OS VARJÕES OU PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO DO ALTO RIO PARANÁ

Planícies Inundáveis do rio Paraná

O Paraná é o segundo maior rio da América do Sul, com uma extensão total de 4.880 km. Sua bacia hidrográfica abrange uma área total de 2,5 milhões de km² no Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. Dentro do território brasileiro, a bacia hidrográfica do rio Paraná abrange uma área total de aproximadamente 880 mil km², distribuída entre os Estados de Minas Gerias, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal. Os rios formadores do Paraná são os rios Grande e Paranaíba; os principais afluentes são os rios Tietê, Paranapanema e Iguaçu

Grande parte do Alto rio Paraná, nome que é dado ao trecho localizado da junção dos rios Grande e Paranaíba, início geográfico do rio Paraná, até Foz do Iguaçu, apresentavam grandes áreas alagáveis ou varjões ao longo das margens, que no auge do período das cheias podiam se estender por até 20 km. Esses ecossistemas, que possuíam características de flora e de fauna bastante parecidas com as do Pantanal Mato-grossense, foram áreas altamente impactadas após a construção das grandes usinas hidrelétricas na calha do rio Paraná e nos demais rios do trecho brasileiro da bacia hidrográfica – são mais de 25 reservatórios com área de lago superior a 100 km²

As planícies de inundação, que atualmente possuem uma área bastante reduzida, apresentam uma vegetação formada basicamente por plantas herbáceas – já foram identificadas cerca de 360 espécies. Nas áreas de lagoas, brejos e canais secundários são encontradas herbáceas aquáticas como os jacintos-das-águas (Eichhornia azurea) e a erva-de-bicho (Polygonum acuminatum). As áreas de campo são dominadas pelas gramíneas como o capim-santa-fé (Panicum prionitis) e o capim-mombaça (Panicum maximum), o ginseng-brasileiro (pffafia glomerata), cássia (Senna pendula) e pequenas árvores isoladas como o ingá-do-brejo (Inga uruguensis).

Nessas áreas já foram identificadas 417 espécies de animais vertebrados, sendo 60 mamíferos, 298 aves, 37 répteis e 22 anfíbios. As capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris) são os animais encontrados em maior abundância nos canais, lagoas e áreas úmidas. Também se destacam as onças-pintadas (Phantera onca), os catetos (Tayassu tajacu), os cachorros-do-mato (Dusicyon thous), as antas (Tapirus terrestris), os cervos-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) e os veados-mateiros (Mazana sp). Cerca de 7% dos mamíferos encontrados nas planícies alagáveis estão na lista das espécies ameaçadas de extinção

Entre as aves, destacam-se o macuco (Tinamus solitarius) e o bicudo (Oryzoborus maximiliani), espécies seriamente ameaçadas de extinção. Os jacaré-de-papo-amarelo, espécie que já foi abundante na Mata Atlântica e que encontrava refúgio nas planícies alagáveis do rio Paraná, também estão sob forte ameaça. 

A fauna aquática dos varjões apresenta cerca de 170 espécies já identificadas. Essas espécies permanecem nas áreas alagáveis durante todo o seu ciclo de vida, se alternando entre as lagoas e canais nos períodos de seca, se dispersando nos alagamentos no período das chuvas. Espécies migratórias como o pintado (Pseudoplatystoma corruscans) e o dourado (Salminus brasiliensis) utilizam as planícies alagáveis durante a fase de reprodução e como área de alimentação. A vegetação submersa, que se apresenta com características similares à das áreas dos manguezais, oferecem alimento e abrigo para os alevinos, que usam esse período para crescer em segurança antes de enfrentar as águas abertas do rio Paraná. 

Para as populações humanas, essas planícies alagáveis também foram áreas de importância ímpar. Desde a década de 1930, quando tiveram início várias políticas governamentais para a ocupação de grandes vazios populacionais no interior do país e teve início um forte processo de ocupação de terras ao longo das margens do rio Paraná, os varjões passaram a funcionar como uma espécie de “válvula de escape” para grupos de sem-terra. Essas populações, que vieram para a região em busca de terras para trabalhar, muitas vezes se envolviam em conflitos com os proprietários locais e encontravam nas planícies alagáveis um local temporário para viver e plantar. Para os criadores de gado, essas áreas ofereciam alimento farto para os rebanhos no período das secas. 

A construção sucessiva de usinas hidrelétricas ao longo do rio Paraná alterou completamente os ciclos de cheias e vazantes, e, muito pior, os reservatórios encobriram grande parte das antigas planícies alagáveis. A primeira grande usina hidrelétrica construída no rio, Ilha Solteira, formou um lago com quase 2 mil km². A seguir, foi a vez da usina de Jupiá, construída a 66 km a jusante de Ilha Solteira, que formou um lago com 330 km². Essas usinas foram concluídas, respectivamente, em 1978 e 1974. 

Na sequência, veio a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que teve o enchimento do seu lago com área total de 1.350 km² concluído em 1982. O extenso lago da hidrelétrica encobriu grandes áreas alagáveis nas proximidades da cidade de Guaíra. Finalmente, a partir do final de 1998, começou o enchimento desastroso do lago da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera. Com uma área total de 2.250 km², o reservatório dessa cara e ineficiente hidrelétrica encobriu extensas e importantes áreas de planícies alagáveis nas margens do rio Paraná no Estado de São Paulo e, especialmente, no Mato Grosso do Sul. 

Porto Primavera teve seu projeto iniciado em 1980, ainda durante o ciclo dos Governos Militares, e, devido aos altos custos da obra, só teve sua construção totalmente concluída no ano 2000. Esse atraso no cronograma das obras também afetou os serviços de supressão de vegetação, de captura e transferência dos animais silvestres e também a desapropriação de famílias que vivam nas áreas que seriam alagadas pelo reservatório. Com o anúncio do início do enchimento do lago, que só foi autorizado após a derrubada de uma série de liminares na Justiça, os processos foram apressados, sem que houvesse tempo hábil para a conclusão de várias etapas desses trabalhos. 

Com o avanço das águas, muitos animais silvestres acabaram ilhados em remanescentes de mata e se afogaram. Muitos outros, tentaram fugir para outras regiões por seus próprios meios e acabaram chegando em regiões ocupadas por sítios e fazendas, onde muitos morreram em confrontos com populações humanas. Existem diversos relatos de onças que foram mortas por fazendeiros e sitiantes após passarem a viver nos arredores das propriedades rurais. 

O intenso represamento das águas do rio Paraná reduziu drasticamente o tamanho das planícies alagáveis e das populações de animais que viviam nessas áreas. A variação máxima no nível do rio Paraná entre o pico do período das chuvas e o da seca tem se limitado a menos de 5 metros, um valor muito distante das grandes variações do passado, que provocava os grandes alagamentos e uma mudança radical nas paisagens de extensos trechos das margens. 

Esse é o resultado do insano “progresso a qualquer custo” de décadas atrás. 

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A CARA E INEFICIENTE USINA HIDRELÉTRICA DE PORTO PRIMAVERA

Cervo-do-Pantanal

Numa sequência de postagens anteriores, falamos da construção e dos impactos criados pela Usina Hidrelétrica de Itaipu. Construída na calha do rio Paraná entre o Brasil e o Paraguai, Itaipu foi durante várias décadas a maior usina hidrelétrica do mundo. Com a construção e a entrada em operação gradativa dos grupos geradores da usina hidrelétrica de Três Gargantas, na China, é apenas uma questão de tempo para que Itaipu perca, em definitivo, esse título. 

A gigante Itaipu é uma campeã em eficiência na produção de energia elétrica – a escolha de um sítio com as melhores condições técnicas no rio Paraná, permitiu a construção de uma barragem com uma altura de 196 metros e a formação de um lago com “apenas” 1.350 km² de superfície. Essa infraestrutura permite o acionamento de 20 grupos geradores, com uma potência total instalada de 14 mil MW. A Usina Hidrelétrica de Porto Primavera, tema da postagem de hoje, é diametralmente oposta – sua barragem forma um lago com 2.250 km² de superfície e seus 14 grupos geradores alcançam uma potência máxima de 1.540 MW, ou seja, uma geração de energia elétrica 9 vezes menor do que a de Itaipu. 

Porto Primavera também é dona de números superlativos, porém, ao contrário de Itaipu, esses números são majoritariamente negativos. A barragem da usina é a maior do Brasil, com uma extensão total de mais de 10 km. O lago do seu reservatório é sete vezes maior que a Baía da Guanabara. A obra provocou enormes impactos ambientais e necessidade de grandes volumes financeiros para o pagamento de desapropriações, problemas que elevaram os custos de construção para mais de US$ 9 bilhões – dinheiro e problemas demais para uma geração elétrica “de menos”. Especialistas do setor consideram essa usina hidrelétrica como a “3ª menos eficiente do mundo”, só perdendo para Balbina, no Estado do Amazonas, e para uma hidrelétrica no Egito

Conforme já comentamos em postagens anteriores, o período dos Governos Militares foi fecundo para o projeto e a construção de grandes obras de infraestrutura, entre as quais se incluem a construção de grandes usinas hidrelétricas pelos quatro cantos do país. Contando com grandes volumes financeiros disponíveis no mercado internacional a juros baixos e sem uma oposição política com força suficiente para questionar suas decisões, os sucessivos governos militares seguiam à risca seus planos de construção – quaisquer impactos sociais e/ou ambientais eram, simplesmente, classificados como “custos do progresso”. Os planos para a construção da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera foram gestados nesse “ambiente” a partir do ano de 1980. Graças a uma série de atrasos nas obras e na liberação dos recursos, a usina só foi concluída no início da década de 2000. 

Diferente de suas coirmãs construídas na calha do rio Paraná, a hidrelétrica de Porto Primavera teve sua construção executada num período onde obras passaram a ter de realizar estudos de impactos ao meio ambiente. Só para relembrar, a Resolução CONAMA 001, publicada em 23 de janeiro de 1986, estabeleceu as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais dos Estudos de Impactos Ambientais e seu uso como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. E como os impactos ambientais e sociais que a obra desencadearia por uma extensa região seriam enormes, o projeto foi alvo de um sem número de ações e processos judiciais, especialmente a partir de meados da década de 1990. 

De acordo com os estudos realizados na área sujeita ao alagamento após a conclusão da barragem, foram identificados e catalogados 118 sítios arqueológicos, além de serem identificadas 1.729 famílias vivendo nas áreas ribeirinhas e em propriedades rurais, especialmente no lado mato-grossense da obra. A região também abrigava um dos maiores e melhores depósitos de argila da América do Sul. Também foi concluído que as águas encobririam mais de 70 ilhas fluviais do rio Paraná, muitas delas cobertas por vegetação nativa original e habitats de uma grande variedade de espécies animais. 

Entre os diversos ecossistemas colocados em risco pela formação do lago da hidrelétrica destacam-se os varjões, áreas alagáveis com vegetação e animais similares ao Pantanal de Mato Grosso. Esses verdadeiros mini pantanais, localizados em sua grande maioria no lado Sul mato-grossense (cerca de 80% do reservatório se formou no lado do Estado de Mato Grosso do Sul), eram o habitat de, pelo menos, 14 espécies ameaçadas de extinção como a onça-pintada, o jacaré-de-papo-amarelo e os cervos-do-pantanal (vide foto). Na região também se encontravam espécies das regiões de Cerrado como as onças pretas e pardas, também conhecidas como suçuaranas, tamanduás, gambás, tatus, cuícas, bugios, macacos-prego, além de uma infinidade de espécies de aves. 

Depois de uma intensa batalha judicial e de sucessivas liminares que impediam o início do enchimento do lago do reservatório, a CESP – Centrais Elétricas de São Paulo (que depois teve seu nome mudado para Companhia Energética de São Paulo), empresa responsável pela obra, conseguiu derrubar a última liminar do Ministério Público no final de 1998 e iniciou o processo de enchimento do lago às pressas. A empresa tinha urgência na conclusão das obras da usina hidrelétrica e do enchimento do lago, com vistas à inclusão do empreendimento no pacote de privatizações do setor elétrico, incluindo Porto Primavera no mesmo pacote em que já se encontravam as hidrelétricas de Jupiá e de Ilha Solteira. 

Graças a esse processo apressado de enchimento do lago, não houve tempo suficiente para a supressão total da vegetação nas áreas que ficariam submersas. Também não houve condições para o resgate e a realocação da fauna silvestre – muitos animais acabaram presos em pequenos fragmentos florestais e acabaram por se afogar. É interessante observar que todo esse processo foi realizado sem a liberação da respectiva licença ambiental, que só foi liberada em 4 de dezembro do ano 2000, cerca de dois anos depois do início do enchimento do lago. Esses “pequenos” detalhes mostram o verdadeiro jogo de interesses econômicos que cercavam a obra

De acordo com a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, a forma como foi feito o enchimento do lago da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera foi um “desastre ambiental sem precedentes no Brasil, afetando 22 espécies anfíbios, 37 répteis, 298 aves e 60 mamíferos, muitos ameaçados de extinção, além de erosões e assoreamento do rio, comprometendo a qualidade da água e gerando problemas de oxigenação do lago”

Os altos custos e a baixa eficiência da hidrelétrica também se tornaram alvo das críticas de especialistas do setor. De acordo com técnicos da USP – Universidade de São Paulo, bastavam alguns ajustes técnicos nas Usinas Hidrelétricas de Jupiá e de Três Irmãos, instalando todos os grupos geradores previstos no projeto, para se gerar a eletricidade prevista em Porto Primavera. Esses ajustes técnicos representariam uma fração dos custos de construção de Porto Primavera, algo que não interessava para as autoridades e empresas envolvidas na obra

O resumo dessa verdadeira “ópera bufa” é que a Usina Hidrelétrica de Porto Primavera custou, aproximadamente, 65% do valor gasto com a construção de Itaipu, gerando 9 vezes menos energia elétrica e inundando uma área 70% maior. Para piorar o desastre, causou gigantescos problemas sociais e ambientais.

Bons projetos como o de Itaipu, devidamente licenciados e acompanhados por toda a sociedade, serão sempre bem vindos – agora, desastres econômicos, sociais e ambientais como Porto Primavera precisam ser banidos de nossas terras para sempre. 

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AS BADALADAS “PRAIAS” E O TURISMO NO LAGO DE ITAIPU

Costanera Hernandarias

Se você ainda se lembra das aulas de geografia do ensino fundamental, o Paraguai e a Bolívia são os únicos países da América do Sul que não tem fachada oceânica e, consequentemente, não possuem praias com coqueiros, ondas e areias brancas. Na formação das novas gerações, muito provavelmente, será necessário se repensar esse conceito – as “praias” do Paraguai recebem um número cada vez maior de turistas, não só do país, mas também da Argentina, da Bolívia e até do Brasil. Costanera Hernandárias, uma “legítima” praia paraguaia, é um exemplo dessa nova geografia.

A orla dessa “praia” teve suas obras concluídas em 2015, quando uma grande avenida foi inaugurada na beira do lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu, com quadras de esporte, anfiteatro, praças e estacionamentos. Para deixar a beira do lago com cara de praia, foram despejados mais de 7.500 metros cúbicos de areia nas margens e foram plantados coqueiros. O clima “oceânico” do lugar é completado com um centro gastronômico paraguaio completo, com quiosques e restaurantes com vista para o lago.  

A culinária do Paraguai é considerada a mais subestimada da América do Sul, apesar de muitos críticos de gastronomia afirmarem que é uma das mais saborosas. Entre os destaques há o mbejú, uma mistura de omelete com panqueca; a chipa guazú, um bolo de milho com queijo, ovos e azeite; o bori bori, uma sopa de carne, legumes e bolinhos de milho, além das sempre deliciosas empanadas. Para acompanhar, um tererê, o chimarrão gelado à moda local. 

Distante mais de mil quilômetros da praia mais próxima no Oceano Atlântico, essa praia artificial e muito badalada está localizada em Hernandárias, uma cidade da região metropolitana de Ciudad de Leste, um centro de compras no Paraguai muito conhecido dos sacoleiros brasileiros. 

O lago formado após a conclusão das obras da Usina Hidrelétrica de Itaipu cobriu uma área com 1.350 km², o que o coloca como o sétimo maior lago artificial do Brasil. Esse lago encobriu áreas produtivas, matas (que tiveram a vegetação suprimida antes do alagamento), casas, vilas e cidades, impactando negativamente a vida de dezenas de milhares de pessoas, que foram obrigadas a mudar para outros locais. Por outro lado, a construção da hidrelétrica também gerou expressivos impactos positivos – na última postagem falamos de diversos ganhos econômicos. 

As margens do lago de Itaipu, que têm 1.395 quilômetros de extensão no lado brasileiro e 1.524 quilômetros no lado paraguaio, formaram inúmeras praias fluviais, que acabaram sendo transformadas em uma grande atração turística da região Oeste do Paraná. O sucesso dessas praias é tão grande, que os jornais locais costumam publicar roteiros com a lista das melhores praias de cada temporada, detalhando as principais atrações de cada local e os custos com estacionamento e hospedagem, por exemplo. Esse “fenômeno” turístico segue as mesmas tendências de outros reservatórios de hidrelétricas de áreas interioranas e distantes da orla oceânica, que acabaram transformados em “mares” internos do país. Como exemplos podemos citar o Lago de Furnas, em Minas Gerais, considerado o maior espelho d’água do Estado; os lagos das Usina de Sobradinho, na Bahia, e de Serra Mesa, em Goiás, também entram nessa lista. 

Itaipu começou a chamar a atenção dos turistas ainda durante as obras de construção. Muitos dos visitantes das mundialmente famosas Cataratas do Iguaçu acabavam esticando os seus roteiros e iam visitar o gigantesco canteiro de obras da usina hidrelétrica. De acordo com cálculos da Itaipu Binacional, mais de 17 milhões de turistas, vindos de 197 países diferentes, já passaram pelo circuito de vista interna da usina desde 1977. Além de conhecer os detalhes de funcionamento da hidrelétrica, os turistas podem conhecer o Ecomuseu de Itaipu, o Polo Astronômico Casimiro Montenegro Filho, que fica dentro do Parque Tecnológico de Itaipu, e também o Refúgio Bela Vista

Mas, foi após o enchimento do lago que o turismo deslanchou em toda a região, surgindo praias artificiais, hotéis, pousadas e clubes ao longo de todas as áreas lindeiras às águas. Os principais destinos com praias artificiais são os municípios de São Miguel do Iguaçu, Santa Helena, Marechal Cândido Rondon, Missal, Itaipulândia, Santa Terezinha do Itaipu e Entre Rios do Oeste. Além do indispensável banho, os turistas se divertem com competições de pesca esportiva, onde o dourado é o peixe mais desejado, competições náuticas, atividades de ecoturismo e de aventura. A região também conta com um disputado circuito gastronômico, onde as estrelas são pratos típicos como a costela ao fogo de chão, o boi no rolete e peixes como o dourado preparado na telha, no carrossel e no forno. 

Nas cidades de Foz do Iguaçu e de Santa Terezinha de Itaipu encontramos exemplos da estrutura típica que os turistas dispõem para desfrutar das águas do lago de Itaipu. Em Foz do Iguaçu, foi construída uma orla de balneário com 400 metros de extensão, onde existe uma área coberta para lazer, bebedouros, banheiros, espaço para caminhada e academias ao ar livre. O balneário também possui uma área de camping, 8 quiosques e 82 churrasqueiras, além de 600 vagas de estacionamento. Em Santa Terezinha de Itaipu, a orla da praia artificial tem 180 metros de extensão, contando com 50 quiosques, 200 churrasqueiras e 800 vagas de estacionamento. 

Em outras cidades, como Santa Helena, foi feita a opção por infraestruturas maiores e com maior potencial para receber visitantes. A prefeitura local construiu duas praias artificiais, uma no lago de Itaipu e outra em um açude isolado. Juntas, estas duas praias artificiais possuem uma orla com 1.200 metros de extensão. O balneário também possui 3 barracões para shows e eventos, banheiros, quadras poliesportivas e calçadão. Completam a infraestrutura 400 mesas com churrasqueiras e 93 quiosques com pia. 

Nos períodos de férias, festas e feriados, essas praias artificias recebem milhares de turistas, multidões comparáveis àquelas encontradas nas mesmas datas nas mais badaladas praias da costa brasileira. O grande diferencial, é que estes turistas não precisaram cruzar grandes extensões do país e enfrentar as intermináveis filas nas estradas de acesso ao litoral. Para os municípios, especialmente aqueles que perderam áreas para o lago de Itaipu, esse forte fluxo de turistas faz a economia local se movimentar. 

Sempre que uma obra desse porte era planejada no passado, todas as atenções acabavam se concentrando nos benefícios econômicos diretos que seriam proporcionados pela geração e distribuição da energia elétrica, um insumo cada vez mais essencial na nossa vida moderna. As consequências, positivas ou negativas, eram consideradas com “um custo do progresso”. Eu imagino que, nos idos tempos da década de 1960, quando a Usina Hidrelétrica de Itaipu começou a ser planejada, ninguém imaginou que o lago se transformaria numa grande atração turística da região.  

Uma grande sorte para todos. 

ALGUNS IMPACTOS ECONÔMICOS DA USINA HIDRELÉTRICA DE ITAIPU

Lago de Itaipu

A Usina Hidrelétrica de Itaipu, a maior obra do gênero no Brasil e ainda a maior geradora de energia elétrica do mundo, foi inaugurada oficialmente em 5 de novembro de 1982. O primeiro grupo gerador entrou em operação no dia 5 de maio de 1984 e os dois últimos entraram em operação entre setembro de 2006 e março de 2007. Itaipu conta com um total de 20 grupos geradores, com uma capacidade total instalada de 14.000 MW. Foram gastas mais de 50 mil horas para realizar totalmente este mega empreendimento, com um custo, a valores da época de US$ 16 bilhões. Esses números superlativos foram o tema da última postagem

Um número que destacamos foi a participação financeira do Paraguai no empreendimento – foram apenas U$ 50 milhões, dinheiro esse emprestado ao país pelo Banco do Brasil. Esse valor, visivelmente irrisório, precisa ser considerado dentro do contexto econômico do país vizinho na época. No início da década de 1970, o Paraguai era, disparado, o país mais pobre da América do Sul. O país tinha uma população de apenas 2 milhões de habitantes, sendo que 70% desse total vivia nas áreas rurais do país. A renda per capita dos paraguaios era equivalente a ¼ da renda dos brasileiros. Para complicar ainda mais a situação, o país ocupa uma posição central no continente, sem fachada oceânica e com uma infraestrutura das mais precárias na época. 

O Tratado de Itaipu, assinado entre o Paraguai e o Brasil em 1973, mudou radicalmente as expectativas econômicas do país. Um dos termômetros dessa mudança pode ser avaliado nas taxas de crescimento do Paraguai durante a realização das obras de construção de Itaipu – a economia do país passou a crescer a taxas próximas de 12% ao ano. Na década de 1980, quando a maioria dos países pobres e em desenvolvimento enfrentaram a crise da dívida externa, o Paraguai passou incólume. Entre 1983 e 1998, graças aos recursos gerados por Itaipu, o país manteve um crescimento médio de 7,2% ao ano; de 2003 a 2013, o crescimento médio foi de 6,5% ao ano

O aumento da disponibilidade de energia elétrica no Paraguai permitiu a instalação de inúmeras empresas e indústrias, inclusive brasileiras. A carga tributária mais baixa que a brasileira, a facilidade de importação de insumos e componentes, além de uma série de vantagens fiscais dadas pelo país, estimularam várias indústrias brasileiras a transferirem suas atividades para o país vizinho. Essa pujança econômica permitiu que o país avançasse: perto de 20% das rodovias paraguaias são asfaltadas, 99% da população dispõe de energia elétrica em suas casas, 93% das famílias possuem telefone celular e 40% está conectada na internet

A população atual do Paraguai é superior a 6 milhões de habitantes e a renda per capita subiu para US$ 9,200,00 (dados de 2013). De acordo com dados do Banco Mundial, os índices atuais de pobreza nas áreas rurais e urbanas do país são mais baixos que os do Brasil. A taxa de analfabetismo é de 5% e a expectativa de vida já está na casa dos 75 anos. Esses são alguns números impressionantes que o Paraguai consolidou ao longo dos últimos 40 anos após a conclusão de Itaipu. 

Apesar dos impactos majoritariamente positivos, Itaipu causa alguns desconfortos dentro do Paraguai, especialmente quando se fala dos valores pagos pelo Brasil na compra de parte da cota paraguaia da eletricidade gerada. De acordo com as regras estabelecidas no Tratado de Itaipu, o Brasil pagaria apenas o preço de custo pela compra dessa energia, como parte de um engenhoso mecanismo para permitir que o Paraguai pagasse pela sua parte no empreendimento. Esse pagamento gira em torna de US$ 300 milhões ao ano (isso depois que o ex-presidente Lula concedeu um generoso aumento). Setores da oposição paraguaia classificam essa situação como uma espécie de “colonialismo brasileiro” e reivindicam o aumento desse pagamento para algo da ordem de US$ 2 bilhões ao ano. 

Do lado brasileiro, não há como negar os ganhos econômicos que a construção de Itaipu gerou – cerca de 17% da energia elétrica consumida pelo país vem das suas turbinas. Apesar de nosso país não ter vivido uma fase tão contínua de prosperidade econômica quanto o Paraguai desde a inauguração de Itaipu, é certo que estaríamos vivendo sérios problemas no abastecimento de energia elétrica de nossa população caso a usina não tivesse sido construída. 

Para não nos perdermos em divagações macroeconômicas, vamos analisar os impactos da hidrelétrica nos municípios brasileiros nas áreas lindeiras ao reservatório de Itaipu (vide foto). Conforme comentamos na postagem anterior, o reservatório da hidrelétrica alagou uma área de aproximadamente 1.350 km², encobrindo áreas de 16 municípios: Santa Helena, Foz do Iguaçu, Itaipulândia, São Miguel do Iguaçu, Marechal Cândido Rondon, Guaíra, Pato Bragado, Santa Terezinha de Itaipu, Missal, Entre Rios do Oeste, Mercedes, Novo Mundo, Diamante do Oeste, São José das Palmeiras, Terra Roxa e Medianeira.  

Mais de 8.500 propriedades urbanas e rurais foram alagadas pelo enchimento do reservatório no Brasil e seus proprietários tiveram de ser indenizados. Como já havia acontecido na construção de outras usinas hidrelétricas, algumas cidades inteiras foram alagadas pelo reservatório e toda a população teve de ser transferida, como ocorreu com Alvorada do Iguaçu, uma comunidade com cerca de 3.700 habitantes. Parte da população teve de mudar para a cidade vizinha, Santa Terezinha de Itaipu. 

Como é usual nessas situações, os municípios que sofreram impactos com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu passaram a receber royaltties, uma compensação financeira pelo potencial hidráulico do rio Paraná que está sendo usado para a geração de energia elétrica. Na distribuição dos recursos, 45% vai para os Estados, 45% para os municípios e 10% para órgãos federais. Na cota referente aos municípios, 85% dos valores pagos vão para os municípios impactados diretamente pelo alagamento do reservatório. De acordo com o Tratado de Itaipu, esses pagamentos prosseguirão até o ano de 2023. 

De acordo com os dados disponíveis, desde o início o início da operação de Itaipu, os 16 municípios lindeiros do reservatório já receberam US$ 1,3 bilhão em royalties, um volume de recursos bastante substancial. Esse dinheiro “fácil”, que poderia ajudar essas cidades a construir uma boa infraestrutura e a pagar bons serviços para as populações, algumas vezes acabou sendo usado para fins um tanto questionáveis. Na cidade de Santa Helena, por exemplo, foi construída a maior estátua de bronze da América Latina. Para não ficar para trás, a cidade de Itaipulândia, construiu a maior estátua de Nossa Senhora Aparecida do continente. Além dessas, existem inúmeras obras “inúteis” começadas por uma administração e abandonadas pela administração seguinte. 

O problema para muitas dessas cidades, é que o pagamento dos royalties vai acabar daqui há 4 anos… 

OS NÚMEROS SUPERLATIVOS DA USINA HIDRELÉTRICA DE ITAIPU

Construção de Itaipu

Na última postagem apresentamos um histórico dos problemas de demarcação das fronteiras secas entre o Paraguai e o Brasil, problemas esses que vinham se “arrastando” há mais de 200 anos. Na década de 1960. Durante o chamado Período dos Regimes Militares, o Governo brasileiro costurou um acordo energético com a ditadura militar que governava o Paraguai. O resultado desse acordo foi a construção da Itaipu Binacional, uma gigantesca usina hidrelétrica na divisa entre os dois países, que teve como uma espécie de “efeito colateral” a resolução do conflito fronteiriço entre as duas nações – a maior parte das áreas em litígio foram encobertas pela formação do lago da hidrelétrica, resolvendo a antiga disputa territorial. 

Essa introdução mostra a complexidade e a grandiosidade do empreendimento, que ainda figura como uma das maiores obras já realizadas no Brasil. Quando se fala na Usina Hidrelétrica de Itaipu, todos os números são superlativos. Vejamos: 

Itaipu iniciou suas operações em maio de 1984 e, em quase 35 anos de operação, já gerou mais de 2,6 bilhões de MWh, energia que seria suficiente para iluminar todo o mundo por cerca de 40 dias. A produção anual média de Itaipu nos últimos anos está na casa de 98,5 milhões MWh – em 2016, a hidrelétrica atingiu a marca histórica de 103,1 MWh. A única outra usina hidrelétrica do mundo que consegue chegar próxima desses volumes de produção é a chinesa Três Gargantas, que ainda não está em plena operação. Quando estiver em pleno funcionamento, Três Gargantas terá uma produção de energia elétrica 60% maior que Itaipu. 

Uma das primeiras obras realizadas na construção de uma usina hidrelétrica é a construção de um canal para o desvio das águas do rio. Após a construção desse canal, o leito principal do rio fica “seco”, permitindo assim a realização das obras de construção da barragem. Em Itaipu, foi necessária a construção de um canal com 2 km de extensão, 150 metros de largura e 90 metros de profundidade. Foram removidos 55 milhões de metros cúbicos de terra e rochas durante a construção desse canal

Números superlativos também se observam nas estatísticas da mão de obra utilizada na construção da hidrelétrica. Durante o pico das obras, haviam cerca de 40 mil trabalhadores nos canteiros de obras, escritórios e canteiros de apoio. Entre os anos de 1978 e 1981, devido à rotatividade da mão de obra, eram contratados até 5 mil trabalhadores a cada mês. Ao longo de toda a construção de Itaipu, um dos consórcios construtores chegou a cadastrar cerca de 100 mil trabalhadores. 

Essa verdadeira massa humana que se deslocou até o Oeste do Paraná para trabalhar nessa grande obra, também criou impactos nas cidades da região. Um grande exemplo é a cidade de Foz do Iguaçu, que até meados da década de 1960 tinha apenas duas ruas asfaltadas e uma população total de 20 mil habitantes. Depois de 10 anos de obras, a população da cidade já superava a marca dos 100 mil habitantes. De acordo com dados do último Censo demográfico (2018) a população de Foz do Iguaçu era de 258 mil habitantes. 

Os volumes de concreto usados ao longo da obra também são impressionantes – foram gastos mais de 12,3 milhões de metros cúbicos ao longo de todas as obras. Esse volume seria suficiente para concretar quatro rodovias do tamanho da Rodovia Transamazônica ou construir 210 estádios do tamanho do Maracanã. No dia 14 de novembro de 1978, foram lançados 7.207 metros cúbicos de concreto, um recorde sul-americano. Esse volume de concreto seria suficiente para construir um prédio de 10 andares a cada hora ou um prédio de 240 andares ao final de 24 horas. Essa façanha só foi possível graças a utilização de um complexo sistema de cabos aéreos para o transporte do concreto. 

Uma obra tão grande e complexa exige um suprimento contínuo de todos os tipos de insumos e materiais. Em 1980, as obras da de Itaipu mobilizaram 20.113 caminhões e 6.648 vagões ferroviários. Um destaque foi o transporte das grandes peças inteiras formadoras dos grupos geradores. A roda da primeira turbina, uma peça com peso de 300 toneladas, foi o primeiro grande desafio logístico da obra. Uma gigantesca carreta sai da cidade de São Paulo no dia 4 de dezembro de 1981 e só chegou no canteiro da obra no dia 3 de março de 1982. A carreta foi obrigada a percorrer um caminho com 1.350 km, evitando passagem sob viadutos baixos, pontes que não suportavam o peso da carga e trechos de rodovias com piso inadequado. Com a experiência adquirida, o tempo desse transporte foi diminuindo, chegando ao recorde de “apenas” 26 dias. 

O primeiro grupo gerador da usina hidrelétrica, com uma potência nominal de 700 MW, entrou em operação no dia 5 de maio de 1984 e os dois últimos entraram em operação entre setembro de 2006 e março de 2007. Itaipu conta com um total de 20 grupos geradores, com uma capacidade total instalada de 14.000 MW. Porém, como a potência real dos grupos geradores é um pouco maior (cerca de 750 MW), a Usina Hidrelétrica de Itaipu pode, em caso de necessidade, se dar “luxo” operar com 18 grupos geradores em potência máxima e manter 2 grupos geradores em manutenção. 

Com a conclusão das obras da barragem de Itaipu e com o início da formação do lago, teve início a operação de salvamento dos animais que ficaram ilhados ou preso nas árvores que restaram. Essa operação foi batizada de Mymba Kuera, que em tupi-guarani significa “pegar os bichos”. De acordo com os dados disponíveis, foram 36.450 animais, indo de aranhas-caranguejeiras a onças-pintadas. Como o fechamento das comportas ocorreu em um período de fortes chuvas e de enchentes excepcionais, foram necessários apenas 14 dias para o enchimento do lago, formando assim um espelho d’água com mais de 1.350 km² ou uma área quase igual à do município de São Paulo ou quase 4 vezes o tamanho da Baía da Guanabara. 

Os impactos ambientais e sociais criados pela construção de Itaipu também podem figurar numa lista dos maiores já vistos em nossas terras. A opção pela construção de uma hidrelétrica de grande porte resultou no alagamento de uma superfície total de 1.350 km² e a formação de um lago com comprimento de mais de 170 km. Entre outros impactos, a formação do lago de Itaipu provocou o desaparecimento do Salto das Sete Quedas, que eram consideradas as cachoeiras com o maior volume de água do mundo, com uma vazão de 13.330 m³ por segundo. Não custa lembrar que, naqueles tempos, não existiam estudos de impactos ambientais ou a necessidade de licenciamento prévio para a realização de obras. 

No dia 5 de novembro de 1982, os Generais João Batista Figueiredo, presidente do Brasil, e Alfredo Stroessner, presidente do Paraguai, acionaram juntos o mecanismo de controle de abertura das 14 comportas da barragem, inaugurando “oficialmente” a Usina Hidrelétrica de Itaipu. No total, foram necessárias mais de 50 mil horas de trabalho para a conclusão de todas as obras e sistemas da usina hidrelétrica e de um investimento, a valores da época, de cerca de US$ 16 bilhões. O Brasil assumiu sozinho uma série de empréstimos internacionais para realizar a obra, compromissos que deverão estar totalmente quitados em 2023.

Aqui, precisamos citar um dos únicos números, que nem de longe é superlativo – do custo total da obra, o Paraguai, que é sócio em 50% do empreendimento, entrou com apenas US$ 50 milhões, dinheiro esse emprestado pelo Banco do Brasil. 

ITAIPU – A PEDRA QUE CANTA NO RIO

Rio Paraná

A Itaipu Binacional, a maior usina hidrelétrica do Brasil e ainda a maior geradora de energia elétrica do mundo, é um marco da engenharia e da diplomacia brasileira. Além de ser a responsável pelo fornecimento de mais de 75% da energia elétrica consumida no Paraguai (algumas fontes falam de 90%) e de cerca de 17% do consumo no Brasil, a construção de Itaipu ajudou a revolver uma séria questão diplomática, que estava pendente desde a assinatura do Tratado de Madrid, ainda no século XVIII – a fixação de parte das fronteiras “secas” entre os dois países. 

Relembrando um pouco da nossa história: os territórios do Novo Mundo foram divididos entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas, assinado pelos dois reinos em 1494. A partir desse Tratado, foi estabelecido um meridiano que cortava o nosso território na altura da cidade de Belém do Pará, ao Norte, e no litoral de Santa Catarina, ao Sul, próximo a atual cidade de Florianópolis. Todo o território a Leste desse meridiano pertenceria à Coroa Portuguesa – as terras a Oeste pertenceriam à Coroa de Espanha. A história mostrou que essa linha divisória só existia nos mapas e desde o final do século XVII, bandeirantes paulistas passaram a entrar frequentemente em territórios espanhóis para prospectar ouro e pedras preciosas e também capturar e escravizar índios.  

As Missões dos Jesuítas espanhóis ao longo das margens do rio Paraná eram um dos alvos favoritos dos bandeirantes – os índios já aculturados e cristianizados pelos religiosos eram bastante valorizados para a venda entre os fazendeiros de diversas regiões da Colônia brasileira. Naqueles tempos, os escravos “importados” da África eram muito caros e eram usados principalmente na produção do valioso açúcar no litoral do país – indígenas escravizados, bem mais baratos, eram usados na produção de víveres das fazendas do interior do país. E como havia uma grande demanda por essa mão de obra, as expedições bandeirantes para a captura de índios prosseguiam. 

Sem conseguir conter as sucessivas ondas de ataques dos “portuguezes de San Pablo”, os Jesuítas reclamavam junto ao rei da Espanha, que por sua vez repassava os protestos ao Papa – o Supremo Pontífice tentava achar uma solução junto ao rei de Portugal, mas os “paulistas” não obedeciam a ninguém. As disputas fronteiriças entre o Brasil e o Paraguai começaram nessa época e eram mais problemáticas em um longo trecho de fronteira seca, onde não existia um rio para indicar o ponto exato da divisa 

Em 1750 foi assinado o Tratado de Madrid, que foi a primeira tentativa de consolidar as fronteiras reais entre os territórios de Portugal e Espanha na América do Sul. Esse novo Tratado considerava que as regiões da Amazônia e do Mato Grosso, que há muito já possuíam assentamentos com populações falantes do português, passariam para o controle de Portugal. Esse Tratado, porém, ainda não resolvia problemas de fronteira em outras regiões como a das Sete Missões, no Rio Grande do Sul, que ainda permaneciam ligados à coroa da Espanha. Em 1777, foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso, que na prática revalidou o Tratado de Madrid e procurou resolver algumas pendências. 

Os textos desses Tratados estabeleciam que o trecho do rio Paraná, entre as Cataratas do Iguaçu e as Setes Quedas, funcionaria como uma fronteira natural entre os territórios de Portugal e da Espanha. Já no trecho de fronteira seca, se estabeleceria uma linha imaginária entre o ponto final das Setes Quedas e o cume da Serra de Maracaju, uma formação localizada no Sul do Mato Grosso e visível a partir do rio Paraná. O problema prático dessa nova definição da fronteira é que a Serra de Maracaju apresenta dois maciços diferentes, cada um com seu cume – se o cume mais ao Norte fosse considerado como o ponto de referência dessa linha imaginária, o Brasil sairia perdendo território; se fosse usado o cume mais ao Sul, seria o Paraguai que sairia perdendo.  

Um dos últimos esforços feitos na tentativa de estabelecer essa fronteira foi a criação de uma comissão cartográfica internacional na década de 1860, cujos trabalhos acabaram interrompidos após a deflagração da Guerra do Paraguai, conflito que se estendeu entre 1864 e 1870. Mesmo com o fim do conflito, os trabalhos de demarcação nunca foram retomados. Por mais incrível que possa parecer, essa pendência fronteiriça não havia sido resolvida até meados da década de 1960, quando tropas do exército brasileiro foram deslocadas para a região para “mediar” um conflito

Na década de 1960, conforme já comentamos em postagens anteriores, teve início um ciclo de construção de grandes obras de infraestrutura por todo o país, onde se destaca uma grande preocupação com a construção de usinas hidrelétricas. O caudaloso rio Paraná e todo o seu potencial para a geração de energia elétrica passaram a ocupar uma posição prioritária nessa lista de grandes obras. 

Os primeiros estudos técnicos que foram realizados na região propunham a construção de uma grande usina hidrelétrica dentro do território brasileiro, com a formação de um lago que se estenderia até as proximidades do Salto das Sete Quedas. Assim que o Governo do Paraguai ficou sabendo desses estudos, se desencadearam fortes protestos – o país perderia uma grande faixa do seu território, encoberta pelas águas da represa, e não ganharia nada em troca. Como se costuma dizer no popular, a “chapa esquentou” entre os dois países, inclusive com alguns militares mais radicais falando em guerra. Felizmente, a diplomacia falou mais alto. 

Em 1965, foi inaugurada finalmente a Ponte da Amizade, que ligava as cidades de Foz do Iguaçu, no Brasil, a Porto Stroessner, no Paraguai. Costuma-se dizer que “o Brasil entrou com a ponte e o pobre Paraguai entrou com a amizade”. A obra, que se arrastava desde 1959, foi um marco nas relações diplomáticas entre os dois países e abriu caminho para a assinatura da Ata do Iguaçu, um protocolo entre os que tinha como objetivo o estudo do aproveitamento conjunto das águas do rio Paraná para a produção da energia elétrica. Foram esses estudos e outros acordos firmados entre os dois países que possibilitaram a construção de uma grande usina hidrelétrica binacional. 

Um detalhe do projeto da Usina – ao contrário dos estudos anteriores, quando se previa a formação de um reservatório menor, a nova proposta passou a considerar a formação de um grande lago, que inclusive encobriria as Sete Quedas. Essa proposta absurda do ponto de vista natural – Sete Quedas era considerada um dos grandes patrimônios naturais do mundo, visava resolver a questão fronteiriças pendente entre os dois países. Grande parte da área em litigio seria encoberta pelas águas do lago da hidrelétrica, resolvendo em definitivo a questão. Essa acabou sendo a solução encontrada pelas duas ditaduras militares que governavam os dois países. 

Nos estudos que se seguiram, os técnicos realizaram diversas expedições ao longo do trecho do rio Paraná, buscando o melhor local para a construção da barragem da hidrelétrica. Encontraram um trecho com uma fortíssima correnteza, logo após um trecho com um cânion. Foi concluído que aquele era o trecho com maior potencial de aproveitamento da força hidráulica do rio. Os antigos indígenas locais chamavam esse trecho de Itaipu, palavra composta que pode ser traduzida literalmente como “lugar onde a pedra do rio canta”. 

Foi mais ou menos assim que começou a saga de uma das maiores obras já realizadas no Brasil – a Usina Hidrelétrica de Itaipu. 

FALANDO DE RUBINEIA, A CIDADE DE RUBENS E DE NEIA…

Rubineia

“O relógio marca meio dia.  

Antes de sair para almoçar, Dona Conceição Berselle repete o mesmo ritual das últimas semanas – ela vai até a beira do lago em formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira para conferir o nível das águas, que sobem a cada dia e encobrem trechos já abandonados da cidade. Nos últimos anos, desde que foi anunciada a construção da usina hidrelétrica em 1967, Dona Conceição e o marido, responsáveis pelo cartório de Rubineia, trabalham intensamente no pagamento de indenizações e na preparação das escrituras dos novos imóveis, que foram construídos na nova sede da cidade, em implantação a poucos quilômetros dali. O casal, que só abandonou a cidade quando as águas chegaram à porta de sua casa em 1973, conheceu de perto o drama de todos os desapropriados. Eles foram, literalmente, os últimos moradores a abandonar sua velha cidade.”

Essa breve narrativa, adaptada de uma reportagem sobre o alagamento de Rubineia, é um dos muitos registros que mostram, com nomes e sobrenomes, todo o drama humano das populações desalojadas pela construção das grandes usinas hidrelétricas. Conforme comentamos em postagem anterior, a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, na divisa entre os Estados de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, e o represamento das águas do rio Paraná, criaram um lago com uma superfície de 2 mil km² e provocaram a desapropriação de milhares de imóveis e propriedades rurais. Somente no município de Rubineia, cerca de 10 mil pessoas tiveram de abandonar suas propriedades – a sede do município foi totalmente inundada e uma nova área urbana foi erguida em um terreno mais alto. 

A história de Rubineia se confunde com a de muitas outras cidades que surgiram ao longo das margens do rio Paraná durante as primeiras décadas do século XX. Inúmeros programas de colonização e ocupação de áreas interioranas do país foram criados e estimulados pelos sucessivos Governos Federais, com o claro objetivo de ocupar o imenso vazio populacional dos sertões brasileiros. Esses movimentos receberam nomes como Marcha para o Oeste, Frentes Pioneiras e também Frentes de Expansão

Rubineia nasceu no início da década de 1950 por iniciativa de Rubens de Oliveira Camargo, que resolveu transformar suas terras em um grande loteamento, onde criaria sua própria cidade. O nome do lugar, aliás, surgiu da junção do seu nome – Rubens, com o de sua esposa – Neia: Rubineia. O empreendedor tinha consciência que os trilhos da Estrada de Ferro Araraquara não tardariam a chegar até as margens do rio Paraná rumo ao Mato Grosso e que a presença de um terminal ferroviário traria muito progresso para a região. Uma das primeiras construções da futura cidade foi uma mercearia, instalada onde já funcionava um botequim, conhecido pelo sugestivo nome de “Fecha Nunca” – a cidade cresceu ao redor desse núcleo. 

Como previsto, os trilhos da ferrovia chegaram ao lugar no final de 1952, uma facilidade logística que estimulou a chegada de inúmeras famílias, que buscavam construir uma nova vida. A foto que ilustra esta postagem, retirada de um site que guarda a memória de Rubineia, mostra uma típica família de pioneiros da cidade nessa época. Durante muito tempo, a cidade funcionou como uma escala para os viajantes que seguiam ou vinham da cidade de Aparecida do Taboado, na outra margem do rio Paraná já em território do Mato Grosso do Sul. Esse intenso movimento de viajantes estimulou o surgimento de um intenso comércio e de uma estrutura de serviços na cidade de Rubineia, o que se somou à forte produção agropecuária local. 

Em 1953, a jovem vila foi elevada à categoria de distrito de Santa Fé do Sul e em 1964, tornou-se um município independente. A prosperidade da cidade, que crescia sem parar, foi abalada pelo anúncio da construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira em 1967, obra que provocaria a inundação de parte considerável das terras do município. 

Um dos aspectos mais complicados de um processo de desapropriação de propriedades para a realização de uma grande obra é o valor que será pago como indenização. Trabalhando nas obras de prolongamento de uma grande avenida na cidade de São Paulo, eu acompanhei todo esse processo e senti as dificuldades – quem está pagando pela desapropriação usa o menor valor de mercado possível; já o desapropriado vai lutar com todas as suas forças para tentar receber um valor mais alto. Normalmente, o lado mais fraco – o do desapropriado, perde. No caso de propriedades rurais, onde nem sempre o dono das terras tem a documentação de posse em ordem (muitas vezes são posseiros ou invasores de terras públicas), é comum que as famílias tenham de abandonar as terras sem receber praticamente nada – na melhor das hipóteses, recebem apenas uma ajuda de custo. 

Durante o período dos Regimes Militares, que esteve no comando do Governo do país entre 1964 e 1985, a construção de um grande número de usinas hidrelétricas por todos os cantos do país, criou uma verdadeira legião de pequenos proprietários rurais desalojados. Sem dispor de mecanismos legais a quem recorrer, esses desalojados criaram seu próprio movimento social anos mais tarde – o Movimento dos Atingidos por Barragens. De acordo com estatísticas do Movimento, cerca de 1 milhão de pessoas foram afetadas pela construção de barragens em todo o Brasil. As diversas barragens construídas no rio Paraná no período, deram uma importante “contribuição” para a formação desse grande número de desalojados

Um número interessante de ser analisado é a população atual do município de Rubineia que, de acordo com as informações do último censo demográfico, é inferior a 3 mil habitantes. Entre 1969 e 1973, período em que ocorreram as desapropriações de terras e propriedades para a construção do reservatório da hidrelétrica de Ilha Solteira, foram cerca de 10 mil pessoas desapropriadas. Essa diferença entre a população antiga e a atual no município mostra as distorções desse processo – os baixos valores pagos pelas terras desapropriadas, isso na hipótese de ter existido algum pagamento, empurrou as famílias para regiões distantes, onde o preço das terras ainda era mais baixo, especialmente na Região Amazônica. 

Os números também mostram o enfraquecimento da economia do município, que não conseguiu recuperar o antigo vigor e as fortes taxas de crescimento da fase inicial da sua história. Em 1998, com a inauguração da ponte rodo-ferroviária sobre o rio Paraná, ligando o município de Rubineia a Aparecida de Taboada, a importância da cidade como entreposto de viajantes diminuiu muito. Um dos poucos impactos positivos após a formação da represa da hidrelétrica de Ilha Solteira foi um aumento no número dos turistas, que passaram a frequentar a cidade, especialmente pescadores e/ou amantes da pesca, que buscam as águas do rio Paraná e seus grandes peixes, como o cobiçado dourado. 

A construção de usinas hidrelétricas traz enormes ganhos econômicos e benefícios para as nossas modernas sociedades. Porém, como se vê facilmente, muita gente perde muito com a implantação dessas obras. 

O POVOAMENTO DAS MARGENS DO RIO PARANÁ, OU A ”MARCHA PARA O OESTE”

Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

Na última postagem, falamos do processo de construção das Usinas Hidrelétricas de Ilha Solteira e de Jupiá, mostrando rapidamente os impactos sociais e ambientais que obras desse porte provocaram ao longo das margens do rio Paraná. Essas obras foram feitas em uma época em que não havia necessidade legal de se realizar estudos prévios de impactos sócio ambientais e também num momento de “regime de exceção”, quando o país era governado por uma junta militar.  

Além de uma infinidade de impactos ao meio ambiente e à vida natural, essas obras forçaram dezenas de milhares de famílias a abandonar suas terras e propriedades, que seriam inundadas após o enchimento do reservatório dessas usinas. Para dar uma ideia da quantidade de pessoas atingidas por essas obras, é importante lembrar o processo de colonização das margens do rio Paraná, processo esse que foi estimulado pelo Governo brasileiro a partir do início do século XX. 

Nas últimas décadas do século XIX, após o término da Guerra do Paraguai, a criação de gado começou a crescer muito, especialmente na região Sul do então Estado de Mato Grosso, região que um século mais tarde foi transformada no Estado do Mato Grosso do Sul. Inicialmente, algumas empresas locais se dedicaram ao processamento da carne de charque, que era transportada por via fluvial pelos rios Paraguai, Paraná e Prata até Montevidéu, no Uruguai, e depois exportada por via marítima até o Rio de Janeiro e toda a Região Nordeste.

Depois, o gado em pé passou a ser vendido para o Paraguai, cuja economia se recuperava da destrutiva guerra, e para o Estado de São Paulo, o que levou à criação de diversas estradas boiadeiras e do serviço de navegação pioneiro no rio Paraná.  

Um evento marcante do início do século XX, que mudaria em definitivo a vida e a economia no rio Paraná, foi a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil à cidade de Itapura, no extremo Oeste de São Paulo, e depois a Porto Esperança, no rio Paraguai já no Estado de Mato Grosso do Sul (vide foto). As obras foram iniciadas em 1905 na cidade de Bauru, interior do Estado de São Paulo, e concluídas em 1914.

A ferrovia alterou profundamente a economia regional, que passou a ter acesso direto aos grandes centros consumidores da Região Sudeste do país, deixando de depender exclusivamente da navegação hidroviária pela bacia dos rios Paraguai, Paraná e Prata. Um outro aspecto, talvez o mais relevante, foram as possibilidades que a ferrovia abriu para o povoamento da Região Oeste do Estado de São Paulo e demais áreas lindeiras às margens do rio Paraná e principais afluentes.  

Até as últimas décadas do século XIX, a população brasileira se concentrava basicamente ao longo de uma faixa de 300 km ao longo da fachada oceânica e em áreas interioranas da Região Nordeste e de Minas Gerais, estas últimas ocupadas durante os chamados Ciclos do Couro e do Ouro. O restante do país, com raras exceções, era uma imensa sucessão de sertões habitados por escassas populações, formadas na sua maior parte por nações indígenas.

Ao longo de todo o século XX, serão criadas diversas políticas governamentais e movimentos com vistas ao deslocamento e fixação de populações nessas regiões “desabitadas”. Esse conjunto de esforços algumas vezes eram chamados de “Frentes Pioneiras”; outras vezes de “Frentes de Expansão” e por vezes de “Marcha para o Oeste”, talvez numa referência ao movimento similar que se assistiu nos Estados Unidos a partir de meados do século XIX.  

Uma empresa privada, que depois foi transformada em autarquia federal em 1942, que marcou época nessa região do rio Paraná foi a Companhia de Viação São Paulo – Mato Grosso. Foi essa empresa quem estruturou o serviço pioneiro de balsas para a travessia de gado entre o Sul de Mato Grosso e São Paulo.

Além do comércio de gado e dos serviços de navegação fluvial, mercado que a empresa liderou até a década de 1960, a Companhia também se dedicou a projetos de colonização rural, de indústria e de comércio. As atividades da empresa, que funcionou entre 1904 e 1972, foram determinantes para a fundação de inúmeras cidades nas regiões marginais do rio Paraná no extremo Oeste paulista e extremo Noroeste do Paraná, além de cidade no Sul do Estado do Mato Grosso. A cidade de Presidente Epitácio, no Estado de São Paulo, é um exemplo.   

As principais rotas de navegação da Companhia utilizavam as águas dos rios Paraná, Anhanduí, Pardo, Brilhante e Ivinhema. Uma das rotas de navegação mais importantes do rio Paraná foi a que passou a interligar a cidade de Guaíra, no Estado do Paraná, a Três Lagoas, no Mato Grosso. Essa rota de navegação estimulou o surgimento de dezenas de portos fluviais para o embarque e desembarque de passageiros, cargas, animais, além de muitos carros e caminhões.

Também fez surgir uma infinidade de “portos” improvisados em fazendas, onde embarcações eram carregadas com madeira e gado. Durante várias décadas, grande parte do transporte de pessoas e de mercadorias por toda essa extensa região continuou sendo feito pelas vias fluviais.  

No período áureo da navegação fluvial do rio Paraná, entre as décadas de 1940 e 1960, cerca de quinze grandes empresas de navegação operavam com embarcações de carga e de passageiros, a maioria com sede na cidade de Presidente Epitácio. A partir da década de 1950, com praticamente todos os esforços do Governo Federal sendo concentrados na abertura de rodovias e no estímulo à produção de carros, caminhões e ônibus, toda essa infraestrutura de navegação fluvial entrou em lenta e contínua decadência.  

O resultado final de todos os esforços governamentais para o povoamento e colonização das regiões marginais do rio Paraná ao longo das primeiras décadas do século XX foi o surgimento de uma infinidade de propriedades rurais, vilas e cidades lindeiras ao rio. Ironicamente, ações do próprio Governo Federal para a implantação de várias usinas hidrelétricas ao longo da calha do rio Paraná, a partir da década de 1960, expulsou muitos desses pioneiros e seus descendentes das suas terras e propriedades. Isso é o que se pode chamar de falta de planejamento e visão de longo prazo entre nossos governantes

Somente no município de Rubineia, que teve parte do seu território e a sua antiga área urbana inundadas pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, cerca de 10 mil pessoas tiveram de abandonar as suas terras e casas. A migração para novas áreas de colonização na Região Amazônica, especialmente nos Estados de Rondônia e do Pará, foi uma opção de recomeço para muitas dessas famílias desalojadas. Para muitas outras, o destino final acabou sendo a busca por uma nova vida na periferia das médias e grandes cidades brasileiras. 

A geração de energia elétrica através de fontes hidráulicas e renováveis é fundamental para um país ainda em construção, como é o caso do Brasil. A crítica que sempre fazemos em nossas postagens são os problemas sociais e ambientais que muitas dessas obras criaram, sendo que grande parte desses problemas foram, literalmente, “varridos para debaixo do tapete”.

AS USINAS DO COMPLEXO HIDRELÉTRICO URUBUPUNGÁ NO RIO PARANÁ

Usina Hidrelétrica Jupiá

Na última postagem falamos rapidamente do importante rio Paraná, o segundo maior rio da América do Sul e dono de um dos maiores potenciais de geração hidrelétrica do mundo. A partir da década de 1960, esse potencial hidrelétrico começou a ser explorado e quatro grandes usinas foram construídas ao longo da sua calha: Jupiá, Ilha Solteira, Porto Primavera e Itaipu, que durante várias décadas foi considerada a maior usina hidrelétrica do mundo, só superada recentemente pela Usina Três Gargantas, da China. 

O Complexo Hidrelétrico Urubupungá é formado pelas Usinas de Ilha Solteira e Jupiá, no rio Paraná, e também pela Usina Hidrelétrica Três Irmãos, no rio Tietê. As Usinas de Ilha Solteira e Jupiá formam o maior pólo gerador de energia elétrica do Estado de São Paulo, com uma capacidade instalada total de 4.995 MW. A Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira é a terceira maior do Brasil, com uma potência instalada de 3.444 MW. Para a construção da usina, foi necessária a construção de uma barragem com 5,6 mil metros de extensão, formando um reservatório com quase 2 mil m², o que nos dá uma ideia dos impactos sócio ambientais provocados. A usina hidrelétrica foi concluída em 1978 e possui um total de 20 grupos geradores

A Usina Hidrelétrica de Jupiá (vide foto) foi construída a 66 km a jusante de Ilha Solteira e foi concebida para funcionar a “fio d’água”, ou seja, a usina se vale da força da correnteza do rio para gerar as turbinas, sem a necessidade de um grande reservatório. Sua barragem tem 5,5 mil metros de comprimento e forma um reservatório com uma área máxima de 330 km², ou seja, seis vezes menor do que o reservatório de Ilha Solteira e com um impacto ambiental bem menor. A usina conta com 14 grupos geradores, com uma potência instalada de 1.551 MW. As obras de construção da Usina de Jupiá foram concluídas em 1974

A construção de barragens de usinas hidrelétricas causa uma série de problemas ambientais e sociais, que vão do barramento das águas do rio e o comprometimento da migração de diversas espécies aquáticas até o alagamento de extensas áreas ribeirinhas, com a necessidade de realocação de milhares de pessoas que habitavam essas regiões. Normalmente, o anúncio da construção de uma obra com esse potencial de impactos gera uma forte onda de protestos – porém, nos idos tempos do Regime Militar, que governou o país entre 1964 e 1985, as coisas não eram tão simples assim. Preocupados com a implantação de uma infraestrutura que garantisse um “salto” no desenvolvimento do Brasil, os militares usavam de todos os recursos legais (e também ilegais) para coibir qualquer tipo de protesto ou insubordinação. 

Um ícone desse processo na construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira atende pelo nome de Aparecido Galdino Jacintho, mais conhecido como o “profeta das águas”. “Aparecidão”, como era conhecido pela população local, tornou-se um líder religioso e uma espécie de profeta popular, com muitos características que lembram Antônio Conselheiro, o líder religioso do arraial de Canudos, no sertão da Bahia do final do século XIX. Dizem que os poderes messiânicos do profeta surgiram quando um dos seus filhos foi chifrado por um boi bravo e ele fez um apelo desesperado para Deus salvá-lo, sendo atendido. A partir daí, ele passou a fazer benzimentos e sua fama como religioso não parou mais de crescer. 

Com o aumento no seu número de seguidores, “Aparecidão” construiu uma capela em seu sítio, onde passou a se reunir com sua irmandade, que foi batizada com o nome de “Exército Divino”. Em sua concepção religiosa, “Aparecidão” imaginava “um exército de fiéis de farda com a missão de pregar a palavra sagrada, combater os infiéis e impedir a construção da barragem de Ilha Solteira”. 

O movimento dos fiéis do “Exército Divino” não demorou muito a chamar a atenção dos altos oficiais do Exército brasileiro, que ocupavam postos chaves no Governo Federal. Aparecido Galdino Jacintho foi acusado de curandeirismo e subversão pela Justiça Militar e acabou preso. Na falta de provas que permitissem uma condenação exemplar, o “profeta das águas” foi classificado como louco e assim pode ser internado em um manicômio judiciário. No total, “Aparecidão” ficou preso por nove anos, sendo dois anos em uma prisão comum e sete anos em manicômios judiciários. Sem a forte liderança de Aparecido Galdino Jacintho, as autoridades conseguiram controlar mais facilmente os camponeses, que acabaram removidos silenciosamente para outras regiões.  A história do “Profeta das Águas” foi transformada em um documentário, lançado em 2017,

É sempre oportuno lembrar que essas grandes obras foram feitas em uma época onde não eram exigidos estudos de impactos ao meio ambiente. Também precisamos recordar que durante o período dos Governos Militares, havia uma ideologia do “desenvolvimento a qualquer custo”. Os planejadores do Governo Federal imaginavam um país com uma moderna infraestrutura, com plenas condições de passar do estágio de subdesenvolvido, ou de “terceiro mundo” como se chamava à época, para a condição de país desenvolvido. Para que esse “salto” fosse possível, era necessário dotar o país de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, telecomunicações, energia elétrica e tudo o mais. 

Um dos impactos ambientais mais visíveis da formação de grandes barragens foi a alteração do ciclo de cheias do rio Paraná. Em condições naturais, o nível do rio oscila entre as grandes cheias do período das chuvas e o período de vazante no período da seca, quando o nível das águas baixa fortemente. Todo o meio ambiente, incluindo populações humanas, vida animal e vegetal, se adaptaram a esses ciclos de cheias e vazantes do rio. As barragens alteraram dramaticamente esses ciclos e os fluxos de águas nos rios passaram a ficar vinculados ao volume de produção de energia elétrica nas usinas. 

O lago formado pelo represamento do rio Paraná pela barragem da Usina de Ilha Solteira alagou uma área equivalente a duas vezes o tamanho do município de São Paulo, avançando sobre propriedades rurais e áreas de matas, que foram suprimidas antes do enchimento do lago. Entre as áreas de vegetação nativa que existiam na região, encontravam-se áreas alagáveis, importantes habitats da vida animal e vegetal, que tinham características de flora e fauna bastantes similares ao Pantanal Mato-grossense. Essas áreas desapareceram para sempre sem que maiores estudos científicos fossem realizados. Muito do que sabemos sobre esses ecossistemas vem de estudos que foram feitos posteriormente na região onde se formou o lago da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera, construída entre os anos de 1980 e 2003. Essa região, que também acabou inundada, era conhecida como Mini Pantanal do rio Paraná. 

Entre as “heranças” deixadas pela construção destas grandes usinas hidrelétricas temos a cidade de Ilha Solteira, que surgiu em 1968 para servir como alojamento dos trabalhadores da obra. A cidade, que atualmente conta com 26 mil habitantes, foi totalmente planejada, contando com uma boa infraestrutura urbana como iluminação pública, redes de água e esgoto. Além de abrigar os trabalhadores e funcionários da obra, a cidade recebeu um grande número de deslocados das áreas alagadas pelo reservatório da usina. Grande parte da arrecadação fiscal do município, que se emancipou de Pereira Barreto em 1991, vem dos impostos pagos pela Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira. 

Um outro caso emblemático é a cidade de Rubineia, que foi totalmente inundada pelo reservatório de Ilha Solteira, e teve de ser reconstruída em outro local. A pequena cidade conta atualmente com menos de 3 mil habitantes – estima-se que cerca de 10 mil habitantes do município foram deslocados de suas terras por causa das obras da usina hidrelétrica. 

Outras tantas histórias de populações e pequenas comunidades ribeirinhas do rio Paraná, simplesmente acabaram perdidas e esquecidas naqueles “anos de chumbo” e de muita repressão política. 

O PODEROSO RIO PARANÁ E SEU POTENCIAL HIDRELÉTRICO

UHE Ilha Solteira

O Paraná é o segundo maior rio da América do Sul com 4.880 km de extensão. Sua bacia hidrográfica, que por convenção recebe o nome do rio da Prata (o último rio da bacia), é a segunda maior do continente, só ficando atrás da gigantesca bacia do rio Amazonas. Seus principais afluentes também são rios grandiosos: Paranaíba, Grande, Tietê, Paranapanema, Iguaçu, Paraguai, SaladoPilcomayo e BermejoOs importantes rios Uruguai e Negro despejam suas águas na região do delta do rio Paraná. As águas de todos esses grandes rios e de uma infinidade de rios menores se juntam para formar o grandioso rio da Prata, um verdadeiro “mar” de águas doces entre o Uruguai e a Argentina. 

Nos primeiros 200 anos da colonização das Américas, o rio Paraná esteve “a serviço” da Coroa de Espanha. Pelos termos do Tratado de Tordesillas, assinado entre Portugal e Espanha em 1494, praticamente todo o rio Paraná e a maior parte de sua bacia hidrográfica se localizavam no lado espanhol do Meridiano de Tordesillas. Os missionários espanhóis da Companhia de Jesus, mais conhecidos como jesuítas, subiram os rios Paraná e Uruguai ainda nos primeiros anos da colonização e fundaram as famosas Missões dos Sete Povos, catequisando os índios guaranis do Paraguai, Nordeste da Argentina e da faixa Leste dos atuais Estados da região Sul do Brasil.  

Com a descoberta das minas de prata na região do Potosi, na Bolívia, pelos espanhóis em 1545, o rio Paraná ganhou uma importância ímpar para a Coroa de Espanha e foi transformado em área de acesso restrito pela poderosa Armada espanhola, que implantou um formidável bloqueio naval no rio da Prata, impedindo assim que nações invejosas como a Inglaterra, a França e a Holanda sequer cogitassem em tentar conquistar a região e suas valiosas minas de prata. Todo o escoamento da prata era feito através do rio Paraná até a região de Buenos Aires e dali seguia em comboios de galeões com forte escolta até a Espanha. A origem do nome da Argentina, inclusive, deriva de argentum, a palavra latina para prata, o que demonstra a importância do metal valioso para os Castelhanos. Calcula-se que as minas do Potosi produziram, entre os séculos XVI e XIX, aproximadamente 31 mil toneladas de prata. As minas ainda produzem quantidades pequenas de prata em nossos dias.  

O rio Paraná também ganhou importância para os paulistas já nos primeiros anos da colonização. Segundo algumas fontes históricas, a escolha da região de São Vicente por Martim Afonso de Sousa, o donatário da Capitania homônima, se deu a partir de notícias da existência de uma extensa trilha indígena que ligava o litoral de São Paulo ao império Inca nos Andes. Essa trilha era conhecida pelos indígenas como peabiru (na língua tupi, “pe” – caminho; “abiru” – gramado amassado) e fazia parte de antigos e extensos caminhos utilizados pelos indígenas sul-americanos em suas intensas redes de comunicação e integração. Por esses caminhos eram feitas as migrações, o comércio, as guerras e os intercâmbios culturais e sociais entre os diferentes grupos indígenas.  

Existem relatos que afirmam que em 1524, o náufrago português Aleixo Garcia organizou uma expedição integrada por dois mil indígenas carijós, que partindo do litoral de Santa Catarina, utilizou esse caminho para chegar até o Peru e saqueou ouro, prata e estanho do império Inca. Essa expedição teria acontecido nove anos antes da invasão espanhola dos Andes, que culminou com a derrota do império Inca em 1533. Também há relatos sobre uma expedição que, sob ordens de Martim Afonso de Sousa, partiu de Cananéia em 1531 rumo aos sertões. Comandada por Pero Lobo e tendo Francisco das Chaves como guia, esta expedição desapareceu, chacinada pelos guaranis, nas proximidades de Foz do Iguaçu, quando se preparavam para atravessar o rio Paraná.  

Apesar do fim trágico, esta expedição foi responsável pela descoberta, entre outras, dos campos de Curitiba, onde seria fundada a cidade homônima. E foi através dessa trilha que os bandeirantes paulistas passaram a viajar para os sertões na caça e aprisionamento dos indígenas guaranis das Missões jesuíticas espanholas nos rios Paraná e Uruguai. Foi a partir navegação ao longo do rio Paraná que os bandeirantes paulistas descobriram os caminhos para as regiões de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Com o passar do tempo, essas expedições passaram a sair do interior do Estado de São Paulo, onde eram utilizadas as canoas monçoeiras para navegar nas águas difíceis do rio Tietê até chegar ao rio Paraná. 

Finalizando este breve relato histórico, lembro que o rio Paraná foi uma via fluvial fundamental para a Marinha Imperial do Brasil durante a trágica Guerra do Paraguai (1864-1870), o maior conflito internacional da América do Sul e que terminou com um saldo de 300 mil paraguaios mortos, entre civis e militares. Uma das causas do conflito eram as reivindicações por parte do Paraguai de livre acesso ao Oceano Atlântico via navegação fluvial pelos rios Paraná e Prata, demanda que contrariava os interesses de Argentina, Uruguai e Brasil. 

O rio Paraná também se destaca quando o assunto é o potencial energético – são quatro grandes usinas hidrelétricas instaladas ao longo do trecho brasileiro da sua calha: JupiáIlha SolteiraPorto Primavera e Itaipu, essa última construída entre o Brasil e o Paraguai, considerada durante várias décadas como a maior usina hidrelétrica do mundo. 

O aproveitamento energético do rio Paraná foi fortemente estimulado durante o período dos Regimes Militares (1964-1985), quando os planejadores estatais criaram todo um conjunto de grandes obras de infraestrutura – hidrelétricas, ferrovias, rodovias, portos, aeroportos entre outros, que fariam o país dar um salto desenvolvimentista. Conforme já comentamos em postagens anteriores, os planos dessas obras eram apresentados para os generais “estrelados” e aprovadas com a ordem “faça-se!’

No caso das usinas hidrelétricas de Jupiá, Ilha Solteira e Porto Primavera, os projetos já estavam sendo preparados pela empresa energética do Estado de São Paulo e contaram com forte apoio do Governo Federal. A UHE Jupiá iniciou suas operações de geração elétrica em 1969 e foi totalmente concluída em 1974, quando atingiu uma potência total de 1.551 MW. A UHE de Ilha Solteira foi construída entre 1965 e 1978, com uma potência instalada de 3.444 MW. Já a UHE de Porto Primavera, que teve suas obras iniciadas em 1980, sofreu uma série de atrasos e só foi concluída em 2003, com uma potência instalada de 1.540 MW

Já a Hidrelétrica de Itaipu, teve projeto elaborado por uma comissão técnica mista com brasileiros e paraguaios e sua construção foi feita por empresas brasileiras. Brasil e Paraguai assinaram um acordo em 1973 – o Tratado de Itaipu, onde foram estabelecidas as regras para a operação compartilhada da hidrelétrica. A primeira unidade geradora de Itaipu entrou em operação em 1984 e a última em 2007. A potência instalada da Usina de Itaipu é de 14 mil MW

A partir da próxima postagem, vamos detalhar a construção e os impactos ambientais criados pela construção de cada uma dessas hidrelétricas no rio Paraná.