O CAFÉ, OS SOLOS DE TERRA ROXA E OS IMIGRANTES

A partir das últimas décadas do século XVIII, os cafezais passaram a tomar de assalto os férteis solos ocupados pela Mata Atlântica na Região Sudeste do Brasil. A Província do Rio de Janeiro foi transformada no principal centro produtor e irradiador da cafeicultura, que dentro de poucas décadas chegou ao Sul do Espírito Santo, Sudeste e Leste de Minas Gerais, além do Vale do Paraíba em São Paulo

Nessa primeira fase, a cafeicultura se apoiava em duas bases – a farta disponibilidade de terras boas e baratas, além da facilidade de arregimentar grandes contingentes de trabalhadores escravizados. Com o passar do tempo e, graças aos grandes lucros gerados pela cultura, começaram a ser construídas linhas férreas que facilitariam, em muito, o transporte das cargas de café rumo ao Cais do Porto do Rio de Janeiro. 

Essa “farra do café” chegou ao fim com a assinatura da Lei Áurea em 1889, que pôs um fim na escravidão no Brasil. Um outro fator importante era a escassez cada vez maior de terras para o desenvolvimento da cultura – os antigos cafeicultores usavam os solos da maneira mais inadequada possível, expondo a camada fértil a rápidos processos erosivos e a perda da fertilidade. Esse binômio – falta de terras e de mão de obra, colocou os antigos meios de produção na berlinda e forçariam a cultura a buscar novas alternativas

A produção do café encontrou dois caminhos – o primeiro apontava na direção do Oeste da Província de São Paulo e de seus solos de terra roxa, de uma fertilidade excepcional. O segundo caminho foi a adoção da mão de obra livre, especialmente de imigrantes europeus, que chegavam aos milhares no Brasil a partir das últimas décadas do século XIX. Essas duas mudanças alterariam, por completo, o rumo da cafeicultura no Brasil e também consolidariam os destinos da até então pouco relevante Província de São Paulo. 

Vamos começar falando dos solos de terra roxa: 

As famosas terras roxas (que tem seu nome derivado de terra rossa, que em italiano significa terra vermelha) são solos profundos, com elevado teor de ferro e macronutrientes, com grande potencial para o desenvolvimento de coberturas vegetais densas. Dentro do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, a terra roxa é classificada como Latossolos Vermelhos e Nitossolos Vermelhos. A terra roxa é considerada um dos solos mais férteis do Brasil

Essas terras se estendem desde a região Oeste do Estado de São Paulo até o Rio Grande do Sul, com alguns trechos na região do Triângulo Mineiro e do Sul de Minas Gerais, além do Leste do Mato Grosso do Sul. Também são encontradas na Argentina e no Paraguai. Esses solos foram originados há milhões de anos atrás a partir de um fenomenal derramamento vulcânico, mais conhecido como Derrame de Trapp ou Trapp do Paraná.  

O Derrame de Trapp teve início quando o Supercontinente de Gondwana começou a se romper. Essa grande massa continental era formada pela América do Sul, África, Antártica, Ilha de Madagascar, Índia (o famoso Subcontinente Indiano), Austrália, Nova Zelândia, Nova Caledônia e algumas outras ilhas menores. Esse evento teve início há cerca de 165 milhões de anos e, ainda hoje, esses “fragmentos” de Gondwana se movem (pesquise Tectônica de Placas). 

Com o início da ruptura continental, dezenas de vulcões entraram em erupção simultaneamente – um dos períodos de maior intensidade das erupções aconteceu no Período Cretáceo, entre 137 e 127 milhões de anos atrás. Na América do Sul, os derramamentos de lava, calculados em 650 mil km³, cobriram uma área de aproximadamente 1,2 milhões de km², especialmente na região onde encontramos hoje a bacia hidrográfica do rio Paraná. Em Angola e na Namíbia, países do Sudoeste da África, também se encontram rochas de origem vulcânica associadas ao Derrame de Trapp

Essa espessa camada de rochas vulcânicas passou a sofrer um lento e intenso processo de degradação por chuvas, ventos e geleiras. Os pequenos fragmentos minerais que surgiram passaram a sustentar inicialmente formações de líquens – com o passar do tempo (falamos aqui de milhões de anos), a camada de solo já estava bastante espessa e surgiram as grandes formações florestais como a Mata Atlântica. 

Diferente dos solos de massapê do Nordeste e dos solos das antigas regiões produtoras de café do Rio de Janeiro, onde a fertilidade dependia em grande parte da camada superficial de resíduos orgânicos criados pela própria floresta, os solos de terra roxa já possuíam em sua composição a maior parte das substâncias químicas necessárias ao desenvolvimento e à sustentação da vida vegetal, especialmente o nitrogênio, o fósforo e o potássio.  

Mesmo com a supressão da floresta para abertura dos campos agrícolas, esses solos conseguiam manter a produção agrícola por um longo período antes de se esgotar – se trabalhados com as melhores técnicas agrícolas, poderiam então durar por séculos. 

Essa nova etapa de produção do café nos solos de terra roxa paulistas coincidiu com a chegada de trabalhadores europeus, principalmente italianos (vide foto), acostumados a lidar com solos vulcânicos muito parecidos em sua terra natal. Graças às novas técnicas que passaram a ser praticadas por esses agricultores – principalmente o plantio do café em linhas de nível, a produtividade da cultura aumentou, assim como a longevidade das plantações e dos solos. 

Conforme comentamos em postagens anteriores, os solos das antigas plantações fluminenses e de regiões circunvizinhas mal duravam dez anos, sucumbindo à perda de fertilidade criada pelos fortes processos erosivos. Essas terras eram então abandonadas e novas áreas de matas eram derrubadas para a formação de novas plantações. 

O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), autor de obras clássicas como O Povo Brasileiro, costumava se referir ao sistema colonial do Brasil como uma “grande máquina de moer gente” dada a grande quantidade de índios e negros que foram “gastos ao longo do processo produtivo do açúcar”. Ousando fazer um adendo ao comentário desse grande intelectual, diria que essa grande máquina também moeu centenas de milhares de quilômetros de matas nativas do país

Tanto a produção da cana de açúcar no Nordeste Açucareiro quanto a cafeicultura em sua fase inicial antes da abolição da escravidão no Brasil consumiram, impiedosamente, matas e solos inconsequentemente. Na faixa do litoral nordestino, algo entre 90 e 120 mil km² de matas desapareceram por causa dos canaviais – somente no Rio de Janeiro, o café destruiu mais de 20 mil km² de Mata Atlântica. Esgotadas, matas e terras eram abandonadas a própria sorte e os grandes produtores saíam em busca de novas terras e matas para “moer”

Felizmente, a partir desse novo ciclo de produção do café, as terras transformadas em campos agrícolas deixariam de ser consideradas descartáveis. É claro que a destruição de matas continuaria em andamento, porém, se serve de consolo, as terras continuariam sendo usadas por sucessivas gerações de agricultores na produção de alimentos para o consumo da crescente população e também para exportação.

Continuamos na próxima postagem. 

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