino por causa dos ciclos constantes de grandes estiagens. A seca na região é um problema crônico criado por uma combinação de correntes marítimas e de ventos no Oceano Atlântico, além de particularidades no relevo e no clima da região.  

A mão humana também deu suas contribuições para o agravamento do problema – grandes extensões da cobertura nativa da região, a caatinga, foram derrubadas e queimadas para a formação de pastagens para o gado. Cerca de metade da vegetação original do bioma já foi devastada ao longo de cinco séculos de história do nosso país. 

Entre as muitas ideias que foram formuladas para amenizar os impactos da seca no Semiárido Nordestino destacava-se um projeto para a transposição das águas do rio São Francisco. Essas águas seriam conduzidas na direção de terras extremamente áridas nos Estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, além de regiões de Pernambuco. Esse projeto foi pensado inicialmente na década de 1840. 

Apesar de todas as boas intenções dos idealizadores, o projeto não poderia ser realizado por falta de tecnologias e recursos de engenharia adequados à época. Citando um único exemplo: a tecnologia para bombear a água a grandes alturas com o uso da eletricidade só estaria disponível 50 anos depois.  

A discussão acerca de um sistema de transposição voltou a ser considerada nas décadas de 1940, época do Governo Vargas, e de 1980, no Governo do Presidente João Batista de Figueiredo. Em 1994, durante o Governo do Presidente Itamar Franco, foi iniciado um estudo sobre os potenciais hídricos das bacias hidrográficas do Semiárido nos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, estudos que prosseguiram durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.   

Em 2007, já no Governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, um projeto de transposição das águas do Rio São Francisco começou a ser implantado, com obras sendo executadas por batalhões especializados em engenharia do Exército Brasileiro e por construtoras privadas. Depois de inúmeros atrasos, suspeitas de fraude e superfaturamentos, o primeiro trecho do Eixo Leste do Sistema de Transposição do Rio São Francisco foi inaugurado oficialmente no início de março de 2017 pelo Presidente Michel Temer, que havia assumido o Governo após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 2016.  

Projeções oficiais do Governo Federal estimavam que, quando as obras do projeto estivessem totalmente concluídas, o Sistema de Transposição das águas do rio São Francisco poderia atender até 12 milhões de pessoas nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, levando as águas do Rio São Francisco para uma extensa área do Semiárido. Infelizmente, como todos sabemos, as coisas não saíram exatamente como muitos haviam sonhado ao longo de muitas gerações.  

Orçadas inicialmente em R$ 4,5 bilhões e com previsão de conclusão em 5 anos, as arrastadas obras do Projeto de Transposição entraram num nada seleto conjunto de obras superfaturadas e mal feitas, onde o principal objetivo dos governantes e autoridades de plantão era o desvio de verbas públicas. Os poucos trechos inaugurados, rapidamente passaram a apresentar problemas de vazamentos de água, estações de bombeamento estavam trabalhando com capacidade muito abaixo do projetado e grandes trechos de canais foram abandonados inconclusos. De acordo com os últimos levantamentos, os custos das obras já superaram a barreira dos R$ 10 bilhões.  

Desde que assumiu o comando do Executivo em 2019, o Governo atual passou a priorizar a conclusão de obras inacabadas por uma questão de economia, uma vez que obras, mesmo quando paradas, consomem recursos públicos e não geram benefícios para a população. Pela sua importância social (e também política), o Projeto de Transposição foi colocado como obra prioritária desse Governo. 

O rio São Francisco, chamada carinhosamente de Velho Chico pelos sertanejos, é maior e mais importante rio da Região Nordeste. Com nascentes na Serra da Canastra, em Minas Gerais, o rio São Francisco percorre cerca de 2.800 km até atingir a sua foz no Oceano Atlântico na divisa dos Estados de Alagoas e Sergipe. 

O Sistema de Transposição do rio São Francisco se divide em duas partes principais: o Eixo Leste, com extensão de 217 km, que deverá atender cerca de 170 cidades nos Estados de Pernambuco e Paraíba, beneficiando cerca de 5,5 milhões de pessoas. O Eixo Norte terá cerca de 260 km e atenderá cerca de 6,5 milhões de pessoas em 220 cidades do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Além dos canais, o sistema contará com 13 aquedutos, 9 estações de bombeamento, 4 túneis e 28 reservatórios, além de 270 km de linhas de transmissão em alta tensão. 

Um marco importante do andamento das obras aconteceu no início do último mês de marco, quando as águas da transposição começaram a chegar no Açude Castanhão, no Ceará. Inaugurado em 2002, o Castanhão tem capacidade para armazenar cerca 6,7 bilhões de m³ de água, tendo como missão principal o abastecimento de mais de 4 milhões de pessoas na Região Metropolitana de Fortaleza. Apesar de sua enorme capacidade de armazenamento, o Castanha vinha sofrendo com os baixos níveis de água armazenada. 

Outro destaque recente foi a assinatura do contrato para a construção do Ramal do Apoti, obra que corresponde ao trecho final do Eixo Norte. Esse ramal terá cerca de 115 km de extensão e permitirá a chegada das águas da transposição no Reservatório Caiçara, na Paraíba, e depois ao Reservatório de Angicos, no Rio Grande do Norte. A obra vai atender 54 municípios nos Estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, beneficiando um total de 750 mil habitantes. 

Sem jogar confete para nenhum Governo (que nada mais fazem do que cumprir a sua obrigação e assim garantir o bem estar das populações do Semiárido), parece que o Projeto de Transposição das águas do rio São Francisco caminha finalmente para a sua conclusão. A solução definitiva para a escassez crônica de água em grande parte do Semiárido Nordestino ainda estará longe de ser resolvida, mas, se os números anunciados no Projeto estiverem corretos, mais de 12 milhões de sertanejos deixarão de sofrer com a falta de água. 

Existem duas lições importantes a tirar desse grande projeto. Em primeiro lugar, ressaltar a capacidade da engenharia na busca de soluções para o abastecimento de água. Em tempos de grandes mudanças climáticas em todo o mundo, essas lições serão fundamentais para a realização de inúmeras obras hidráulicas. Em segundo lugar, a inominável capacidade de Governantes em desviar recursos de uma obra tão fundamental para a vida de milhões de pessoas. De um orçamento inicial de R$ 4,7 bilhões, já foram gastos mais de R$ 10 bilhões e as obras ainda não foram concluídas. 

É a tal da “indústria da seca”, que de lenda não tem nada…

A GRANDE SECA DE 1580-1583 E OUTROS GRANDES PROBLEMAS DE ESCASSEZ HÍDRICA NO NORDESTE BRASILEIRO

De acordo com o relato do historiador Marco Antônio Villa em seu livro “Vida e Morte no Sertão”, a primeira seca relatada por documentos portugueses no Nordeste Brasileiro data de 1552. Entre os anos de 1580 e 1583, a região canavieira do litoral da região sofreu enormes prejuízos com a estiagem prolongada e há relatos do deslocamento de 5 mil índios em direção ao Sul em busca de água, comida e melhores condições de vida. 

Existem registros deixados por antigos cronistas, religiosos e médicos com testemunhos de secas de grandes proporções nos anos de 1744, 1790 e 1846. A “Grande Seca”” que se abateu durante o Reinado de Dom Pedro II, entre os anos de 1877 e 1879, foi bem documentada e divulgada pela imprensa há época. De acordo com informações de Marco Antônio Villa, as fortes estiagens no Sertão Nordestino entre 1825 e 1983, deixaram cerca de 3 milhões de mortos

Em tempos mais contemporâneos, as secas de 1915 e 1932 foram marcantes. Além de afetar milhões de sertanejos e deixar milhares de mortos, essas catástrofes foram incorporadas ao patrimônio cultural brasileiro. Grandes obras de nossa literatura como “O quinze”, da escritora cearense Rachel de Queiróz, e “Vidas Secas”, do alagoano Graciliano Ramos, eternizaram o drama das inúmeras vítimas dessa tragédia. 

Mesmo longe da região conhecida como “Polígono das Secas”, muitos artistas deixaram obras onde registraram as suas emoções pelo drama de seus compatriotas. Um exemplo foi o pintor paulista Candido Portinari que criou pinturas com essa temática. Exemplos são “Os retirantes” e “O menino morto” (vide imagem), ambas pinturas feitas em 1944.  

Um dos primeiros documentos oficiais onde se registra uma ação governamental para o combate à seca é uma Carta Régia de 17 de março de 1796, onde é nomeado um juiz conservador das matas. Outro documento, esse de 11 de junho de 1799, decretava: 

“se coíba a indiscreta e desordenada ambição dos habitantes (da Bahia e Pernambuco) que têm assolado a ferro e fogo preciosas matas… que tanto abundavam e já hoje ficam a distâncias consideráveis.” 

A ideia de grandes obras hidráulicas para o combate às secas do Sertão Nordestino data da década de 1840, quando técnicos passaram a estudar a possibilidade de transpor as águas do rio São Francisco na direção de terras altamente áridas da região. Um estudo realizado em 1877 pelo engenheiro austríaco Guilherme Schüch, mais tarde nomeado Barão de Capanema, indicava não existir recursos técnicos há época para transpor a Chapada do Araripe, localizada na divisa dos Estados do Ceará, Piauí e Pernambuco. 

Entre os anos de 1877 e 1879, o Governo Imperial criou uma comissão de engenheiros que tinha como missão estudar alternativas para o combate à seca. Entre as soluções que foram propostas destacam-se a perfuração de poços, a construção de ferrovias e de estradas, além de obras para o armazenamento de água como barragens e açudes.  

O Açude do Cedro, localizado em Quixadá no Ceará, foi uma das primeiras obras construídas por indicação dessa comissão técnica. A ordem para o início das obras foi assinada pelo Imperador Dom Pedro II, que foi deposto com a Proclamação da República em 1899. As obras só seriam iniciadas em 1890 e concluídas em 1906. 

Em 1909, já no período dos governos republicanos, foi criada a IOCS – Inspetoria de Obras Contra a Seca. Em 1919, a autarquia passou a ser chamada de IFOCS – Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas; em 1945, passou a ser chamado de DNCOS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. 

Ao mesmo tempo em que surgiam ações governamentais voltadas a criação de políticas e obras contra as secas, surgiu informalmente o que se convencionou chamar de “a indústria da seca”. Políticos, fazendeiros e industriais das regiões que eram assoladas frequentemente pelas fortes estiagens passaram a manipular os recursos liberados para seu benefício próprio. Aqui se incluíam benefícios fiscais, créditos e perdão de dívidas, além é claro do controle das obras. 

Foram inúmeros os casos onde a construção de poços, canais, barragens e açudes foram feitos em terras ou em regiões controladas política e economicamente por esses grupos. De acordo com dados do historiador Villa, dos mais de 8 mil açudes que foram construídos no Estado do Ceará até 1998, menos de 100 eram públicos – todos os demais foram construídos em áreas particulares com uso de dinheiro público. Isso nos dá uma ideia de como os recursos públicos destinados ao combate das secas foram usados na região. 

Em 1959, no Governo do Presidente Juscelino Kubistchek, foi criada a SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Essa autarquia federal tinha a missão de “promover o desenvolvimento includente e sustentável de sua área de atuação e a integração competitiva da base produtiva regional na economia nacional e internacional“. A área de atuação da SUDENE se estendia por todos os Estados da Região Nordeste, além de trechos do Norte dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. 

Entre outras atividades, a SUDENE concedia uma série de incentivos fiscais para a instalação de indústrias na região. Ao longo da década de 1980, eu trabalhei para uma empresa multinacional que instalou uma fábrica em Recife, justamente para se aproveitar desses incentivos. Componentes e peças eram importadas da Europa isentos de impostos e a montagem dos equipamentos era feita na fábrica local, o que garantia preços altamente competitivos no mercado. 

Esses incentivos fiscais permaneceram até o início de década de 1990. Com o fim dessa política, a empresa simplesmente fechou essa fábrica e transferiu a produção para Manaus, onde continuavam a existir os incentivos fiscais da SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus. Simples assim… 

Uma outra fonte inesgotável para o desvio de recursos públicos destinados ao combate dos efeitos das secas na região são os caminhões-pipas, veículos usados para o transporte de água potável para as populações. Grandes grupos econômicos e políticos costumam manipular esses recursos, que acabam sendo direcionadas para frotas próprias desses grupos. O Exército Brasileiro realiza há mais de 20 anos o Programa de Distribuição de Água Potável na região do Semiárido Brasileiro como uma forma de combater uma parte importante desses desvios

Em resumo – as grandes estiagens que se abatem periodicamente nos Sertões do Nordeste causam muita dor e enormes tragédias na vida de milhões de sertanejos. Entretanto, essas tragédias geram grandes ganhos para grupos econômicos e políticos locais. Nessa luta desproporcional, as populações pobres sempre levam a pior…