A agricultura e a pecuária formaram as bases para o desenvolvimento de todas as civilizações humanas.
Em tempos de comunicações instantâneas e globais, do comércio virtual, da indústria 5.0, das viagens espaciais, da energia nuclear e de tantas outras modernidades, fazer uma afirmação dessas parece ser algo um tanto “fora de moda”. Vamos entender isso:
Até algo entre 12 mil e 10 mil anos atrás, nossos ancestrais vagavam pelo mundo vivendo um dia de cada vez. Nômades, os humanos iam aos lugares onde existia caça, peixes e plantas comestíveis. Eram jornadas desesperadas e motivadas pela fome – o estilo de vida até então não permitia que se criassem ou se estocasse qualquer tipo de alimento. Tudo o que era caçado, pescado ou coletado era consumido imediatamente.
Veio então o que se conhece como “A Primeira Onda” – os humanos aprenderam que era possível cultivar a terra e viver dos seus frutos. Esse conjunto de técnicas de plantar, cultivar e colher, que hoje chamamos de agricultura, não surgiu de uma hora para outro – foi um processo de aprendizado contínuo de muitas e muitas gerações, onde se sucederam muitos erros e poucos acertos.
Com a incipiente segurança alimentar, esses povos antigos foram abandonando gradativamente o nomadismo e passaram a viver de forma estável em regiões onde as práticas agrícolas eram mais fáceis. Entre os principais berços da agricultura destacamos a região conhecida como Mesopotâmia, na Ásia Central, os Vales dos rios Indus e Ganges, no Subcontinente Indiano, além de outros rios importantes do Extremo Oriente e Sudeste Asiático. A agricultura também fez florescer o rio Nilo no Egito, criando uma das civilizações mais importantes de nossa história (vide foto). No rastro das plantações, as atividades de pastoreio e de criação de outros animais foram se consolidando.
Tudo o que nós conhecemos e entendemos como civilização: a escrita e a literatura, as artes, a arquitetura, as religiões, as leis, as cidades, as artes da guerra e tudo o mais, só ganharam robustez após as populações humanas assegurarem que uma de suas necessidades mais básicas – a alimentação, estivesse garantida. De barriga vazia, praticamente nada dessa lista de conquistas humanas poderia ter se consolidado.
Do ponta de vista ambiental, a agricultura e a pecuária são grandes fontes de impactos. A agricultura ancestral era praticada em terras abertas e sem grandes coberturas florestais. Cito como exemplo da Mesopotâmia, uma grande várzea alagável entre os rios Tigre e Eufrates, onde não foi necessária a derrubada de uma floresta antes de se começar a trabalhar a terra.
Quando a agricultura saiu da Mesopotâmia e foi levada para regiões florestais da Eurásia e da África séculos ou milênios mais tarde, as coisas começariam a mudar. Foi preciso derrubar primeiro as florestas para só depois começar a trabalhar a terra. Esse foi o caso do Brasil em tempos históricos bem mais recentes, onde a Mata Atlântica foi sendo dizimada sistematicamente para o plantio de cana de açúcar, café, soja e tantas outras culturas agrícolas que estamos produzindo desde as origens de nosso país.
A derrubada das matas tem impactos diretos nos recursos hídricos – sem a cobertura florestal, os solos não conseguem absorver e reter os grandes volumes de água necessários à alimentação das nascentes e fontes de água. Além dessa redução nos volumes dos caudais dos rios, o que por si só já forma um importante conjunto de problemas ambientais, as atividades agrícolas são insaciáveis quando se trata do consumo de água – perto de 70% dos recursos hídricos de uma região são consumidos pelas atividades agrícolas, com a pecuária seguindo de perto.
Essa incrível saga, entretanto, não foi sempre um mar de rosas – foram incomensuráveis altos e baixos, a começar pelos incontroláveis fenômenos da natureza. Secas, enchentes, nevascas, vendavais, terremotos, maremotos e precipitações de todos os tipos. Nessa conta também entram pragas como os gafanhotos e a concorrência com animais como ratos e pássaros. As inúmeras guerras entre os povos também foram responsáveis pela devastação de um sem número de safras e rebanhos.
Essa rápida explanação mostra o quão importante são as atividades agropecuárias na vida de todos nós seres humanos e quão impactante tudo isso é para o meio ambiente. Nesses nossos dias de grande modernidade e alta tecnologia, onde imaginávamos ter um domínio praticamente completo das atividades do campo, surgiu algo novo e devastador – a epidemia da Covid-19. Em apenas um ano, um vírus que ainda não foi completamente entendido pela ciência e que ainda não teve sua origem determinada, conseguiu alterar completamente as relações humanas e comprometer boa parte das atividades agropecuárias ao redor do mundo.
Aqui no Brasil, um país de dimensões continentais, esses impactos não foram tão grandes. Longe das grandes e média cidades, lugares onde a epidemia ficou concentrada, a imensa maioria dos nossos produtores rurais não se abalou muito e continuou produzindo. Ao contrário de muitos países, nossa produção agropecuária até aumentou nesse ano de crise. Em outros países, infelizmente, as coisas estão complicadas.
Um desses casos é a Inglaterra, um país que já há muitos anos vinha dependendo da mão de obra de imigrantes para trabalhar nos campos e nas colheitas. As estimativas mais recentes afirmam que, só na Região Metropolitana de Londres, mais de 700 mil estrangeiros que estavam trabalhando legalmente foram obrigados a voltar para seus países de origem por causa da pandemia.
Esses estrangeiros realizavam os trabalhos braçais que os sofisticados ingleses se recusam a fazer: serviços de limpeza, trabalhos em cozinhas, construção civil, além de serviços na agricultura e na pecuária. Cerca de 98% da mão de obra que era empregada nas colheitas do país era formada por esses estrangeiros. A grande dúvida hoje: quem vai realizar a preparação dos solos, o plantio e a colheita da safra 2021 no país?
Em países como a França, a Itália, a Espanha e a Alemanha a situação não é muito melhor e grandes quebras de safra agrícola e de produção pecuária são iminentes. Por outro lado, enquanto a produção de alimentos despenca em países da Europa, o insaciável apetite dos chineses não para de nos surpreender.
Com uma gigantesca população da ordem de 1,4 bilhão de habitantes, a China foi talvez o único país do mundo que lucrou com a pandemia da Covid-19 e têm usado cada vez mais os seus ganhos para comprar mais alimentos para seu povo.
O grande exemplo são as importações de soja, leguminosa que os chineses usam em sua maior parte para a produção de ração para animais, que não param de crescer. Nesse exato momento, produtores brasileiros de Mato Grosso estão lutando para colher a soja em meio a chuvas acima da média histórica nos seus campos, enquanto cerca de 200 navios cargueiros a serviço de importadores da China estão fazendo fila em portos por todos os cantos do Brasil ou estão a caminho do país para serem carregados com soja.
Já nos Estados Unidos, um país que há muito tempo é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o plantio da safra 2021 está começando ante inúmeros problemas. No Meio Oeste do país, conhecido como o Corn Belt ou cinturão do milho, a seca está afetando quase 2/3 das terras. No Nordeste do país o problema são os rigores do inverno. Até o Estado do Texas no Sul do país, famoso pelo clima bem mais ameno, está sofrendo nesses últimos dias por causa de fortes nevascas. Recentemente, os norte-americanos foram superados pelo Brasil na produção de soja, mas o país continua muito forte na produção de milho, trigo e carnes, entre outros alimentos.
Complicando ainda mais os problemas mundiais na produção de alimentos, estamos vendo o confuso quadro da agropecuária na Argentina, país que sempre foi um grande produtor mundial. Graças às políticas populistas do Governo, que aumentou impostos para a exportação dos grãos e baixou cotas para a exportação de carnes, muitos produtores de soja abandonaram suas plantações – alguns inclusive optaram por queimar os campos, e muitos criadores de gado se mudaram para o Uruguai. Para piorar ainda mais o quadro, a Argentina enfrenta o mais longo lockdown do mundo – a população está recolhida há quase um ano.
Nas próximas postagens vamos mostrar um pouco desse momento complicado da agropecuária por todo o mundo nesses tempos de pandemia da Covid-19.
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[…] o “pacote” de problemas, precisamos lembrar da pandemia da Covid-19, que paralisou a economia mundial por mais de um ano e que, ainda hoje, está causando problemas em […]
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