OS LIXÕES NO BRASIL

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A origem da palavra lixo é lix, que em latim significa “cinza”, provavelmente associado ao hábito antigo de se queimar os resíduos, talvez a forma mais antiga de se “gerir” o lixo de uma família, comunidade ou de uma cidade. O termo lixão em português brasileiro, aumentativo da palavra lixo, remete claramente ao acúmulo de resíduos em um lugar afastado das habitações, para onde sistematicamente as pessoas seguiam para descartar seus resíduos. Antigos lixões ou áreas de descarte de resíduos de antigas cidades e civilizações são uma verdadeira mina de ouro para historiadores e arqueólogos que, juntando minuciosamente os pequenos pedaços de cerâmicas, madeiras, vidros e metais, montam verdadeiros quebra-cabeças na busca de detalhes da vida dos antigos moradores.

No contexto desse post, lixão resume o que existe de pior em termos de descarte de resíduos sólidos, com o acúmulo e decomposição de todo o tipo de materiais orgânicos, substâncias químicas e lixo sólido formado pelos mais diferentes tipos de materiais, na caótica qualidade de vida dos catadores de recicláveis que ali trabalham e que muitas vezes ali vivem e na degradação ambiental gradual de um território feita de uma das piores maneiras possíveis.

Quantificar o número de lixões e determinar a quantidade de seres humanos que neles trabalham não é tarefa fácil. Pesquisando-se sobre o tema, fontes diferentes apresentaram números bastante diversos. Para tentar determinar com algum grau de confiabilidade esse número, usei informações do Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos de 2014, publicação do Ministério das Cidades que, baseando-se em informações fornecidas pelas prefeituras, afirma que aproximadamente 12% dos municípios do país ainda deposita os seus resíduos sólidos de maneira irregular em lixões. Considerando que o Brasil possui 5.570 municípios e, assumindo-se a existência de, pelo menos, um lixão em 12% desses municípios, chega-se ao total de 668,4 lixões, um número muito baixo diante da nossa realidade. Esse diagnóstico também mostra que aproximadamente 20% dos municípios brasileiros não forneceram as informações sobre o manejo dos resíduos sólidos, o que permite supor que o número é bem maior, podendo se situar entre 1.500 e 2.000 lixões. Outras fontes consultadas chegam a falar de 3.000 lixões em atividade por todo o país. Mapas incluídos no Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos de 2014 mostram que os municípios que ainda utilizam os lixões estão concentrados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2010, indicavam que aproximadamente 100 mil toneladas diárias de resíduos urbanos não tinham uma destinação adequada, sendo descartados em lixões a céu aberto em encostas, rios e lagos. Outros dados alarmantes:

a) Dos aterros/lixões existentes, 63% estão localizados próximos a áreas agropecuárias, 18% próximos de áreas residenciais e 7% próximos à APA’s – Áreas de Proteção Ambiental;

b) Um total de 1.548 municípios contabilizou uma população de 24.340 catadores, sendo 22% do grupo formado por menores de 14 anos, vivendo e trabalhando em condições subumanas nos lixões; 85% destes municípios não realizava qualquer trabalho social com esses catadores; 177 Municípios informaram que 7.264 pessoas, sendo 33% menores de 14 anos, moravam dentro dos lixões;

c) O DATASUS, base de dados do Governo Federal com informações da área da Saúde, registrou mais de 630 mil casos anuais de internações por doenças decorrentes do saneamento ambiental inadequado, causadas, principalmente pela ingestão de água contaminada por esgoto e lixo disposto na natureza (diarreias, esquistossomose, leptospirose, hepatite A etc.) e pela ação dos vetores (dengue, febre amarela, malária etc.);

d) A coleta seletiva regular era realizada em menos de 10% dos municípios brasileiros, atingindo menos de 20% da população destes municípios. Mais de 400 mil pessoas se dedicavam à coleta de materiais recicláveis nas ruas das cidades brasileiras;

e) Aterros e lixões localizados próximos de áreas residenciais, de exploração agropecuária e de áreas de proteção ambiental, criavam sérios riscos de contaminação das reservas de água potável por chorume (licor decorrente da degradação da matéria orgânica depositada nos aterros).

Considerando-se que as coisas na área do saneamento básico andam muito devagar aqui no Brasil, estes dados defasados e imprecisos são suficientes para dar uma ideia das condições de vida do povo do lixo.

Continuaremos nesse assunto no próximo post.

O POVO DO LIXO

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A definição de povo pode ser a de um conjunto de indivíduos que, num determinado momento de sua história, passa a constituir uma nação; normalmente, esse conjunto de indivíduos vive num território comum.  É comum também que os indivíduos pertençam a uma mesma etnia, com valores culturais e linguísticos semelhantes. Numa linguagem mais popular, o termo povo pode se referir à população que vive numa cidade, numa região, numa comunidade ou até mesmo em uma família – é o famoso “povo popular”.

Existem alguns povos que, tradicionalmente, têm sua identidade associada a lugares ou formas de vida: povo das montanhas, povo do deserto, povo do mar, povo do gelo, povos da floresta e assim por diante. Aqui no Brasil e em outros países tão miseráveis quanto o nosso, existem milhões de pessoas que, literalmente, moram dentro dos chamados lixões ou que vivem em suas bordas, retirando o seu sustento da coleta de materiais “recicláveis” – estou tomando a liberdade (e ponha-se liberdade nisso) de chamar esse grupo populacional de povo do lixo. Forçando um pouco a mão, podemos até incluir os catadores de recicláveis neste grupo.

Muitos grupos populacionais, como os catadores de materiais recicláveis (nome politicamente correto usado para se referir a esta população), podem ser considerados como invisíveis – seus membros estão por toda a parte, mas a população dominante finge que eles não existem. Um exemplo, são os moradores de rua da cidade de São Paulo: dados oficiais da Prefeitura falam de uma população de 14 mil pessoas vivendo nas ruas e avenidas da cidade, porém fontes da mesma Prefeitura falam que este número está subestimado. Moradores de rua ou “sem teto”, como alguns grupos políticos preferem usar, habitam em lugares ermos embaixo de pontes e viadutos, imóveis abandonados, túneis de serviço subterrâneos, terrenos baldios entre outros verdadeiros esconderijos urbanos, tornando difícil sua visualização e contabilização. Muitos desses indivíduos estão contidos na população dos catadores de recicláveis, outros em populações marginais como dependentes químicos, doentes mentais, idosos abandonados pelas famílias e outros mais.

Numa tentativa de determinar o tamanho e conhecer melhor as características desse grupo, a Secretaria-Geral da Presidência da República e a Secretaria de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego desenvolveram um trabalho conjunto, publicado em 2012 sob o título de Diagnóstico sobre Catadores de Resíduos Sólidos, nome pomposo para apresentar o povo do lixo. O estudo, com números e resultados surpreendentes, possibilitou, inicialmente, a quantificação do tamanho dessa população: 400 mil pessoas, população maior que algumas capitais brasileiras como Porto Velho, Boa Vista e Macapá, e muito superior à de alguns pequenos países insulares do Oceano Pacífico como a Federação Micronésia e o Território da Polinésia Francesa. Quando a estatística inclui os familiares e dependentes, o número salta para 1,4 milhão de pessoas ou 0,7% da população brasileira ou ainda quase o dobro da população do Estado do Acre. É muita gente para se continuar a ignorar por mais tempo…

A maioria dessa população é formada, basicamente, por homens jovens, negros ou pardos, de baixa escolaridade e moradores das áreas urbanas, sobrevivendo com uma renda entre meio e um salário mínimo. Em algumas regiões, especialmente no Nordeste e Norte, a situação é bem pior que nas demais. O estudo também mostrou que apenas 10% deste contingente de catadores estão organizados em cooperativas – membros de um grupo vulnerável, com baixa escolaridade e trabalhando individualmente apresentam todas as condições para exploração por grupos mais fortes e organizados. Uma das consequências da falta de força se mostra na venda dos recicláveis “garimpados” no dia a dia com tanto esforço – os preços pagos pelos intermediários é sempre muito baixo, condenando esses catadores ao um ciclo interminável de vida na pobreza: passar o dia inteiro reunindo “produtos”, que transformados em dinheiro garantirão o jantar e, com um pouco de sorte, o próximo café da manhã.

Vamos continuar falando sobre o povo do lixo nos próximos posts.

AS ABENÇOADAS CHUVAS DO VERÃO

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Quem acompanha as minhas postagens sabe que raramente publico textos aos sábados e, quando o faço, a temática é sempre especial.

A temporada das chuvas de Verão, ano após ano, é um período de estresse para muita gente que sofre, sistematicamente, com enchentes, riscos de desabamentos, epidemias de doenças infectocontagiosas – em especial a Dengue, e todos os demais problemas associados à nossa falta de infraestrutura e capacidade para lidar com um fenômeno natural de um país de clima essencialmente equatorial e tropical – as chuvas. Parágrafo demasiadamente longo, mas que exprime a nossa realidade.

Nesse Verão, tudo segue igual ao de sempre, mas há pontos positivos – o mais importante é que, depois de muitos anos, as fortes chuvas também estão caindo nas áreas de mananciais das três principais Regiões Metropolitanas do país, onde vive um quinto da população brasileira: Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.

O Sistema Paraopeba, um dos responsáveis pelo abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, alcançou em 26/01 o índice de 62,8% de água armazenada, volume atingido pela última vez em junho de 2014. Os três reservatórios do Sistema – Rio Manso, Vargem das Flores e Serra Azul, operam com níveis de 79,2%, 53,8% e 36,9% respectivamente – há um ano atrás, os níveis nestes reservatórios eram, respectivamente, 30,4%, 28,8% e 6,9%.

O Estado do Rio de Janeiro e, particularmente, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem o Rio Paraíba do Sul como principal manancial de abastecimento. Como já mostrei em posts anteriores, o Rio Guandu é o principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana – um rio pequeno, que nasce na região serrana e que, graças a um complexo sistema de estações de bombeamento e de reservatórios construídos para geração de energia elétrica, recebe as águas transpostas da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul e responde por 80% da água consumida pela população da cidade do Rio de Janeiro e de municípios da Região Metropolitana. Em 26/01, o volume útil de água armazenada nos reservatórios do Rio Paraíba do Sul correspondia a 56,62% do volume útil total de água. Na mesma data no ano passado, o volume armazenado era equivalente a 25,75% do volume útil.

Na Região Metropolitana de São Paulo, a precipitação nas áreas de mananciais também tem sido generosa. Como já comentei em diversos posts anteriores, 60% da água utilizada para o abastecimento das populações da Região Metropolitana paulista é importada de outras bacias hidrográficas – o famoso Sistema Cantareira é o principal sistema exportador de água para a Região.

Como foi notícia em todo o Brasil, o Sistema Cantareira entrou em colapso em 2014, o que forçou as autoridades a impor um drástico programa de racionamento de água a toda a população das Regiões Metropolitanas de São Paulo e, em menor escala, de Campinas. Durante meses a fio, foi necessário bombear a água do chamado volume morto (água acumulada abaixo do nível mínimo de captação do Sistema) para suprir apenas parcialmente as necessidades da população – coube ao Sistema Guarapiranga, cuja represa homônima fica na zona Sul da cidade de São Paulo, a tarefa de fornecer a maior parte da água para abastecimento da Região. Apesar da forte repercussão negativa e do uso do racionamento nas disputas entre grupos políticos, podemos dizer que entre mortos e feridos, salvaram-se todos – chuvas regulares e acima da média estão recuperando gradativamente o Sistema Cantareira, que opera hoje com 58,8% do volume útil – há exato um ano atrás, esse nível era de 14,7%.

Como se vê, as chuvas de Verão, apesar dos inúmeros dramas que temos assistido nas últimas semanas em muitas cidades pelo Brasil afora, têm cumprido seu papel e estão a encher os reservatórios que atendem as Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Infelizmente, em muitas regiões, as chuvas estão aquém das necessidades – o Distrito Federal é um exemplo: a Barragem do Rio Descoberto, responsável por 65% do abastecimento regional de água, está com um nível assustadoramente baixo – apenas 18%. Pela primeira vez na história, foi implantado um rodízio no abastecimento de água do Distrito Federal.

Na tradição popular, São Pedro abre e fecha as portas e janelas do céu, decidindo quem entra através dos portões do paraíso e controlando também as chuvas que caem do céu para saciar a sede da terra. Neste Verão, São Pedro tem feito a sua parte e as chuvas tem caído generosamente em grande parte do país – falta aos homens fazer a sua parte e preparar as cidades para suportar estas chuvas da melhor maneira possível.

OS RESÍDUOS PERFUROCORTANTES OU ESCARIFICANTES – GRUPO E

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A foto que ilustra esse post é da divulgação do filme EPIDEMIA, lançado em 1995 e que contou com um elenco de primeira linha: Dustin Hoffman, Rene Russo, Cuba Gooding Jr, Kevin Spacey, Morgan Freeman, Patrick Dempsey e Donald Sutherland, entre outros. Para quem ainda não viu, fica a dica.

O enredo do filme tem tudo a ver com o tema de hoje: um vírus desconhecido e mortal começa a assolar a população de uma pequena cidade nos Estados Unidos. Preocupado com a possível disseminação da doença, o exército americano isola a cidade, impedindo a saída de qualquer um dos moradores enquanto uma equipe de médicos e virologistas luta contra o tempo para descobrir a origem, o portador do vírus e a cura. Em uma das cenas, a personagem vivida pela atriz Rene Russo – uma médica, se fere acidentalmente com uma agulha com o sangue de um dos doentes e é contaminada com o vírus mortal, aumentando a emoção do filme.

Apesar de ser uma obra de ficção, o risco de contaminação com as agulhas, bisturis e outros objetos perfurocortantes ou escarificantes em áreas de isolamento em hospitais e centros de pesquisa é uma realidade – profissionais da área de saúde devem seguir rigorosos protocolos de segurança. Epidemias com cepas de vírus altamente perigosos também são uma ameaça real em nossos dias – entre 2013 e 2015, diversos países da África Ocidental enfrentaram uma epidemia devastadora causada pelo vírus Ebola, que deixou um rastro de destruição e de mortes: mais de 11.300 mortes oficiais em mais de 28.600 casos relatados – mais de 99% na Guiné, Libéria e Serra Leoa. Graças aos esforços da OMS – Organização Mundial da Saúde, e de profissionais e de organizações de saúde de diversos países, a epidemia foi controlada e praticamente erradica da região – casos isolados continuam a ser notificados.

Os Resíduos dos Serviços de Saúde do Grupo E, os chamados materiais perfurocortantes ou escarificantes, incluem: objetos e instrumentos contendo cantos, bordas, pontas ou protuberâncias rígidas e agudas, capazes de cortar ou perfurar. Os materiais mais comuns desse Grupo são lâminas de barbear, agulhas, escalpes, brocas, limas endodônticas, pontas diamantadas, lâminas de bisturi, tubos capilares, lancetas, ampolas de vidro, micropipetas, lâminas e lamínulas, espátulas. Todos os utensílios de vidro quebrados no laboratório (pipetas, tubos, de coleta sanguínea e placas de Petri) e outros similares. Esses materiais podem ser infectados durante o uso com vírus, bactérias, substâncias químicas etc, podendo infectar profissionais de todas as áreas que, por alguma eventualidade, venham a se ferir com pontas e lâminas; se descartados de maneira irregular, esse risco passará aos profissionais de coleta de resíduos, catadores de materiais recicláveis, crianças brincando entre outros. Dependendo do tipo de contaminante e do nutriente em que ele está imerso (no caso de vírus, bactérias e outras células vivas), o risco de contaminação persistirá por várias horas ou até mesmo por vários dias.

Esses resíduos devem ser descartados separadamente em recipientes rígidos, resistentes à punctura, ruptura e vazamento, com tampa, devidamente identificados, sendo expressamente proibido o esvaziamento desses recipientes para o seu reaproveitamento. Devem ser encaminhados para uma unidade de esterilização ou incineração e os resíduos devem ser encaminhados para disposição em um aterro sanitário controlado. Existem em todo o Brasil empresas especializadas na coleta, transporte, esterilização e destinação final deste tipo de resíduo.

Uma das embalagens de coleta e armazenamento mais comuns são caixas de papelão especiais, utilizadas em hospitais, clínicas, consultórios, farmácias e centros de pesquisa, mais conhecidas como Caixa Coletora de Perfurocortante. Quando se atinge o limite de capacidade indicado (que nunca deve ser desrespeitado), a tampa da caixa deve ser fechada, não devendo ser aberta ou ter qualquer material removido posteriormente. Essas caixas possuem uma impressão com a indicação do conteúdo, o símbolo de material infectante e a capacidade. De acordo com as normas técnicas, o papelão utilizado na confecção dessas caixas coletoras deve resistir ao corte e a perfuração pelos objetos contidos em seu interior e também devem ser à prova de vazamentos.

Infelizmente, muitos destes resíduos perfurocortantes não são devidamente embalados e descartados conforme as normas técnicas. Eu mesmo já vi caixas de papelão com seringas e restos de frascos de vidro abandonadas em calçadas na região central da cidade de São Paulo – sabe-se Deus como elas foram parar por lá. Muitos destes resíduos acabam em lixões a céu aberto ou abandonados em terrenos baldios, expondo catadores de resíduos, moradores de rua, crianças e animais domésticos a ferimentos no caso de contato com esses materiais. Em muitos casos alguns desses resíduos podem acumular a água das chuvas e vir a abrigar criadouros do mosquito Aedes aegypti.

O cuidado com esses resíduos deve ser redobrado.

RESÍDUOS HOSPITALARES COM SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS E MATERIAIS RADIOATIVOS – GRUPO B E GRUPO C

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No início do século XX, quando os nossos avós e bisavós nasceram, a expectativa de vida dos brasileiros era de 33,7 anos –  atualmente, essa expectativa já é superior a 75 anos e continua aumentando ano a ano. Os principais responsáveis por esse espantoso aumento em pouco mais de um século foram as melhorias na alimentação, na habitação, na educação, no saneamento básico e na saúde, incluindo-se nesse item as campanhas de vacinação, a evolução tecnológica no desenvolvimento e produção de medicamentos, equipamentos para o diagnóstico e tratamento de doenças, técnicas cirúrgicas, terapias com células troncos, transplantes de órgãos entre outras maravilhas da medicina moderna. Vamos nos ater à duas áreas específicas: a bioquímica e a medicina nuclear.

A bioquímica é a ciência que está por trás do desenvolvimento e produção dos medicamentos através do estudo e aplicação da química da vida e dos processos químicos que ocorrem nos organismos vivos. De uma maneira geral, a bioquímica consiste no estudo da estrutura molecular e das funções metabólicas de biomoléculas, biopolímeros e componentes celulares e virais, como as proteínas, as enzimas, os carboidratos, os lipídios, os ácidos nucleicos entre outros.

Tanto nos estudos e desenvolvimento de novos medicamentos nos laboratórios e centros de pesquisa, quanto na aplicação desses medicamentos nos diversos serviços de saúde em hospitais, clínicas e universidades, existe a geração de resíduos contaminados por substâncias químicas que, se descartados de maneira incorreta, têm potencial para apresentar riscos à saúde pública e ao meio ambiente – como diz um antigo ditado: a diferença entre remédio e veneno está na dosagem.

Entre esses resíduos perigosos da Casse B destacam-se: antimicrobianos, hormônios sintéticos, quimioterápicos e materiais descartáveis por eles contaminados. Medicamentos vencidos, contaminados, interditados, parcialmente utilizados e demais medicamentos impróprios para consumo. Objetos perfurocortantes contaminados com quimioterápicos ou outros produtos químicos perigosos.

Também se incluem mercúrio e outros resíduos de metais pesados. Saneantes e domissanitários. Líquidos reveladores e fixadores de filmes (centro de imagem). Efluentes de equipamentos automatizados utilizados em análises clínicas. Quaisquer resíduos do Grupo D (Resíduos que não apresentem risco biológico, químico ou radiológico à saúde ou ao meio ambiente), comuns, com risco de estarem contaminados por agentes químicos.

Os Resíduos do Grupo B devem ser acondicionados em embalagens rígidas, com tampa rosqueada ou na própria embalagem de origem, devidamente identificadas com o símbolo de substância química e a identificação da substância nelas contidas. Produtos e substâncias químicas com identificação da origem devem ser encaminhadas ao fabricante para providências. Os demais resíduos devem incinerados ou esterilizados e encaminhados para descarte em aterros sanitários autorizados. A colocação destes resíduos em valas assépticas é considerada uma opção igualmente válida.

Já os Resíduos da Classe C incluem os materiais e substâncias que contenham elementos radioativos em quantidades superiores aos limites de eliminação especificados nas normas da CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear, e, normalmente, estão ligados aos estudos e tratamentos das áreas médicas conhecidas como medicina nuclear e radioterapia. A medicina nuclear permite observar o estado fisiológico dos tecidos de forma não invasiva, através da marcação de moléculas participantes nesses processos fisiológicos com isótopos radioativos. Através da emissão de partículas beta ou alfa em equipamentos de radioterapia, que possuem alta energia, possibilitam a destruição de células ou estruturas indesejáveis, como por exemplo as células cancerígenas de tumores.

Os Resíduos da Classe C incluem todos os resíduos dos grupos A, B e D contaminados com radionuclídeos, provenientes de laboratório de análises clínicas, serviços de medicina nuclear e radioterapia. Estes resíduos quando gerados, devem ser identificados com o símbolo internacional de substância radioativa, separados de acordo com a natureza física do material, do elemento radioativo presente e o tempo de decaimento necessário para atingir o limite de eliminação, de acordo com a Resolução NE 605 da CNEN. Devido às características de periculosidade dos materiais radioativos, é aconselhável que os resíduos sejam manejados somente por pessoal especializado nesta área.

Para lembrar do perigo dos materiais radioativos, vou citar um exemplo drástico: o vazamento de Césio-137 em Goiânia em 1987, quando catadores de materiais encontraram um equipamento de radioterapia abandonado em uma clínica. Esses catadores abriram a cápsula onde estava o Césio-137 e mais de 1.600 pessoas foram contaminas pelo elemento radioativo – estima-se que o acidente resultou em 104 mortes ao longo de 25 anos. Todo o cuidado com esse tipo de resíduo é pouco.

RESÍDUOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE COM POSSÍVEL PRESENÇA DE AGENTES BIOLÓGICOS – GRUPO A

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Parte importante dos Resíduos dos Serviços de Saúde são aqueles onde é possível a presença de agentes biológicos com potencial risco de contaminação e infecção de pessoas caso não recebam cuidados especiais. São identificados pelo símbolo de substância infectante, com rótulos de fundo branco, desenho e contornos pretos. A gestão desses resíduos requer um Responsável Técnico especializado.

Esses resíduos são classificados como Resíduos do Grupo A e são subdivididos na seguinte estrutura, conforme as suas características de maior virulência ou concentração:

Grupo A1 – resíduos que necessitam de tratamento específico: Incluem-se nesse grupo: culturas e estoques de microrganismos; descarte de vacinas de microrganismos vivos ou atenuados; meios de cultura e instrumentais utilizados para transferência, inoculação ou mistura de culturas. Bolsas transfusionais contendo sangue ou hemocomponentes rejeitadas por contaminação ou por má conservação, ou com prazo de validade vencido, e aquelas oriundas de coleta incompleta. Sobras de amostras de laboratório contendo sangue ou líquidos corpóreos, recipientes e materiais resultantes do processo de assistência à saúde, contendo sangue ou líquidos corpóreos na forma livre.

Os Resíduos Classe A1 que serão encaminhados para tratamento devem ser embalados em sacos brancos leitosos revestidos por sacos vermelhos e, quando encaminhados para o descarte, acondicionados em sacos brancos leitosos. O tipo de tratamento recomendado para esses resíduos deve garantir o Nível III de Inativação Microbiana e desestruturação das características físicas (incineração, por exemplo);

Grupo A2 – Carcaças, peças anatômicas, vísceras e outros resíduos: Resíduos provenientes de animais submetidos a processos de experimentação com inoculação de microorganismos, bem como suas forrações, e os cadáveres de animais suspeitos de serem portadores de microrganismos de relevância epidemiológica e com risco de disseminação, que foram submetidos ou não a estudo anátomo-patológico ou confirmação diagnóstica.

Devem ser submetidos a tratamento antes da disposição final. Devem ser inicialmente acondicionados de maneira compatível com o processo de tratamento a ser utilizado (incineração por exemplo). Quando houver necessidade de fracionamento, em função do porte do animal, deve ser solicitada autorização do órgão de saúde local. Após o tratamento, podem ser encaminhados para aterro sanitário licenciado ou local devidamente licenciado para disposição final deste tipo de resíduo, ou sepultamento em cemitério de animais;

Grupo A3 – resíduos que necessitam de tratamento específico: Peças anatômicas (membros) do ser humano; produto de fecundação sem sinais vitais, com peso menor que 500 gramas ou estatura menor que 25 centímetros ou idade gestacional menor que 20 semanas, que não tenham valor científico ou legal e não tenha havido requisição pelo paciente ou familiares.

Esses resíduos devem ser acondicionados em sacos brancos leitosos revestidos por sacos vermelhos identificados com o símbolo de risco biológico e a inscrição “Peça Anatômica / Produto de Fecundação” e encaminhados ao necrotério. Comunicar o SCIH – Serviço de Controle de Infecção Hospitalar, ou Serviço Social, conforme a estrutura do hospital, para preenchimento do formulário de autorização para encaminhamento ao Cemitério Municipal para sepultamento;

Grupo A4 – resíduos que não necessitam de tratamento: Kits de linhas arteriais, endovenosas e dialisadores, quando descartados. Filtros de ar e gases aspirados de área contaminada; membrana filtrante de equipamento médico-hospitalar e de pesquisa, entre outros similares.

Inclui também: sobras de amostras de laboratório e seus recipientes contendo fezes, urina e secreções. Resíduos de tecido adiposo proveniente de lipoaspiração, lipoescultura ou outro procedimento de cirurgia plástica que gere este tipo de resíduo. Recipientes e materiais resultantes do processo de assistência à saúde, que não contenha sangue ou líquidos corpóreos na forma livre. Peças anatômicas (órgãos e tecidos) e outros resíduos provenientes de procedimentos cirúrgicos ou de estudos anátomo-patológicos ou de confirmação diagnóstica. Bolsas transfusionais vazias ou com volume residual pós-transfusão.

Os Resíduos Classe A4 devem ser acondicionados em sacos brancos leitosos em contêineres ou lixeiras brancas identificadas com o símbolo de risco biológico. Podem ser descartados sem necessidade de tratamento e devem ser encaminhados para um aterro sanitário controlado;

Grupo A5 –  Subgrupo que inclui órgãos, tecidos, fluidos orgânicos, materiais perfurocortantes ou escarificantes e demais materiais resultantes da atenção à saúde de indivíduos ou animais, com suspeita ou certeza de contaminação com príons (moléculas proteicas que possuem propriedades infectantes). Esses resíduos devem ser acondicionados em saco plástico branco leitoso e corretamente identificado com o símbolo de risco biológico. Devem sempre ser encaminhados a sistema de incineração, de acordo com o definido na Resolução ANVISA nº 305/2002

Pela simples leitura deste texto bastante técnico, você pôde perceber que a gestão dos Resíduos de Serviços de Saúde da Classe A1 requer profissionais e procedimentos especializados. Se, na sua cidade, você perceber qualquer procedimento diferente na gestão e no descarte de resíduos médico hospitalares dessa Classe, denuncie imediatamente para as autoridades de Saúde e do Meio Ambiente – por incrível que pareça, muitos destes resíduos acabam descartados clandestinamente em lixões a céu aberto.

A CLASSIFICAÇÃO DOS RESÍDUOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

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No post anterior começamos a falar dos Resíduos dos Serviços de Saúde que, apesar de representar uma fração muito pequena do volume total dos resíduos sólidos gerados diariamente em nosso país, merecem atenção muito especial no manuseio, armazenamento provisório, transporte e, especialmente, na sua destinação final pois representam riscos à saúde pública e ao meio ambiente.

De acordo com a Resolução número 306/04 da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, os Resíduos dos Serviços de Saúde são divididos nos seguintes grupos:

I – GRUPO A: São os Resíduos com a possível presença de agentes biológicos que podem apresentar riscos de infecção;

II – GRUPO B: Resíduos que contém substâncias químicas que podem apresentar riscos à saúde pública ou ao meio ambiente. Esses resíduos são divididos conforme suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade;

III – GRUPO C: Materiais e substâncias que contenham elementos radioativos em quantidades superiores aos limites de eliminação especificados nas Normas da CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear, e para os quais a reutilização é imprópria ou não prevista;

IV – GRUPO D: Resíduos que não apresentem risco biológico, químico ou radiológico à saúde ou ao meio ambiente, podendo ser equiparados e descartados como resíduos domiciliares;

V – GRUPO E: Resíduos classificados como perfurocortantes ou escarificantes, tais como: lâminas de bisturi, agulhas, escalpes, ampolas de vidro, brocas, limas endodônticas, pontas diamantadas, aparelhos de barbear e de depilação, lancetas; tubos capilares; micropipetas; lâminas e lamínulas; espátulas; e todos os utensílios de vidro quebrados no laboratório (pipetas, tubos de coleta sanguínea e placas de Petri) e outros similares. Pelas suas características, esses resíduos devem ser descartados em embalagens rígidas como caixas de papelão, garantindo que os profissionais estejam protegidos contra riscos de cortes e perfurações na pele ao manipular e transportar esses Resíduos.

Observe que os Resíduos das Classes A, B, C e E podem apresentar riscos à saúde pública e ao meio ambiente. Eles devem ser segregados nas áreas geradoras em embalagens adequadas e devidamente sinalizadas. A manipulação, transporte e o armazenamento temporário destes Resíduos até o momento do embarque em veículos para o transporte até os locais de descarte, incineração ou armazenamento, conforme as características de cada material, devem ser realizados por equipes de profissionais especializados, com roupas e equipamentos de proteção adequados e seguindo-se as normas internas da instituição e/ou as normas estabelecidas pelas autoridades públicas da Saúde e do Meio Ambiente do Governo Municipal, Estadual e respectivos Ministérios do Governo Federal.

Os Resíduos que formam o Grupo D são os mais volumosos gerados dentro de um hospital, clínica, centro de pesquisas ou unidades similares. Esses Resíduos não podem ser manipulados, transportados ou armazenados juntos com os Resíduos das demais Classes. Os resíduos do grupo D não recicláveis e/ou orgânicos devem ser acondicionados nas lixeiras cinzas devidamente identificadas, revestidas com sacos de lixo preto ou cinza; os resíduos recicláveis devem ser acondicionados nas lixeiras ou contêineres coloridos, identificadas para receber os resíduos de papel, plástico, metais e vidro, que depois serão encaminhados para as centrais ou cooperativas de reciclagem credenciadas. Os Resíduos  não recicláveis e orgânicos são descartados junto com os resíduos sólidos domiciliares e comerciais.

Os Resíduos do Grupo D incluem:

a) Papel higiênico, papel toalha, fraldas, absorventes higiênicos, peças descartáveis de vestuário, restos alimentares de pacientes, materiais e substâncias antissépticas, garrotes, frascos e materiais para aplicação de soro e outros similares não classificados como A1;

b) Sobras de alimentos e de ingredientes da cozinha;

c) Restos de alimentos do refeitório;

d) Resíduos diversos gerados nas áreas administrativas;

e) Resíduos de varrição, restos de plantas e flores e de trabalhos de jardinagem;

f) resíduos de gesso provenientes de serviços de ortopedia.

No próximo post vamos detalhar melhor os perigosos Resíduos das Classes A, B, C e E, mostrando os cuidados com a embalagem, manipulação, armazenamento, transporte e destinações específicos e adequados para cada uma das classificações.

OS RESÍDUOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

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Estamos no período das chuvas de Verão em grande parte do país, época em que os problemas de gestão dos resíduos sólidos urbanos, controle dos vetores e a disseminação de doenças infecto contagiosas ganham dimensões extras. Dentro de toda uma gama de resíduos sólidos gerados por nossa sociedade e que merecem as melhores práticas de coleta, transporte e destinação final, há um grupo especial que merece atenção de todos – os Resíduos dos Serviços de Saúde.

Os Resíduos dos Serviços de Saúde (RSS), também chamados de lixo hospitalar ou resíduos hospitalares, são todos os resíduos gerados em ações médicas nos hospitais, laboratórios, farmácias, atividades médico-legais e em serviços de ensino, em atividades ligadas aos cuidados com a saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e investigações relacionadas com seres humanos e animais. Também estão incluídos os procedimentos invasivos de atividades como acupuntura, colocação de piercings e execução de tatuagens.

Trata-se de uma ampla gama de resíduos, onde incluem-se: sangue e hemoderivados; meios de culturas; tecidos, fetos e peças anatômicas; curativos e materiais de sutura; resíduos de análises laboratoriais e patológicas; restos alimentares de áreas de isolamento; restos de medicamentos e substâncias químicas; objetos perfuro cortantes, entre outros.

O Brasil produz diariamente 150 mil toneladas de resíduos residenciais e comerciais – os Resíduos dos Serviços de Saúde representam uma fração inferior a 2% deste volume e, destes, apenas 10 a 25% necessitam de cuidados especiais. Apesar da aparente pouca representatividade do volume total, a periculosidade destes materiais para a saúde das populações impõe que existam procedimentos de segregação dos diferentes tipos de resíduos em sua fonte e no momento de sua geração, objetivando o controle e a minimização, especialmente daqueles que requerem uma destinação final específica. Nos resíduos classificados como de Risco Biológico, a manipulação, transporte e destinação final deve considerar a cadeia de transmissibilidade de doenças, que envolve características do agente agressor, tais como capacidade de sobrevivência, virulência, concentração e resistência, desde a contaminação do agente às condições de defesas naturais do receptor. Em tempos em que vivemos sob epidemias frequentes de Dengue, Zica e Chikungunya e preocupados com os recentes casos de febre amarela, os cuidados com os Resíduos dos Serviços de Saúde devem ser redobrados – um profissional dos serviços de coleta de resíduos ou simples catador de sucatas pode se ferir com, por exemplo, uma seringa descartada incorretamente e contrair uma dessas doenças – os Resíduos podem se transformar em “vetores involuntários” das doenças. E, como já comentado em posts anteriores, os acidentes com corte e perfurações da pele com resíduos é muito mais comum do que você pode imaginar.

A gestão interna e externa dos Resíduos dos Serviços de Saúde é normatizada pela Resolução 306/04 da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e também pela Resolução 358/05 do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. As Resoluções ressaltam a importância da segregação na fonte geradora e a utilização de recipientes adequados para o acondicionamento de cada tipo de resíduo, os cuidados com a manipulação e o transporte e, especialmente, para a destinação final adequada a cada um dos tipos diferentes de resíduos, que devem estar de acordo e aprovados pelos Órgãos de Meio Ambiente, Limpeza Urbana e de Saúde do Município e do Estado da Federação. Embora essas resoluções sejam de responsabilidades dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, ambos hegemônicos em seus conceitos, refletem a integração e a transversalidade no desenvolvimento de trabalhos complexos e urgentes.

Neste interessante momento histórico onde nossa sociedade alterna conquistas tecnológicas da Era Digital com as mazelas dos primeiros anos da industrialização de nosso país, quando as nossas grandes e médias cidades ainda sofriam com as constantes epidemias de febre amarela e surtos pontuais de tifo, tuberculose e peste bubônica, doenças que imaginávamos vencidas e controladas há várias décadas, é importante entendermos como deve ser feito o gerenciamento dos resíduos hospitalares e os riscos ligados às falhas nos procedimentos, de forma que todos possamos acompanhar e cobrar providências de nossas autoridades eleitas e de todos os gestores indicados.

Vamos falar sobre tudo isso nos próximos posts. Até mais!

E SOBRE OS RATOS – NINGUÉM FALA NADA?

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De tanto falar nos mosquitos Aedes aegypti e de toda uma lista (cada vez maior) de doenças transmitidas por esse vetor, a gente acaba esquecendo de outros vetores importantes. Nessa época de fortes chuvas e das inevitáveis enchentes em cidades de grande parte do Brasil, é importante lembrar dos problemas e doenças associadas aos ratos.

Parte importante do legado das ações sanitárias e higiênicas deixadas pelo trabalho do médico sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917) na cidade do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XX, foi o controle das populações de ratos e o combate às epidemias associadas a esse vetor: leptospirose, peste bubônica (também conhecida como peste negra), tifo murinho, febre da mordida do rato e hantaviroses, além de sarnas e alergias.

Antiga capital da colônia (a partir de 1763, substituindo a cidade de Salvador), depois corte real do Império Ultramarino Português, capital do Império do Brasil e, a seguir, capital da República Federativa do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro era na época a maior e mais importante cidade do Brasil, com 800 mil habitantes. Vítima de um crescimento desordenado, com milhares de moradores se espremendo nos infinitos cortiços e ocupando as encostas dos morros e iniciando aquelas que se transformariam em uma das marcas da má distribuição de renda no país – as favelas, a cidade era tomada por surtos frequentes de febre amarela, tuberculose, tifo, peste bubônica e varíola.

À frente da Secretaria da Saúde, Oswaldo Cruz focou as ações da Prefeitura na implantação de infraestrutura de saneamento básico e ações de higienização, combatendo os focos de infestação de mosquitos e ratos. No caso do combate aos ratos, há uma passagem curiosa – as autoridades da área da saúde instituíram um prêmio em dinheiro para as pessoas que levassem ratos mortos até os diversos postos de coleta da Prefeitura. Não tardou muito até que a famosa “malandragem carioca” enxergasse na ação uma oportunidade de ganhar dinheiro: surgiram nos morros os criadores profissionais de ratos, que pagavam comissões para as crianças que se dispusessem a levar os roedores até os postos da Prefeitura para a troca. “Jeitinho” carioca.

Nos meios urbanos encontramos, normalmente, três espécies de ratos: o rato preto ou de telhado, que se alimentam de restos de comida que são jogados no lixo e também de alimentos e rações servidas aos animais domésticos como cães e gatos; o rato cinza ou ratazana (gabiru em muitas regiões), que vive em esgotos e ao longo de córregos; e os camundongos, espécie de ratos pequenos, que vivem em residências e são oportunistas quanto a alimentação, atacando despensas, armários e latas de lixo. As três espécies são transmissoras de doenças.

Uma das formas mais eficientes de se combater os ratos é deixar de alimentá-los: guardar alimentos em embalagens e recipientes bem fechados, recolher os vasilhames de alimentação dos animais e descartar alimentos somente após tê-los embalado (dentro de garrafas PET, em latas, embalagens plásticas etc), de forma que eventuais ratos que visitem o seu lixo não consigam ter acesso ao jantar. Em países desenvolvidos, é comum a instalação de trituradores de lixo nas pias das cozinhas, permitindo a eliminação de restos de alimentos e cascas de frutas e legumes através da rede coletora de esgotos; aqui no Brasil, essa facilidade seria de difícil popularização devido ao alto custo dos equipamentos e da falta de redes coletores de esgotos em grande parte dos domicílios.

A leptospirose, doença infecciosa transmitida pela bactéria do tipo Leptospira presente na urina de ratos, encontra as condições ideais de propagação nos períodos de fortes chuvas, quando a população entra em contato com as águas de enxurradas e pontos de alagamentos. A bactéria Leptospira entra no corpo humano através da pele, pela boca e pelos olhos – é preciso um extremo cuidado com as águas das enchentes. Nos casos mais graves, a leptospirose provoca falência renal, meningite, falência hepática e deficiência respiratória, podendo até levar a morte. As enchentes também forçam os ratos a abandonar suas tocas, aumentando a possibilidade de aproximação com os seres humanos, o que pode resultar em ataques e mordidas.

Além dos providenciais cuidados com os criadouros dos mosquitos, são fundamentais o controle e o combate às infestações de ratos – na falta de ações do poder público, faça a sua parte: não alimente os ratos!

A MALÁRIA NOS EUA, OU YES, WE HAVE MOSQUITOES TOO!

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Quem tem acompanhado as minhas últimas postagens pode ter ficado com um sentimento de inferioridade por viver em um país “terceiro mundista”, repleto de mosquitos transmissores de doenças e com problemas de todos os tipos na infraestrutura de saneamento básico. Mas os mosquitos não causam problemas somente aqui no Brasil: existem mais de 3.600 espécies de mosquitos transmitindo doenças em todo o mundo. Um exemplo é a malária, uma das mais antigas e fatais doenças transmitidas ao homem pelos mosquitos. O agente transmissor é o Plasmodium, um parasita unicelular protozoário, que infecta os eritrócitos, causando a malária.

Apesar de ser uma doença muito comum em áreas tropicais, a malária já foi endêmica em grande parte da Europa e dos Estados Unidos. Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.), sábio grego considerado o pai da medicina, foi o primeiro a fazer uma conexão entre água parada e a ocorrência de febres na população. Esse conhecimento foi passado aos romanos, que foram os pioneiros na drenagem de pântanos como forma de controlar as sucessivas epidemias na península itálica – aliás, a palavra malária deriva da expressão em italiano antigo mal aria ou ar ruim. Há relatos de grandes epidemias de malária na França, Espanha, Inglaterra, Holanda, Alemanha entre outros países europeus – onde existisse pântanos e mosquitos havia possibilidade de grandes epidemias de malária. A doença foi erradicada gradualmente a partir de melhorias na infraestrutura de saneamento e drenagem de áreas pantanosas. A Itália, para citar um exemplo, só conseguiu erradicar totalmente a malária em 1970.

A malária chegou aos Estados Unidos junto com os primeiros colonos, muitos dos quais estavam infectados com os agentes Plasmodium vivax e Plasmodium malariae, comuns na Inglaterra. Posteriormente, com a importação dos primeiros escravos vindos do continente africano a partir de 1620, foi introduzido no país o agente Plasmodium falciparum.

As epidemias eram recorrentes nas antigas Colônias Anglo Americanas – em 1723 um colono escrevia para sua família na Escócia: “Estou sempre com febres e calafrios… este lugar só é bom para médicos e padres”. Com o avanço dos colonizadores rumo ao interior do país, a malária foi se disseminando e se tornando endêmica nas regiões Sul e Oeste. Consta que as epidemias de malária eram tão frequentes e custosas na antiga colônia francesa da Louisiane, que este foi um dos motivos que levou Napoleão Bonaparte a vender o território para os americanos em 1803, atualmente chamado de Estado da Louisiana. Nos estados do Sul dos Estados Unidos, aliás, a combinação do clima subtropical (o mesmo clima do Sul do Brasil a partir do Sul do Estado de São Paulo), da grande quantidade de áreas pantanosas e do sensível empobrecimento da região após a derrota dos Estados Confederados na Guerra Civil Americana (1861-1865), tornou a região propícia à presença de grandes populações de mosquitos e de uma alta incidência de epidemias de malária. Estudos indicam que até a década de 1930, um terço da população dos estados do Sul americano sofria de malária crônica.

O controle e a reversão das epidemias de malária nos Estados Unidos só foram possíveis a partir da massificação da infraestrutura de saneamento básico, da aplicação de inseticidas para o controle das populações de mosquitos, da drenagem de áreas pantanosas e, principalmente, da obrigatoriedade da instalação de telas nas janelas e portas das residências. O governo americano também investiu pesadamente em campanhas educativas, mostrando à população quais eram os hábitos e os horários de maior incidência dos ataques dos mosquitos. Por volta do ano de 1950, a malária foi considerada erradicada dos Estados Unidos, restrita a alguns poucos casos anuais em regiões isoladas e densamente florestadas onde os mosquitos são e sempre farão “parte da paisagem”. É importante ressaltar que não existem vacinas homologadas contra a malária e que as medidas preventivas são as melhores alternativas para o controle da doença.

Aqui no Brasil, onde as doenças transmitidas por mosquitos têm crescido ano a ano, a estratégia americana de controle e erradicação da malária deve ser um exemplo. Nossas cidades precisam investir com seriedade em infraestrutura de saneamento básico, gestão dos resíduos sólidos e em educação ambiental – esses são os caminhos para a eliminação dos criadouros dos mosquitos Aedes aegypti que, ao fim e ao cabo, é o grande vetor de transmissão da Dengue, Zika, Chikungunya, Mayaro e, desgraçadamente, da febre amarela urbana, doença que está ressurgindo e que poderá se transformar numa grande epidemia nacional caso as autoridades das áreas de saúde e de saneamento não mostrem pulso firme e competência nos próximos meses.

Que o espírito dos Pais Fundadores da América nos ilumine!