
No final de agosto de 2005, a charmosa cidade de Nova Orleans, no Sul dos Estados Unidos, foi atingida em cheio pelo furacão Katrina, uma tempestade tropical categoria 3 na escala de furacões de Saffir–Simpson. Ventos com velocidade de mais de 280 km/h atingiram a costa sul dos Estados Unidos, em especial a região metropolitana de Nova Orleans.
O Katrina provocou um grande alagamento, fazendo submergir 80% da cidade – 200 mil casas foram inundadas. Além de todo um rastro de destruição, com prejuízos calculados em cerca de US$ 81 bilhões (algumas fontes falam de prejuízos até duas vezes maiores) em diversas regiões dos Estados Unidos e também nas Bahamas, o furacão matou 1836 pessoas e existem 135 ainda consideradas desaparecidas. Até os dias atuais, enormes cicatrizes nas paisagens locais são testemunhos vivos da passagem do Katrina.
Entre os inúmeros traumas deixados pelo Katrina, a demora na chegada de ajuda por parte do Governo central dos Estados Unidos foi um dos maiores. Entre as muitas acusações feitas ao então Presidente George W. Bush se destacaram as demonstrações de racismo (Nova Orleans tem grande parte de sua população formada por negros) e da falta de preocupação com as populações pobres do Sul dos Estados Unidos.
Muitas dessas antigas lembranças foram avivadas na tarde de ontem, dia 29, quando o furacão Ida atingiu a costa do Estado da Luisiana com ventos de até 240 km/h. A tempestade, que estava classificada na categoria 4, foi rebaixada poucas horas depois para a categoria 1. Cerca de 1 milhão de habitantes de Região Metropolitana de Nova Orleans ficaram sem o fornecimento de energia elétrica, problema que atingiu também 70 mil pessoas no Estado vizinho do Mississipi.
Até o início da madrugada desta segunda-feira, dia 30, as informações divulgadas davam conta que o Ida seguia continente a dentro com ventos da ordem de 150 km/h, além de provocar fortes chuvas. As notícias também confirmam o registro de uma morte – um morador de Prairieville, distrito a Noroeste de Nova Orleans foi atingido pela queda de uma árvore. Apesar dessa tragédia, a situação é infinitamente melhor do que a vivida 16 anos atrás com o furacão Katrina.
Os prejuízos criados pelo furacão Ida começaram bem antes dele tocar o solo da Luisiana. Cerca de 95% das operações de extração e transporte de petróleo nas costas do Estado foram interrompidas preventivamente. O Golfo do México é um grande produtor de petróleo e gás, com inúmeras plataformas petrolíferas offshore em operação. Terminais de desembarque de petróleo em terra também foram fechados preventivamente.
Os norte-americanos tem uma longa tradição em preparações antecipadas para desastres naturais e também contam com boas estruturas de serviços públicos voltados a situações de emergência. Os serviços de meteorologia gozam de grande credibilidade junto a população, que costuma seguir as orientações, inclusive os pedidos de evacuação.
Qualquer um que andar hoje por cidades da região que está sendo afetada pelo furacão Ida vai encontrar casas e prédios com janelas reforçadas por placas de madeira e moradores com bons estoques de água, alimentos e remédios, entre outros itens essenciais. A depender da intensidade do fenômeno, os moradores poderão ficar vários dias presos em suas casas ou nos abrigos de emergência.
No fatídico ano de 2005, muitos desses cuidados foram tomados pelos moradores de Nova Orleans. O que ninguém imaginava há época foi a sucessão de problemas nas barragens do rio Mississipi. Essas barragens foram construídas pelo Exército dos Estados Unidos décadas antes e tinham como objetivo a proteção das partes baixas da cidade de uma brusca elevação do nível do rio Mississipi, algo que infelizmente acabou não acontecendo. Também existem relatos de falhas nas operações das comportas dessas barragens durante a passagem do Katrina.
No total, a área atingida pelo furacão Katrina foi superior a 230 mil km². Censos demográficos feitos posteriormente mostraram que o Estado da Luisiana perdeu mais de 200 mil habitantes, que migraram para outras regiões do país após a catástrofe. Essa é considera a maior diáspora ou migração forçada da história dos Estados Unidos.
A tragédia deixou muitas lições e provocou muitas mudanças na infraestrutura dos serviços de emergência nos Estados Unidos. Os sistemas de barragens, que haviam funcionado bem por muito tempo, se mostraram inadequados diante de uma catástrofe tão forte como foi o Katrina e passaram por grandes reformulações, inclusive dos procedimentos operacionais.
A ocorrência de grandes furacões (com ventos acima de 178 km/h) no Oceano Atlântico Norte vem aumentando gradativamente nos últimos anos. Até o ano de 2015, era registrados, em média, 3 desses fenômenos a cada ano. Até o ano 2000, a incidência era de 2 desses fenômenos a cada ano. Desde 2017, o número de furacões na região dobrou, passando para 6 eventos por ano.
De acordo com vários estudos climáticos, onde se incluem simulações em computador, esse aumento no número de furacões nessa região se deve a um aumento na temperatura das águas do Oceano Atlântico numa faixa entre o Sul do Estado norte-americano da Flórida, o Norte da América do Sul e a costa da África. Por trás desse aumento das temperaturas do mar estão as mudanças climáticas globais.
E a situação ainda vai piorar bastante. De acordo com projeções da NOAA – Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos, na sigla em inglês, o número de grandes furacões no Oceano Atlântico Norte deverá chegar a uma média de 8 ocorrências a cada ano até 2100.
O aumento gradual das temperaturas está mudando os padrões climáticos em todo o mundo. As recentes ondas de calor que estão assolando partes da Europa e da América do Norte, e que estão causando grandes incêndios florestais são um exemplo disso. Aqui no Brasil também temos alguns exemplos dessas mudanças no clima.
Partes das Regiões Centro-Oeste e Sudeste estão passando pela maior seca dos últimos 90 anos. Grandes reservatórios de usinas hidrelétricas estão com baixos níveis e há ameaças para a geração de energia elétrica no país. Outro exemplo dado pelo nosso clima recentemente foi a fortíssima onda de frio que se abateu sobre grande parte das regiões mais meridionais do país há poucas semanas atrás.
Por hora, vamos torcer para que o Ida perca rapidamente a sua energia e que cause o mínimo possível de danos para as populações que vivem ao longo do seu caminho. Porém, vamos precisar nos adaptar cada vez mais as surpresas que o clima nos trará nos próximos anos.