A origem da palavra lixo é lix, que em latim significa “cinza”, provavelmente associado ao hábito antigo de se queimar os resíduos, talvez a forma mais antiga de se “gerir” o lixo de uma família, comunidade ou de uma cidade. O termo lixão em português brasileiro, aumentativo da palavra lixo, remete claramente ao acúmulo de resíduos em um lugar afastado das habitações, para onde sistematicamente as pessoas seguiam para descartar seus resíduos. Antigos lixões ou áreas de descarte de resíduos de antigas cidades e civilizações são uma verdadeira mina de ouro para historiadores e arqueólogos que, juntando minuciosamente os pequenos pedaços de cerâmicas, madeiras, vidros e metais, montam verdadeiros quebra-cabeças na busca de detalhes da vida dos antigos moradores.
No contexto desse post, lixão resume o que existe de pior em termos de descarte de resíduos sólidos, com o acúmulo e decomposição de todo o tipo de materiais orgânicos, substâncias químicas e lixo sólido formado pelos mais diferentes tipos de materiais, na caótica qualidade de vida dos catadores de recicláveis que ali trabalham e que muitas vezes ali vivem e na degradação ambiental gradual de um território feita de uma das piores maneiras possíveis.
Quantificar o número de lixões e determinar a quantidade de seres humanos que neles trabalham não é tarefa fácil. Pesquisando-se sobre o tema, fontes diferentes apresentaram números bastante diversos. Para tentar determinar com algum grau de confiabilidade esse número, usei informações do Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos de 2014, publicação do Ministério das Cidades que, baseando-se em informações fornecidas pelas prefeituras, afirma que aproximadamente 12% dos municípios do país ainda deposita os seus resíduos sólidos de maneira irregular em lixões. Considerando que o Brasil possui 5.570 municípios e, assumindo-se a existência de, pelo menos, um lixão em 12% desses municípios, chega-se ao total de 668,4 lixões, um número muito baixo diante da nossa realidade. Esse diagnóstico também mostra que aproximadamente 20% dos municípios brasileiros não forneceram as informações sobre o manejo dos resíduos sólidos, o que permite supor que o número é bem maior, podendo se situar entre 1.500 e 2.000 lixões. Outras fontes consultadas chegam a falar de 3.000 lixões em atividade por todo o país. Mapas incluídos no Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos de 2014 mostram que os municípios que ainda utilizam os lixões estão concentrados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2010, indicavam que aproximadamente 100 mil toneladas diárias de resíduos urbanos não tinham uma destinação adequada, sendo descartados em lixões a céu aberto em encostas, rios e lagos. Outros dados alarmantes:
a) Dos aterros/lixões existentes, 63% estão localizados próximos a áreas agropecuárias, 18% próximos de áreas residenciais e 7% próximos à APA’s – Áreas de Proteção Ambiental;
b) Um total de 1.548 municípios contabilizou uma população de 24.340 catadores, sendo 22% do grupo formado por menores de 14 anos, vivendo e trabalhando em condições subumanas nos lixões; 85% destes municípios não realizava qualquer trabalho social com esses catadores; 177 Municípios informaram que 7.264 pessoas, sendo 33% menores de 14 anos, moravam dentro dos lixões;
c) O DATASUS, base de dados do Governo Federal com informações da área da Saúde, registrou mais de 630 mil casos anuais de internações por doenças decorrentes do saneamento ambiental inadequado, causadas, principalmente pela ingestão de água contaminada por esgoto e lixo disposto na natureza (diarreias, esquistossomose, leptospirose, hepatite A etc.) e pela ação dos vetores (dengue, febre amarela, malária etc.);
d) A coleta seletiva regular era realizada em menos de 10% dos municípios brasileiros, atingindo menos de 20% da população destes municípios. Mais de 400 mil pessoas se dedicavam à coleta de materiais recicláveis nas ruas das cidades brasileiras;
e) Aterros e lixões localizados próximos de áreas residenciais, de exploração agropecuária e de áreas de proteção ambiental, criavam sérios riscos de contaminação das reservas de água potável por chorume (licor decorrente da degradação da matéria orgânica depositada nos aterros).
Considerando-se que as coisas na área do saneamento básico andam muito devagar aqui no Brasil, estes dados defasados e imprecisos são suficientes para dar uma ideia das condições de vida do povo do lixo.
Continuaremos nesse assunto no próximo post.