Lentamente, as chuvas estão chegando ao Piauí, Estado onde metade dos municípios está em estado de emergência por causa da forte estiagem – são 134 municípios nesta situação, o que corresponde a 52% do total de cidades do Estado. É importante lembrar que nem todas as cidades estão na mesma situação – algumas localidades estão com todas as suas fontes de água esgotadas e dependem desesperadamente da ajuda dos Governos. De acordo com informações do Governo do Estado, os açudes e reservatórios de água estão, em média, com 10% da sua capacidade de armazenamento, o que está comprometendo o abastecimento de inúmeras cidades. Em Pedro II, por exemplo, o açude já secou faz muito tempo (vide foto).
Em algumas cidades, as chuvas estão chegando com muita força – em Floriano, o último dia do mês de Outubro acabou em um verdadeiro dilúvio: o INMET – Instituto Nacional de Meteorologia, registou um volume de chuva acumulado no município de 152,8 mm em um único dia – isso representa quase o dobro do índice histórico de chuvas para todo o mês de outubro, que é de 98 mm. Em cidades como Picos, Bom Jesus e São João do Piauí tem sido registradas chuvas caindo com maior frequência, inclusive com registros de queda de granizo, fenômeno raríssimo no sertão do Estado e festejado pelas populações. Na cidade de São Raimundo Nonato, as chuvas foram tão fortes que chegaram a derrubar o cruzeiro instalado no ponto mais alto da cidade. Oficialmente, a estação das chuvas ainda não começou, mas as notícias de sua chegada sempre animam a população das áreas que sofrem com a estiagem. Tradicionalmente, as chuvas no Piauí começam nas áreas de Cerrado do Sul do Estado e lentamente seguem em direção ao Norte.
Apesar de serem boas notícias, especialistas em meteorologia estão preocupados com os níveis desta estação chuvosa – de acordo com as previsões, a maior parte do Piauí tem 35% de chances de receber chuvas dentro dos níveis de pluviosidade históricas na estação chuvosa de 2018; porém, há 40% de chances de chuvas abaixo dos níveis normais. Considerando que mais da metade do Estado apresenta situação de déficit hídrico, essa possibilidade de chuvas abaixo da média histórica é extremamente preocupante – nestas regiões sob forte estiagem, o ideal seria a chegada de chuvas acima da média histórica, de forma a proporcionar a recuperação dos “estoques de água”, ou seja, encher os açudes e reservatórios, recarregar os aquíferos e recuperar a umidade dos solos e da vegetação.
Aproximadamente metade do território do Piauí é ocupado pelo chamado Semiárido nordestino, que está localizado na faixa Leste onde o Estado faz divisa com o Ceará, Pernambuco e Norte da Bahia. Como todos devem saber, o Semiárido é uma região que sofre frequentemente com fortes períodos de estiagem e, em intervalos mais longos, esta estiagem atinge escalas catastróficas. Secas de excepcional gravidade ocorreram na região em 1744, 1790, 1877, 1846, 1915 e em 1932. Desde 2012, toda a região do Semiárido vem enfrentando um forte período de estiagem, considerado um dos mais longos e intensos já vividos na região Nordeste, comparado por muitos à grande seca de 1915, uma das mais devastadoras já registradas. Os efeitos desta estiagem só não são maiores do que no passado devido aos serviços emergenciais de distribuição de água através de caminhões pipa e aos diversos programas governamentais de ajuda à população.
A vegetação do Semiárido, em função do clima e dos tipos de solo, pode ser dividida, de forma muito rudimentar, em três áreas: o agreste, a caatinga e o alto sertão. Cada uma destas áreas possui uma quantidade imensa de subdivisões dos tipos de vegetação, formando biomas independentes e completos. A região forma um grande mosaico de diferentes biomas, que formaria algo parecido com uma colcha de retalhos. O solo destas regiões são, no geral, pouco espessos, apresentando manchas de solos argilosos muito férteis, principalmente nas depressões e nos baixios. Em anos de chuvas regulares e dentro das médias históricas, as populações conseguem boas colheitas e uma boa produtividade com seus rebanhos – são as grandes estiagens que desestruturam completamente a vida e a economia do Semiárido. A destruição dos cajueiros pela seca, que citei na última postagem, é um exemplo clássico desta desestruturação econômica e social. Sem a água das chuvas não há como produzir. Considerando que esta estiagem está entrando no sexto ano, todos vocês podem imaginar os problemas e prejuízos econômicos, para falar o mínimo, que estes sertanejos estão enfrentando.
Os municípios do Piauí que mais tem sofrido por causa da longa estiagem estão localizados nas regiões da Serra da Capivara, Vale do Canindé, Vale do Guaribas e nos Vales dos Rios Piauí, Itaueira e Corrente. Além de apresentarem baixos estoques de água acumulada nos reservatórios e açudes, estas regiões tiveram perdas de mais de 50% na safra agrícola. A notícia das chegada das chuvas, como sempre, é festejada pelas populações. Quem está sofrendo na pele as consequências da seca, não tem tempo nem cabeça para se preocupar com o volume total das chuvas – se estará igual ou abaixo de anos anteriores, deixemos para pensar na hora certa. Que venham as chuvas.
Um dos efeitos da estiagem, que nem sempre é percebido com muita clareza, é a desvalorização das propriedades rurais. Diferente da maioria dos Estados nordestinos, onde existe a Zona da Mata ou uma região de domínio de palmeiras de babaçu na faixa litorânea e uma área de Semiárido no interior, o Piauí apresenta uma maior diversidade de biomas, com destaque para uma extensa área de Cerrado nas regiões Sul e Leste do Estado. Um hectare de terras nas áreas do Cerrado piauiense, bioma que ocupa cerca de 11,5 milhões de hectares no Estado, chega a valer, em condições normais, vinte vezes mais que um hectare numa área da Caatinga – numa situação de seca extrema como esta que a região está sofrendo, a desvalorização é ainda maior: sem água, é difícil conseguir fazer a terra produzir e, automaticamente, ela perde muito valor.
O Cerrado piauiense, que nos últimos anos vem sendo chamado de “Nova Fronteira Agrícola do Brasil”, conta atualmente com uma área agricultável com cerca de 5 milhões de hectares em 28 municípios, onde são colhidas safras crescentes de soja, milho, arroz e algodão. Nessa região vive uma população de pouco mais de 220 mil habitantes, grande parte formada por imigrantes da região Sul do Brasil, que pratica uma agricultura altamente mecanizada e de alta produtividade O contraste entre as áreas do Cerrado e do Semiárido no Piauí neste momento de forte estiagem é absolutamente dramático, especialmente em regiões onde os dois biomas se encontram.
Resta-nos, como sempre, torcer para que as previsões de chuvas dentro da média histórica se confirmem em todo o Piauí e que as populações dos sertões consigam reacender a esperança e retomar a produção com fé e vontade. Como eu já comentei em postagens anteriores, vivemos em tempos de grandes avanços tecnológicos, onde muitas nações tem demonstrado que é possível tornar áreas semiáridas e desérticas em grandes polos de produção agrícola – a agricultura irrigada em Israel é um grande exemplo. Vivendo em uma região muito mais inóspita do que os sertões do Piauí, os israelenses utilizam as mais modernas técnicas de irrigação por micro gotejamento e conseguem obter safras excepcionais, com baixíssimo consumo de água e em áreas extremamente reduzidas. Eu acredito que já passou da hora de começarmos a utilizar estas novas tecnologias em larga escala aqui em nosso país. O que está acontecendo no Piauí atualmente é extremamente grave – enquanto um lado do Estado, localizado dentro do Semiárido, se afunda cada vez mais em problemas econômicos, sociais e ambientais, o outro lado, localizado dentro do Cerrado, bate recordes de produção agrícola e pecuária.