A MAIS RECENTE NOVIDADE DO CLIMA MUNDIAL: UMA MANCHA DE ÁGUA “QUENTE” QUE SURGIU NO OCEANO PACÍFICO

Mancha de água quente no Oceano Pacífico

O ano de 2019 foi bastante complicado para o meio ambiente brasileiro e também mundial. Essa notícia é para fechar o ano: os cientistas detectaram uma grande mancha de água “quente” nas proximidades da Nova Zelândia, que está se deslocando em direção da América do Sul. Com aproximadamente 1 milhão de km², essa mancha apresenta águas com temperaturas entre 4 e 6° C mais altas que a média dos oceanos – não existe nenhuma explicação totalmente convincente para a origem do fenômemo até o momento. Vejam a íntegra da reportagem da BBC do dia 30/12/2019, que foi reproduzida pelo Portal G1:

 
 

A mancha compreende uma área do oceano de cerca de 1 milhão de km² cuja temperatura aumentou entre 4°C e 6 °C, mais que o previsto para essa região.

Esse fenômeno inesperado pode, segundo cientistas, ajudar a explicar o forte aumento de gás metano na atmosfera. Sem contar com as zonas do trópico, a mancha vermelha é a área com maior temperatura média na superfície oceânica mundial, diz James Renwick, chefe do Departamento de Geografia, Meio Ambiente e Ciência da Terra da Universidade de Victoria, em Wellington, na Nova Zelândia.

O jornal “New Zealand Herald” diz que a mancha começou a se formar em outubro, mas as temperaturas se mantiveram na média e não cresceram de maneira significativa. No entanto, um aquecimento mais acentuado em dezembro fez a mancha aumentar e a temperatura subir fortemente.

 

A formação da mancha quente

Segundo Renwick, vários fatores contribuíram para a formação da “mancha quente”, entre eles o “anticiclone”, um sistema natural de alta pressão que tem reduzido as correntes de vento nessa parte do Pacífico.

“Temos tido pressões bastante altas, dias ensolarados e ventos leves, o que favorece um aquecimento acelerado da superfície do oceano”, disse ele ao jornal “New Zealand Herald“.

“Se os ventos são fortes, então tudo se dispersa. Se não há essa dispersão, o aquecimento do sol é absorvido pela superfície do oceano e gera essa capa de água muito quente”, explicou.

Ou seja, sem ventos fortes, a temperatura da água aumenta e essa corrente quente se move até perto das costas.

 

Mas quão significativa é essa mancha?

Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, as temperaturas do oceano podem variar em grandes proporções, e um grau a mais ou a menos de diferença já é “preocupante” por provocar efeitos adversos no clima do planeta como um todo.

A área que compreende a mancha quente sofreu um aumento de 4ºC a 6ºC na sua zona central, o que é considerado significativo.

De acordo com Renwick, a capa de água quente se estende por 50 metros debaixo da superfície. Os cientistas ainda vão pesquisar o impacto que isso provocará na vida marinha dessa região.

Manchas quentes parecidas com essa foram identificadas há cinco anos nas costas da Califórnia e do Alasca em setembro. Cientistas alertaram para um fenômeno similar na costa oeste dos Estados Unidos.

 

Que efeitos essa mancha pode provocar?

Segundo Renwick, a mancha quente não terá impacto direto sobre o clima ou a vida na Nova Zelândia. Como ela está a caminho da América do Sul, a expectativa é que se disperse e perca parte do calor antes de chegar a qualquer zona povoada.

Portanto, especialistas dizem que o efeito dessa área de calor no oceano não deve ser grande sobre áreas habitadas. No entanto, os cientistas estão inquietos sobre as eventuais consequências para a vida marinha.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos adverte que o aquecimento das águas reduz os nutrientes no oceano, o que altera a cadeia alimentar marítima.

Leões marinhos, por exemplo, precisam nadar até mais longe para conseguir peixes e outros animais para se alimentar. Uma mancha quente surgida na Califórnia em 2014 produziu a maior proliferação de algas tóxicas já registrada na costa oeste dos EUA.

O aumento da temperatura também dificultou aos salmões jovens encontrar alimentos de boa qualidade no oceano. Além disso, milhares de leões marinhos que saíram em busca de alimentos apareceram encalhados nas praias.

Diversas espécies de baleias, que também tiveram que ir até perto da costa em busca de comida, acabaram presas em redes de pesca ou mortas após encalharem nas areias das praias.

 

Há riscos para a América do Sul?

Segundo Renwick, a massa de água quente deve esfriar ao se aproximar da América do Sul.

O especialista diz que o próprio movimento da mancha até águas mais frias pode provocar o esfriamento da temperatura antes de ela se aproximar do continente americano.

Se isso não ocorrer, a mancha pode “chegar a ficar razoavelmente próxima da América do Sul”, mas não deve alcançar a costa.

No entanto, segundo a revista Science, embora os satélites facilitem a identificação dessas manchas de água quente, eles não são capazes de determinar com precisão magnitude e o impacto ecológico delas.”

 

OS GRANDES INCÊNDIOS FLORESTAIS NA AUSTRÁLIA AGORA AMEAÇAM O ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM NOVA GALES DO SUL

Incêndios florestais na Austrália ameaçam o abastecimento de água

Um tema que tratamos em uma postagem recente são os grandes incêndios florestais que estão desvastando importantes áreas da Austrália. Uma notícia preocupante, divulgada há pouco pela versão digital da Revista Veja, afirma que o foco das preocupações das autoridades do estado de Nova Gales do Sul agora são os riscos ao abastecimento de água de grandes cidades como Sydney. Vejam a integra da repostagem:

 

Incêndios na Austrália ameaçam suprimento de água em Sydney

Bombeiros trabalham para proteger a infraestrutura de usinas de tratamento de água; distribuidoras temem contaminação por cinzas e material carbonizado

“Autoridades da Austrália disseram nesta sexta-feira, 27, que partes da infraestrutura de suprimento de água de Sydney estão ameaçadas pelo fogo. Bombeiros estão concentrados em proteger usinas de tratamento de água, estações de bombeamento e tubulações.

Apesar da ligeira queda nas temperaturas e aumento da umidade durante o Natal, os termômetros no Estado de Nova Gales do Sul devem atingir os 40º C no início da semana que vem, atiçando os fogos perto da represa de Warragamba, que fornece água a cerca de 80% dos 5 milhões de habitantes de Sydney.

“Nos dias anteriores ao resfriamento, os incêndios eram uma ameaça em potencial ao suprimento e aos recursos hídricos, particularmente em Warragamba e nas Montanhas Azuis”, disse um porta-voz da agência estadual de fornecimento de água, a WaterNSW.

A represa de Warragamba fica a 65 quilômetros de Sydney, e recolhe a água que flui das montanhas. Embora quase tenha atingido sua capacidade total há menos de três anos, o nível atual é de 44,8%, devido à seca prolongada que devasta o leste do continente.

Segundo o porta-voz da WaterNSW, a rede de infraestrutura de água do Estado não foi danificada, apesar da destruição generalizada.

Perigo de contaminação

Com mais de 40 represas no Estado, a WaterNSW fornece dois terços da água sem tratamento às instalações de Nova Gales do Sul, que trata e proporciona água potável a cidades da região.

Autoridades temem que cinzas e material carbonizado pelos incêndios possam contaminar a água nas represas, caso as chamas sejam seguidas por tempestades. Mas, por enquanto, não existe previsão de chuva a curto prazo.

Como precaução, a WaterNSW instalou barreiras de contenção para deter possíveis deslizamentos de detritos.”

Da Redação – 27 dez 2019, 19h20 (Com Reuters)

2019: UM ANO TUMULTUADO PARA O MEIO AMBIENTE AQUI NO BRASIL E NO MUNDO

Manchas de óleo no Nordeste

Estamos entrando no período das festas de Fim de Ano. Como já é tradicional aqui no blog, damos uma parada nas publicações para recarregar as baterias e refrescar um pouco as ideias. 

Esse ano vai ficar marcado como um ano dos mais complicados para o meio ambiente aqui no Brasil. As tradicionais queimadas no verão amazônico, que é a época da seca na região, este ano fugiram ao controle e as imagens de matas em chamas cruzaram o mundo através das redes sociais. Nossa imagem como país, que nunca foi muito boa na área da preservação ambiental, ficou ainda mais comprometida. 

Políticos oportunistas e celebridades internacionais passaram a divulgar essas imagens em suas redes sociais, afirmando que a Amazônia estava em chamas e que só restariam cinzas. Curiosamente, algumas dessas imagens eram antigas e muitas nem eram da Floresta Amazônica. Emmanuel Macron, Presidente da França, usou uma fotografia bem antiga, cujo fotógrafo inclusive morreu há vários anos. O jogador Cristiano Ronaldo usou uma foto de um incêndio nos Pampas Sulinos, um bioma no extremo oposto do país. Reais ou enganosos, esse bombardeio de imagens e vídeos já causou e ainda vai gerar enormes estragos para o nosso país. 

O Mercosul, bloco econômico formado por países sul-americanos onde o Brasil é a maior e mais importante economia, está negociando um acordo de livre comércio com os países da União Europeia. Para que essas negociações avancem, é preciso que cada um dos países formadores do bloco europeu aprovem as cláusulas do acordo – Áustria e Irlanda já disseram que não vão aprovar o tratado. Eu desconheço as razões da Áustria – talvez seja puramente por ideologia preservacionista.  

Já a Irlanda é um dos maiores produtores de carne bovina da Europa e há vários anos vem acusando o Brasil de todos os tipos de irregularidades para tentar bloquear as importações de nossa carne. O argumento atual é que o nosso rebanho é criado em pastagens criadas em áreas desmatadas da Amazônia. Nós brasileiros sabemos que isso realmente acontece, mas a esmagadora maioria dos rebanhos são criados em outros biomas como o Cerrado, o Pantanal e os Pampas Sulinos. Vamos penar muito para conseguir avançar com essas negociações. 

Um outro problema ambiental gravíssimo que nosso país enfrentou nos últimos meses desse ano foram as misteriosas manchas de óleo que passaram a aparecer em nossas praias, a começar por trechos do extremo Leste do litoral do Nordeste (vide foto). Com o passar das semanas, o óleo passou a se espalhar por outros Estados, atingindo toda a faixa de costa entre o Leste do litoral do Pará até o Norte do Estado Rio de Janeiro. Depois de várias semanas de investigação, as diversas autoridades passaram a suspeitar de um navio tanque de bandeira grega. Agora, já não há tanta certeza que esse navio foi realmente o responsável pela tragédia ambiental. 

Uma aspecto interessante dessas duas tragédias ambientais foram as contradições no posicionamento de muitos dos defensores da natureza: no caso das queimadas da Amazônia, o Brasil foi classificado como uma espécie de pária da humanidade e foram muitas as vozes que se levantaram contra nós, inclusive com o Presidente da França insinuando que poderia usar forças militares para ocupar a “nossa Amazônia”. No caso das manchas de óleo que apareceram em nosso litoral, uma brutal agressão à nossa soberania, poucas foram as vozes que se levantaram em nosso apoio. 

Para fechar esse ano complicado, tivemos a realização da COP 25 – Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. Marcada inicialmente para o Brasil, a reunião acabou sendo transferida primeiro para o Chile e depois para Madrid, na Espanha. Após duas semanas de reuniões entre perto de 200 países participantes, a COP 25 acabou sem que se atingisse consenso em temas importantes como o aumento das ações para conter ainda mais as emissões de gases de efeito estufa e a regulamentação do Mercado de Créditos de Carbono. 

Entre as diversas razões para o “fracasso” da COP 25, a defesa individual dos interesses dos países foi a principal. Países desenvolvidos, com populações vivendo confortavelmente, não querem abrir mão do seu padrão de vida – é mais fácil e cômodo exigir que os países pobres e em desenvolvimento limitem o seu crescimento econômico, limitando assim a emissão de gases de efeito estufa. 

O ano também teve grandes tragédias ambientais em outros países: o ciclone Idai que assolou diversos países do Sudeste da África, grandes incêndios na Austrália, chuvas e enchentes devastadoras no Leste da África, entre outras. Houve até um quase furacão brasileiro, o Iba. De tempos em tempos, nosso planeta mostra toda a sua fúria. O importante é que a maioria de nós, seres humanos, conseguiu sobreviver a mais um ano. 

Desejo a todos boas festas e torçamos muito para que o ano de 2020 seja bem melhor para todos nós. 

Um grande abraço,

fernando

AS EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA POR BOIS, PORCOS, OVELHAS E OUTROS ANIMAIS CRIADOS PELA HUMANIDADE

Ovelhas na Nova Zelândia

Na última postagem falei rapidamente do crescimento do consumo de carne, especialmente bovina, nos países em desenvolvimento. A prosperidade econômica vivida por países como a China, Índia e África do Sul tem melhorado as condições de vida de parcelas importantes das populações. Um dos reflexos mais visíveis dessa prosperidade se vê na alimentação das famílias, que cada vez mais estão tendo acesso às proteínas de origem animal. Esse aumento no consumo, é claro, provoca esforços dos criadores para o aumento da produção de animais para o abate, atendendo assim o aumento da demanda. 

Essa boa notícia do lado das populações mais pobres, que estão comendo alimentos melhores e em maior quantidade, causa uma série de preocupações “mundiais” – a pecuária, a ovinocultura, a suinocultura, a avicultura, entre outras atividades ligadas à criação de animais para alimentação humana, produzem gases de efeito estufa, que se acumulam na atmosfera e contribuem para o aquecimento global. Conforme comentado na postagem anterior, existem vários movimentos “ambientalistas” que pregam a redução do consumo de carne como uma forma de se reduzir a emissão desses gases. 

Há um detalhe interessante na emissão de gases de efeito estufa por essas criações – além dos problemas ligados aos desmatamentos de áreas florestais para a formação de pastagens em muitos países, como  é o caso da Amazônia aqui no Brasil, e para o plantio de grãos como o milho e a soja que serão usados para a produção de ração, os próprios animais são fontes desses gases. O processo de digestão dos alimentos destes animais produz grandes quantidades de gases como o metano, que são eliminados através de arrotos e flatulências

De acordo com um estudo patrocinado pela NASA – Agência Espacial Norte-americana na sigla em inglês, e realizado pelo USDA – Serviço de Pesquisas Agrícolas dos Estados Unidos também na sigla em inglês, demonstrou que a flatulência e os arrotos desses animais são mais relevantes do que se imaginava no aquecimento global e são 11% maiores que as estimativas feitas no passado. O estudo foi publicado na revista Carbon Balance and Management

Um exemplo citado no estudo é a criação de bovinos – existem cerca de 1,5 bilhão de bois e vacas no mundo. Cada um desses animais libera entre 110 e 190 litros de gás metano a cada dia através de flatulências e arrotos. O metano é cerca de 30 vezes mais danoso que o dióxido de carbono (CO²). Apesar de existir uma quantidade muito maior de dióxido de carbono acumulada na atmosfera terrestre, os efeitos do metano como gás de efeito estufa são muito mais danosos. 

Além da emissão direta do metano pelos animais, suas fezes também são uma fonte importante desse gás. Quando comparados com informações de estudos anteriores, os novos dados indicam que houve um aumento de 8,4% nas emissões de metano gerado pela digestão do gado bovino (esses animais tem sua digestão associada a um processo conhecido como fermentação entérica) e de 36,7% nas emissões geradas pelo estrume. 

Outra espécie animal que é criada em grande quantidade para o fornecimento de carne são os suínos. Estimativas de 2018 falavam de um total de 781 milhões de suínos em todo o mundo, sendo que mais de 440 milhões viviam em criadouros na China. O segundo maior “rebanho” era encontrado na União Europeia, com um total de 150 milhões de animais. Logo em seguida, os Estados Unidos com perto de 74 milhões de animais. Aqui no Brasil, as estimativas falam de um total de 40 milhões de animais. 

Os gases emitidos pela suinocultura geram muito desconforto aos humanos por possuírem grandes concentrações de gás metano. Há séculos, criadores de porcos e moradores das cidades em todo o mundo se confrontam por causa do mal cheiro e dos dejetos dos animais; porém, os prazeres do consumo da carne suína e dos diversos tipos de frios e embutidos acabou por criar uma relativa tolerância e sempre se encontrou uma forma de convívio relativamente próximo desses animais. Além da emissão de gases, a suinocultura é uma das maiores geradoras de dejetos por unidade de área ocupada, produzindo em média de 5% a 8% em relação ao peso vivo dos animais.  

O Estado de Santa Catarina, maior produtor de suínos do Brasil com 30% do rebanho nacional, tem mais de 4,7 milhões de animais produzindo quase 50 milhões de litros de esgotos por dia. Há alguns anos atrás, várias cidades do Oeste catarinense enfrentaram uma grande crise de abastecimento de água. Essa crise não foi criada pela falta de água, mas sim pela grande quantidade de fezes de porcos que atingiam e poluiam as fontes de abastecimento. Essa crise só foi controlada com mudanças drásticas nos criadouros, onde foram incorporados sistemas para a coleta e o tratamento dos dejetos animais. 

Outro “rebanho” problemático são as ovelhas, que são abundantes em algumas regiões específicas. Na Nova Zelândia (vide foto), por exemplo, existem perto de 46 milhões de ovelhas e apenas 4 milhões de seres humanos. O rebanho bovino no país é estimado em 9 milhões de cabeças. De acordo com estudos de pesquisadores locais, as flatulências e os arrotos desses animais, juntamente com porcos, cabritos e veados, são responsáveis por 90% de todas as emissões de gases de efeito estufa do país. 

O Governo neozelandês vem estudando medidas para reduzir as suas emissões. Uma proposta para arrecadar fundos para as pesquisas desagradou em cheio os criadores locais: o Governo propôs um imposto a ser pago por cada animal criado. O imposto vai custar cerca de US$ 0,05 por ovelha por ano e US$ 0,42 por bovino também por ano. Aves, porcos e veados são isentos. Essa medida, é claro, desagradou muito os produtores rurais, que alegam que toda a população do país se beneficia com os ganhos da produção – a Nova Zelândia é um dos maiores exportadores mundiais de carne de ovinos. As discussões prosseguem. 

A domesticação de animais pelos seres humanos remonta há mais de 12 mil anos, quando teve início a agricultura e as populações passaram a viver de modo sedentário. Além dos animais citados, há uma infinidade de outros como as diversas espécies de aves domesticas, renas, camelos, lhamas, coelhos, búfalos, iaques (ou yak), cavalos, burros entre muitos outros. São centenas de milhões de animais, cada qual a seu próprio modo, produzindo grandes quantidades de gás metano a cada. 

Como fica bastante fácil de perceber, a questão da emissão de gases de efeito estufa e do aquecimento global são muito mais complexas do que muitos imaginam. A humanidade chegou a esse ponto através de uma história de muitos milhares de anos e não resolveremos os problemas somente com discursos de pessoas que se acham “iluminadas”. 

OS GRANDES PECADOS AMBIENTAIS DA CARNE

Criação de gado na Índia

Uma das grandes reclamações da população brasileira nestes últimos tempos foi a forte alta no preço da carne bovina. De acordo com informações do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o preço da carne subiu, em média, 8,09% no mês de novembro. O aumento dos preços atingiu todos os cortes, indo do fígado, que teve um aumento médio de 3,03%, ao coxão mole, com aumentos médios de 12,49%

Como sempre ocorre nesses momentos, os consumidores passaram a buscar substitutos à carne bovina, forçando os preços da carne de porco e de frango, que aumentaram, respectivamente, 3,35% e 0,28% (o frango inteiro). Até os ovos acabaram tendo seus preços majorados em 0,53%. Entre os possíveis culpados para toda essa alta no preço da carne está a entressafra, a estiagem em algumas regiões produtoras e o aumento das exportações para a China. A coisa toda, porém, é bem mais complexa. 

Para desespero dos “ecologistas” de plantão das grandes organizações ambientalistas internacionais, pessoas pobres de diversos países em desenvolvimento estão conseguindo colocar, talvez pela primeira vez em suas vidas, a carne bovina em sua dieta com alguma regularidade. São centenas de milhões de pessoas que estão tendo o direito de comer adequadamente, um dos direitos mais fundamentais da pessoa humana. 

O grande problema dessa melhoria no padrão de vida dessas populações é que a criação de bois, como acontece com todas as atividades humanas, resulta no aumento das emissões de gases de efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono. O acúmulo desses gases na atmosfera potencializa um fenômeno natural – o Efeito Estufa, resultando assim num aumento gradual da temperatura do planeta. Evitar o aumento da produção e do consumo de carne é uma das principais bandeiras de muitos grupos ambientalistas. 

Existem muitos movimentos e iniciativas internacionais que lutam contra o consumo da carne. Um deles é o “Segunda Sem Carne“, uma iniciativa existente em 35 países do mundo e apoiada por inúmeros líderes internacionais. Um dos grandes líderes do movimento é o ex-Beatle Paul Mccartney, que pede que os consumidores deixem de comer carne as segundas-feiras, reduzindo assim a demanda pelo alimento. Esse grupo alega que grande parte da produção de cereais do mundo como a soja e o milho é usada para a produção de carne para exportação.

Aqui no Brasil, as condições naturais do território e a nossa própria história favoreceram a criação de bois e o consumo de sua carne. Os primeiros animais chegaram ao país nos primeiros anos da colonização, nas mesmas embarcações que trouxeram as primeiras mudas de cana-de-açúcar. Inicialmente, os fortes bois tinham a função de arar a terra e puxar as carroças com canas e lenhas até as unidades de produção de açúcar dos engenhos. Somente depois, quando surgiram os conflitos entre os plantadores de cana e os criadores de gado (os animais invadiam as plantações e comiam os doces brotos de cana-de-açúcar), é que as boiadas foram expulsas do litoral açucareiro do Nordeste e ganharam os sertões do Brasil

Comer carne bovina é bastante tradicional no Brasil, onde o consumo per capita está na casa de 37 kg/ano por habitante. Nossos vizinhos da Argentina e do Uruguai, países onde as pastagens naturais da Pampa são excepcionais para a criação de gado, tem um consumo per capita normalmente bem maior, na casa de 70 kg/ano. A recente crise econômica que se abateu sobre a Argentina atingiu em cheio o bolso de los hermanos, que só estão conseguindo consumir pouco mais de 50 kg/ano de carne.  

O consumo de carne bovina está crescendo de forma surpreendente na Índia, um país que sempre esteve associado a uma alimentação vegetariana. Cerca de 80% da população do país, que conta atualmente com 1,17 bilhão de habitantes, segue o Hinduísmo, uma religião que combate o consumo da carne há vários séculos. Com o forte crescimento econômico que a Índia vem experimentando nos últimos anos e com a ascensão de uma forte classe média, comer carne vermelha deixou de ser um tabu e se transformou num símbolo de status social. 

De acordo com dados da FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, o consumo per capita de carne na Índia era baixíssimo até poucos anos atrás – cerca 5 kg/ano por habitante. Esse “súbito” aumento no consumo teve reflexos rápidos no campo – o país se tornou um dos maiores criadores e exportadores de carne bovina (principalmente de búfalos) do mundo. Os grandes agentes dessa mudança de comportamento são os jovens, que estão enfrentando uma forte pressão das gerações mais velhas e das lideranças religiosas do país. 

Outro povo que vem se rendendo cada vez mais aos prazeres da carne são os chineses. De acordo com dados do USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos na sigla em inglês, as importações de carne bovina pela China devem aumentar 39,7% em 2019 e 36,6% em 2020. Considerando-se que o país possui a maior população do mundo – 1,45 bilhão de habitantes, é a demanda do mercado chinês que está pressionando todo o mercado mundial, o que ajuda a explicar parte do aumento do preço da carne por aqui. 

O consumo per capita dos chineses ainda é muito baixo – são cerca de 6 kg/ano por habitante. Para efeito de comparação, em Hong Kong, uma das províncias autônomas da China, esse consumo é da ordem de 30,65 kg/ano por habitante, o que demonstra o potencial de crescimento do consumo na China continental e nos dá uma ideia dos impactos que serão criados na geração de gases de efeito estufa pela atividade nos próximos anos

Outro membro dos BRICS, grupo de países em desenvolvimento do qual o Brasil faz parte, que vem demonstrando um forte aumento no consumo de carne é a África do Sul. O consumo per capita de carne pelos sul-africanos está na casa dos 30 kg/ano por habitante, o que é um número surpreendente quando consideramos a forte seca vivida pelo país entre 2015 e 2016, o que comprometeu fortemente a produção. O consumo de carne de frango também está em forte expansão e se encontra atualmente nos 40 kg/ano por habitante – no ano 2000, esse consumo era da ordem de 22 kg/ano por habitante. 

Esses números mostram claramente que havia uma forte demanda reprimida por parte dos consumidores mais pobres desses países, que sem recursos para comprar alimentos de maior qualidade e em maior quantidade, ficavam submetidos a uma subalimentação. Com a melhoria das condições econômicas nesses países, a renda das famílias melhorou um pouco e já mostra reflexos diretos no consumo de alimentos. Felizmente, muito mais gente está conseguindo comer alimentos melhores e mais saudáveis. 

O outro lado dessa história é que esse aumento da produção e do consumo de carne vermelha pelas populações mais pobres do mundo está levando a um aumento das emissões de gases de efeito estufa. Na cabeça de muita gente do chamado Primeiro Mundo, é preciso reduzir o consumo de carne para evitar que a temperatura do planeta aumente ainda mais, o que vai se refletir diretamente nesses pobres e seus minguados bifes.

Em resumo – quem está “destruindo o futuro” de uma certa pirralha sueca são essas centenas de milhões de pobres que, de uma hora para outra, passaram a comer um pouco melhor, inclusive carne. 

AS “BOAS COISAS” DA VIDA MODERNA, OU AINDA FALANDO DAS EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA

Cozinhando com lenha na África

Na última postagem falei do final melancólico da COP 25 – Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, onde os países participantes não conseguiram chegar a um consenso acerca dos principais temas debatidos. A briga é mais ou menos essa: as populações dos países ricos, acostumadas aos confortos da vida moderna – a eletricidade por exemplo, não querem abrir mão de suas conquistas, ao mesmo tempo que querem impedir a ascensão social de populações dos países pobres, sob a alegação que isso aumentará as emissões de gases de efeito estufa, o que é a mais pura verdade. 

Enquanto pensava nesse assunto, me lembrei de um fato ocorrido em 2009, época em que fui trabalhar na região Amazônica. Formamos na empresa um grupo com o objetivo de desenvolver trabalhos sociais junto as populações mais pobres da cidade de Porto Velho, capital de Rondônia. Uma das primeiras intervenções do nosso grupo foi a de apadrinhar cartinhas de crianças que escrevem ao Papai Noel pedindo presentes – os Correios fazem um belo trabalho de intermediação desses pedidos. 

As cartas que recebemos pediam de tudo – um menino pedia um colchão; outro material escolar. Uma garotinha pediu um peru para a ceia de Natal da família, que segundo ela teria no máximo um frango. O que menos se viam naquelas cartas eram pedidos de brinquedos. Apadrinhei a cartinha de uma “menina” de 21 anos, que pedia um ventilador. Com uma caligrafia ruim e um texto confuso , a moça informava que morava em um quarto muito quente com a filha recém-nascida e que sofria muito durante as noites – era obrigada a dormir com a janela aberta e o quarto acabava sendo invadido pelos carapanãs, pequenos mosquitos da Amazônia que têm uma picada muito dolorida.

Durante a minha estadia de quase dois anos em Porto Velho, morei em um apartamento alugado pela empresa, onde podia contar com três aparelhos de ar condicionado. Esse conforto resultava numa conta de luz bastante cara, mas valia a pena – a temperatura local estava sempre acima dos 35° e não refrescava nada durante a noite. Imaginar aquela moça e sua filhinha dormindo com todo aquele calor me incomodou muito. Além de enviar o ventilador pedido, fiz questão de mandar um presente para a filha dessa moça. 

Assim como essa jovem, existem milhões de pessoas pobres em toda a Amazônia e em outras regiões extremamente quentes do país sonhando com o conforto de um ventilador em suas vidas, ou ainda em ter um televisor, uma geladeira ou simplesmente dispor de iluminação elétrica. Populações de países ricos gozam dessas “modernidades” há, pelo menos, três gerações e não fazem a menor ideia do que é viver num mundo sem esses equipamentos básicos. 

Realizar esses sonhos simples dessas pessoas deve ser uma tarefa prioritária dos Governos. Além das emissões de gases de efeito estufa que estarão associadas à fabricação desses produtos, será necessário o aumento da produção e da distribuição de energia elétrica. No caso do Brasil, que usa majoritariamente centrais hidrelétricas para a geração de energia, isso implica no barramento de grandes rios, na supressão das árvores que estão na área onde será formado o lago e também ao longo das linhas de transmissão de energia. Essa “pequena” alegria e conforto que será agregada à vida dessas pessoas pobres terá, inevitavelmente, fortes impactos ambientais. 

Se pessoas pobres da África tiverem condições de ter acesso a essas pequenas comodidades da vida moderna, os impactos ambientais serão maiores ainda. Cerca de 4/5 da população do continente africano não tem acesso a redes de energia elétrica. São cerca de 621 milhões de pessoas que dependem de velas e lamparinas para iluminar as suas noites. De acordo com informações do APP – Painel para o Progresso da África na sigla em inglês, essas populações gastam em conjunto cerca de R$ 31 bilhões a cada ano com a compra de velas, querosene, carvão e tochas. Para famílias que ganham, em média, R$ 7,80 por dia, essa é uma despesa grande. 

A energia usada para cozinhar também é precária no continente – a imensa maioria das famílias só dispõe de lenha, carvão ou palha para uso em seus fogões improvisados (vide foto). Com a falta de chaminés adequadas para a exaustão da fumaça do interior das casas, cerca de 600 mil pessoas morrem na África a cada ano por causa da contaminação do ar causada por esses fogões. Imaginem os volumes de gases de efeito estufa que serão liberados pelos países africanos caso seus Governos comecem a fazer pesados investimentos em geração de energia elétrica. 

Outro exemplo é a Índia, país que conta atualmente com a segunda maior população do mundo – 1,17 bilhão de habitantes. Cerca de ¼ dos indianos, ou 289 milhões de pessoas, não tem acesso a redes de energia elétrica e 72%, ou 836 milhões de pessoas, usam lenha para cozinhar. O Governo da Índia tem feito grandes investimentos para a construção de novas centrais geradoras de energia elétrica para suprir a carência dessas populações. A Índia já é a terceira maior emissora de CO² do planeta e vocês já podem imaginar o tamanho dos protestos dos grupos ambientalistas internacionais por causa dos novos aumentos em emissões que virão por aí. 

A questão da geração de energia elétrica não poderia deixar de fora a China, o país que mais gera gases de efeito estufa no mundo. Em 2018, as centrais elétricas chinesas, em sua imensa maioria alimentadas pela queima de carvão mineral, geraram 18,47 bilhões de kW/h por dia. Isso representou um aumento de 8,52% em relação a geração de energia elétrica em 2017. Parcelas cada vez mais significativas da população do país estão tendo acesso a eletricidade, muito bem-vinda principalmente para o aquecimento doméstico nos gelados dias de inverno da maior parte do país. 

As grandes consumidoras de energia elétrica na China, entretanto, são as suas incontáveis indústrias. Ao longo das últimas décadas, o grande país asiático se transformou na “fábrica” do mundo. Europeus e americanos, que há muito tempo tem se recusado a realizar trabalhos manuais e repetitivos, delegaram aos chineses essas funções. Essa produção incorporou desde a produção de sapatos e roupas de luxo das grifes mais tradicionais do mundo, peças e componentes de carros, máquinas de todos os tipos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos e tudo o mais.  

Assisti recentemente um documentário sobre os famosos relógios suíços – o Governo do país criou uma lei que limita ao máximo de 75% o total de peças que podem ser fabricados no estrangeiro, principalmente na China. Sem essa lei, muitos dos tradicionais relógios “fabricados” no país já seriam “100% chineses”. Os baixos custos de produção na China, gerados principalmente pelos salários miseráveis pagos aos trabalhadores, estão na raiz dessa linha de produção em que o país se transformou. O mais interessante dessa história é que, apesar da brutal redução nos custos, os relógios suíços ainda são caríssimos – há alguma coisa está bastante errada nisso tudo. 

Resumindo – se todas as pessoas do mundo passarem a ter acesso a eletricidade, uma das mais corriqueiras comodidades modernas, as emissões de gases de efeito estufa aumentarão consideravelmente, elevando ainda mais a temperatura do planeta. Como os países ricos já tem a sua própria cota de emissões, da qual eles não querem abrir mão pois dependem delas para manter seu padrão de vida, caberá então aos países pobres limitarem as suas emissões de gases de efeito estufa – isso significa, entre outras coisas, manter grandes partes das suas populações sem acesso à energia elétrica. 

Entendem agora por que é tão difícil se chegar a um consenso entre os países em reuniões como a COP 25? 

O FINAL DA COP 25, A HISTERIA CLIMÁTICA E A FALTA DE CONSENSO ENTRE AS NAÇÕES

Usina termelétrica a carvão

Foi encerrada neste domingo, 15 de dezembro, a COP 25 – Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. Inicialmente, a COP 25 estava prevista para ocorrer no Brasil – a eleição do Presidente Bolsonaro e desentendimentos sobre o futuro das políticas para o meio ambiente no Brasil levaram a uma mudança da sede das reuniões para o Chile. As grandes manifestações e tumultos sociais no país andino, por sua vez, levaram à transferência da reunião para Madrid, capital da Espanha. 

Se a fase preparatória da COP 25 já havia sido bastante tumultuada, as conferências não foram as melhores. As delegações de quase 200 países não conseguiram chegar a um acordo que poderia acelerar as metas estabelecidas no Acordo de Paris. Também não se chegou a um consenso sobre a regulamentação do mercado global de créditos de carbono, um tema de grande relevância e interesse para o Brasil. Organizações ambientalistas internacionais, inclusive, acusaram o Brasil de estar interessado unicamente nos recursos dos créditos de carbono. 

O Brasil foi tratado como um dos grandes vilões do clima mundial desde o começo das reuniões, sendo colocado no mesmo patamar de China e Estados Unidos, os maiores poluidores do planeta. Este tratamento não foi nenhuma novidade após o intenso bombardeio midiático que o país sofreu na recente crise das queimadas da Amazônia. Para quem não lembra, fotos e vídeos de grandes queimadas na maior floresta equatorial do mundo começaram a se multiplicar nas redes sociais e noticiários dos grandes telejornais alguns meses atrás, mostrando que a Amazônia estava em chamas e que só restariam as cinzas.  

Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente do Brasil, lamentou a falta de acordo e afirmou que a “COP 25 não deu em nada” e que acabou prevalecendo o “protecionismo” de alguns países. Segundo ele, acabou “prevalecendo uma visão protecionista de fechamento do mercado e o Brasil e outros países que poderiam fornecer créditos de carbono em razão das suas florestas e boas práticas ambientais saíram perdendo.” 

A emissão de gases de efeito estufa, especialmente o dióxido de carbono, é a principal causa do aquecimento global e das mudanças climáticas. Esses gases são gerados por diversas atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis como o carvão e os derivados de petróleo, atividades industriais, queima de florestas para a abertura de campos agrícolas, entre outras. Uma das ambições frustradas da COP 25 era justamente a de se conseguir um compromisso mais incisivo dos países participantes no sentido de reduzir ainda mais as emissões desses gases e limitar o aumento da temperatura do planeta em um máximo de 2° C até o final desse século. 

De acordo com informações do World Resources Institute, uma instituição global de pesquisa com atuação em mais de 50 países, os maiores emissores de gases de efeito estufa em 2016 foram a China, com 12.700 milhões de toneladas, os Estados Unidos, com 6.570 milhões de toneladas e a Índia, com 2.870 toneladas. Na sequência vem a Rússia, com 2.670 milhões de toneladas, o Japão, com 1.310 milhões de toneladas e o Brasil, com 1.050 milhões de toneladas. O primeiro país europeu a aparecer na lista é a Alemanha, com 918 milhões de toneladas. 

Observem que o Brasil ocupa a 6ª posição da lista, mas está longe de ser o grande emissor de gases de efeito estufa que parte da mídia internacional tem citado. A Alemanha é 24 vezes menor que o Brasil e tem uma população 2,5 vezes menor. As emissões de CO² da Alemanha em 2016 foram de 918 milhões de toneladas. No mesmo ano, o Brasil emitiu 1,05 bilhão, pouco mais de 10% a mais – ou seja, comparando-se a área e as populações dos países, as emissões de gases de efeito estufa de cada alemão equivalem a de, pelo menos, dois brasileiros. 

World Resources Institute elaborou dois gráficos que mostram as emissões de gases de efeito de estufa pelos países entre 1850 e 2016. Uma análise mais atenciosa dos números mostra que as emissões de gases no período tiveram um crescimento constante, só apresentando interrupções significativas em 1930, quando teve início a Grande Depressão dos Estados Unidos, e em 1945, ano em que terminou a Segunda Guerra Mundial. Os grandes emissores de gases de efeito estufa sempre foram os grandes países industrializados como Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Japão e Rússia, entre outros. A China começa a ter destaque a partir do início da década de 1980 e o Brasil só aparece no final dessa mesma década. 

O segundo gráfico elaborado por esse instituto, bem mais interessante na minha opinião, mostra o volume total de gases acumulados na atmosfera no mesmo período, com o nome e o volume por país. Entre 1850 e 2016, o grande vilão das emissões de gases de efeito estufa foram os Estados Unidos, com um volume de 577.578 milhões de toneladas. A China está em segundo lugar com emissões de 283.790 milhões de toneladas. Na sequência vêm a Rússia, com 184.224 milhões de toneladas, a Alemanha, com 112.506 milhões de toneladas, a Índia, com 99.578 milhões de toneladas, o Reino Unido, com 96.800 milhões de toneladas, o Japão, com 73.442 milhões de toneladas, a França, com 54.202 milhões de toneladas e a Ucrânia, com 44.195 milhões de toneladas

Peço desculpas pela forma repetitiva que usei para apresentar os dados, mas fiz questão de mostrar em detalhes e reafirmar assim que nosso país está muito longe de ser o grande vilão do aquecimento global. Vejam que a França e a Alemanha, que hoje posam de mocinhos da ecologia, fizeram sua parte para chegarmos na situação em que estamos. Até a Ucrânia, um país de pouca relevância no cenário mundial, aparece na décima posição dessa lista. 

De acordo com informações do SEEG – Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima, quase metade das emissões do Brasil em 2017 veio do desmatamento e queima de florestas. Isso mostra que as críticas internacionais ao desmatamento são corretas e que temos uma importante “lição de casa” a fazer. De resto, nossas emissões vêm dos escapamentos de milhões de automóveis, ônibus e caminhões, de milhares de chaminés de indústrias e de atividades na agricultura, nada muito diferente dos demais países do mundo. 

Em nossa sociedade moderna, nos habituamos ao conforto dos nossos automóveis, da praticidade dos objetos e embalagens feitas de plásticos, das inúmeras maravilhas proporcionadas pela energia elétrica, especialmente daquela gerada em centrais termelétricas a carvão (vide foto). Nos países temperados, não podemos deixar de citar o conforto dos sistemas de aquecimento para os rigorosos meses de inverno. Já nos países tropicais, da comodidade proporcionada pelos ventiladores e pelos aparelhos de ar condicionado.

Por trás de tudo isso existe a queima de combustíveis fósseis para a geração de energia, uso de derivados de petróleo, produção agrícola, entre inúmeras outras fontes geradoras de gases de efeito estufa. Até mesmo para a construção de usinas hidrelétricas, existem emissões desses gases por causa do desflorestamento. Nenhum país industrializado quer abrir mão dessas conquistas. 

Em países em forte desenvolvimento como China, Índia e Brasil, parcelas importantes das sociedades estão começando a ter acesso a alguns desses “confortos” da vida moderna e estão gostando. É aqui que a coisa pega – nosso planeta não é grande o suficiente para atender as demandas de tanta gente e será muito difícil encontrar um consenso entre os países para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. 

OS PROBLEMAS DE SANEAMENTO BÁSICO QUE CHEGAM ATÉ VOCÊ, MESMO VOCÊ ESTANDO BEM LONGE

Hortas do cinturão verde

Na postagem anterior falamos da aprovação pela Câmara dos Deputados do texto-base do Projeto que trata do novo marco legal do saneamento básico. Sendo aprovado, esse projeto permitirá, entre outras coisas, a exploração dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos por um número maior de empresas do setor privado, uma iniciativa que permitirá ampliar, e muito, a prestação desses serviços aqui no Brasil. Cerca de 48% da população brasileira não tem acesso à redes coletoras de esgotos, o que nos dá uma ideia da precariedade do saneamento básico no Brasil.

Quem mora em bairros bem estruturados nas cidades, especialmento em apartamentos, talvez não sinta as dificuldades vividas pela maior parte da população em relação ao saneamento básico. Entretanto, os problemas criados pela falta de uma boa infraestrutura de saneamento básico podem chegar até a sua casa. Um bom exemplo são os mosquitos Aedes Aegypti, transmissores de doenças como a Dengue, a Zica e a Chikungunya, que sempre dão um jeitinho e conseguem chegar às melhores casas das cidades. Um outro caminho são alimentos como verduras e legumes que podem ter sido irrigados com água contaminada por esgotos.

Um estudo publicado em julho de 2017 pela respeitada revista Environmental Research Letters confirmou que, em todo o mundo, uma área equivalente à da Alemanha (aproximadamente 30 milhões de hectares) é irrigada com água contaminada pelos esgotos das cidades. De acordo com modelos matemáticos elaborados pelos autores desse estudo, cerca de 885 milhões de pessoas consomem verduras e vegetais produzidos sob essas condições, ficando expostas a uma infinidade de patógenos, como parasitas e bactérias, com significativos riscos à saúde.

A Environmental Research Letters é uma revista científica trimestral em língua inglesa, publicada exclusivamente no formato eletrônico e com acesso aberto, especializada na divulgação de pesquisas em todos os aspectos da ciência ambiental. A revista é publicada desde 2006, tendo como editor-chefe Daniel Kammen, da conceituada Universidade da Califórnia, em Berkeley. Os dados dessa pesquisa vão de encontro a estudos da OMS – Organização Mundial da Saúde, que demonstram que mais de 10% da população mundial, ou 700 milhões de pessoas, consome regularmente alimentos produzidos a partir da irrigação com águas residuais. Com o crescimento da urbanização em todo o mundo, a tendência é de um aumento cada vez maior do uso dessas águas nas lavouras.

Cinturões verdes são uma espécie de subproduto da urbanização – desde a antiguidade, se observa que sempre que uma aglomeração humana era organizada, surgia um pequeno cinturão verde ou área agrícola nas vizinhanças, com o papel de fornecer frutas e vegetais frescos para a população, além de aves, ovos, leite e outros produtos de origem animal. Outro produto dessas aglomerações é o esgoto, tradicionalmente lançado nas águas para o transporte e dispersão. Logo, a combinação de águas poluídas e irrigação é uma prática muito antiga, que só fez aumentar ao longo do tempo.

Não custa lembrar que, diariamente, 5,5 mil toneladas de esgotos não tratados são lançadas em rios e córregos de todo o Brasil – quase metade dos esgotos gerados em nossas cidades não recebe qualquer tipo de tratamento. A situação não é muito melhor em países como China, Índia, Paquistão, México, Irã, Argentina, África do Sul, entre outros países mundo afora, que despejam bilhões de litros de esgotos em suas águas todos os dias. E são, justamente, as águas usadas pelos pequenos agricultores na irrigação de suas hortas e culturas.

O problema é mais complexo do que parece ser: essas mesmas águas poluídas são usadas para o abastecimento de populações e se os sistemas de tratamento não forem eficientes, a água servida à população poderá chegar já contaminada com todo o tipo de patógenos. Ou seja, a população poderá sofrer contaminações tanto através da água que consome, quanto pelas verduras e legumes que come.

Um exemplo que posso citar foi um surto de toxoplasmose que se abate na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul em meados de 2018. foram confirmados mais de 900 casos, sendo que vários dos doentes eram mulheres gestantes – diversos bebês contraíram a doenças ainda no útero da mãe. Meses depois foi confirmado que a origem da doença foi a água servida à população pela rede pública de abastecimento, que estava contaminada com o protozoário Toxoplasma gondii e que foi disseminado pelos esgotos da cidade, que por falta de tratamento contamiram as fontes de água.

Um outro exemplo que demonstra os riscos da contaminação das águas foi demonstrado em um pesquisa feita pela Vigilância Sanitária da cidade de Ribeirão Preto, na Região Noroeste do Estado de São Paulo. Entre fevereiro de 2000 e setembro de 2001, foi realizado um estudo sobre a qualidade das hortaliças vendidas na cidade, onde também foi avaliado o uso de águas contaminadas na irrigação de plantações produtoras dessas hortaliças. O estudo avaliou a qualidade de 103 hortaliças e suas respectivas águas de irrigação, provenientes de 88 hortas diferentes. As amostras de água foram recolhidas em frascos de 250 ml, esterilizados e específicos para análise microbiológica.

Das hortas selecionadas para o estudo, 47 já haviam sido avaliadas em um estudo anterior e 41 nunca haviam sido avaliadas. 67 hortas passaram por testes para avaliação da presença de coliformes fecais a 45° C na água e nas hortaliças – 30 hortas ou 44,8% apresentaram níveis acima do limite tolerado;

21 hortas foram analisadas de acordo com a legislação em vigor da Autarquia – 6 hortas ou 28,5% apresentaram água de irrigação com níveis de coliformes fecais acima do limite tolerado a uma temperatura de 45° C. Relembrando: coliformes fecais são encontrados nos intestinos de animais de sangue quente como bovinos, suínos, aves e seres humanos, o que indica a contaminação das águas por fezes

A presença simultânea de parasitas foi detectada em 15 hortas ou 17% das 88 hortas avaliadas, sendo que em uma das amostras foi encontrada a Giardia spp, um parasita altamente resistente, que pode contaminar água e alimentos; 

Um detalhe preocupante dessa pesquisa é que Ribeirão Preto é uma das cidades mais ricas do interiro de São Paulo e fica numa região que é chamada, informalmente, de Califórnia Brasileira. A cidade possui índices de atendimento da população por redes de abastecimento de água e de coleta de esgotos bem acima da média brasileira. Se esses índices de contaminação de alimentos foi encontrado por lá, imagine a situação nas regiões mais pobres do país.

Além dos problemas com os alimentos contaminados, ainda é preciso lembrar dos milhões de trabalhadores rurais, que ficam em contato diário com essas águas contaminadas e expostos a todos os tipos de patógenos e outros poluentes presentes nos esgotos de uma cidade, com destaque para os metais pesados como mercúrio, zinco, cádmio e níquel. 

Um importante recado final: na dúvida sobre a origem das verduras e legumes que você consome, use sempre uma solução com hipoclorito de sódio para a higienização antes do consumo desses alimentos.

QUASE METADE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NÃO TEM ACESSO A REDE DE ESGOTOS, OU O NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO

Esgoto correndo a céu aberto

Uma notícia importante e que precisa ser comentada aqui no blog foi a aprovação pela Câmara dos Deputados ontem, dia 11 de dezembro, do texto-base do Projeto que estabelece o novo marco legal do saneamento básico aqui no Brasil. Essa é uma medida importante e que abre caminho, finalmente, para a universalização dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos, duas das áreas mais importantes do saneamento básico.  

O Projeto estabelece novas regras para o setor e abre caminho para a exploração desses serviços pela iniciativa privada. Conforme já comentei em diversas postagens, Governos dos três níveis não gostam de gastar dinheiro em obras enterradas como são os sistemas de esgotos – são projetos caros, trabalhosos, demorados e que não tem muita visibilidade junto ao eleitorado. Políticos preferem gastar dinheiro em obras visíveis como os grandes prédios de hospitais e de escolas (nada de contratatar mais médicos e professores), em pontes e grandes avenidas, onde podem inclusive batizar as obras com o nome de algum amigo ou familiar. Gastar rios de dinheiro com esgotos – nem pensar! 

Com a possibilidade de abertura desses serviços para a iniciativa privada, as coisas mudam de patamar. O capital privado busca alternativas e negócios onde possa ganhar dinheiro. Se uma empresa ou grupo empresarial perceber que é possível ganhar explorando esses serviços, com certeza farão todo o possível para viabilizar os serviços e mandar uma “continha” mensal para todos os usuários. Caberá aos Governos exercer uma robusta fiscalização no acompanhamento dos serviços prestados e, principalmente, na contenção dos preços abusivos desses serviços. 

O Brasil vive uma verdadeira tragédia socioambiental quando o assunto é saneamento básico: 48% da população não tem acesso aos sistemas de esgotos sanitário – onde existe esse serviço e é feita a coleta, apenas metade do esgoto coleta acaba sendo tratado. Cerca de 35 milhões de brasileiros não tem acesso a água tratada. Em 2017, foram 289 mil internações por diarreia, uma doença ligada diretamente a falta de saneamento básico – metade dessas internações foram de crianças com até 5 anos de idade. Os serviços de coleta e disposição final de lixo e detritos, que também fazem parte do saneamento básico, também são uma tragédia. Serviços de coleta de águas pluviais, nem pensar. 

Saneamento básico pode ser definido como o conjunto de serviços que garante as condições de higiene e saúde da população ou série de medidas que tornam uma área sadia, limpa, habitável, oferecendo condições adequadas de vida para uma população ou para a agricultura. Esses serviços ou medidas são: abastecimento de água, sistemas de drenagem de águas pluviais (chuva), serviços de limpeza urbana e coleta/destinação de lixo e resíduos sólidos, além dos sistemas de coleta e de tratamento de esgotos 

Há um quinto serviço – o controle de pragas e vetores (ratos, baratas, mosquitos, pulgas entre outros), que tradicionalmente é encontrado dentro dos demais serviços; devido às características de nosso país, com nuvens de mosquitos causando doenças como dengue, zika e chikungunya nas nossas cidades, eu prefiro tratar esse tema como um serviço à parte. 

Uma cidade ou localidade que possui todos os serviços de saneamento básico em funcionamento perfeito e integrado é um lugar verdadeiramente saudável para se viver. Saneamento e saúde são muito próximos, inclusive na origem latina das palavras: salus, origem da palavra saúde, significa inteirointacto e integrosanus, origem da palavra saneamento, significa puroimaculado e perfeito. Portanto, falar de saúde sem o saneamento básico, é algo bastante difícil. 

Um detalhe da votação na Câmara dos Deputados foi o placar – foram 276 votos a favor e 124 contra – 1/3 dos Deputados foi contra o Projeto. Presos a razões puramente ideológicas, muitos Deputados “tremem” ao ouvir a palavra privatização – para eles, isso significa entregar os bens públicos para a espoliação pelo grande capital. Pouco importa se pessoas estão morrendo por causa da Dengue ou febre amarela, ou se milhares de crianças pequenas estão sendo infectadas pela diarreia. 

Ao longo da minha carreira profissional, trabalhei em diversas obras na área do saneamento básico e sei das dificuldades para realizar tais empreendimentos. Um caso que sempre costumo citar foi o projeto para a implantação da rede coletora de esgotos da cidade de Porto Velho, em Rondônia. Há época em trabalhei por lá, entre 2009 e 2010, a cidade tinha perto de 300 mil habitantes e apenas 3% da sua área atendida por redes de esgotos.

Mesmo contando com uma competente equipe técnica, com modernos equipamentos e com recursos disponibilizados pelo Governo Federal, a empresa só conseguiu implantar 32 km de rede coletora de esgotos em um ano e meio de trabalho. Brigas políticas entre a Prefeitura da cidade, dirigida por um partido de esquerda, e do Governo do Estado, de partidos de direita, inviabilizou as obras e levou ao bloqueio das verbas junto ao Governo Federal. 

Na minha modesta opinião, se os governantes não tem interesse ou capacidade para a gestão de uma área tão importante, que se deixe o capital privado investir, com todos os riscos da atividade por sua conta, cobrando preços justos e sob uma impetuosa fiscalização pelo Poder Público. O que não podemos é continuar assistindo a verdadeira tragédia que temos na área do saneamento básico de braços cruzados e esperando que um dia as coisas “melhorem” milagrosamente. 

Há ainda um longo caminho a ser seguido, mas o primeiro passo já foi dado. 

OS BAIXOS NÍVEIS DO AÇUDE CASTANHÃO E OS PROBLEMAS DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA NA REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA

VISITA A OBRAS DA TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO E DO CAC COM

A dificuldade no acesso às fontes de água para o abastecimento de populações pode ser colocada no topo da lista de problemas de muitas cidades aqui no Brasil e pelo mundo afora. Na nossa última postagem falamos dos problemas enfrentados pelas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro; também falamos das dificuldades de Nova York, a maior cidade dos Estados Unidos da América, e de Bogotá, a capital de nossa vizinha Colômbia. Motivadas por problemas diferentes, essas cidades tem em comum a necessidade de buscar a água necessária ao abastecimento de suas populações a centenas de quilômetros de distância. 

Existem também os casos de muitas cidades que, apesar de todos os esforços para a realização de grandes obras, não tem conseguido sucesso nessa empreitada. Um bom exemplo é Fortaleza e toda a sua Região Metropolitana, que vem sofrendo há muitos anos com baixos estoques de água. O Governo do Estado empreendeu tempo e recursos na construção de um grande açude no interior do Estado para o armazenamento de água, além de implantar uma grande infraestrutura para o transporte do recurso por mais de 230 km até a Região Metropolitana. Apesar de todas as boas intenções, a natureza não ajudou e este ano não há muita água armazenada – estou falando do Açude Castanhão e sua saga. 

A região Metropolitana de Fortaleza possui 15 municípios e tem uma população de mais de 4 milhões de habitantes, o que corresponde a mais da metade de toda a população urbana do Estado do Ceará. Diferente da faixa litorânea do Leste nordestino, o litoral cearense se apresenta como uma extensão do Semiárido, com uma disponibilidade limitada de água. O principal sistema de abastecimento de água da Região é o Sistema Integrado Gavião, formado pelos reservatórios Pacajus, Pacoti, Riachão e Gavião, entre outros açudes menores.  

De acordo com informações atualizadas da CAGECE – Companhia de Águas e Esgotos do Ceará, “esses reservatórios estão com um bom nível e tem um volume de água suficiente para atender a população da Região Metropolitana de Fortaleza pelos próximos 6 meses“, o que deixa muita pouca margem para situações de emergência. O Sistema Cantareira, principal manancial de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo, pode armazenar água suficiente para abastecer grande parte da população por até 3 anos e, mesmo assim, os paulistanos passaram por um enorme sufoco durante a seca que se abateu na Região entre 2014 e 2016. 

Foi justamente para garantir a segurança hídrica da população que foi construído o Açude Castanhão. Inaugurado em 2002, o Castanhão tinha como principal objetivo o de se transformar no maior e principal de abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza, apesar de estar localizado no interior do Estado, a aproximadamente 230 km da capital. Com capacidade para armazenar um volume total de 6,7 bilhões de m³ de água, esse açude é considerado o maior reservatório para usos múltiplos da América Latina. Esse volume corresponde a quase 40% da capacidade total de armazenamento de todos os 8 mil açudes do Ceará, incluindo na lista o famoso Açude Orós, que durante décadas foi o maior de todos. 

Apesar de toda a sua infraestrutura e de todas as expectativas criadas com a construção do Açude do Castanhão, a natureza não tem feito a sua parte nos últimos anos, com chuvas abaixo da média em alguns anos e extremamente irregulares e dispersas em outros. Como resultado dessa falta de “colaboração” da natureza, o nível do Castanhão hoje – 10/12/2019, é de apenas 3,12% da sua capacidade total. Desde o último mês de abril, a captação de água no Açude para o abastecimento da Região Metropolitana está suspensa. 

O Açude Castanhão está localizado oficialmente no município de Alto Santo, porém, o reservatório se distribui em áreas de diversos municípios. O principal rio formador do reservatório é o rio Jaguaribe, o maior rio do estado do Ceará com uma extensão total de 633 km. A bacia hidrográfica do rio Jaguaribe ocupa mais da metade do território cearense e seus caudais são bastante sensíveis aos períodos de forte estiagem, característica que já rendeu o apelido de “maior rio seco do mundo”. Além do Castanhão, o rio Jaguaribe também abriga o famoso Açude Orós e uma infinidade de outros açudes de pequeno porte. 

A instabilidade dos caudais do rio Jaguaribe tem reflexos diretos no Açude Castanhão e, consequentemente, no abastecimento de água da Região Metropolitana de Fortaleza. Entre 2012 e 2015, quando toda a região do Semiárido Nordestino enfrentou uma fortíssima estiagem, o Açude entrou no volume morto e a população foi obrigada a fazer um enorme esforço para economizar água. Já em 2016, o Castanhão foi o principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana, fornecendo 70% da água consumida pela população. 

Em 2019, o Estado do Ceará apresentou um volume de chuvas acima da média histórica, o que infelizmente não teve reflexos no aumento do nível do Açude Castanhão. As chuvas não foram uniformes e a bacia hidrográfica do rio Jaguaribe acabou sendo bastante prejudicada. O volume do reservatório aumentou apenas 5 pontos percentuais ao longo desse ano, ficando com um volume 3% menor do que o aumento registrado em 2018. Uma das esperanças da população local é a chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco – um dos canais do sistema, com cerca de 400 km de extensão, chegará até o Ceará e as águas transpostas reforçarão os caudais do rio Jaguaribe. 

Os baixíssimos níveis do Açude Castanhão também ameaçam uma série de pequenos municípios do interior cearense como Tabuleiro do Norte, São João do Jaguaribe, Limoeiro do Norte, Jaguaribara e Russas. A se manterem os baixos níveis no reservatório, esses municípios terão o seu abastecimento comprometido a partir do final de janeiro de 2020. Diversos outros municípios que eram atendidos pelo Açude Castanhão estão captando água em poços profundos ou estão buscando pequenos açudes que ainda tem água em seus territórios. 

O Ceará é, historicamente, um dos Estados do Nordeste que mais sofreu com os fortes períodos de estiagem. O Semiárido Nordestino é frequentemente assolado por fortes secas – há registros de grandes tragédias em 1744, 1790, 1877, 1915 e 1932, além de uma infinidade de estiagens menos intensas. Essas fortes secas costumam durar de 2 a 3 anos – as secas de 1877 e de 1932 foram excepcionalmente fortes. Na seca de 1877, conforme comentamos em uma postagem anterior, cerca de 500 mil sertanejos nordestinos que fugiram da seca foram recrutados para trabalhar nos seringais da Amazônia. A grande maioria desses trabalhadores saiu do Ceará, trocando a miséria do sertão pela semiescravidão na Floresta Amazônica

Apesar de contar com a chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco, um projeto que já sofreu diversos adiamentos, o Governo do Estado do Ceará tenta buscar outras alternativas para aumentar a disponibilidade de água para o abastecimento de sua população. A mais ousada é um projeto para a instalação de uma grande usina de dessalinização da água do mar na Região Metropolitana. Nas pequenas cidades, os esforços se concentram na escavação de poços e na construção de cisternas nas propriedades rurais. 

Como você pode notar, abastecer grandes populações com água de boa qualidade requer esforços monumentais dos governos e empresas de saneamento básico, e ainda é preciso contar com uma boa ajuda da mãe natureza.