No último dia 16 de outubro, um avião de passageiros que fazia a rota entre as cidades de Vitória da Conquista, no Centro-Sul da Bahia, e Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, foi atingido por um raio cerca de 40 minutos após a decolagem. De acordo com o relato dos passageiros, foi ouvido um forte estrondo seguido por intensas chamas, vistas através das janelas da aeronave. O incidente, que durou poucos segundos, foi suficiente para provocar pânico entre os passageiros, que só se acalmaram após ouvir um relato do comandante, informando que a aeronave havia sido atingida por um raio, porém, sem causar nenhum problema nos instrumentos eletrônicos e sistemas de voo. Cerca de vinte minutos depois, o avião fez um pouso seguro no aeroporto da cidade de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais. Apesar do grande susto, todos os passageiros e tripulantes estavam bem.
À primeira vista, essa notícia parece não ter nada a ver com a linha editorial do blog, onde falamos de recursos hídricos e de saneamento básico. Uma análise um pouco mais aprofundada do caso, porém, mostra que o incidente está ligado diretamente a esse período do ano, quando as chuvas começam a cair com mais intensidade na região Centro-Sul do país. As mudanças climáticas que ocorrem nos meses de primavera e verão favorecem a entrada de frentes frias, que trazem no seu encalço grandes massas de nuvens, favorecendo a formação de tempestades com raios. Outubro é, estatisticamente falando, o mês de maior incidência de raios no Brasil.
De acordo com informações do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Brasil é o país com a maior incidência de raios no mundo, com perto de 80 milhões de ocorrências por ano. Estudos da NASA, órgão do Governo dos Estados Unidos voltado a pesquisas e tecnologia aeroespacial, indicam que esse número de ocorrências é ainda maior, chegando a casa de 110 milhões de raios por ano. O Estado líder no ranking de ocorrências de raios é o Amazonas, com 11 milhões de registros por ano, seguido pelo Pará, com 7,8 milhões de raios e Mato Grosso, onde são registradas mais de 6,8 milhões de ocorrências a cada ano. No outro extremo desse ranking encontra-se Sergipe, Estado com a menor incidência de raios no Brasil. O Nordeste, aliás, é a região brasileira com o menor registro de raios.
Esse ranking nacional, porém, não é imutável: de acordo com estudos do INPE, mudanças no padrão climático de São Paulo ao longo dos próximos 30 anos, poderão transformar o Estado mais populoso do país num campeão em incidência de raios. De acordo com os pesquisadores, a incidência de raios em terras paulistas, que já não é baixa, poderá aumentar em até 80%.
Dados oficiais indicam que, entre os anos 2000 e 2017, ocorreram 2.044 mortes de pessoas atingidas por raios no Brasil. Cerca de 25% dos casos registrados envolveram trabalhadores rurais, 15% das vítimas estavam dentro de casas, 10% se encontravam próximas a veículos, 8% embaixo de árvores, 7% jogando futebol, 5% estavam abrigadas sob pequenas coberturas e 4% foram atingidas em praias. Entre as maiores vítimas dos raios destaca-se o gado bovino – esses animais ficam expostos às descargas elétricas enquanto pastam nos campos; quando percebem a chegada das tempestades, esses animais costumam, instintivamente, se reunir em grandes grupos, o que não raras vezes resulta na morte conjunta de dezenas de animais após a queda de um único raio. Não existem estudos detalhados sobre a morte de gado por raios no Brasil – nos Estados Unidos, cerca de 80% dos incidentes que resultam na morte de gado está ligada a incidência de raios.
Em um artigo publicado em 2016, sob o título “Where are the lightning hotspots on Earth?” (Onde estão os pontos ativos de raios na Terra?), pesquisadores da NASA, de universidades americanas e da USP – Universidade de São Paulo, fizeram um mapeamento dos locais com a maior incidência de raios no planeta. O estudo se estendeu por um período de 16 anos, analisando a incidência dos raios e suas relações com a topografia e a vegetação.
A região do lago Maracaibo, na Venezuela, foi considerada a capital mundial dos raios, colocando o Congo, país da África Central que até então era considerado o campeão mundial de ocorrências, na segunda posição. O estudo criou um ranking com os 500 locais com a maior incidência de raios no mundo – desse total, 283 localidades encontram-se na África. Uma região do rio Negro, a Noroeste da cidade de Manaus, no Estado do Amazonas, coloca o Brasil na 191° posição nesse ranking mundial de raios.
Apesar de todos os avanços da ciência nos estudos sobre a incidência e a formação dos raios ao redor do mundo, ainda não existem equipamentos ou técnicas que permitam prever com antecedência os locais onde ocorrerão as descargas elétricas, informação que poderia ser usada para alertar as populações. Na falta de mecanismos de alerta, valem as velhas orientações dos especialistas: nessa época de fortes precipitações, evite lugares abertos ou praias durante a ocorrências de chuvas; não se abrigue embaixo de árvores ou construções pequenas como pontos de ônibus, marquises e garagens; e busque sempre a segurança de construções dotadas de sistemas de para-raios.
Se nada disso for possível, o jeito será contar com a sorte – de acordo com as estatísticas, 70% das pessoas atingidas por raio conseguem sobreviver.