O TSUNAMI DE SANTA CATARINA, OU MAIS UMA DO CLIMA GLOBAL

Há exato um ano, no dia 29 de outubro de 2019, uma brusca elevação da maré no litoral Centro Sul de Santa Catarina causou alagamentos repentinos. Carros e barcos foram arrastados pelas águas, o que assustou muita gente e causou grandes prejuízos para moradores da costa, comerciantes e pescadores. 

A EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, acaba de publicar um estudo onde confirma que o evento foi na realidade uma onda do tipo tsunami. O estudo – Atmospherically induced large amplitude sea-level oscilations on October 29, 2019 at Santa Catarina, Brazil, foi publicado pela prestigiada revista Natural Hazards

O trabalho foi proposto a EPAGRI por Rogério Candella, um pesquisador da Marinha do Brasil, que percebeu algumas particularidades no evento. O fenômeno foi descrito como um meteotsunami, que é um tsunami gerado por fenômenos meteorológicos. Tsunamis são formações de ondas em série provocadas pelo deslocamento de um grande volume de massa em um corpo d’água e normalmente estão associados a sismos, erupções vulcânicas e outros deslizamentos de terra. 

No tsunami catarinense, a geração foi provocada pelo alinhamento de uma rápida mudança de pressão atmosférica com as ondas do mar que estavam chegando às costas rasas do litoral. Foram duas ondas principais com alturas entre 75 e 118 cm, que viajaram ao longo da costa de Santa Catarina do Sul para o Norte. Essas ondas atingiram uma velocidade de 1,4 km por minuto. 

De acordo com a EPAGRI, essa não foi a primeira vez que ondas repentinas causaram prejuízos no litoral de Santa Catarina. O que chamou a atenção de especialistas em oceanografia de todo o país nesse evento foi a rapidez e a força das ondas. 

Há alguns anos atrás, mais precisamente no final do mês de março de 2004, um ciclone tropical do Atlântico Sul atingiu a costa da Região Sul e acabou sendo batizado como Furacão Catarina, o primeiro registro do fenômeno climático no Brasil. Agora, o Estado registra seu primeiro tsunami. 

Muito provavelmente, esses fenômenos estão ocorrendo por causa das mudanças climáticas globais, que cismam em ocorrer justamente em terras e costas catarinenses.

RIO CHAPECÓ: UM EXEMPLO DA POLUIÇÃO DAS ÁGUAS NO OESTE CATARINENSE

A Mata das Araucárias era, até poucas décadas atrás, uma das paisagens dominantes da região Oeste de Santa Catarina. Conforme apresentamos em postagens anteriores, essa vegetação, que era um dos subsistemas florestais da Mata Atlântica na Região Sul do Brasil, sucumbiu rapidamente diante da forte pressão exercida pela exploração madeireira. Além do excelente pinho das araucárias, essas matas forneciam madeiras de grande valor comercial como a peroba, o cedro, o marfim e a imbuia. 

Em paralelo à exploração dos recursos florestais, essa extensa região passou a assistir a instalação de um sem número de pequenas propriedades rurais, grande parte delas especializadas na criação de animais, especialmente os porcos. Atualmente, o Estado de Santa Catarina, é o maior produtor e processador de carne de suínos do Brasil, com 30% do rebanho nacional. O jeito mais fácil de qualquer um dos leitores comprovar isso é ir até um supermercado e olhar a procedência das carnes suínas, frios e embutidos ali vendidos. 

O rebanho suíno catarinense tem mais de 4,7 milhões de animais, que produzem quase 50 milhões de litros de esgotos por dia – são cerca de 10 litros de esgotos por animal. Essa conta inclui fezes, urina e a água usada na limpeza dos viveiros dos animais. Os órgãos ambientais consideram a suinocultura como uma das maiores geradoras de dejetos por unidade de área ocupada, produzindo em média de 5% a 8% em relação ao peso vivo dos animais em efluentes sanitários

Nos últimos anos publicamos diversas postagens falando dos impactos da suinocultura na degradação das águas no Oeste catarinenses. Uma dessas postagens – Os porcos contra atacam, virou uma das campeãs em acesso aqui do blog. Para detalharmos o impacto de todo esse despejo de efluentes sanitários dos suínos no meio ambiente, vamos analisar a situação do rio Chapecó: 

O rio Chapecó é um corpo d’água bastante modesto quando comparado a outros grandes rios brasileiros. Tem um comprimento total de 248 km e sua bacia hidrográfica ocupa uma área de pouco mais de 8 mil km². É um dos principais formadores da bacia hidrográfica do rio Uruguai junto com os rios Pelotas, Canoas e Peixe.

O rio atravessa uma importante região produtora de grãos, aves e suínos, onde sofre uma forte degradação ambiental devido ao carreamento de grandes quantidades de resíduos de fertilizantes e de agrotóxicos, assoreamento gerado pelo manejo inadequado de solos e, principalmente, pelo lançamento de dejetos líquidos de suínos. 

De acordo com estudos realizados pela EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, 84% das fontes de água de uma grande área delimitada para a pesquisa e onde se englobava a bacia hidrográfica do rio Chapecó, apresentavam contaminação por coliformes fecais, um claro indicador de águas com despejo de esgotos.

Essas bactérias, também conhecidas como coliformes termotolerantes existem em grande quantidade nos intestinos de seres humanos e de animais de sangue quente como porcos, vacas e cavalos, e são eliminadas junto com as fezes. Como acontece com outros rios da região, o rio Chapecó recebe as águas de uma infinidade de pequenos cursos e riachos que drenam as fazendas e sítios, onde são lançados grandes volumes dos esgotos gerados pela criação de animais. 

O rio Chapecó e o seu principal afluente – o rio Chapecozinho, formam o principal manancial de abastecimento de água de uma região que engloba, total ou parcialmente, 59 municípios do Oeste Catarinense. Entre as cidades abastecidas com essas águas se incluem Chapecó, Xaxim, Xanxerê, Abelardo Luz (vide foto), Nova Erechim, entre muitas outras.  

As ETAs – Estações de Tratamento de Água, unidades responsáveis pelo tratamento e desinfecção da água usada no abastecimento das populações dessa região, precisam trabalhar com atenção redobrada no controle da qualidade dessas águas em laboratório. Também precisam gastar mais com a compra de produtos químicos usados no tratamento da água como o cloro, o sulfato de alumínio e o cloreto férrico – esses custos extras serão, inevitavelmente, repassados nas contas de água aos consumidores. 

Os problemas de poluição nas águas dos rios locais, infelizmente, não param por aí. Nas mesmas áreas rurais onde existem os sítios e fazendas especializados na criação de animais, também existem aqueles que se dedicam à produção de legumes e verduras. Essas culturas precisam ser irrigadas e, desgraçadamente, os mesmos cursos de água que recebem os efluentes das criações de animais são as fontes da água usada nessas irrigações

De acordo com estudos publicados em julho de 2017 pela respeitada revista Environmental Research Letters, foi confirmado que, em todo o mundo, uma área equivalente à da Alemanha (aproximadamente 30 milhões de hectares) é irrigada com água contaminada pelos esgotos. De acordo com modelos matemáticos elaborados pelos autores desse estudo, cerca de 885 milhões de pessoas consomem verduras e vegetais produzidos sob essas condições, ficando expostas a uma infinidade de patógenos, como parasitas e bactérias, com significativos riscos à saúde

Os dados desses estudos vão de encontro a estudos da OMS – Organização Mundial da Saúde, que demonstram que mais de 10% da população mundial, ou 700 milhões de pessoas, consome regularmente alimentos produzidos a partir da irrigação com águas residuais.

Com o crescimento da população, principalmente em cidades que não possuem uma infraestrutura de saneamento básico adequada, a tendência é de um aumento cada vez maior na contaminação das águas por esgotos. Essa pressão populacional, por sua vez, também se reflete num esforço para o aumento da produção de alimentos, onde se incluem as proteínas de origem animal, atividade que gera grandes volumes de efluentes sanitários, além de verduras e legumes irrigados com essas águas. 

No Oeste de Santa Catarina, infelizmente, o problema não fica restrito apenas as águas superficiais – a captação de água em poços subterrâneos, uma alternativa que passou a ser buscada pelas cidades para fugir das águas poluídas dos rios, também tem apresentado os mesmos problemas. Estudos feitos em amostras de água colhidas em 1.875 poços da região encontraram sinais de contaminação por coliformes fecais em 60% dos casos

O Aquífero Guarani, maior reservatório subterrâneo de água doce da América do Sul com uma área de mais de 1,2 milhão de km², está presente em 50% do subsolo catarinense. Parte dos efluentes sanitários gerados pelas criações de suínos acaba infiltrada nos solos e atinge as águas do aquífero. Em uma parte importante das amostras analisadas, a qualidade da água foi considerada ruim, atingindo a marca de 50 pontos numa escala técnica que vai até 100. 

Uma das fontes mais comuns dessas infiltrações de esgotos nos solos são as fossas usadas pelos produtores para o descarte dos efluentes, que não possuem um revestimento impermeável adequado nas paredes e no fundo. Outro problema é o uso dos efluentes como fertilizante em plantações. Os dejetos são espalhados sobre os solos em grande quantidade e uma parte do líquido atinge o lençol freático e chega até o aquífero. 

Ao contrário do que muitos podem imaginar, são raros os casos onde existe uma caverna ou fenda subterrânea que se enche de água. Normalmente, essas águas subterrâneas se encontram em rochas porosas como o arenito, uma das principais formadoras de aquíferos e lençóis subterrâneos de água. Um metro cúbico dessa rocha pode armazenar mais de 500 litros de água das chuvas – basta a infiltraçao de alguns poucos litros de esgotos para contaminar um grande volume de água.

As estratégicas águas do Aquífero Guarani são utilizadas no abastecimento de centenas de cidades no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Os contaminantes gerados pela suinocultura do Oeste de Santa Catarina podem percorrer centenas de quilômetros através de toda uma rede de micro canais nas camadas de rocha onde se encontra o aquífero, podendo afetar a qualidade da água usada em cidades distantes. É um problema grave. 

Isso é o que se pode chamar de uma verdadeira “porcaria”. 

A EXPLORAÇÃO DO CARVÃO EM SANTA CATARINA E A POLUIÇÃO DO RIO TUBARÃO

Na última postagem falamos do problemático rio Itajaí-Açu, um dos mais importantes cursos d’água do Estado de Santa Catarina. Fundamental como via de transporte e comunicações ao longo da história do povoamento de uma extensa região catarinense, o rio Itajaí-Açu viu nascer ao longo de suas margens uma infinidade de cidades como Itajaí, Blumenau entre muitas outras.

A ocupação desordenada de suas margens amplificou, e muito, as enchentes naturais do rio, um problema que afeta milhares de pessoas em todo o seu vale. Além das enchentes, um outro grave problema do rio é a poluição de suas águas, que recebem despejos de grandes quantidades de esgotos e resíduos sólidos. 

Cerca de 200 km ao Sul, encontramos um outro rio catarinense também muito problemático – o rio Tubarão, um curso d’água que sofre as consequências da intensa mineração de carvão mineral. O rio Tubarão nasce nas encostas da Serra Geral Catarinense, num trecho conhecido como Serra do Rio do Rastro. Os principais afluentes são os rios Braço do Norte e Capivari. O rio percorre cerca de 120 km, atravessando 20 municípios, até desembocar na Lagoa de Santo Antônio, no litoral de Santa Catarina, nas proximidades da cidade de Laguna.  

A origem do nome do rio é bastante curiosa – ao contrário do que parece, o nome não guarda qualquer relação com o grande peixe oceânico homônimo. O nome Tubarão surgiu como uma variação do nome indígena do rio – tubá-nharô, nome de um antigo cacique e que significa “pai bravo”. Só como curiosidade, a palavra tupi para tubarão é iperu.  

A bacia hidrográfica do rio Tubarão está inserida em meio a grandes jazidas de carvão mineral, onde são realizadas intensas atividades de mineração. As águas dos rios sofrem constante contaminação com drenagens ácidas, geradas principalmente pela lixiviação ou solubilização dos rejeitos minerais pelas águas das chuvas. Essas águas contaminadas são usadas no abastecimento de mais de 125 mil habitantes em cidades da região como Tubarão e Capivari de Baixo. O rio Tubarão ocupa a 10ª posição entre os rios mais poluídos do Brasil. 

O carvão mineral é uma rocha sedimentar sólida que foi formada ao longo de milhões de anos a partir do acúmulo e soterramento de matéria orgânica de origem vegetal. Essa matéria orgânica sofreu um processo de carbonificação, onde o hidrogênio e o oxigênio foram expulsos, favorecendo a concentração do carbono, o principal constituinte do carvão.  

Considerado um dos mais importantes combustíveis do planeta, o carvão tem uso intensivo em atividades industriais e em usinas termelétricas – cerca de 40% da energia elétrica usada no mundo é gerada a partir da queima do carvão. Essa queima responde por um volume entre 30 e 35% das emissões mundiais de gás carbônico (CO2), um dos principais gases responsáveis pelo Efeito Estufa. O consumo mundial atual de carvão mineral é da ordem de 5,5 bilhões de toneladas. 

A queima do carvão também é fundamental para o processamento e produção de metais como o ferro e o aço. O Brasil não dispõe de grandes reservas de carvão de boa qualidade e, durante muito tempo, o carvão de origem vegetal foi usado como combustível nos altos fornos das forjas, o que levou a intensos processos de desmatamentos como o que se assistiu em Minas Gerais. A região de Laguna, no Sul do Estado de Santa Catarina, é uma das poucas produtoras de carvão mineral no Brasil. 

A mineração do carvão expõe rochas e rejeitos ricos em sulfetos, que liberam grandes quantidades de metais nas águas. Esses poluentes se associam aos sedimentos, dando-lhes uma cor alaranjada. Menos de 1% dessas substâncias são dissolvidas na água e cerca de 99% ficam armazenadas nos sedimentos dos corpos hídricos, o que significa que os contaminantes permanecerão ativos a longo prazo. É por isso que antigas áreas de mineração desativadas há muitas décadas continuam poluindo as fontes de água.  

Metais acumulados nos sedimentos dos corpos hídricos passam por processos de bioacumulação em vegetais e, posteriormente, são transmitidos por toda a cadeia alimentar. Metais pesados altamente tóxicos como o cádmio, chumbo e mercúrio podem, através desse processo, contaminar seres humanos, por exemplo, através do consumo de peixes pescados nessas águas. Esse processo de transferência de metais entre os seres vivos é chamado de biomagnificação. As águas que formam a bacia hidrográfica do rio Tubarão sofrem com esse e com muitos outros males. 

Os problemas com a qualidade das águas do rio Tubarão são bem antigos e o processo de tratamento dessa água para o abastecimento de populações é cerca de 15% mais caro do que em outros rios. Devido a acidez da água e da grande presença de metais pesados, as estações de tratamento precisam realizar um pré-tratamento da água com a adição de cloro antes de iniciar o processo de tratamento propriamente dito. Esse custo extra, é claro, acaba sendo pago pelos consumidores, fato que causa enormes descontentamentos na população em relação às empresas mineradoras. 

A exploração do carvão mineral na Região Sul, especialmente no Estado de Santa Catarina, ganhou impulso no início da década de 1940, quando foi iniciada a construção da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, interior do Estado do Rio de Janeiro. A CSN foi a primeira grande usina siderúrgica a ser construída no país (antes dela, praticamente todo o aço usado no país era importado) e foi fundamental para o processo de industrialização do Brasil, especialmente na introdução da indústria automobilística no final da década de 1950. 

Para cada tonelada de minério bruto extraído são gerados cerca de 600 kg de resíduos sólidos, divididos entre rejeitos finos e grossos, e aproximadamente 1,5 m³ de efluentes ácidos. Para que todos tenham uma ideia do volume desses rejeitos, somente no Distrito Carbonífero do Sul de Santa Catarina, que concentra 75% das lavras subterrâneas e das usinas de beneficiamento e 83,3% das usinas de beneficiamento/lavagem de carvão, foram geradas aproximadamente 4 milhões de toneladas de rejeitos apenas no ano 2000

Os problemas de contaminação das águas não ficam limitados apenas ao rio Tubarão e seus afluentes. Uma outra bacia hidrográfica, a do rio Ararangá, é uma das mais comprometidas pela mineração do carvão na região. Um dos rios da bacia hidrográfica, o rio Sangão, é cercado de áreas alagadas onde se cultiva arroz e trigo – em situações de fortes chuvas, essas áreas ficam sujeitas ao transbordamento do rio e a contaminação dos solos com resíduos minerais, um problema que fatalmente será passado para as plantas.  

As empresas mineradoras de carvão, principais responsáveis por toda essa poluição e alvo de constantes embates por parte das populações, se defendem reclamando dos graves prejuízos que o setor vem sofrendo por causa da importação do carvão, que foi liberada em 1990, e também da redução da demanda do produto provocada pelas sucessivas crises econômicas vividas pelo país nos últimos anos. 

Há consenso entre as empresas da necessidade de melhorias nos processos de gestão e a modernização dos sistemas de tratamento das águas que serão descartadas no meio ambiente. Porém, as empresas alegam que os custos destas medidas mitigadoras são muito altos e que precisam, é claro, de grandes incentivos governamentais para resolver os problemas.

Já os Governos, tanto do Estado quanto o Federal, atolados em dívidas e cheios de problemas, se mostram absolutamente inertes. Só para constar, o atual Governador de Santa Catarina – Carlos Moisés, está afastado do cargo e sofrendo um processo de impeachment

No meio de tudo isso, populações e meio ambiente sofrem com a poluição das águas. 

O PROBLEMÁTICO RIO ITAJAÍ E SUAS ENCHENTES HISTÓRICAS

Em novembro de 2008, após uma sequência de vários dias com chuvas fortíssimas, o vale do rio Itajaí, em Santa Catarina, foi assolado pela maior tragédia ambiental de sua história. As águas do rio subiram mais de 11 metros, deixando cerca de 80 mil pessoas desabrigadas, além de um trágico rastro de destruição e mortes – a Defesa Civil contabilizou um total de 135 mortos nas enchentes.

Somente na cidade de Blumenau, uma das maiores da região, cerca de 103 mil pessoas foram afetadas diretamente pelas enchentes. Em Itajaí, 85% do território urbano foi encoberto pelas águas da enchente e 40 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas. 

A bacia hidrográfica do rio Itajaí ocupa cerca de 16% do território de Santa Catarina, se estendendo por cerca de 15 mil km² em 47 municípios do Estado. O principal curso da bacia hidrográfica é o rio Itajaí-Açu, formado pela junção dos rios Itajaí do Oeste e Itajaí do Sul. Outros importantes tributários são os rios Itajaí do Norte, Itajaí-Mirim, Benedito, Luís Alves e do Testo. 

O nome do rio, Itajaí-Açu, foi dado pelos índios tupis que viviam no litoral e pode estar ligado a uma formação rochosa da Praia de Cabeçudas – a Pedra do Papagaio. Na língua tupi, essa pedra era chamada de itajaí-açu, que significa, literalmente, “pedra do pássaro grande”. Uma outra hipótese para a origem do nome é tajahy, que significa “rio dos taiás”, uma planta comestível abundante nas margens do rio e que era muito apreciada pelos indígenas. Em muitas regiões do Brasil essa planta é conhecida como taioba. 

As enchentes sempre existiram no vale do rio Itajaí, podendo-se até afirmar que elas faziam parte da paisagem. O rio apresenta uma baixa declividade, o que se reflete em uma corrente de águas lentas e a necessidade de grandes áreas alagáveis ou várzeas nas margens para absorver os excessos nos períodos de chuvas. Com a forte colonização em Santa Catarina a partir de meados do século XIX e com a derrubada de grandes extensões de matas para a criação de áreas para a agricultura e pecuária, os problemas só se agravaram. 

De acordo com dados históricos disponibilizados pelo Centro de Operações do Sistema de Alerta da FURB – Universidade Regional de Blumenau, foram registradas 76 grandes enchentes no rio Itajaí desde 1852. Em 66 dessas enchentes, o nível do rio ultrapassou a marca dos 9 metros na cidade de Blumenau. As maiores cheias já registradas foram as de 1852, quando o nível do rio atingiu a marca de 16,3 metros, a de 1880, com 17,1 metros e a de 1911, com a marca de 16,9 metros

Até 1910, eram observadas, em média, duas grandes enchentes por década. A partir dessa data, os dados mostram um aumento gradativo das enchentes no vale do rio Itajaí – ao longo da década de 1970 foram registradas 10 grandes enchentes, uma sequência de desastres naturais que arrasou com a economia da região. Um dos setores mais afetados foi o da indústria têxtil, que ao longo de sua importante história na região assistiu à instalação de inúmeras fábricas nas margens do rio – a água é um insumo essencial para os processos de tecelagem e tingimento de tecidos

Um dos mais antigos núcleos habitacionais da região é Itajaí, que surgiu a partir da sesmaria de terras doadas pela Coroa de Portugal ao bandeirante paulista João Dias de Arzão em 1658. Durante muito tempo, essa região foi uma importante fornecedora de madeiras de boa qualidade, que eram extraídas pelos locais e exportadas para as cidades de Santos e do Rio de Janeiro.

A colonização efetiva começou a partir de 1750, quando colonos portugueses, especialmente os originários dos Arquipélagos da Madeira e dos Açores, começaram a chegar em grande quantidade na região. O rio Itajaí foi transformado na principal via de comunicações e transportes com as povoações que passaram a surgir por todo o vale. 

Um dos principais marcos da colonização do vale do rio Itajaí se deu em 1850, quando foi fundada a Colônia de São Paulo de Blumenau pelo alemão Hermann Blumenau. As primeiras famílias alemãs que desembarcaram na região a partir dessa data iniciaram a ocupação seguindo o modelo alemão de colonização de terras – o stadtplatz.

Esse modelo se baseia na ocupação de terras ao longo do curso de um rio. Gradativamente, as grandes áreas de várzea do rio passaram a ser desmatadas e ocupadas por fazendas, granjas, currais e outras instalações rurais. Já em 1852, uma grande enchente assolou o vale, destruindo todo o trabalho até então realizado por essas famílias. 

Em 1855, o diretor geral da Colônia – Hermann Blumenau, encaminhou uma longa carta ao Imperador Dom Pedro II, o grande incentivador da colonização alemã no Vale do Itajaí, onde detalhava a situação dramática dos colonos e solicitiva apoio da Coroa: 

Menos de 36 horas foram suficientes, para encher o rio até a altura inaudita de mais de 63 palmos além do seu nível ordinário, antes barrancos e as casas nelas estabelecidas e causou tanto na colônia, como em todo o seu comprimento habitado inúmeros males e prejuízos diretos, que em tão pequena distância e população não se podem avaliar em menos de 60 até 80 contos de Reis, e antes em mais do que em menos. […] A situação foi tristíssima em toda a parte, os mantimentos subiram a um preço enorme e se não queria ver perecer os colonos pela fome e perder inteiramente o fruto de anos de trabalho pela sua dispersão não havia remédio, senão sustentá-los de novo, com fortes adiantamentos que abatiam todos os meus cálculos anteriores”. 

As preocupações com as grandes enchentes no vale do rio Itajaí vêm de longa data, porém, nunca se transformaram em ações concretas de prevenção. Os desmatamentos em toda a bacia hidrográfica continuaram e os Governantes locais nunca se esforçaram para coibir a ocupação das margens e áreas de várzea dos rios da região. O modelo de ocupação territorial stadtplatz continuou sendo usado.

Originalmente, 85% do território catarinense era coberto por vegetação de Mata Atlântica. As sucessivas ondas de colonização e ocupação do território de Santa Catarina resultaram na destruição da maior parte dessa cobertura florestal, que atualmente está reduzida a pouco mais de 17% de sua área original. 

Na década de 1920, o Governo local encomendou estudos a dois especialistas, buscando alternativas técnicas para o combate das enchentes. Esses especialistas eram Otto Ronkohl e Adolf Odebrecht. Entre as propostas apresentadas, se incluíam a construção de canais para melhorar o escoamento das águas, a retificação do curso sinuoso do rio Itajaí de forma a aumentar a velocidade do escoamento das águas e também a construção de represas para conter o excesso de águas no período das chuvas.  

Nenhuma dessas propostas foi levada adiante até meados da década de 1960, quando após intensa pressão popular teve início a construção da barragem de Taió, concluída em 1973. Em 1976 foi concluída a barragem de Ituporanga e em 1992 a barragem José Boiteux. Essas barragens ajudaram a reduzir a frequência das enchentes, mas não resolveram o problema.

As enchentes, porém, não são o único problema do rio Itajaí. Suas águas também sofrem com o lançamento de grandes quantidades de esgotos domésticos e industriais, despejos de efluentes de fazendas e sítios de criação de animais, além dos despejos difusos de resíduos sólidos de todos os tipos.

Na cidade de Itajaí, citando um único exemplo, perto de 95% da rede de drenagem de águas pluviais lança seus efluentes diretamente nas águas do rio Itajaí. Essas águas carregam para a calha do rio grandes quantidades de resíduos sólidos (lixo urbano, resíduos da construção civil, etc) despejados de forma irregular pela população por todos os cantos da cidade. 

Um rio que, naturalmente, já criava toda uma série de problemas em momentos de forte chuva, com toda essa “ajuda” humana não teria outro destino a não ser se transformar em uma eterna fonte de catastrófes.

OS RIOS INVISÍVEIS DE CURITIBA, OU BEM-VINDO A SAPOLÂNDIA

Em uma postagem anterior, falamos da gigantesca rede de corpos d’água do antigo Planalto de Piratininga, região onde nasceram e cresceram muitas das cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Grande parte dessa enorme rede de rios, córregos e ribeirões acabou desaparecendo sob os solos da cidade – a maior parte foi canalizada para “criar” novos solos urbanos, para a construção de avenidas de fundo de vale ou simplesmente encobertos por razões estéticas.  

Os grandes rios da região – Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, passaram por grandes obras para a retificação dos seus e liberação de grandes áreas das antigas várzeas para a expansão da mancha urbana. 

Se existiu uma outra região com características muito similares às do antigo Planalto de Piratininga esses eram o Campos de Curitiba, região onde nasceu e cresceu a cidade homônima e outras cidades da Região Metropolitana. Existem muitas controvérsias sobre a origem do nome da região, mas um grande número de especialistas afirma que a origem mais provável vem do tupi ku’ri tuba – “lugar com muitos pinheiros”.

A região onde se encontra a atual cidade de Curitiba era formada originalmente por uma imensa teia de rios, riachos e arroios, como se diz na região Sul do Brasil – os pequenos cursos d’água que se encontravam por todos os lados. Algumas fontes afirmam que, somando-se tudo, chegaremos próximo de 5.000 cursos d’água de todos os tamanhos como os formadores do famoso rio Iguaçu (palavra que, não por acaso, significa “rio grande” em língua tupi).  

Em uma região tão úmida, os anfíbios encontraram um habitat perfeito. Conta-se que, por estas razões, a cidade de Curitiba era conhecida no século XIX como Sapolândia – a terra dos sapos. Inclusive, o curitibano há época era chamado de “o sapo”. Outro apelido bastante simpático e que não requer maiores explicações, é associado ao grande número de dias chuvosos na cidade: Chuviritiba. 

Como aconteceu com São Paulo e outras grandes cidades brasileiras, conforme Curitiba foi crescendo, muitos rios e córregos da cidade foram sendo canalizados para liberar áreas para a construção de imóveis e avenidas. Na área central de Curitiba, para citar um exemplo, existem alguns rios e trechos de rios que foram canalizados e só são lembrados pela população quando alguma galeria desaba e suas águas são expostas à luz do dia – destaque para os rios Ivo, Belém, Água Verde e Juvevê, além de uma infinidade de córregos já canalizados e há muito esquecidos. 

Uma das funções mais elementares dos córregos, riachos e rios de uma bacia hidrográfica é permitir o escoamento das águas excedentes nos períodos das chuvas – a famosa drenagem das águas pluviais. Ao longo de milhões de anos, a erosão provocada pelas águas destes cursos foi a responsável pela construção de uma complexa rede de canais de drenagem, o que criou toda a “face” do relevo da região.

Quando construímos as nossas cidades nestes terrenos, alteramos completamente a configuração destes canais de drenagem, eliminamos áreas de mata ciliar e de várzeas, além de impermeabilizamos os solos, o que em algum momento vai resultar nas famosas enchentes que vemos nas grandes cidades.  

A canalização desenfreada de cursos d’água nas áreas urbanas amplifica todos estes problemas, uma vez que as calhas não recebem trabalhos de limpeza e manutenção e acabam assoreadas com resíduos sólidos de todos os tipos, areia e pedras. Há um outro agravante – esses rios “invisíveis” recebem grandes despejos irregulares de esgotos, que dificilmente são detectados pelas autoridades responsáveis pelo saneamento básico. 

Região Metropolitana de Curitiba apresenta sérios problemas de poluição difusa na rede regional de corpos d’água, que se refletem diretamente no principal manancial da região – o rio Iguaçu é o 2° mais poluído do Brasil, uma verdadeira façanha se comparado ao enorme esforço que a maior Região Metropolitana do Brasil – São Paulo, com uma população quase cinco vezes maior, faz para colocar o rio Tietê na primeira posição deste ranking

Dados oficiais da empresa responsável pelo saneamento básico de Curitiba afirmam que 100% dos esgotos da cidade são coletados por suas redes de esgotos e 91,26% deste volume é tratado (2016). Políticos e autoridades locais costumam afirmar que Curitiba é a “Capital Ecológica” do Brasil. Porém, quando analisamos a situação ambiental do rio Iguaçu, percebemos que existe alguma coisa errada com estes números.

Considerando que o rio mais poluído do país, o Tietê, atravessa uma região metropolitana com mais de 20 milhões de habitantes e com graves problemas de lançamento de esgotos in natura na extensa rede hidrográfica regional, é uma verdadeira façanha o rio Iguaçu ocupar o posto de segundo rio mais poluído do país com esses números de coleta e tratamento de esgotos em Curitiba.  

Se, numa conta rápida, se descontar o volume de esgotos tratados em Curitiba e se considerar, hipoteticamente, que todo o restante da população da Região Metropolitana (3,5 milhões de habitantes em 2016) não possui nenhuma coleta, são os esgotos gerados por pouco mais de 1,5 milhão de habitantes os responsáveis por toda a poluição do rio Iguaçu.

Esse número me leva a uma dúvida cruel: ou os números do saneamento básico na Região Metropolitana de São Paulo são muito melhores do que se anuncia ou existe alguma coisa muito “estranha” com os dados divulgados da coleta e tratamento de esgotos em Curitiba – a conta não fecha! 

Matemágicas” à parte, o mapeamento e o conhecimento da rede de rios “invisíveis” é o melhor caminho para a solução dos problemas de drenagem pluvial e de lançamento de esgotos de forma difusa e clandestina em uma cidade como Curitiba.

Melhor ainda: seguindo uma nova tendência mundial – a reabertura ou, como costumo chamar, a “descanalização” de rios e córregos urbanos, é uma das melhores formas de expor os problemas das águas subterrâneas para a população e permitir que se realize a recuperação integral dos problemas ambientais que foram varridos para o subsolo das cidades. Um exemplo admirável dessa nossa filosofia pode ser visto na cidade de Seul, na Coréia do Sul

A cidade de Curitiba ocupa uma área de 432 km², o que corresponde a um quarto da superfície da cidade de São Paulo, e possui 6 bacias hidrográficas, sendo a maior delas a do rio Barigui, que ocupa uma área equivalente a 150 km², seguida pelo rio Iguaçu, com uma bacia hidrográfica de 68 km². Também merece destaque a bacia hidrográfica do rio Passaúna, com cerca de 38 km² – esse rio forma a importante Represa do Passaúna, principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana. 

Quem visita a cidade de Curitiba, fica maravilhado com a beleza e com a urbanização da cidade. Muitas áreas verdes, praticamente nenhuma grande área ocupada por favelas ou por bairros com construções de baixa qualidade, algo muito diferente da caótica e tumultuada urbanização da cidade de São Paulo. Para decepção geral, os subsolos das duas cidades guardam os mesmos problemas – uma imensa rede de corpos d’água poluídos e escondidos sob uma grossa camada de concreto e terra. 

Resumindo, existe uma grande diferença ambiental entre essas duas cidades cercadas por Mata Atlântica e com muitas semelhanças em seus territórios – Curitiba escondeu seus problemas da rede hídrica sob o “tapete”. Infelizmente, a poluição que os olhos não veem, o nariz, normalmente, sente… 

RIO IGUAÇU: FAMOSO PELAS ESPETACULARES CATARATAS E TAMBÉM PELA INTENSA POLUIÇÃO

As Cataratas do Iguaçu, na divisa entre o Brasil e a Argentina, entram na lista dos maiores patrimônios mundiais da natureza. São 275 quedas d’água a partir de um grande degrau rochoso com mais de 80 metros de altura. O sítio natural foi descoberto em 1542 pelo conquistador espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca, que hispanizou o nome que os indígenas davam às cataratas – y ûasú, ou “água grande”. 

Centenas de milhares de turistas de todo o mundo visitam anualmente a região, que também conta com uma esplendida reserva de Mata Atlântica – o Parque Nacional do Iguaçu, um dos últimos grandes remanescentes do bioma no interior do continente. O que a maioria desses turistas, e também grande parte da população brasileira, não sabe é que no outro extremo de sua calha, o Iguaçu é um rio extremamente poluído – aliás, trata-se do segundo rio mais poluído do Brasil

O rio Iguaçu tem suas nascentes nos contrafortes da Serra do Mar, na faixa Leste do Estado do Paraná, e segue na direção Oeste até o encontro da sua foz, nas Cataratas do Iguaçu, no rio Paraná. Seu curso total tem aproximadamente 1.300 km de extensão – eu costumo chamar o rio Iguaçu de primo-irmão do rio Tietê graças a todo um conjunto de semelhanças. A exemplo do grande rio paulista, o Iguaçu é formado a partir da junção de inúmeros rios menores com nascentes na Serra do Mar. 

Os rios Tietê e Iguaçu foram formados no mesmo período geológico, quando a porção de terra que formaria a atual América do Sul começou a se separar do trecho que formou o continente Africano há, aproximadamente, 165 milhões de anos atrás. O movimento da Placa Tectônica Sul-Americana provocou o soerguimento de uma extensa faixa do litoral na borda Leste, levando a formação da Serra do Mar e forçando vários rios, como o Tietê e o Iguaçu, a correr no sentido Oeste. 

Oficialmente, o rio Iguaçu surge a partir da junção dos rios Atuba e Iraí na divisa dos municípios de Curitiba e Pinhais. O rio Iraí, que tem as suas nascentes na Serra do Mar e é chamado inicialmente de rio Irazinho até a junção com o rio Palmital, atravessa os municípios de Piraquara e Pinhais na Região Metropolitana. O outro rio formador do Iguaçu, o Atuba, tem nascentes localizadas no município de Colombo e percorre 23 km até chegar em Curitiba.  Um outro importante afluente, é o rio Belém. 

A exemplo do rio Tietê, todos esses tributários do rio Iguaçu apresentam águas com boa qualidade antes de entrar na Região Metropolitana. É aqui que os problemas começam – os rios passam a receber grandes quantidades de esgotos in natura e grandes volumes de resíduos e lixo de todos os tipos.

Mesmo na cidade de Curitiba, chamada por muitos de “Capital Ecológica” e onde a empresa de saneamento básico responsável alega coletar e tratar 100% dos esgotos, os inúmeros rios também despejam águas poluídas no rio Iguaçu. 

Como resultado de todo esse conjunto de agressões, o Iguaçu dentro da Região Metropolitana de Curitiba é um rio de águas mortas e quase sem nenhuma vida. Além do trágico problema de poluição de suas águas, as margens de uma grande extensão do rio Iguaçu nas proximidades da Região Metropolitana sofreram muito, e ainda sofrem, com a extração de areia para a construção civil.

Esses processos, iniciados há várias décadas atrás, resultaram na destruição de grandes faixas da mata ciliar, uma vegetação que protege os rios de processos de assoreamento e carreamento de resíduos.  

A história da poluição no rio Iguaçu segue o mesmo roteiro da saga de outros rios que atravessam grandes áreas urbanas: além do já citado rio Tietê em São Paulo, podemos falar do rio Guandu, que atravessa a região da Baixada Fluminense no Estado do Rio de Janeiro; o rio das Velhas na Região Metropolitana de Belo Horizonte; o rio dos Sinos na Região Metropolitana de Porto Alegre e os pernambucanos rios Ipojuca e Capibaribe – não por acaso, todos estes rios entram na lista dos 10 rios mais poluídos do Brasil.  

No rio Iguaçu, a poluição está concentrada na Região Metropolitana de Curitiba, um aglomerado de cidades com uma população na casa de 3,5 milhões de habitantes. Aproximadamente 80% da poluição do Rio Iguaçu é gerada por esgotos domésticos/poluição difusa e 20% por esgotos industriais.

Se você navegar ou andar por este trecho inicial do rio, vai se deparar com todo o tipo de lixo e resíduos descartados pela população: móveis, entulhos e restos da construção civil, eletrodomésticos, pneus, carcaças de automóveis e tudo mais que puder imaginar. 

A receita da tragédia ambiental é a mesma de sempre – as cidades passaram a crescer fortemente a partir da década de 1960, quando imensos contingentes de agricultores resolveram trocar a vida sofrida no campo pelas promessas de uma vida melhor nas cidades.

A Região Metropolitana de Curitiba, da mesma forma que outras importantes cidades brasileiras, começou a experimentar taxas de crescimento urbano fortíssimas, que nem de longe foram acompanhadas pelo crescimento da infraestrutura urbana, especialmente com a criação de redes de abastecimento de água potável e redes coletoras de esgotos com estações de tratamento. 

Diferente de outras grandes cidades brasileiras, que cresceram sem controle como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, e se fundiram às cidades vizinhas formando uma única mancha urbana, a cidade de Curitiba se cercou de grandes áreas verdes para evitar o fenômeno da conurbação.

Quem visita a cidade de Curitiba se surpreende com a grande beleza do lugar, se impressionando com a imensa quantidade de áreas verdes existentes e pelo fato de não encontrar um grande rio poluído como o Tietê ou um Ribeirão dos Arrudas cortando a cidade de um lado a outro.  

Mas o grande problema da poluição das águas existe e se mostra especialmente nos municípios vizinhos, onde grandes bairros surgiram sem a menor infraestrutura e a grande rede de cursos d’água da região acabou transformada num extenso sistema de esgotos a céu aberto. O rio Iguaçu, que corre discretamente nos limites do município de Curitiba, se transformou no destino de todo esse volume de esgotos como sempre acontece com o principal curso d’água de uma bacia hidrográfica.

O rio também passou a receber grande parte do lixo e dos entulhos descartados em terrenos baldios e ruas, que sempre acabam sendo carreados para dentro dos canais de água pelas fortes chuvas. 

Felizmente, o mesmo “milagre” ambiental que limpa as águas do rio Tietê também faz os seus “encantamentos” nas águas do rio Iguaçu. Conforme as águas se afastam das fontes de poluição na Região Metropolitana, processos naturais iniciam intensos processos de depuração, deixando as águas cada vez mais limpas.

As águas passam a receber quantidades cada vez maiores de oxigênio dissolvido, estimulando assim os processos digestivos de colônias de bactérias aeróbicas, que por sua vez são seguidas por bactérias anaeróbicas (que não dependem da presença de oxigênio).  

Plantas aquáticas surgem por todos os lados, ajudando a filtrar a água e retendo os resíduos mais grosseiros. A pouco mais de 100 km da Região Metropolitana de Curitiba, o Iguaçu volta a ser um rio de águas límpidas (o que não quer dizer águas cristalinas) e, assim como seu primo-irmão Tietê, permanecerá com essas características até suas águas desaguarem no grandioso rio Paraná

A situação desses dois grandes e importantíssimos rios deixa bem claro que os problemas estão mesmo é na má gestão que as populações fazem de suas águas. A natureza fez a sua parte muito bem… 

RIOS PIRACICABA E SOROCABA: DOIS EXEMPLOS DO MAL USO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Nas últimas postagens falamos do maltratado Tietê, o maior e mais importante rio do Estado de São Paulo, e de dois dos seus maiores tributários na Região Metropolitana: os rios Pinheiros e Tamanduateí. Esses rios vêm sofrendo com um intenso processo de poluição das águas e de destruição de margens e várzeas desde meados do século XIX, quando a cidade de São Paulo e seu entorno começaram a crescer de maneira vertiginosa. 

Além da intensa contaminação das águas, o que impede seu uso para o abastecimento, a má gestão desses recursos está na base de um dos maiores problemas da região – as fortes enchentes nos períodos das chuvas. Ao longo de várias décadas, sucessivos Governos locais canalizaram córregos, aterraram várzeas e estrangularam o leito dos corpos d’água da região. Sem espaço para se acomodar, as águas pluviais tomam conta das ruas e avenidas da grande área metropolitana, transtornando a vida de milhões de pessoas. 

Os problemas dos rios da Mata Atlântica no Estado de São Paulo vão muito além da região de entorno da capital – mais de 60% do território paulista fica dentro dos antigos domínios do bioma e existem inúmeros outros exemplos de má gestão deste importante recurso. Vamos exemplificar a situação falando dos rios Piracicaba e Sorocaba, importantes afluentes do rio Tietê. 

O rio Piracicaba, com toda a certeza, é o mais conhecido dos dois. Existem inúmeras “modas de viola”, como nós caipiras paulistas chamamos, que contam histórias e “causos” desse rio. Uma dessas modas é “Rio de Lágrimas”, composta em 1970, com letra de Lourival dos Santos e melodia de Tião Carreiro e Piraci. A letra diz que “o rio de Piracicaba vai botar água prá fora, quando chegar as águas dos olhos de alguém que chora”. Porém, ao contrário do que diz a letra da música, o rio Piracicaba sofre cada vez mais com as temporadas de seca e com os baixos níveis das suas águas. 

No último mês de junho, a vazão média do rio estava 70% abaixo da média histórica – apresentava uma vazão de 27 m³ por segundo, quando o valor típico para essa época seria de 91 m³ por segundo. De acordo com informações do Consórcio PCJ, que reúne os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, a região da bacia hidrográfica do rio Piracicaba enfrentou a maior seca dos últimos 130 anos, com chuvas 38% abaixo da média histórica. 

O Piracicaba é um importante rio do interior do Estado de São Paulo, formado a partir da junção dos rios Atibaia e Jaguari no município de Americana e considerado o mais volumoso afluente do rio Tietê, onde desagua nas proximidades de Barra Bonita, após um curso total de 115 quilômetros.

De origem tupi, Piracicaba significa “lugar onde os peixes param” ou ainda “degraus para os peixes”, numa referência aos degraus de basalto que cobrem uma parte do leito do rio e que dificultam a subida dos peixes na época da piracema. As águas do rio Piracicaba são responsáveis pelo abastecimento dos mais de 3 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Campinas e também de parte da Região Metropolitana de São Paulo

Por ser um grande afluente do rio Tietê, o Piracicaba foi uma importante rota de navegação fluvial na região a partir do século XVIII. Em meados do século XIX, quando a região se transformou num polo de cafeicultura e de produção de cana de açúcar (ainda hoje, a região produz as melhores cachaças do Estado de São Paulo), o rio passou a ser utilizado para a navegação em pequenos vapores. A cultura do café, fundamental para o desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo, teve início na região do Vale do Rio Paraíba do Sul, no Leste do Estado, a partir de meados do século XIX.  

Devido ao mal uso dos solos do Vale do Paraíba, que se esgotaram em menos de 25 anos, os cafeicultores rapidamente rumaram na direção do chamado Oeste Paulista, que nesta época era a região de Campinas, Piracicaba, Limeira, São Carlos e arredores. Os férteis solos de terra roxa e a disponibilidade de grandes cursos d’água foram fundamentais para o sucesso da cafeicultura e o desenvolvimento e povoação da região. A consolidação econômica da região se deu com a construção das primeiras ferrovias, que passaram a possibilitar o escoamento de grandes volumes de café pelo Porto de Santos. 

Com o crescimento das cidades da região, particularmente de Campinas, a maior cidade do interior do Estado de São Paulo, e também do forte crescimento industrial e agrícola, as águas do Piracicaba passaram a receber volumes crescentes de esgotos domésticos e industriais, além de grandes volumes de resíduos de fertilizantes e de pesticidas. A partir da década de 1980, o rio Piracicaba passou ser incluído, infelizmente, na lista dos mais contaminados do país.

A superexploração das águas, especialmente para a irrigação das grandes plantações de cana de açúcar, também levou a uma redução no volume das águas do rio, expondo grandes trechos do seu fundo rochoso, uma paisagem que, infelizmente, se tornou cada vez mais frequente. 

Essa redução constante na vazão do rio traz uma consequência ambiental grave – os níveis de poluição das águas chegam a níveis até três vezes acima do normal. Isso é bem fácil de explicar – como os lançamentos de poluentes de todos os tipos nas águas do rio Piracicaba se mantém constantes, a redução dos caudais resulta numa maior concentração de poluentes por volume de água. Além da forte poluição, o Piracicaba também apresenta grandes volumes de lixo e resíduos jogados em suas águas. 

O rio Sorocaba é o maior afluente da margem esquerda do rio Tietê, onde tem sua foz no município de Laranjal Paulista. O rio tem suas nascentes na Região Metropolitana de São Paulo dentro do território dos municípios de Ibiúna, Cotia, Vargem Grande Paulista e São Roque. A partir dessas cabeceiras, o rio Sorocaba segue por um curso de mais de 220 km até desaguar no rio Tietê. Uma das mais importantes cidades atravessadas pelo rio é a homônima Sorocaba, uma das mais importantes do interior paulista. 

A maior parte das florestas que cercavam o rio e seus inúmeros afluentes foram dizimadas ao longo dos tempos, o que teve como resultado uma grande diminuição dos seus caudais. Praticamente toda a bacia hidrográfica do rio Sorocaba está tomada por cidades, fazendas e indústrias. Toda essa falta de cuidado com o rio resultou em dois problemas graves: uma forte poluição das suas águas e uma grande incidência de enchentes ao longo do seu curso. 

A maior enchente de todos os tempos na região ocorreu em janeiro de 1929, quando grande parte da cidade de Sorocaba ficou, literalmente, embaixo d’água (vide foto). O implacável avanço dos cafezais por toda a bacia hidrográfica do rio Sorocaba destruiu a maior parte das matas nativas, alterando completamente a capacidade dos solos na retenção dos excedentes das águas das chuvas – o resultado foi a grande tragédia. Uma matéria de um jornal há época dizia: 

“Por tudo o que descrevemos, bem pode avaliar o público que a situação é bastante delicada. Urgem providências que deverão partir da prefeitura, ora em mãos do sr. João Machado de Araújo. Tais providências, que, temos para nós, serão dadas, convém sejam breves, visto que o momento não é para protelações. Não será demais fornecer a prefeitura gratuitamente gêneros alimentícios às famílias que, ao desamparo, se acham desprovidas de recursos, e bem assim leite às crianças, que sabemos serem em grande número.” 

As enchentes continuam sendo um grande problema para muitas das cidades cortadas pelo rio Sorocaba, mas o problema da poluição das águas já foi em grande parte controlado. Desde a década de 1980, as autoridades do Estado e dos municípios têm feito grandes esforços para controlar as fontes de poluição em indústrias e através de investimentos na coleta e no tratamento dos esgotos. A qualidade das águas do rio Sorocaba já é considerada mediana e tem tudo para melhorar muito mais. 

Esses dois rios paulistas são uma amostra da nossa falta de cuidado com um patrimônio natural tão importante que recebemos – a água, um bem cada vez mais escasso no Estado de São Paulo. 

A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS E AS ENCHENTES NO PLANALTO DE PIRATININGA

Ontem, dia 20 de outubro, foi um típico dia de fortes chuvas na Região Metropolitana de São Paulo. Na cidade de São Paulo foram registrados 18 pontos de alagamento (vide foto) e o transbordamento de três córregos: Mandaqui, Ipiranga e Saracura. As 16h30, a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego, registrou 216 km de lentidão nas ruas e avenidas de São Paulo. Outras cidades da Região Metropolitana passaram por problemas bem semelhantes. 

Enchentes em São Paulo e cidades do entorno são comuns nos meses de verão, quando tem início a temporada de chuvas. Aliás, basta uma chuva mais forte em qualquer época do ano para que muitos pontos críticos nas cidades da região fiquem debaixo d’água. Isso foi o resultado do crescimento explosivo da mancha urbana, da canalização excessiva de córregos e ribeirões, além do uso inadequado da complexa rede de rios, córregos e ribeirões existentes na região. 

De acordo com estudos recentes, o Planalto de Piratininga era uma grande mancha de vegetação de Cerrado cercada pela Mata Atlântica – Floresta Ombrófila Densa, de um lado, e Floresta Ombrófila Mista – mais conhecida como Mata das Araucárias, de outro. Consultando registros históricos, você encontrará informações que falam de um número de corpos d’água entre 200 e 3.000 córregos, ribeirões e rios somente no município de São Paulo

Desde os primeiros anos após a fundação de vilas como São Paulo de Piratininga e Santo André da Borda do Campo em meados do século XVI, os jesuítas se convenceram do grande potencial da região para a produção de alimentos. De acordo com o Padre Manual da Nóbrega, líder dos jesuítas, os campos locais eram ideais “para a criação do gado e todo gênero de cultivos“. Outro padre da congregação, Baltazar Fernandes, registrou: “tão bom o mantimento desta terra, que não alembra o pão do reino“. O registro a seguir nos foi deixado pelo padre José de Anchieta: 

“…é terra de grandes campos, fertilíssima de muitos pastos e gados, de bois, porcos, cavalos, etc., e abastada de muitos mantimentos. Nelas se dão uvas e fazem vinho, marmelos em grande quantidade e se fazem muitas marmeladas, romãs e outras árvores de fruto da terra de Portugal. Idem, se dão rosas, cravinas, lírios brancos”. 

Essa vocação agropastoril das terras paulistas ganharia uma nova dimensão a partir do fracasso dos canaviais da faixa costeira. Após sucessivos ataques e pilhagens de piratas, os donatários das Capitanias de São Vicente e de Santo Amaro acabaram por desistir da cultura. Os chamados paulistas se especializariam na produção de alimentos, que seriam “exportados” para outras Províncias, em especial a de Minas Geraes

A pergunta que surge ao ler sobre tudo isso: como uma terra tão rica em fontes de água e com solos tão férteis se converteu em grandes cidades cheias de córregos e rios poluídos, e ainda sujeita a enchentes catastróficas recorrentes? Respondendo de forma bem direta – crescimento desordenada e péssima gestão dos recursos hídricos.  

Até meados do século do século XIX, São Paulo era uma cidadezinha perdida no alto da Serra do Mar, com uma população de menos de 30 mil habitantes espalhados por diversas vilas dentro da área do município. O mesmo acontecia com as demais cidades que formam atualmente a Região Metropolitana.

Até aquele momento, não existiam grandes problemas ambientais relacionados aos recursos hídricos da região. Ao contrário – como grande parte da população se dedicava a atividades agropastoris, as águas eram fundamentais para a produção das pequenas propriedades. 

Outra característica interessante dessa época era o uso intenso da navegação fluvial para o transporte de mercadorias e pessoas. Às margens do rio Tamanduateí, no centro da cidade de São Paulo e onde encontramos a famosa Rua 25 de Março, existia um importante porto fluvial e o chamado Mercado Caipira. Aliás, o nome da atual Ladeira Porto Geral vem daí. Através desse porto, produtores de toda a região de entorno – agricultores, criadores de animais, pescadores, oleiros, madeireiros, entre outros, transportavam seus produtos para venda no antigo mercado. 

Com o início do ciclo de produção de grandes volumes de café no Estado de São Paulo e a transformação da pequena cidade de São Paulo em um importante centro de entroncamento de diversas estradas de ferro, a situação começou a mudar rapidamente. A cidade se transformou em um importante centro de negócios, entreposto logístico, centro comercial e de produção de uma infinidade de itens. A população começou a crescer rapidamente – na virada do século XX, a cidade já se aproximava dos 240 mil habitantes. 

Esse súbito aumento da população levou a uma forte demanda por terrenos para a construção de casas, estabelecimentos comerciais, galpões industriais, entre outros. Rapidamente, Governantes e empresários do ramo imobiliário perceberam o grande valor das grandes áreas de várzea da cidade. Várzeas são terrenos baixos ao largo das margens de rios que funcionam como uma “área de escape” para os volumes excendentes de águas no período das chuvas. Ou seja – eram as áreas de várzea as responsáveis pelo controle das enchentes

Com aval das Autoridades municípais, muitas dessas áreas passaram a ser aterradas e transformadas em “solo urbano” passível de comercialização e construções. Importantes córregos e ribeirões passaram a ter o seu leito cada vez mais “espremido” em meio as construções que foram surgindo.

Num segundo momento, muitos desses córregos e ribeirões passaram a ser canalizados, criando assim novas áreas que poderiam ser usadas para construções. É por isso que existem muitas dúvidas atualmente sobre a quantidade de corpos d’água que existiam dentro do município de São Paulo no passado – grande parte foi coberta pelo crescimento da cidade sem deixar vestígios. 

Para que todos tenham uma ideia do tamanho do problema – somente entre os anos de 1938 e 1945, período da administração do Prefeito Francisco Prestes Maia, cerca de 4 mil km lineares de córregos, riachos e rios foram canalizados e transformados em ruas e avenidas na cidade de São Paulo

Todo esse avanço sobre as áreas de várzeas e a maciça canalização de córregos e ribeirões está na origem de um dos grandes problemas urbanos de São Paulo e de praticamente todas as demais cidades da Região Metropolitana – as enchentes recorrentes que, ano após ano, atormentam a vida de toda a população.

Aquele espaço extra que as várzeas proporcionavam para acomodar as águas excedentes da chuva simplesmente deixou de existir – como as águas precisam ir para algum lugar, elas tomam as ruas e as avenidas das cidades. 

Outro problema que foi criado pelo crescimento populacional foi o aumento da quantidade de esgotos e de resíduos gerados pela população. Um cidadão paulistano médio gera cerca de 150 litros de esgotos a cada dia. Essa conta inclui os efluentes do vaso sanitário, banhos, lavagem de roupas e de louças, limpeza da casa, etc. Desde aqueles tempos antigos da história das cidades, os corpos d’água eram transformados nos grandes receptores desses esgotos – essa é a origem da poluição das águas. 

Também precisamos incluir nessa conta uma grande quantidade de resíduos de todos os tipos – onde se incluem desde o lixo doméstico até móveis, pneus e eletrodomésticos, que a população acaba descartando no leito de córregos, ribeirões e rios das cidades da Região Metropolitana. É só chover um pouco mais forte para que esse “grande conjunto da obra” se transforme em grandes enchentes. 

Além dos problemas já citados, essa má gestão dos importantes recursos hídricos que existiam na região do Planalto de Piratininga resultou em uma outra grande dificuldade – cerca de 70% da água consumida pela população metropolitana precisa ser importada de outras regiões

Como diziam os antigos: “durma-se com um barulho desses”! 

PINHEIROS E TAMANDUATEÍ, OS PRINCIPAIS TRIBUTÁRIOS DO RIO TIETÊ NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

O Tietê é, de longe, o rio mais poluído do Brasil. Das suas nascentes no alto da Serra do Mar em Salesópolis até sua entrada na Região Metropolitana de São Paulo, o rio Tietê é um rio bastante saudável – suas águas não são exatamente cristalinas, mas, com um tratamento básico numa ETA – Estação de Tratamento de Água, podem ser servidas com total segurança à população. 

Os problemas do rio Tietê começam dentro da grande Região Metropolitana, onde vivem perto de 20 milhões de pessoas em 39 municípios, a maioria deles inseridos dentro da sua bacia hidrográfica. Como principal canal de drenagem da Região, o rio Tietê recebe grandes quantidades de esgotos domésticos in natura, efluentes industriais de todos os tipos, águas pluviais, sedimentos e areia em grandes volumes, além de lixo, muito lixo. 

Como consequência direta de todo esse descaso, uma grande mancha de poluição é formada nas águas do rio e será perceptível até pouco mais de 150 km correnteza abaixo. Até anos recentes, quando os volumes de esgotos coletados e tratados eram bem menores do que nos dias atuais, essa mancha de poluição chegava a uma distância de 300 km da Região Metropolitana de São Paulo. 

O rio Tietê, porém, não está sozinho nesta triste sina Metropolitana – existem centenas de córregos e pequenos ribeirões espalhados por todos os cantos da mancha urbana, que capilarizam todo esse descarte de esgotos, resíduos e lixo na direção da calha principal do rio. Aqui é preciso destacar o papel dos dois principais rios tributários do Tietê na Região Metropolitana: os rios Tamanduateí e Pinheiros. 

Historicamente, o rio Tamanduateí ocupou um papel de destaque no desenvolvimento da pequena Vila de São Paulo de Piratininga, hoje transformada na maior cidade do Hemisfério Sul. O local escolhido pelos padres jesuítas para a fundação de um colégio destinado aos trabalhos de catequese dos indígenas era uma pequena elevação na confluência dos rios Tamanduateí e Anhangabaú.

A escolha dessa localidade fazia parte da tradição portuguesa – um dos rios seria usado para a coleta de água para o abastecimento da população, no caso o rio Tamanduateí, e o outro, o rio Anhangabaú, seria usado para o descarte do lixo. 

Algumas fontes dizem que a palavra significa Tamanduateí significa “rio dos tamanduás verdadeiros”. Outras afirmam que a palavra significa “rio das muitas voltas”, o que seria um nome bastante adequado ao rio sinuoso de outrora, com nascentes na Serra do Mar no município de Mauá, que depois atravessa os municípios de Santo André e São Caetano do Sul, todos na região do ABCD Paulista.

Por fim, o rio Tamanduateí corta o município de São Paulo no sentido Leste-Oeste até desaguar no rio Tietê, nas proximidades do Centro de Exposições do Anhembi (lembrando que este é o antigo nome do rio Tietê). Com uma extensão total de 35 km, é rio pequeno, porém foi de extrema importância para toda a região. 

Até meados do século XIX, o rio Tamanduateí era a principal fonte de abastecimento de água da cidade de São Paulo. O grande crescimento da mancha urbana, que levou à destruição de matas ciliares e ao aterro de inúmeras áreas de várzea àquela altura, e também a poluição devido ao lançamento de esgotos, passaram a se refletir numa acentuada degradação da qualidade das suas águas. A partir da década de 1860, começaram a ser feitas obras para a coleta e o transporte de água a partir de fontes na Serra da Cantareira e o rio Tamanduateí acabou sendo relegado ao triste papel de “vala de esgotos”. 

Entre meados e o fim do século XIX, diversas obras de retificação foram realizadas no rio Tamanduateí, transformando o antigo curso sinuoso em um canal retilíneo – as antigas áreas de várzea, que permitiam o transbordando natural das águas excedentes dos períodos das chuvas, acabaram aterradas e transformadas gradativamente em terrenos para a especulação imobiliária.

O trecho final do rio acabou espremido por altas paredes de concreto e pedras. A partir do ano de 1880, começou um intenso debate público na cidade de São Paulo, onde se buscava um “plano de embelezamento” da região da Várzea do Carmo – as discussões se estenderiam por exatos 30 anos. 

Em 1910 foi decidido transformar a Várzea do Carmo em um grande parque, projeto que contaria com o apoio da iniciativa privada (que receberia parte dos terrenos recuperados das áreas alagáveis em troca dos serviços). O projeto só foi aprovado pelos órgãos públicos em 1914 e o Parque foi entregue à população em 1922, ano do Centenário da Independência.

A partir do ano de 1938, com o engenheiro Francisco Prestes Maia assumindo a prefeitura da cidade de São Paulo, tem início a implantação do seu famoso Plano de Avenidas, onde os desvalorizados terrenos das várzeas e das margens dos córregos e rios seriam transformados em grandes avenidas de fundo de vale.  

As margens do rio Tamanduateí foram transformadas, gradativamente, na longa e movimentada Avenida do Estado, ligando o centro de São Paulo à região do ABC. O antigo leito sinuoso do rio, repleto de várzeas e de matas, é atualmente uma triste vala cercado por paredes e pistas de rodagem. Na temporada de chuvas, as regiões lindeiras do rio enfrentam gigantescas enchentes – sem as margens e sem as várzeas, não há lugar para onde a água excedente possa fluir rapidamente. 

O rio Pinheiros, na Zona Sul do município de são Paulo, não teve uma história muito diferente. Afastado do centro da cidade, o rio Pinheiros foi até o início do século XX o centro de uma grande área rural. Suas águas passaram a ganhar importância para a cidade de São Paulo a partir de 1908, quando foi construída a Represa de Santo Amaro, nome que depois foi mudado para Guarapiranga.  

Essa represa foi concebida originalmente para regularizar a vazão dos rios Pinheiros e Tietê. As águas desses rios eram responsáveis pelo acionamento das turbinas da Usina Hidrelétrica de Santana de Parnaíba, primeira geradora de eletricidade da região metropolitana de São Paulo e uma das principais impulsionadoras do processo de industrialização. A partir de 1928, a represa foi “promovida” a manancial de abastecimento de água da cidade de São Paulo. 

Um outro momento importante na história do rio Pinheiros teria início em 1925, quando um Decreto da Presidência da República autorizou a construção do Complexo Energético da Represa Billings e da Usina Hidrelétrica Henry Borden em Cubatão. Esse projeto previa a transposição de águas da bacia hidrográfica do rio Tietê em direção à Represa Billings, na região do ABC Paulista – o canal do rio Pinheiros passaria então por diversas obras de retificação e alargamento.

Esse sistema também contaria com duas estações de bombeamento de água, também conhecidas como usinas de traição, sendo uma na Vila Olímpia e outra na região da Pedreira. A foto que ilustra essa postagem, retirada do livro Alto dos Pinheiros – história e histórias, mostra um trecho do rio Pinheiros em 1929, antes da realização dessas obras.

A empresa responsável pela construção do complexo Billings / Henry Borden, a São Paulo Tramway, Light and Power Company, também detinha os direitos de distribuição de energia elétrica e também concessão para implantação de linhas de bonde na cidade de São Paulo. A empresa também era dona de uma empresa de urbanização – a Companhia City. 

Valendo-se de todo o seu potencial, a empresa criou linhas de bonde ligando as regiões de Moema, Brooklin Paulista e Santo Amaro ao centro de São Paulo. O elegante bairro do Alto de Pinheiros, na Zona Oeste da cidade, foi um empreendimento criado pela Companhia City.  

A lógica empresarial da Light e da City era bastante simples – compravam terrenos em áreas afastadas, criavam toda a infraestrutura urbana nos loteamentos e, por fim, instalavam uma linha de bondes, o que valorizava imensamente os terrenos. As terras onde fica o Alto de Pinheiros, citando como exemplo, eram terras alagáveis da várzea do rio Pinheiros, que foram drenadas e aterradas – atualmente constituem alguns dos endereços mais caros da Zona Oeste de São Paulo.

Essas ações, entre muitas outras, levaram a uma expansão da mancha urbana da cidade de São Paulo em direção às Zonas Sul e Oeste, resultando numa ocupação cada vez maior das áreas de margens do rio Pinheiros. Toda essa expansão urbana, infelizmente, não foi seguida de obras de saneamento básico para a coleta e tratamento dos esgotos da crescente população – o rio Pinheiros passaria a ser a “grande vala” de esgotos da região. 

Assim como já havia acontecido nas áreas de margens e várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí, as margens do rio Pinheiros também acabariam transformadas em grandes avenidas – as famosas Marginais do rio Pinheiros. Isolado e relegado à própria sorte, o Pinheiros acabou se transformando em um rio de águas mortas e malcheirosas, como tantos outros corpos d’água da Região Metropolitana. 

Triste maneira de se tratar importantes e límpidos rios de outrora. 

ANHEMBI, O “RIO DAS ANHUMAS”, MAIS CONHECIDO ENTRE NÓS COMO RIO TIETÊ

Até o começo do século XVIII, os paulistas chamavam o rio Tietê de Anhembi, nome dado pelos indígenas do Planalto de Piratininga e que derivava da antiga palavra tupi-guarani “anhumby”, que significa “rio das anhumas”. Outrora abundantes em meio à vegetação das margens alagadiças do rio, a anhuma é uma ave anseriforme da família Anhimidae. Também é conhecida como anhuma, anhima, inhaúma e inhuma, palavras que derivam do tupi ña’un – “ave preta”. 

Infelizmente, faz muito tempo que não existem mais anhumas ou a maior parte da antiga fauna que habitava as margens do rio Tietê. O crescimento desenfreado da cidade, a retificação do curso do rio (vide foto) e a destruição das antigas várzeas alagáveis, além, sobretudo, da intensa poluição que tomou conta das águas do rio nas últimas décadas, tornou quase impossível a existência de vida nas suas águas. O Tietê é considerado o rio mais poluído do Brasil. 

Com nascentes na densa vegetação da Mata Atlântica no alto da Serra do Mar, em Salesópolis, o Rio Tietê poderia ser apenas mais um riachão sem maior importância caso corresse na direção do Oceano Atlântico, localizado a pouco mais de 20 km serra abaixo. O relevo acidentado e a altitude de 1.120 metros da Serra do Mar, porém, forçaram as águas do rio na direção contrária, atravessando todo o Estado de São Paulo rumo aos sertões, percorrendo uma extensão total de 1.136 km até encontrar sua foz no rio Paraná.  

Transformado num rio morto e poluído ao atravessar a Região Metropolitana de São Paulo, o Tietê consegue, naturalmente, depurar suas águas pouco a pouco e, na altura da cidade de Barra Bonita, distante 300 km da capital, ele volta a ser um rio vivo e irreconhecível para muita gente – um verdadeiro “milagre” da natureza. 

As águas do rio Tietê são usadas no abastecimento de dezenas de cidades no interior do Estado de São Paulo, na geração de energia elétrica, na irrigação de lavouras e captadas por inúmeras instalações industriais. Milhares de pescadores profissionais retiram seu sustento das águas do rio e outros tantos amadores se divertem em pescarias nos finais de semana. As águas limpas do rio, acredite se quiser, proporcionam lazer e diversão para muita gente, gerando grandes receitas para empresas dos ramos de turismo e hotelaria.  

Estudos arqueológicos indicam a presença humana nas margens do rio Tietê há, pelo menos, 6.000 anos, período em que diferentes grupos indígenas se sucederam na ocupação das várzeas e margens, onde encontravam terra fértil para a produção de suas culturas de subsistência, caça farta e muito peixe. O primeiro europeu a desembarcar em terras paulistas no início do século XVI, um náufrago português chamado João Ramalho, teve a sorte de ser acolhido pelos indígenas e a astúcia de entender rapidamente um antigo costume dos nativos – o cunhadismo.  

Sempre que um homem se casava, a família da noiva passava a considerá-lo com um membro da família, ou seja, todos os irmãos da noiva, os cunhados, passavam a ser seus irmãos. Cronistas da época registraram que João Ramalho, valendo-se deste artifício, se casou com várias índias de tribos diferentes e contava com uma “família” com 5 mil índios. Essa rede familiar de João Ramalho foi fundamental para a fundação e o sucesso futuro da Vila de São Paulo de Piratininga em 1554 e também no processo de catequese dos indígenas pelos padres jesuítas. 

A partir da fundação da Vila de São Paulo de Piratininga, o rio Tietê assumiu o papel de principal via de transporte da região do Planalto Paulista. O transporte entre as diversas vilas da região era facilitado pelo conjunto dos rios Tietê (chamado Anhembi na época), Tamanduateí e Pinheiros, que facilitavam as ligações entre as vilas de São Paulo de Piratininga, Santo André, São Miguel Paulista, Pinheiros, Santo Amaro, Carapicuíba, Santana de Parnaíba, entre outras.  

O rio Tietê também foi ponto de partida de inúmeras expedições de sertanistas da terra, que iniciaram um incansável trabalho de prospecção de riquezas minerais sertões adentro. Navegando nas famosas canoas monçoeiras, as expedições partiam do porto de Araritaguaba, Freguesia de Itu, hoje Porto Feliz, em São Paulo. O trecho do rio entre a cidade de São Paulo e Itu possui diversas cachoeiras, e permite uma navegação difícil apenas em canoas pequenas.  

O ilustrador e pioneiro da fotografia no Brasil, Hércules Florence (1804-1879), que nos legou os registros da Expedição Langsdorff (1825-1829), descreve alguns detalhes da construção destas canoas, arte ainda existente nas primeiras décadas do século XIX: 

“Os mestres do estaleiro fluvial de Porto Feliz e seus operários haviam preparado dois canoões com cinco pés de largo (1,65 m), cinquenta de comprimento (16,5m) e três e meio de profundidade (1,155 m), feitos de um só tronco de árvore de carvalho e trabalhado por fora, de fundo chato e pouca curvatura. Embarcações pesadas, muito fortes, ainda assim era comum não resistirem aos choques com as pedras impelidas com a rapidez das águas. “ 

O primeiro roteiro das monções paulistas seguia o trajeto pelos rios Tietê, Grande (Paraná), Anhanduí, e Pardo; atravessavam por terra os chamados Campos das Vacarias, e depois seguiam pelos rios Emboteteu (Miranda), Paraguai e Cuiabá. Foi seguindo este roteiro que os paulistas avançaram muito além da linha do Tratado de Tordesilhas, marco divisório estabelecido entre os territórios de Portugal e Espanha em 1494, e atingiram as terras distantes de Goiás, Mato Grosso e Amazônia Ocidental, ampliando os limites do atual território brasileiro. Sem o “caminho líquido” oferecido pelo rio Tietê, talvez o Brasil fosse muito menor do que é hoje. 

Além de importante via de transporte, as águas do rio Tietê eram fundamentais para as atividades agropecuárias dos antigos sitiantes do Planalto de Piratininga, para a dispersão de esgotos e de detritos. O rio também se destacava em outros usos: fornecimento de areia e argila para a construção civil. As antigas construções da pequena cidade eram feitas em taipa de pilão e em pau a pique. 

O rio Tietê também era um ponto de encontro para as lavadeiras de roupas, para os trabalhadores dos curtumes e tecelagens, pescadores, ceramistas ou oleiros, caçadores, entre muitas outras profissões que não existem mais. As crianças daqueles tempos antigos também tinham sua principal área de lazer no rio, onde podiam pescar e nadar. 

Já como fonte de abastecimento de água, o rio Tietê nunca teve uma importância maior. A Vila de São Paulo de Piratininga foi fundada num ponto elevado bem próximo do rio Tamanduateí, que até meados do século XIX foi o principal manancial de abastecimento da cidade. Talvez por causa disso, ele nunca tenha recebido o cuidado que merecia e acabou sendo transformado na grande valeta de esgotos de São Paulo e cidades vizinhas. 

Outro ponto que contribuiu, e muito, para a degradação das águas do rio Tietê dentro da Região Metropolitana de São Paulo foi a implantação das Vias Marginais, grandes avenidas construídas ao longo das margens do rio a partir da década de 1950. Essas avenidas afastaram as populações do contato diário com as águas do rio – a poluição das águas e o lançamento de esgotos, lixo e entulhos só fizeram aumentar depois disso. 

Nas últimas décadas, os diversos níveis de Governo têm feito grandes esforços para melhorar a qualidade ambiental do rio Tietê – o nível de coleta e tratamento dos esgotos gerados pela população vêm sendo gradativamente elevados, o que resulta em águas “menos poluídas”. A antiga mancha de poluição, que se estendia por cerca de 300 km nas águas do rio, está reduzida a perto de 150 km – melhorou muito, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. 

A esperança de todos é que o rio volte a ser novamente “tietê”, palavra indígena que significa “água verdadeira”.