O Paraná é o segundo maior rio da América do Sul, com uma extensão total de 4.880 km. Sua bacia hidrográfica abrange uma área total de 2,5 milhões de km² no Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. Dentro do território brasileiro, a bacia hidrográfica do rio Paraná abrange uma área total de aproximadamente 880 mil km², distribuída entre os Estados de Minas Gerias, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal. Os rios formadores do Paraná são os rios Grande e Paranaíba; os principais afluentes são os rios Tietê, Paranapanema e Iguaçu.
Grande parte do Alto rio Paraná, nome que é dado ao trecho localizado da junção dos rios Grande e Paranaíba, início geográfico do rio Paraná, até Foz do Iguaçu, apresentavam grandes áreas alagáveis ou varjões ao longo das margens, que no auge do período das cheias podiam se estender por até 20 km. Esses ecossistemas, que possuíam características de flora e de fauna bastante parecidas com as do Pantanal Mato-grossense, foram áreas altamente impactadas após a construção das grandes usinas hidrelétricas na calha do rio Paraná e nos demais rios do trecho brasileiro da bacia hidrográfica – são mais de 25 reservatórios com área de lago superior a 100 km².
As planícies de inundação, que atualmente possuem uma área bastante reduzida, apresentam uma vegetação formada basicamente por plantas herbáceas – já foram identificadas cerca de 360 espécies. Nas áreas de lagoas, brejos e canais secundários são encontradas herbáceas aquáticas como os jacintos-das-águas (Eichhornia azurea) e a erva-de-bicho (Polygonum acuminatum). As áreas de campo são dominadas pelas gramíneas como o capim-santa-fé (Panicum prionitis) e o capim-mombaça (Panicum maximum), o ginseng-brasileiro (pffafia glomerata), cássia (Senna pendula) e pequenas árvores isoladas como o ingá-do-brejo (Inga uruguensis).
Nessas áreas já foram identificadas 417 espécies de animais vertebrados, sendo 60 mamíferos, 298 aves, 37 répteis e 22 anfíbios. As capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris) são os animais encontrados em maior abundância nos canais, lagoas e áreas úmidas. Também se destacam as onças-pintadas (Phantera onca), os catetos (Tayassu tajacu), os cachorros-do-mato (Dusicyon thous), as antas (Tapirus terrestris), os cervos-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) e os veados-mateiros (Mazana sp). Cerca de 7% dos mamíferos encontrados nas planícies alagáveis estão na lista das espécies ameaçadas de extinção.
Entre as aves, destacam-se o macuco (Tinamus solitarius) e o bicudo (Oryzoborus maximiliani), espécies seriamente ameaçadas de extinção. Os jacaré-de-papo-amarelo, espécie que já foi abundante na Mata Atlântica e que encontrava refúgio nas planícies alagáveis do rio Paraná, também estão sob forte ameaça.
A fauna aquática dos varjões apresenta cerca de 170 espécies já identificadas. Essas espécies permanecem nas áreas alagáveis durante todo o seu ciclo de vida, se alternando entre as lagoas e canais nos períodos de seca, se dispersando nos alagamentos no período das chuvas. Espécies migratórias como o pintado (Pseudoplatystoma corruscans) e o dourado (Salminus brasiliensis) utilizam as planícies alagáveis durante a fase de reprodução e como área de alimentação. A vegetação submersa, que se apresenta com características similares à das áreas dos manguezais, oferecem alimento e abrigo para os alevinos, que usam esse período para crescer em segurança antes de enfrentar as águas abertas do rio Paraná.
Para as populações humanas, essas planícies alagáveis também foram áreas de importância ímpar. Desde a década de 1930, quando tiveram início várias políticas governamentais para a ocupação de grandes vazios populacionais no interior do país e teve início um forte processo de ocupação de terras ao longo das margens do rio Paraná, os varjões passaram a funcionar como uma espécie de “válvula de escape” para grupos de sem-terra. Essas populações, que vieram para a região em busca de terras para trabalhar, muitas vezes se envolviam em conflitos com os proprietários locais e encontravam nas planícies alagáveis um local temporário para viver e plantar. Para os criadores de gado, essas áreas ofereciam alimento farto para os rebanhos no período das secas.
A construção sucessiva de usinas hidrelétricas ao longo do rio Paraná alterou completamente os ciclos de cheias e vazantes, e, muito pior, os reservatórios encobriram grande parte das antigas planícies alagáveis. A primeira grande usina hidrelétrica construída no rio, Ilha Solteira, formou um lago com quase 2 mil km². A seguir, foi a vez da usina de Jupiá, construída a 66 km a jusante de Ilha Solteira, que formou um lago com 330 km². Essas usinas foram concluídas, respectivamente, em 1978 e 1974.
Na sequência, veio a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que teve o enchimento do seu lago com área total de 1.350 km² concluído em 1982. O extenso lago da hidrelétrica encobriu grandes áreas alagáveis nas proximidades da cidade de Guaíra. Finalmente, a partir do final de 1998, começou o enchimento desastroso do lago da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera. Com uma área total de 2.250 km², o reservatório dessa cara e ineficiente hidrelétrica encobriu extensas e importantes áreas de planícies alagáveis nas margens do rio Paraná no Estado de São Paulo e, especialmente, no Mato Grosso do Sul.
Porto Primavera teve seu projeto iniciado em 1980, ainda durante o ciclo dos Governos Militares, e, devido aos altos custos da obra, só teve sua construção totalmente concluída no ano 2000. Esse atraso no cronograma das obras também afetou os serviços de supressão de vegetação, de captura e transferência dos animais silvestres e também a desapropriação de famílias que vivam nas áreas que seriam alagadas pelo reservatório. Com o anúncio do início do enchimento do lago, que só foi autorizado após a derrubada de uma série de liminares na Justiça, os processos foram apressados, sem que houvesse tempo hábil para a conclusão de várias etapas desses trabalhos.
Com o avanço das águas, muitos animais silvestres acabaram ilhados em remanescentes de mata e se afogaram. Muitos outros, tentaram fugir para outras regiões por seus próprios meios e acabaram chegando em regiões ocupadas por sítios e fazendas, onde muitos morreram em confrontos com populações humanas. Existem diversos relatos de onças que foram mortas por fazendeiros e sitiantes após passarem a viver nos arredores das propriedades rurais.
O intenso represamento das águas do rio Paraná reduziu drasticamente o tamanho das planícies alagáveis e das populações de animais que viviam nessas áreas. A variação máxima no nível do rio Paraná entre o pico do período das chuvas e o da seca tem se limitado a menos de 5 metros, um valor muito distante das grandes variações do passado, que provocava os grandes alagamentos e uma mudança radical nas paisagens de extensos trechos das margens.
Esse é o resultado do insano “progresso a qualquer custo” de décadas atrás.