ÍNDIA ENFRENTA UMA ONDA DE CALOR EXTREMO, OU FALANDO DO INCÊNDIO EM UM ATERRO SANITÁRIO EM NOVA DÉLHI 

Na série televisiva indiana Jogos Sagrados (Sacred Games), de 2018, uma disputa entre facções criminosas resulta num grande incêndio no aterro sanitário de Mumbai. Um dos grupos controlava esse aterro e faturava milhões de rupias, a moeda local, cobrando uma participação nos ganhos das milhares de pessoas que garimpavam resíduos recicláveis no local.  

Um grupo rival comandado por Ganesh Gaitonde, nome inspirado em um personagem real do submundo local, ateou fogo no aterro buscando reduzir o poder econômico do outro grupo. Segundo a narrativa da produção, o fabuloso incêndio iluminou as paisagens noturnas da cidade de Mumbai por quase uma semana. 

Parte da narrativa da ficção se tornou realidade nos últimos dias: um grande incêndio está devastando um dos aterros sanitários de Nova Délhi, a capital do país. Porém, ao que tudo indica, as chamas foram provocadas por uma forte onda de calor que se abateu sobre o Norte da Índia. Segundo informações dos meteorologistas, as temperaturas locais poderão atingir a marca de 46° C nesta quinta-feira, dia 28 de abril

A maior parte do território da Índia tem um clima Tropical de Monção, que é muito parecido com o da nossa Região Amazônica. São meses com tempo extremamente seco e quente, seguido por uma forte temperada de chuvas. Temperaturas acima dos 40° C não são nenhuma novidade no país. 

O que chama a atenção na notícia é que Nova Délhi fica na faixa Norte do país onde predomina um clima subtropical com estações bem definidas. Os invernos são rigorosos, inclusive com eventuais quedas de neve e muitas ondas de frio vindas da Cordilheira do Himalaia, e os verões são bem quentes, com fortes ondas de calor vindas das regiões desérticas e semiáridas do Rajastão. Nesse momento, a região vive a primavera e uma onda de calor tão intensa é absolutamente anormal. 

Nova Délhi é a segunda maior cidade da Índia, com uma população de cerca de 11 milhões de habitantes, praticamente a mesma da cidade de São Paulo. Porém, quando consideramos a região metropolitana expandida, essa população supera a casa dos 24 milhões de habitantes. E como toda grande metrópole, Nova Délhi é um caldeirão de problemas.  

Comecemos falando da poluição do ar – a cidade tem uma das piores atmosferas do mundo. Aliás, 14 das 15 cidades mais poluídas do mundo estão na Índia. A maior parte dessa poluição vem dos escapamentos da gigantesca frota de veículos da cidade, que vai das dezenas de milhares de riquixás, pequenos veículos de três rodas que funcionam como taxis, até grandes ônibus e caminhões com motores a diesel antigos e altamente poluentes. 

Outra grande fonte de poluição são as usinas termelétricas a carvão responsáveis por parte importante do abastecimento de energia da população. Nos meses de inverno, a cidade costuma ficar escondida sob uma nuvem tóxica de fumaça. De acordo com estudos realizados pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, um indiano médio que vive na região metropolitana de Nova Délhi, e também de outras grandes cidades do país, terá uma expectativa de vida 10,2 anos menor do que uma pessoa que vive em ambientes com uma atmosfera mais saudável. 

Na temporada da Monção, época de fortes chuvas que caem no Sul e Sudeste da Ásia no verão, os problemas são as enchentes e os alagamentos, nada muito diferente que os brasileiros que vivem em grandes e médias cidades conhecem. Nos últimos anos, devido as mudanças climáticas globais, essas chuvas ficaram mais irregulares, com volumes muito acima da média em alguns anos, e de chuvas mais fracas em outros. 

De acordo com estimativas de 2018, a região metropolitana de Nova Délhi produz cerca de 12 mil toneladas de resíduos a cada dia. Para efeito de comparação, a região metropolitana de São Paulo produz cerca de 27 mil toneladas a cada dia. Enquanto os resíduos dos paulistas apresentam uma grande quantidade de embalagens de produtos industrializados e restos de comida, os dos indianos é formado basicamente por resíduos de produtos e objetos absolutamente inservíveis, o que nos dá uma ideia da pobreza extrema no país. 

Apesar de gerar menos da metade dos resíduos que a maior região metropolitana brasileira produz, os serviços de coleta de resíduos de Nova Délhi são bem mais precários – simplesmente se recolhem os materiais descartados nas residências e os que são coletados nas ruas e os jogam em um grande lixão a céu aberto. Os moradores locais costumam chamar esses locais de “Montanhas da Morte”. Um dos maiores “lixões” da região é o de Ghazipur, onde as montanhas de resíduos superam a marca dos 65 metros. 

Uma cena comum nesses locais, e que nós brasileiros conhecemos muito bem, são as centenas de catadores de resíduos que se amontoam ao redor das pilhas de materiais despejadas pelos caminhões de transporte. São homens, mulheres e muitas crianças – famílias inteiras trabalham e, literalmente, moram nesses locais. Muitas chegam a trabalhar 15 horas por dia simplesmente para ganhar o suficiente para comprar alimentos. 

Cercados de materiais inflamáveis e se valendo do uso de pequenas fogueiras para preparar seus alimentos, não são incomuns os incêndios provocados por esses catadores. O problema é que, com uma temperatura ambiente tão alta, esses materiais estão muito secos, o que facilita a propagação das chamas. 

Dezenas de bombeiros estão lutando há três dias na tentativa de conter as chamas, porém sofrem com a dificuldade de acesso e falta de água. Segundo as informações das autoridades locais, esse é o terceiro incêndio em um depósito de resíduos apenas nesse último mês na região, o que mostra a gravidade do problema. 

Os problemas ambientais criados por esse descarte inadequado de resíduos sólidos são enormes. Eles incluem a proliferação de vetores como insetos e ratos, poluição de corpos de água, mal cheiro e liberação de gases tóxicos, entre muitos outros problemas. Com os incêndios, as populações que moram nas áreas circunvizinhas ficam expostas a grandes volumes de fumaça altamente tóxica. 

Há também um problema sócio econômico importante – milhares de pessoas extremamente pobres (e sempre que se fala em Índia trata-se de pobreza absolutamente extrema) perderam a sua única fonte de renda e de acesso a alimentação. Esses pobres pertencem majoritariamente a casta dos Dalits ou dos intocáveis e moram nas ruas da cidade. 

Apesar da Constituição da Índia proibir a divisão da população por castas, rígidos grupos hierárquicos baseados em seu karma (trabalho) e dharma (a palavra hindu para religião), essa prática ainda ocorre no país. Os Dalits formam a casta mais baixa entre os indianos e representam cerca de 15% da população do país. E sempre que uma tragédia como essa ocorre, são essas pessoas as que mais sofrem. 

Normalmente, problemas ambientais e sociais caminham lado a lado. E esse caso em Nova Délhi é um exemplo vivo disso. 

FALANDO EM CETÁCEOS AMEAÇADOS, COMO ESTÃO AS TONINHAS DO LITORAL BRASILEIRO? 

Na nossa última postagem falamos da dramática situação das vaquitas (Phocoena sinus), um pequeno cetáceo que habita as águas do Norte do Golfo da Califórnia, no México. Segundo relatos recentes dos pesquisadores, a população atual desses animais é inferior a 20 espécimes – há quem afirme que restam apenas 6 vaquitas vivendo no habitat

Considerado o cetáceo mais ameaçado do mundo, esses animais ganharam um fio de esperança no último mês de fevereiro – o Governo dos Estados Unidos, se valendo de cláusulas de proteção ambiental integrantes do T-MEC, um acordo comercial assinado entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, passou a cobrar uma atitude mais proativa dos mexicanos em relação ao estado crítico das populações de vaquitas. Ainda há um fio de esperança para se tentar salvar a espécie. 

Aproveitando o gancho, vamos falar um pouco das toninhas (Pontoporia blainvillei), uma prima distante das vaquitas que habita um trecho da costa do Brasil. As toninhas são cetáceos com parentesco próximo com os golfinhos e os botos. A espécie também é conhecida como franciscana, boto-amarelo, boto-cachimbo, boto-garrafa, manico e golfinho-do-rio-da-Prata. O animal pode atingir um comprimento máximo de 1,8 metro e um peso entre 36 e 50 kg. 

As toninhas tem um “bico” longo e fino, nadadeiras peitorais curtas e largas, além de uma nadadeira dorsal pequena e triangular. Diferente dos golfinhos e dos botos, que adoram dar saltos e fazer piruetas acrobáticas, as toninhas são tímidas e discretas, subindo à superfície apenas para respirar. Esses animais tem seu habitat numa faixa costeira que vai do Espírito Santo até o rio da Prata, na divisa entre o Uruguai e a Argentina.  

Diferente dos seus primos, cetáceos que habitam as águas do mar aberto, as toninhas preferem as águas costeiras com profundidades entre 30 e 50 metros, uma característica que transformou a espécie numa vítima fácil das redes de pesca. De acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente, perto de 1.500 toninhas morrem todos os anos presas em redes de pesca no Brasil. Como a espécie tem uma taxa de reprodução muito baixa – as fêmeas têm apenas um filhote a cada um ou dois anos, a espécie está classificada como “criticamente em perigo”. É a espécie de cetáceo mais ameaçada do Brasil e, possivelmente, da América do Sul.  

As toninhas costumam viver em grupos familiares entre 2 e 5 indivíduos e, em muitos casos, vivem solitárias. Sua alimentação é constituída por peixes, crustáceos e, principalmente, camarões, o seu “prato predileto”. Há cerca de dois anos, publicamos uma postagem falando das ameaças vividas por uma população de toninhas que vive nas proximidades da foz do rio Doce. 

Além da brutal redução dos estoques de alimentos criada pela acumulação de sedimentos carreados pelas águas do rio depois do fatídico acidente com a barragem de rejeitos de Mariana em 2015, as espécies sobreviventes apresentam altos níveis de contaminação por metais pesados. Ao se alimentarem dessas espécies menores encontradas nessa região, as toninhas passam a sofrer com a bioacumulação de metais pesados.  

Estudos realizados em corpos de toninhas encontradas mortas em redes de pesca ou em praias têm constatado a presença de elevados níveis de substâncias organocloradas, que têm origem em resíduos de pesticidas e fertilizantes carreados pelas chuvas para as calhas dos rios, além de grandes níveis de metais pesados como mercúrio, zinco, cádmio e cobre. 

Isso demonstra como a espécie já é naturalmente sensível a esses poluentes. No caso do rio Doce, onde estudos já demonstraram que os níveis atuais de metais pesados nas águas estão, em alguns casos, até 200 vezes superiores aos níveis observados antes do rompimento da Barragem de Fundão, a situação das toninhas é preocupante.  

Além da redução dos estoques e da contaminação das suas fontes de alimentos, as toninhas também estão sofrendo com a poluição das águas por resíduos sólidos, principalmente plásticos. As análises do conteúdo estomacal de toninhas mortas têm encontrado volumes cada vez maiores de detritos de todos os tipos. 

Com a turbidez das águas devido à presença de grandes quantidades de sedimentos em suspensão, as toninhas podem estar confundindo facilmente pedaços de plásticos com peixes e crustáceos, um problema que tem afetado outras espécies da região da foz do rio Doce, em especial as ameaçadas tartarugas-de-couro.  

Como é bem fácil de observar, os problemas criados pelo grande vazamento de rejeitos de mineração e de lama extrapolam os limites geográficos da bacia hidrográfica do rio Doce e invadem os domínios do Oceano Atlântico. O risco de desaparecimento da população de toninhas da região da foz do rio poderá aumentar ainda mais a quantidade de problemas já enfrentados pelos pescadores da região, que já ressentem de uma grande redução dos estoques pesqueiros.   

Infelizmente, os problemas da espécie não ficam restritos a esse trecho do Norte do Espírito Santo – em toda a área de ocorrência da espécie ao longo do litoral das regiões Sudeste e Sul, as toninhas vem sendo vítimas das redes dos pescadores. O habitat da espécie se mistura com as principais áreas de pesca dessas regiões e os acidentes são comuns.  

Lembramos aqui que, apesar desses animais possuírem um corpo com formas hidrodinâmicas de um peixe, eles são mamíferos e respiram o oxigênio da atmosfera como nós humanos e outros animais terrestres. As toninhas precisam subir periodicamente até a superfície para respirar – se ficam presas nas redes de pesca, elas morrem afogadas, um problema que também afeta as tartarugas marinhas. 

No início de outubro do ano passado, um conjunto de instituições de pesquisa – onde se incluiu a UFPR – Universidade Federal do Paraná, e o IFPR – Instituto Federal do Paraná, organizaram o evento Toninhathon. O principal objetivo foi atrair estudantes, pesquisadores, pescadores, gestores públicos e a sociedade em geral para uma luta conjunta pela preservação dessa e de outras espécies marinhas. 

Com mais de 350 participantes, o encontro buscou compartilhar conhecimentos e buscar soluções conjuntas para a preservação das toninhas. Entre as discussões se destacaram a busca de mecanismo que permitam a redução da captura acidental, o desenvolvimento econômico sustentável, além da comunicação e governança participativa. 

A triste saga das vaquitas mexicanas mostra que as sociedades não podem ficar de braços cruzados vendo uma espécie animal caminhar para a extinção devido a ações humanas. Cada espécie viva é o resultado de processos evolutivos que se desenrolaram por milhões de anos – o desaparecimento de qualquer espécie é uma perda irreparável para toda a vida no planeta. 

Então – salvem as toninhas! 

VAQUITA, A ESPÉCIE DE CETÁCEO MAIS AMEAÇADA DO MUNDO 

A vaquita (Phocoena sinus) é um pequeno cetáceo aparentado com as toninhas-comuns que habita exclusivamente o Norte do Golfo da Califórnia. Com um tamanho médio de 1,4 metro para as fêmeas e 1,35 metro para os machos, as vaquitas são facilmente reconhecíveis pelos anéis escuros ao redor dos olhos, pelas manchas nos lábios e por uma linha entre as barbatanas dorsais e a boca. 

Os animais vivem em águas rasas e turvas com profundidades inferiores a 150 metros. Sua dieta inclui principalmente peixes bentônicos (que vivem junto ao leito marinho), além de crustáceos e lulas. Os biólogos estimam que a expectativa de vida das vaquitas é de 20 anos, com a maturidade sexual atingida entre os 3 e 6 anos. 

Esses animais habitam exclusivamente, desde tempos imemoriais, a região do delta do rio Colorado. Devido aos seríssimos problemas ambientais desse rio, praticamente não há mais água doce na região do delta e a vaquita está em risco de extinção eminente – biólogos calculam que restam menos de vinte animais da espécie, números que colocam a espécie na triste situação de cetáceo mais ameaçada do mundo

A bacia hidrográfica do rio Colorado, conforme já tratamos em outras postagens aqui no blog, é a mais aproveitada do mundo. Suas águas são responsáveis pelo abastecimento de 40 milhões de pessoas em sete Estados americanos e quase 90% do total das suas águas é desviado para fins de irrigação em 2 milhões de hectares. Essa super exploração das águas praticamente secou a região do delta no Golfo da Califórnia, destruindo o habitat das vaquitas. 

A maior ameaça a esses animais, entretanto, são as atividades humanas. A mais grave e, de longe, a que causa a maior morte de vaquitas são redes dos pescadores ilegais de totoaba (Totoiaba macdonaldi), um peixe marinho de grande valor comercial e também ameaçado de extinção. Os problemas também incluem a acidificação das águas do mar, acidentes e choques com embarcações, além das mudanças climáticas. 

O Governo Mexicano vem sendo pressionado, já há muitos anos, a tomar medidas para a conservação da espécie por grupos ambientalistas. Esses esforços, entretanto, parecem nunca ter logrado maiores êxitos e a população desses animais vem declinando continuamente. 

Recentemente, o nível de cobranças por medidas para se evitar a eminente extinção das vaquitas mudou de patamar – o Governo dos Estados Unidos invocou o tratado comercial T-MEC para forçar o México a “se mexer” e buscar uma solução para mais essa tragédia ambiental. 

Assinado em 2018, entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, esse acordo comercial substituiu o NAFTA – Tratado de Livre-Comércio da América do Norte, na sigla em inglês. O novo acordo passou a vigorar em 1 de julho de 2020. Além de estabelecer regras comerciais para a circulação de mercadorias entre esses países, alíquotas de impostos, regras para a contratação de serviços e mão de obra, o acordo inclui importantes cláusulas ambientais

O USTR – Escritório do Representante do Comércio dos Estados Unidos, na sigla em inglês, encaminhou um ofício para a Secretaria do Comércio do México solicitando o cumprimento dos compromissos ambientais previstos no T-MEC em relação a proteção das vaquitas. O órgão também cobrou medidas para se coibir a pesca ilegal da totoaba. 

Funcionários do Ministério da Economia do México já responderam essa solicitação, informando que a pasta “vai coordenar os trabalhos entre as diferentes autoridades mexicanas e dos Estados Unidos com o objetivo de apresentar oportunamente os esforços e medidas adotadas para proteger as espécies marinhas nas águas nacionais“. 

Os mecanismos do T-MEC estabelecem um prazo de 30 dias para a consulta entre as partes sobre assuntos relacionados aos acordos comercias, e 75 dias de prazo antes que medidas retaliatórias venham a ser tomadas. A pronta resposta do Governo do México mostra a seriedade da questão. 

O Golfo da Califórnia, também conhecido como Mar de Cortés ou Mar Bermejo, está totalmente inserido dentro do território mexicano e ocupa uma área total de 160 mil km2. O conquistador espanhol Hernán Cortés navegou por suas águas ainda em 1535 após derrotar o Império Asteca e conquistar o México. 

A responsabilidade dos mexicanos nos esforços de conservação das vaquitas é inquestionável, porém os norte-americanos também tem sua cota de culpa. Desde o início do século XX, as águas do rio Colorado vêm sendo desviadas e represadas para uso em sistemas de irrigação dentro do território dos Estados Unidos, práticas que foram reduzindo gradativamente o volume dos caudais que atingem o Golfo da Califórnia. 

O rio Colorado é um dos mais longos rios da América do Norte, com nascentes nas Montanhas Rochosas, no Estado americano do Colorado, e, ao longo dos seus 2.320 quilômetros, banha os Estados de Utah, Arizona, Nevada e Califórnia, entrando a seguir no México, onde encontra a sua foz no Golfo da Califórnia. Várias cidades importantes dos Estados Unidos como Los Angeles, Las Vegas, San Bernardino, San Diego, Phoenix e Tucson utilizam sistemas de abastecimento que captam água do rio Colorado. 

A primeira grande obra do gênero foi o Canal do Rio Álamo, concluído em 1901, que passou a desviar as águas do rio Colorado na direção do Imperial Valey, no Sul da Califórnia. Em 1942, foi construído um novo canal, o All-American, em substituição ao Canal do rio Álamo. Em 1932, foi iniciada a construção da Represa Hoover, a obra mais impactante de toda a bacia hidrográfica do rio Colorado. 

O trecho final do rio Colorado, já dentro do território do México, acabou sendo transformado em uma sucessão de canais que ficam secos durante a maior parte do ano. Milhares de agricultores da região foram obrigados a migrar para outras regiões do país por causa da falta de água. A fartura de peixes e crustáceos que existia na região deltaica também desapareceu, impactando diretamente no tamanho da população das vaquitas. 

Os riscos de extinção da espécie são altíssimos, porém, com essa pressão econômica vinda dos Estados Unidos, é muito provável que as autoridades ambientais do México passem a agir com seriedade nessa questão. As vaquitas podem ganhar, ao menos, uma sobrevida, quiçá uma chance de escapar da extinção.

Eu sempre gosto de citar o caso do baiji (Lipotes vexillifer), também conhecido como golfinho-lacustre-chinês ou golfinho branco. Relatos antigos falam que os baijis eram encontrados aos milhares ao longo de toda a bacia hidrográfica do Yangtzé. Porém, nenhum indivíduo da espécie foi visto nas águas do rio desde 2006. 

A pesca predatória, a construção de barragens de represas, a navegação intensa e, principalmente, a grande poluição das águas do rio Yangtzé foram as responsáveis pelo irreversível declínio e desaparecimento da espécie. 

Torço para que as vaquitas tenham um destino diferente dos baijis

A GUERRA NA UCRÂNIA E A CRISE ENERGÉTICA QUE SE DESCORTINA NA ALEMANHA

A invasão do território da Ucrânia por tropas da Rússia completou dois meses ontem e ainda não há sinais de uma solução da questão no curto prazo. Entre as desculpas esfarrapadas dos russos para essa intervenção está a proteção de russos étnicos em regiões separatistas no Leste do país. 

Além da destruição de propriedades, de infraestruturas e mortes de civis e militares dentro da Ucrânia, esse conflito trouxe uma série de problemas para muitos países do mundo, especialmente dentro da Europa. Conforme já destacamos em postagens anteriores, o conflito ameaça uma parte importante do fornecimento mundial de alimentos – especialmente o trigo, e também o de combustíveis – destaque aqui para o gás. 

Um dos países em situação delicada na questão dos combustíveis é a Alemanha – 55% do gás natural, 50% do carvão e 30% do petróleo consumidos pelo país vem da Rússia. A situação ganha contornos ainda mais dramáticos quando se analisa o atual cenário energético da Alemanha. 

No final de 2021, em continuidade a uma política de substituição das fontes energéticas poluentes como a queima de carvão e inseguras como a energia nuclear, a Alemanha desativou 3 usinas nucleares. Outras 3 plantas nucleares, as últimas ainda operacionais no país, devem ter suas operações encerradas até o final desse ano. 

Até o ano de 2038, de acordo com o cronograma estabelecido pelo Governo, a queima do carvão mineral para geração de energia elétrica na Alemanha deverá estar totalmente abolida. Fontes de geração de energias renováveis como a eólica e a fotovoltaica, que respondem hoje por 22% e 9%, respectivamente, da matriz energética do país, deverão ampliar substancialmente a sua participação. 

As boas intenções das políticas verdes desenvolvidas ao longo dos últimos anos na Alemanha colocaram o país em uma situação de escassez energética após o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. E as coisas poderão piorar muito caso a Rússia seja impedida ou desista de fornecer combustíveis para o país. 

Sem possuir um “Plano B” na área energética para o curto prazo, muitos políticos alemães já falam abertamente em manter e até em ampliar a geração de energia em centrais termelétricas a carvão, além de adiar por tempo indeterminado o desligamento das últimas centrais nucleares do país – a reativação de usinas desligadas também poderá ser reconsiderada. 

Mesmo que seja aprovada a continuidade da geração nuclear no país, serão necessários entre um ano e meio a dois anos até que as operações se normalizem. Devido ao cronograma de desligamento que estava em andamento, as usinas não possuem estoques de elementos radiativos para alimentar os reatores – será preciso encomendar e esperar a produção desses materiais em empresas altamente especializadas. 

Outro problema será suprir a falta de mão de obra. Muitos dos antigos operadores e técnicos se aposentaram e, devido à falta de perspectivas de mercado de trabalho, muitos cursos na área de energia nuclear foram encerrados nas universidades do país e os jovens optaram por seguir carreira em áreas mais promissoras. 

Ao longo das últimas décadas, os alemães conquistaram uma posição extremamente confortável no campo energético devido aos acordos comerciais com a Rússia, especialmente para o fornecimento de gás natural. O produto era transportado desde os campos de produção na Sibéria até a Alemanha por sistemas de gasodutos que atravessavam o território da Ucrânia. 

Em 2011, entrou em operação o gasoduto Nord Stream, um revolucionário e polemico sistema de tubulações sob do Mar Báltico, que passou a permitir o transporte do gás diretamente da Rússia para a Alemanha. Esse sistema garantia o transporte de 55 bilhões de metros cúbicos de gás por ano. 

Um segundo gasoduto, o Nord Stream 2, que duplicaria o volume de gás transportado para a Alemanha, estava em fase final de construção. A obra foi paralisada após o início das agressões russas na Ucrânia, o que fez acender as luzes de alerta no país. 

Para desespero dos alemães, a Comunidade Europeia passou a impor uma série de embargos econômicos à Rússia e, entre eles, estaria uma provável suspensão das compras de gás, petróleo e carvão. A maior economia da Europa e uma das mais importantes do mundo passou a correr o risco de ficar sem energia elétrica e combustíveis. 

As perspectivas ruins para as empresas e consumidores da Alemanha passou para o campo dramático após o Governo da Rússia anunciar a construção de um novo gasoduto desde a Sibéria até a China passando pela Mongólia. A China, conforme já tratamos em uma postagem aqui no blog, está sofrendo com a falta de combustíveis – em especial o carvão e o gás. A construção desse novo gasoduto seria muito bem-vinda. 

O gás russo que estaria sendo negociado com os chineses seria justamente o gás que hoje está sendo fornecido para a Alemanha e que teria o seu fornecimento suspenso devido aos embargos econômicos da União Europeia. 

A ascensão da Rússia à posição de grande player do mercado mundial de combustíveis foi uma decorrência da complicada situação geopolítica do Oriente Médio. Apesar da abundância de combustíveis fósseis na região, o transporte dos produtos até os mercados na Europa sempre foi problemático devido ao ambiente belicoso entre os países da região. 

Se valendo da relativa tranquilidade dentro de suas fronteiras e de uma aparente harmonia entre seus antigos estados satélites, os russos se lançaram ao desafio de construir gigantescos oleodutos e gasodutos desde a longínqua Sibéria até os países da Europa. Vários desses sistemas atravessam o território da Ucrânia. Países europeus ficaram felizes ao receber um produto mais barato e com uma suposta garantia de fornecimento contínuo. 

Ainda não é possível avaliar quais serão os desdobramentos e as consequências do conflito entre os russos e os ucranianos, ou ainda quanto tempo ele durará. O que podemos afirmar, com algum grau de certeza, é que questões energéticas de países não se resolvem do dia para a noite. 

É preciso desenvolver novos relacionamentos com fornecedores alternativos, negociar contratos e preços, construir infraestruturas para o transporte e armazenamento dos combustíveis, desenvolver uma rede de logística para a distribuição dentro do país, para só então usar os combustíveis nas residências, nas indústrias e também para a geração de energia elétrica. Falamos aqui de prazos entre 5 e 10 anos. 

Adaptando um ditado aqui do meu bairro, os alemães foram pegos de “calças curtas” nessa história e vão pagar muito caro pela pressa que tiveram ao “esverdear” muito rapidamente a produção de energia do país. 

UNESCO RECONHECE DOIS GEOPARQUES NO BRASIL 

No último dia 13 de abril, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura, reconheceu 8 novos geoparques em todo o mundo. A lista inclui os geoparques de Salpausselkä, na Finlândia; de Ries, na Alemanha; de Cefalônia-Ítaca, na Grécia; de Mëllerdall, em Luxemburgo; da Região de Buzău, na Romênia; e o de Platåbergens, na Suécia.  

Dois desses geoparques ficam aqui no Brasil: o da Região do Seridó, no Rio Grande do Norte, e o dos Cânions do Sul, região localizadas entre os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Esses dois novos geoparques reconhecidos pela UNESCO vêm se juntar ao da Chapada do Araripe, localizado na divisa ente os Estados do Ceará, Piauí e Pernambuco. Com esses novos reconhecimentos, a Rede Mundial de Geoparques da UNESCO reúne agora 177 áreas em 46 países 

Geoparques são áreas que reúnem importantes características ambientais, culturais, científicas, paisagísticas, geológicas, arqueológicas, paleontológicas e históricas. Esse selo de reconhecimento internacional vai contribuir para os esforços de conservação e de desenvolvimento sustentável dessas regiões, além de melhorar as condições econômicas das comunidades locais. 

A região do Seridó fica localizada na divisa dos Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte dentro do bioma Caatinga Nordestina. De acordo com estudos do folclorista e historiador Luís da Câmara Cascudo, uma das prováveis origens do nome Seridó é a expressão dos antigos índios tapuias da região e que faziam referência a um lugar com “pouca folhagem e pouca sombra” – ceri-toh

O Seridó engloba um total de 54 municípios, sendo 28 em território potiguar e 26 em território paraibano. O Geoparque Global do Seridó fica totalmente dentro do território do Rio Grande do Norte, abrangendo áreas dos municípios de Parelhas, Cerro Corá, Carnaúba dos Dantas, Acari e Lagoa Nova. O Parque possui uma área total de 2.800 km². 

Essa região possui aproximadamente 120 mil habitantes, onde se incluem várias comunidades quilombolas. De acordo com a UNESCO, essas comunidades mantêm “viva a memória de seus ancestrais africanos escravizados para preservar sua cultura por meio de práticas tradicionais, museus e centros culturais”. 

A Caatinga é o único bioma ou sistema florestal totalmente brasileiro, com plantas e animais perfeitamente adaptados a um clima sujeito a longos períodos de estiagem. O bioma ocupa uma área com aproximadamente 1 milhão de km² dentro da região conhecida por Semiárido Brasileiro.  

Infelizmente, a Caatinga figura na primeira posição entre os nossos biomas mais ameaçadosmais de 50% de sua área original já foi perdida e a parte restante segue sob forte ameaça. Do ponto de vista ambiental, o reconhecimento internacional desse Geoparque será um estimulo a mais para a preservação desse importantíssimo bioma brasileiro. 

Uma outra faceta importante da região do Seridó são suas paisagens geológicas, que registram mais de 600 milhões de anos da história de nosso planeta. Um exemplo foram as intensas atividades vulcânicas durante as Eras Mesozóica e Cenozóica, que ficaram registradas em grandes derrames de rocha basáltica em toda a região. 

Também é importante citar os aspectos históricos da região, onde se encontram sítios arqueológicos que confirmam o povoamento por populações humanas há mais de 9 mil anos. Existem vários assentamentos onde os antigos habitantes deixaram pinturas rupestres de relevância ímpar para o entendimento da pré-história de nosso país. 

No outro extremo do Brasil, na divisa entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, fica o Geoparque Global Caminhos dos Cânions do Sul. Essa região engloba áreas dos municípios de Cambará do Sul, Jacinto, Machado, Mampituba, Morro Grande, Praia Grande, Timbé do Sul e Torres, onde vive uma população de cerca de 74 mil habitantes. 

A região fica dentro dos domínios do bioma Mata Atlântica, com grandes fragmentos florestais preservados, além de inúmeros rios e quedas d`água. A formação dos cânions foi o resultado da intensa atividade vulcânica em toda a região Centro-Sul do território brasileiro após a fragmentação do Supercontinente de Gondwana e a separação da América do Sul do antigo bloco continental, processo que teve início há mais de 160 milhões de anos. 

As grandes massas de rochas vulcânicas passaram por um longo processo de erosão fluvial, o que resultou na formação de cânions fabulosos como o de Itaimbezinho, Malacara, Fortaleza, Índios, Coroados, Faxinalzinho, Churriado, Montenegro e Leão. 

O cânion mais conhecido e visitado da região é o Itaimbezinho (vide foto), que se estende por cerca de 5,8 km e chega a atingir uma largura de 2 km. As paredes íngremes desse cânion atingem uma altura de até 720 metros e de onde despencam as águas de duas gigantescas cascatas – a adas Andorinhas e a Véu de Noiva. 

O Geoparque Global Caminhos dos Cânions do Sul tem uma área total de 2.830 km². Uma das características das paisagens da região é a presença de elementos da Mata das Araucárias, um subsistema florestal da Mata Atlântica. Essa floresta abriga uma série de espécies ameaçadas do bioma como os papagaios-do-peito-roxo, guaxinim, leão-baio (conhecido como onça-parda em outras regiões do país) e jaguatiricas, além de aves como a gralha-azul. 

Um dos pontos altos da fauna local é a migração das andorinhas e andorinhões nos meses de primavera e verão. Essas aves migram para a região fugindo do inverno no Hemisfério Norte e buscam refúgio nas fendas dos paredões dos cânions da região. 

Outro destaque da região são as chamadas paleotocas, grandes buracos que foram escavados no solo por grandes animais extintos da megafauna sul-americana como tatus-gigantes e preguiças terrícolas. Essas tocas foram usadas por várias tribos indígenas da família Jê, que construíam ali suas casas semissubterrâneas tradicionais. 

O reconhecimento desses geoparques pela UNESCO só vem reforçar a importância dessas áreas para a humanidade e aumentar a responsabilidade de nós brasileiros pela sua conservação. 

VOCÊ SABE O QUE SÃO OS PÁRAMOS ANDINOS?

A região central do Chile vem passando por uma forte seca há mais de uma década. A capital do país, Santiago, que fica nessa região, enfrenta dificuldades cada vez maiores para abastecer os seus mais de 5,6 milhões de habitantes, problemas que não são menores nas cidades vizinhas da região metropolitana. 

Conforme comentamos na postagem anterior, a origem do problema são as mudanças climáticas – um volume cada vez menor de neve e de chuvas caem sobre o trecho local da Cordilheira dos Andes, principal fonte de água dos rios da região. Outro problema importante é o aumento da influência do clima seca do Deserto do Atacama na região central do Chile. 

No trecho tropical da Cordilheira dos Andes, que corresponde ao trecho que vai da Bolívia até a fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, os maiores problemas é a redução acelerada das geleiras no alto das montanhas. Muitas dessas geleiras, inclusive, já desapareceram. 

Para dar uma ideia do tamanho dos problemas – das 10 geleiras que existiam nas montanhas dos Andes na Venezuela até 1952, só restaram 5. No mesmo período, 8 geleiras da Colômbia desapareceram e só restam 6. Mais ao Sul, os problemas são ainda mais evidentes – no Equador, as geleiras dos vulcões Antizana, Cotopaxi e Chimborazo já perderam entre 42 e 60% de suas massas. As 722 geleiras existentes na Cordillera Blanca no Peru sofreram uma redução de 22,4% desde 1970 e na Bolívia, as geleiras de Charquini perderam entre 65 e 78% das suas áreas nas últimas décadas, entre outros derretimentos confirmados. 

Rios que tem suas nascentes formadas a partir do derretimento de geleiras nessas regiões estão tendo os seus caudais gradativamente reduzidos, o que representa uma grande ameaça para o abastecimento de água de centenas de cidades. Até o imponente Lago Titicaca, localizado entre o Peru e a Bolívia, já está sendo afetado pela redução do volume de água dos seus rios tributários. 

Porém, diferentemente do que acontece no trecho austral da Cordilheira dos Andes, a maior parte desse trecho localizado na zona tropical possui um grande trunfo a seu favor – os páramos. Falamos aqui de um tipo de vegetação arbustiva que nasce entre altitudes acima de 3 mil metros e que se estende até o limite de formação da neve ou algo em torno dos 5 mil metros de altitude. 

Esse tipo de vegetação de montanha é encontrado na Cordilheira dos Andes entre o Peru e a divisa entre a Colômbia e a Venezuela, em regiões montanhosas da América Central, da África Oriental e também da Nova Zelândia. Em cada uma dessas regiões os páramos recebem nomes diferentes e formam ecossistemas específicos. Vamos nos concentrar nos páramos andinos. 

Aqui na América do Sul, os páramos estão concentrados na chamada zona neotropical onde encontramos o Peru, o Equador, a Colômbia e a Venezuela. O ecossistema ocupa uma área total de 30 mil km2, sendo que metade dessa área, cerca de 15 mil km2, fica na Colômbia. 

A zona climática onde se encontram os páramos andinos sofre grandes flutuações diárias de temperatura e umidade. As temperaturas oscilam entre valores abaixo de zero até os 30° C, o que provoca um ciclo contínuo de congelamento e descongelamento. Nessas grandes altitudes se encontra uma atmosfera fria e de baixa densidade do ar, características que permitem uma maior dispersão dos raios ultravioletas (luz e calor). 

Os solos nessas regiões apresentam uma grande concentração de matéria orgânica e de cinzas vulcânicas, o que sustenta um conjunto de plantas altamente adaptadas a este meio ambiente hostil. Muitas plantas possuem pelos que ajudam a conservar o calor e folhas duras que evitam a perda de água por evapotranspiração. Essa vegetação é normalmente baixa ou rasteira, uma característica que protege as plantas dos fortes ventos e do frio intenso. 

Os páramos andinos se dividem em três faixa distintas em função da altitude. Entre 4.500 e 4.800 metros de altitude encontramos o superpáramo, formado por espécies vegetais mais resistentes ao frio. Os solos nessa faixa apresentam uma menor fertilidade e uma menor capacidade de retenção de água. Pela dificuldade de acesso, são as áreas melhor preservadas. 

O chamado páramo grama é a faixa de vegetação mais ampla, onde há predominância de gramíneas e pequenos arbustos. Situa-se entre as altitudes de 3.500 e 4.100 metros. Em altitudes mais baixas, entre os 3.000 e 3.500 metros, encontramos o subpáramo, onde se encontram arbustos, gramíneas, ervas e até pequenas árvores espalhadas. 

Essas diferentes vegetações formam o habitat para uma enorme variedade de espécies animais onde se destacam a raposa-colorada (Pseudalopex culpaeus) o urso-de-óculos (Tremarctos ornatus), único membro da família a viver na América do Sul, e o condor-dos-andes (Vultur gryphus). Também encontramos diversas espécies de roedores, águias, gaivotas, patos, corujas, anfíbios, insetos e répteis como lagartos. 

Uma das características mais interessantes desse tipo de ecossistema é a sua grande capacidade de reter grandes volumes de água das chuvas e do degelo da neve das montanhas. Parte dessa água alimenta aquíferos e nascentes de rios. Em tempos de mudanças climáticas e de ameaças às grandes geleiras das montanhas dos Andes, essas reservas de água são estratégicas. 

Muitas cidades importantes como Bogotá, capital da Colômbia, e Quito, capital do Equador, estão implantando sistemas para o aproveitamento dessa água para o abastecimento das suas populações. Para outras centenas de cidades na região dos Andes Tropicais, ameaçadas pelo desaparecimento de rios com nascentes nas geleiras andinas, as reservas de água dos páramos serão a “salvação da lavoura”. 

Apesar de toda essa importância estratégica, esse ecossistema vem sofrendo com inúmeras pressões ambientais. Muitos agricultores estão se instalando em áreas de páramos e desmatando os solos para formação de campos agrícolas. Em muitos trechos, os problemas decorrem da introdução de rebanhos bovinos. Em outros, já existe uma super exploração das reservas de água. 

Nunca é demais lembrar que os recursos naturais de um ecossistema, por maiores que sejam, são finitos. Usar os recursos dos páramos com responsabilidade e cautela máxima deverá ser a prioridade desses países nos próximos anos. E a razão para isso é elementar – os páramos serão a maior reserva de água ainda disponível nessas regiões. 

A INTERMINÁVEL CRISE HÍDRICA EM SANTIAGO DO CHILE 

As mudanças climáticas estão causando problemas em diferentes partes do mundo. Nas postagens anteriores mostramos alguns desses problemas ligados ao excesso de chuva nas Filipinas e África do Sul, além da fortíssima seca que está assolando a região do Chifre da África

O aquecimento das águas dos oceanos e o derretimento de grandes quantidades de gelo nas regiões polares estão provocando importantes mudanças nas correntes marítimas e nos regimes de ventos. Estas mudanças, por sua vez, estão provocando alterações nos regimes de chuvas em diferentes partes do mundo. 

Aqui bem perto de nós, no Chile, as mudanças climáticas estão “atuando” em diferentes frentes e causando grandes preocupações e transtornos para a população. A capital do país, Santiago, ilustra de maneira clara esses novos tempos. 

Há mais de 10 anos que a cidade de Santiago vem sofrendo com a falta de água. Em 2021, a região central do Chile, onde fica Santiago, teve um déficit de chuvas de 71%. De acordo com a Direção Meteorológica do Chile, esse foi o inverno mais seco do século XXI. 

Diferentemente do Brasil com suas grandes planícies e vales, o Chile é um país com uma geografia das mais peculiares. O país se estende numa estreita faixa de terras no sentido Norte-Sul, espremido entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes. O Chile tem 4,3 mil km de comprimento e o ponto mais largo do país tem apenas 175 km. 

As principais fontes de água do país estão na Cordilheira dos Andes – essa água tem origem no derretimento da capa de neve que cai sobre as montanhas no inverno, além do gradual degelo de glaciares. Nos últimos anos é visível a redução dos volumes de neve que se precipitam sobre a Cordilheira dos Andes no inverno. As chuvas também são importantes, mas tem um papel secundário na hidrologia do país. 

Um exemplo dos problemas hídricos de Santiago é o rio Mapocho, que atravessa a cidade no sentido Leste para Oeste por 30 km. O rio tem cerca de 110 km de comprimento e suas principais nascentes ficam em glaciares na Cordilheira dos Andes. De acordo com as autoridades locais, os caudais do rio Mapucho caíram 57% em 2021. 

As águas do Mapucho já foram fundamentais para o abastecimento da população de Santiago, porém, seu uso foi comprometido gradualmente devido a intensa poluição das águas do rio. Nas últimas décadas, com a melhoria na infraestrutura de saneamento básico e dos serviços de coleta e tratamento dos esgotos, a situação do rio melhorou bastante. 

Uma outra frente de problemas para a região de Santiago é a influência cada vez maior do clima seco do Deserto do Atacama. Esse deserto possui uma área total superior a 105 mil km² e ocupa toda uma faixa de 1 mil km do Norte do Chile até a fronteira com o Peru. Ele é considerado o deserto mais árido do mundo.  

As poucas chuvas que caem no Atacama estão associadas às águas frias da Corrente de Humbolt no Oceano Pacífico e a um sistema de correntes sazonais de ventos, por um lado, e também pela Cordilheira dos Andes, que bloqueia a chegada de massas de chuvas vindas da região da Floresta Amazônica.  

A aridez do Deserto do Atacama influencia o clima da faixa Central do Chile, assim como o de uma extensa faixa do Sul do Peru, do Sudoeste da Bolívia e do Noroeste da Argentina. As mudanças climáticas no Deserto do Atacama, muito provavelmente, estão associadas a todo um conjunto de mudanças climáticas já observadas em todo o mundo

Segundo estudos de muitos pesquisadores, o Deserto do Atacama está avançando lentamente em direção ao Sul. Informações do Atlas de Mudanças Climáticas da Zona Árida do Chile indicam que a zona central do país sempre teve um clima semiárido, porém, tem se observado um gradual aumento da aridez nessa região.  

Esse avanço não significa que as areias tórridas do Atacama estejam avançando rumo ao Sul, mas sim que o deserto está aumentando a sua influência e tornando o clima dessa região mais árido. Os mesmos mecanismos climáticos que bloqueiam as chuvas na região do Atacama estão atuando de forma cada vez mais significativa na faixa central do país e, assim, reduzindo o volume e a frequência das chuvas na região onde fica Santiago e também a precipitação de neve nas montanhas andinas. 

Gradualmente, a cidade de Santiago está se adaptando para uma nova realidade climática e para uma carência crescente de recursos hídricos. Nas áreas verdes da cidade, citando um exemplo, é cada vez maior a presença de espécies vegetais nativas de regiões semiáridas como o esparto (Spartium junceum) e a flor de mineiro (Centaurea cachinalensis), entre muitas outras espécies herbáceas. 

A cidade também está preparando mecanismos para o racionamento de água em momentos críticos. Foram estabelecidos protocolos para três cenários: Alerta Verde, quando se prioriza o uso de águas subterrâneas, Alerta Amarelo, quando será necessário reduzir a pressão nas tubulações na rede de abastecimento, e Alerta Vermelho, momento em que serão realizados cortes seletivos no sistema de abastecimento da cidade. 

Esses cortes sistemáticos valerão por 24 horas e afetarão cerca de 1,5 milhão de habitantes de Santiago e cidades de sua região metropolitana a cada dia. A capital do Chile tem cerca de 5,6 milhões de habitantes e sua região metropolitana abriga cerca de 8 milhões de habitantes, números que nos dão uma ideia do tamanho do problema. 

Dificuldades semelhantes estão afetando outras grandes cidades sul-americanas ao longo da faixa tropical da Cordilheira dos Andes como Bogotá, na Colômbia, e Quito, no Equador. Essas cidades também dependem das nascentes de águas com origem no degelo de glaciares no alto das montanhas da cordilheira. As mudanças climáticas globais estão provocando a redução e, em alguns casos, até o desaparecimento dessas geleiras, o que poderá comprometer o abastecimento das populações. 

Só que, ao contrário do trecho austral da Cordilheira dos Andes, nessa extensa região existem os chamados páramos andinos, um tipo de vegetação que cresce entre os 3 mil metros de altitude e a faixa de formação de neve das montanhas. Esse tipo de vegetação é encontrado nas montanhas andinas do Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. 

Os páramos formam uma espécie de “esponja natural”, onde se acumulam grandes quantidades da água originada a partir das chuvas e do derretimento das neves das montanhas. Existe uma certa similaridade entre os páramos andinos e os banhados dos Pampas brasileiros. Em Bogotá e em Quito já existem projetos em andamento para o aproveitamento das águas dos páramos

Sem contar com esse tipo de reserva de água, os chilenos tem poucas opções para reforçar os estoques de água na região metropolitana de Santiago. Entre as poucas opções disponíveis estão o uso de água dessalinizada e a construção de grandes sistemas de transposição de águas a partir do Sul do país – ambas as alternativas são extremamente caras e complexas. 

O drama vivido hoje pela população de Santiago por causa das mudanças climáticas não tardará a afetar outras importantes cidades do mundo nos próximos anos. 

OS EXTREMOS CLIMÁTICOS NA ÍNDIA 

Uma expressão que está sendo encontrada com frequência cada vez maior nos noticiários e reportagens ligadas a área ambiental faz referência aos “extremos climáticos”. Ela é usada para falar de chuvas excessivas ou secas severas em determinadas regiões, de invernos extremamente frios ou ainda de verões extremamente quentes em outros lugares. 

Ao longo de milhões de anos de história geológica, nosso planeta criou todo um mosaico de padrões climáticos. Em zonas equatoriais e tropicais existem temporadas de fortes chuvas intercaladas com meses de calor e seca. Mas áreas temperadas, as estações costumam ser nitidamente divididas em primavera, verão, outono e inverno. Nas áreas polares, um longo inverno se alterna com uns poucos meses de tempo menos frio. Tudo isso está mudando. 

O aquecimento global está mudando esses padrões climáticos, sendo que em alguns casos isso está se dando de forma bastante visível. Chuvas estão se tornando fortes demais, ou então são secas arrasadoras. Em algumas regiões os invernos estão ficando cada vez mais quentes e em outros locais nevascas estão caindo fora de época. Em resumo – o clima está ficando “maluco” em diversas regiões desse nosso mundo. 

Um lugar do nosso planeta onde os extremos climáticos estão se tornando notáveis é o Subcontinente Indiano, particularmente na Índia, o maior país da região. As implacáveis secas e as fortes temporadas de chuva estão se alternando no país com uma frequência impressionante. 

A Índia possui um território com 3,27 milhões de km2, que sempre foi caracterizado por padrões climáticos bem definidos. O Noroeste do país, junto à fronteira com o Paquistão, possui uma extensa área que vai do clima desértico ao semiárido. Entre o Norte e o Nordeste, onde fica a bacia hidrográfica do rio Ganges, o clima é claramente subtropical.  

No Centro e no Sul do país predomina o clima equatorial de Monção, com algumas áreas mais centrais com um clima semiárido parecido com o do Cerrado Brasileiro. Nas áreas montanhosas da Cordilheira do Himalaia o clima é temperado com invernos bastante rigorosos e com pesadas precipitações de neve. 

Uma das características mais marcantes do clima da maior parte da Índia sempre foi a temporada das Chuvas da Monção, um período de chuvas fortes e contínuas que sucede um verão extremamente quente e seco. Nada muito diferente do clima equatorial da nossa Amazônia. 

O Oceano Índico, conforme já apresentamos em postagens anteriores, é o que tem se mostrado mais susceptível às mudanças do clima mundial. O derretimento de grandes massas de gelo no Continente Antártico tem alterado suas correntes marinhas e tem se observado um gradual aumento na temperatura das suas águas superficiais. Essas mudanças estão provocando alterações nos ciclos das Chuvas da Monção, o que está prejudicando a vida de dezenas de milhões de pessoas na Índia e em outros países a região. 

Desde tempos imemoriais, a vida das populações das margens e do delta do rio Ganges e de outros grandes rios do país sempre foi regulada pelos ciclos de cheia no período das Chuvas da Monção e da vazante. Grandes volumes de sedimentos são carreados pelas fortes chuvas desde as terras altas das bacias hidrográficas, fertilizando naturalmente os solos e garantindo abundantes colheitas

Nos últimos anos, as Chuvas da Monção têm se tornado cada vez mais irregulares, com excessos de chuvas em alguns anos e escassez em outros. Além disso, as águas do Golfo de Bengala estão avançando cada vez mais na direção da região deltaica do rio Ganges, aumentando a salinização das águas dos rios e ameaçando as águas do lençol freático. 

Secas fortes e incomuns também estão se tornando frequentes em regiões que sempre foram marcadas por uma intensa temporada de chuvas na época da Monção. Um desses casos é Chennai, a sexta maior cidade da Índia com quase 5 milhões de habitantes e localizada na costa Sudeste do país. 

Em 2019, a região de Chennai passou quase 200 dias sem receber chuvas e enfrentando temperaturas próximas dos 40° C, uma situação que levou todos os reservatórios de água ao colapso. A cidade passou a depender da água transportada desde outras regiões em trens com até 50 vagões tanques, que transportavam até 2,5 milhões de litros a cada viagem. Essa água passou a responder por 40% do abastecimento da população. Em 2001, a cidade já havia passado por uma situação semelhante. 

Essa crise hídrica também afetou a produção de energia em centrais hidrelétricas da região, obrigando a população a racionar o uso de eletricidade. Sem água para irrigar suas lavouras, os agricultores da região sofreram pesadas perdas na sua produção agrícola e nos seus rebanhos. 

Outro evento marcante foi a grande seca que se abateu sobre Índia em 2009, quando 177 dos 626 distritos do país foram afetados. Há época, essa seca foi considerada a mais intensa em 20 anos. De acordo com informações dos serviços de meteorologia da Índia, os volumes das Chuvas da Monção naquele ano foram 30% menores do que a média histórica. Essas chuvas correspondem a 90% das precipitações do país. 

A Índia, não custa lembrar, tem uma população de 1,3 bilhão de habitantes, sendo que quase 80% dessa população vive nas áreas rurais do país e depende basicamente da agricultura e da criação de rebanhos animais para sobreviver. São mais de 850 milhões de pessoas, o que corresponde a quatro vezes a população brasileira. 

Durante milhares de anos, essas populações vêm tendo as suas vidas e os seus trabalhos sincronizados com a temporada das Chuvas da Monção. E toda essa gente não está conseguindo acompanhar a velocidade das mudanças nos padrões climáticos. Sem contar com grandes reservatórios para o armazenamento de água, essas populações dependem basicamente das chuvas, que, quando não vem, provocam fome e desemprego generalizado. 

Problemas semelhantes também ocorrem em períodos de chuvas excessivas, quando plantações são alagadas e há enormes perdas nos rebanhos. As enchentes destroem as pequenas vilas com suas habitações precárias, além de danificar as já deficientes estradas e ferrovias do país. É bastante difícil definir o que é pior para a população do país: as fortes chuvas ou as secas inclementes. 

Os prognósticos para os indianos nos próximos anos não são nada animadores: os excessos de chuvas e os períodos de fortes estiagens tenderão a se alternar com uma violência cada vez maior nas próximas décadas, prejudicando centenas de milhões de pessoas. Serão tempos cada vez mais difíceis para eles e para todos nós… 

A IMPLACÁVEL SECA NO CHIFRE DA ÁFRICA

Na última postagem falamos das fortes chuvas que castigaram por vários dias a província sul-africana de KwaZulu-Natal, no Leste do país. Em uma postagem anterior havíamos falado de problemas semelhantes vividos por algumas das ilhas do arquipélago das Filipinas, atingido pela tempestade tropical Mogi. 

Nesses dois casos, e em muitos outros semelhantes em todo o mundo, observamos as “digitais” das mudanças climáticas globais. O aumento gradual e constante das temperaturas do planeta, fenômeno que vem sendo observado cientificamente desde o final do século XIX, está provocando importantes modificações no regime das chuvas – algumas regiões do planeta estão recebendo chuvas acima da média, enquanto outras regiões vivem uma situação oposta: chuvas abaixo da média ou secas. 

Um caso extremo é o que está tomando conta do chamado Chifre da África – a região vive uma das piores secas das últimas décadas. De acordo com informações da OIM – Organização Internacional para Migrações, uma agencia ligada a ONU – Organização das Nações Unidas, mais de 15 milhões de pessoas estão sendo severamente afetadas pela seca na Somália, na Etiópia e no Quênia, onde vive quase metade das vítimas

A falta de chuvas está agravando os problemas de segurança alimentar na região, que já sofre com inúmeros conflitos militares, com mudanças climáticas, com nuvens de gafanhotos e também com os impactos que foram criados pela pandemia da Covid-19. A OIM teme uma explosão na migração das populações afetadas pela crise nos próximos meses. 

As pequenas comunidades rurais estão vendo as pastagens secarem e as reservas de água desaparecerem, o que ameaça os rebanhos e seus meios de subsistência. Somente no Quênia, perto de 1,4 milhão de cabeças de gado morreram nos últimos meses e milhares de hectares de plantações se perderam por causa da falta de chuvas. 

Além de milhares de famílias estarem sendo obrigadas a abandonar suas propriedades para sair em busca de água, comida e área para cultivo, estão aumento os conflitos entre diferentes comunidades na disputa pelos escassos recursos disponíveis para o pastoreio e recursos hídricos. 

Na Somália, quase 3 milhões de pessoas já foram obrigadas a migrar para outras regiões e perto de 1 milhão deverá abandonar suas propriedades em breve. Segundo o Governo, que decretou emergência hídrica em novembro de 2021, essa é a pior seca dos últimos 40 anos. 

Tradicionalmente, os migrantes buscam oportunidades nos centros urbanos, que já estão inchados devido a uma série de crises anteriores. O aumento descontrolado das populações nas áreas urbanas do país tende a sobrecarregar ainda mais os já precários serviços de assistência médica e social. 

Um dos fluxos migratórios monitorados pela OIM mostra um aumento do número de somalis que se dirigem para o território etíope em busca de água e pastagens para os animais. Somália e Etiópia travaram 3 guerras entre 1940 e 2009 por causa de disputas fronteiriças – essa “invasão” do país por flagelados pela seca, por mais justificável que seja por questões humanitárias, poderá criar sérios problemas políticos no futuro. 

A Etiópia também está sofrendo muito com a seca. As estimativas do Governo afirmam que cerca de 4 milhões de pequenas comunidades agrícolas e pastoris, formadas basicamente por grupos familiares, estão sendo afetadas pela seca. As regiões mais afetadas são o Sul e o Sudeste do país. 

No Quênia, a seca está afetando com maior intensidade o Norte do país, região que recebeu apenas um terço das chuvas esperadas para o ano de 2021. Fazendeiros da região relatam a perda de 70% dos seus rebanhos devido à escassez de água e de pastagens. De acordo com as previsões dos meteorologistas, a situação crítica deverá perdurar até meados desse ano, quando as chuvas deverão começar a cair. 

Historicamente, o Chifre da África é sistematicamente atormentado por fortes períodos de seca. A geografia da região ajuda a explicar esses fenômenos – a Noroeste, a região faz fronteira com o Deserto do Saara, e ao Norte, o Golfo de Áden separa o Chifre da África do Deserto do Sul da Arábia. 

Um estudo do USGS – Serviço Geológico dos Estados Unidos, na sigla em inglês, e da Universidade da Califórnia, entretanto, mostra que as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global estão provocando um aumento na frequência e na intensidade das secas nessa região. Esse estudo foi publicado em 2011. 

Segundo o estudo, existem diversos eventos climáticos envolvidos na forte seca do Chifre da África. Porém, os pesquisadores são categóricos em afirmar que o aquecimento das águas do Oceano Índico é um dos principais responsáveis pela catástrofe. 

Conforme comentamos em postagem anterior, de todos os oceanos do mundo o Índico é, proporcionalmente, o mais afetado pelas mudanças climáticas que se desenrolam no continente antártico. As grandes perdas de massas da cobertura de gelo na Antártida estão provocando alterações nas correntes marítimas do Oceano Índico, o que, combinado com o aumento da temperatura das águas, está afetando os padrões de chuva em partes do Sul e do Leste da África, e também no Sul e Sudeste da Ásia. 

As medições sistemáticas das temperaturas do Oceano Índico vêm sendo realizadas desde 1880. Nos últimos anos, as medições mostram claramente um aumento sistemático dessas temperaturas. Um exemplo claro das consequências desse aumento das temperaturas das águas superficiais do oceano é visto nas Chuvas da Monção

Essas chuvas são formadas por ventos que se formam sobre o Oceano Índico em decorrência da diferença de temperatura entre a massa continental e as águas do oceano. Esses ventos carregam pesadas nuvens de chuva na direção do Subcontinente Indiano e do Sudeste Asiático, resultando numa intensa e característica temporada de chuvas. 

Nos últimos anos tem-se observado uma irregularidade nessa temporada de chuvas, com algumas regiões recebendo chuvas abaixo da média e outras com chuvas bem acima da média. Entre outros problemas, essa irregularidade nas chuvas tem prejudicado muito a agricultura nos países da região, atividade que sempre foi sincronizada com as Chuvas da Monção. 

Se somarmos as populações dos países que formam o Subcontinente Indiano e o Sudeste Asiático com as populações do Sul e do Leste da África, chegamos fácil a cifra de 2,5 bilhões de habitantes. Isso nos dá uma leve ideia dos impactos das mudanças climáticas apenas nas áreas circunvizinhas ao Oceano Índico. 

A má notícia para todos nós é que os problemas de seca extrema e/ou de chuva extrema em diferentes regiões ao redor do mundo tenderão a aumentar nos próximos anos em função das mudanças climáticas. 

AS FORTES CHUVAS NA ÁFRICA DO SUL

A província de KwaZulu-Natal, na costa Leste da África do Sul, completou uma semana sob fortes chuvas. A província vizinha, Eastern Cape, também está sofrendo com as chuvas. De acordo com os comunicados oficiais, as fortes inundações destruíram cerca de 4 mil casas, 13,5 mil pessoas estão desabrigadas e já foram contabilizados perto de 400 mortos. Há notícias que falam de dezenas de desaparecidos. 

Uma das regiões mais afetadas é o entorno de Durban, importante cidade portuária da África do Sul com uma população de 3,5 milhões de habitantes. Diversas pontes da região metropolitana foram destruídas pela força da correnteza dos rios, deixando bairros e vilas completamente isolados. 

Essas regiões estão sem os serviços de eletricidade e de abastecimento de água. A população também está com dificuldades para encontrar alimentos – os poucos estoques disponíveis foram atingidos por enchentes e estragaram. De acordo com os relatos da população, essa situação é inédita na história da cidade. 

O exército sul-africano foi mobilizado e está usando helicópteros para auxiliar no resgate e atendimento das vítimas. Mais de 4,5 mil policiais também foram convocados para auxiliar nas operações de resgate. As equipes estão enfrentando grandes dificuldades no acesso a regiões remotas por causas dos danos provocados nas estradas pelas chuvas – trechos inteiros de estradas foram carregados pelas enchentes. 

A África do Sul possui uma área total de 1,22 milhão de km² e ocupa todo o extremo Sul do continente africano. O país tem uma população de quase 60 milhões de habitantes, população essa que normalmente sofre por causa dos recursos hídricos limitados do país.  

Grande parte do território sul-africano é ocupada por áreas desérticas como o Kalahari, onde as temperaturas podem chegar aos 50° C, e por planaltos secos como o Karoo, além de áreas de savanas, bioma muito parecido com o nosso Cerrado. Somente na faixa Leste do país, ao longo da divisa com Moçambique, onde predomina o clima subtropical com chuvas mais regulares, é que uma vegetação mais densa sobrevive. É nessa região onde se localiza a província de KwaZulu-Natal

Comparando a grosso modo o território da África do Sul com o Brasil, o país teria a maior de sua superfície coberta pela Caatinga Nordestina e pelo Cerrado, com uma faixa semelhante à Mata Atlântica no Leste ao largo da costa do Oceano Índico. 

O clima da África do Sul, aliás, é diretamente influenciado pelo Oceano Índico. Historicamente, o país sempre foi poupado de tempestades mais fortes e de furacões, fenômenos climáticos relativamente comuns em regiões mais ao Leste da África como Moçambique e a Ilha de Madagascar. Entretanto, as intensas mudanças climáticas observadas no Oceano Índico ao longo das últimas décadas estão alterando bastante os padrões de chuva no país. 

Toda a região Austral e Leste da África vem sofrendo alterações climáticas ao longo das últimas décadas, que se refletem especialmente em alterações nos padrões das chuvas. Essas mudanças, inclusive, também estão afetando o Sul e Sudeste da Ásia, regiões marcadas pelas chamadas Chuvas da Monção. A África do Sul vem sofrendo com chuvas abaixo da média e secas em várias regiões, especialmente na Província do Cabo Ocidental, onde fica a Cidade do Cabo. 

Estudos conduzidos desde 1980 demonstram que o volume de chuvas no Sul e no Leste da África diminuiu em, pelo menos, 15%, ao mesmo tempo que o número de pessoas subalimentadas mais do que duplicou – em algumas regiões, a redução no volume de chuvas pode chegar a 48%. E a origem desta redução das chuvas está ligada ao aumento da temperatura das águas do Oceano Índico, problema que não se limita ao continente africano, mas a todos os países asiáticos localizados ao longo da extensa orla deste oceano. 

As medições sistemáticas da temperatura das águas do Oceano Índico começaram em 1880. Nos últimos anos, estas medições têm encontrado aumentos sucessivos nas temperaturas das águas: em 2010, foi observado um aumento de 0,70° C em relação à média histórica; em 2011, a temperatura média caiu um pouco e mostrou um aumento de 0,58° C; em 2012, o aumento foi de 0,62° C e em 2013, o aumento foi de 0,67° C. Nos anos seguintes, foram registrados recordes sucessivos de aumento da temperatura: 0,74° C em 2014, 0,90° C em 2015 e 0,94° C em 2016.  

De todos os grandes oceanos do planeta, o Índico é o que, proporcionalmente, mais sofre com as interferências das mudanças climáticas na Antártida. O derretimento de grandes massas de gelo no Polo Sul tem provocado alterações nas correntes marítimas do Oceano Índico que, combinadas com o aumento da temperatura das águas, tem reflexos diretos na formação e no deslocamento das massas de umidade que atingem a África e a Ásia – algumas áreas estão sofrendo com chuvas abaixo da média e outras com volumes muito acima da média histórica.  

As perspectivas para o futuro não são nada animadoras – os estudos indicam que essa tendência de redução ou aumento das chuvas persistirá e até se intensificará, uma vez que o aquecimento das águas do Oceano Índico é um fenômeno que está ligado diretamente ao aquecimento global, que tende a aumentar cada vez mais. Essas fortes chuvas que estão castigando o Leste da África do Sul, muito provavelmente, estão associadas ao aquecimento das águas do Oceano Índico. 

Essas mudanças climáticas regionais estão forçando os países a investir cada vez mais em sistemas alternativos de produção de água como a transposição de outras bacias hidrográficas, em sistemas de dessalinização da água do mar e também em sistemas de água de reuso – depender exclusivamente das chuvas será uma aposta cada vez mais arriscada. Também serão necessários pesados investimentos em infraestrutura para proteger cidades com Durban de enchentes e deslizamentos de encostas. 

Para minimizar os problemas que estão sendo criados pela escassez cada vez maior de chuvas, a África do Sul vem investindo pesadamente na construção de sistemas para a dessalinização da água do mar. Um desses projetos fica na região de Strandfontein, nas proximidades da Cidade do Cabo. Estão sendo construídas três usinas de dessalinização com capacidade para a produção de mais de 20 milhões de litros de água potável a cada dia. Parte do sistema já se encontra em operação. 

Um outro projeto piloto bem interessante de uma usina de dessalinização está em andamento em Witsand, uma cidade costeira a cerca de 250 km da Cidade do Cabo. O projeto está sendo implantado por uma empresa francesa e vai utilizar a técnica de osmose reversa. A planta terá capacidade para desaminizar um volume diário de 100 mil litros de água, o suficiente para atender metade das necessidades da pequena cidade. O diferencial dessa usina será o uso da energia de uma usina solar nas redondezas, com uma potência instalada de 70 kW. 

As mudanças climáticas estão aí, batendo em nossas portas todos os dias, e não há jeito de fugir delas. Precisamos todos nos adaptar o mais rápido possível