O AVANÇO DA SOJA PELOS ESTADOS DA REGIÃO SUL E SÃO PAULO

Eu me lembro bem da primeira vez que vi uma plantação de soja – foi bem no começo da década de 1970, no sítio de um dos meus tios na cidade de Lutécia, região Centro Oeste de São Paulo. Meu tio era agricultor e alternava culturas como o milho e o amendoim. Nossa família costumava passar os meses das férias escolares nessa pequena cidade, onde também moravam meus avós. 

Confesso que aquela plantação, que devia ocupar uns dois hectares, não me impressionou nada – a soja estava seca e pronta para a colheita. Soube depois que aquela era a primeira vez que meu estava plantando o grão, num experimento que fazia parte de um programa do Governo para a popularização da cultura da soja no Estado de São Paulo. Acabei, involuntariamente, sendo uma testemunha ocular do avanço da soja em terras paulistas naqueles tempos. 

Conforme comentamos em postagens anteriores, a história da soja em terras brasileiras começou no final do século XIX, quando sementes foram trazidas dos Estados Unidos para escolas de agronomia da Bahia e de São Paulo. A cultura da soja teve início no Rio Grande do Sul por volta da década de 1920 – o grão produzido nessa fase era destinado exclusivamente para a produção de ração para animais. 

O primeiro salto na produção da soja ocorreu em 1947, época em que a Europa enfrentava problemas com a falta de óleos e gorduras vegetais. As exportações brasileiras começaram nessa época e foram crescendo paulatinamente. O grande trunfo para os produtores era a possibilidade de alternar a produção do trigo, uma cultura tipicamente de inverno, com a soja, uma cultura de verão

Nos Estados de Santa Catarina e Paraná, que também eram produtores de trigo, os produtores também acabaram por descobrir essa possibilidade de alternar a cultura com a soja e, naturalmente, a soja passou a ganhar espaço nos campos. A sinergia entre as duas culturas agrícolas era excelente – além da sucessão inverno/verão, a produção utilizava exatamente os mesmos equipamentos e implementos agrícolas, o que garantia uma renda extra aos produtores com investimento muito baixo (isso quando consorciada com a produção do trigo). 

No Estado do Paraná, a soja teve seu começo sendo plantada no entre-ruas dos cafezais ainda na década de 1960 (vide foto). Com o processo de erradicação dos cafezais a partir da década de 1970 e com a abertura de novos campos agrícolas, a produção de soja teve grande expansão no Estado, sendo plantada como cultura de sucessão com o trigo e com o milho. Em Santa Catarina, os primeiros registros de soja datam dos primeiros anos da década de 1970.  

O trigo era uma importante cultura agrícola nesses Estados e desde antes da década de 1940 os Governos estaduais vinham incentivando a sua produção. O Brasil sempre dependeu do trigo importado, principalmente da Argentina, e era importante aumentar a produção local. Entretanto, na década de 1960, o Governo Federal fez um acordo com o Estados Unidos, onde foi acordada uma redução nos impostos de importação do trigo norte-americano. Esse acordo acabou com a competitividade da produção local de trigo, levando a uma migração para a produção da soja. 

O Rio Grande do Sul era o grande fornecedor de sementes para os Estados vizinhos e as variedades de soja plantadas tinham praticamente as mesmas características, sendo bastante adaptadas para as características climáticas da região Sul. Lembro aqui que a variedade de soja produzida há época aqui no Brasil era a mesma plantada nos Estados Unidos e na China, países de clima temperado – o clima subtropical do Sul do Brasil era o que mais se aproximava do clima desses países. 

No Estado de São Paulo, o clima já não era tão favorável para a produção da soja. Cortado pelo Trópico de Capricórnio, o Estado está numa faixa de transição entre o clima Subtropical e o Tropical de Altitude, o que fazia com que apenas algumas regiões se adequassem ao cultivo da soja. O grão também começou a ser plantado nos ciclos de alternância de culturas como o milho, o feijão e o amendoim, além do plantio consorciado com cafezais. A cultura só ganharia robustez em terras paulistas a partir da criação das variedades adaptadas ao clima do Cerrado, bioma que ocupa uma extensa faixa no Centro do Estado de São Paulo. 

Até 1975, todas as variedades de soja plantadas no Brasil eram de origem norte-americana, razoavelmente, adaptáveis às condições climáticas do Sul brasileiro. Essa pouca adaptabilidade ao clima e aos solos do Brasil se refletia numa baixa produtividade – a produção mal chegava a 20 sacas de 60 kg por hectare (cerca de 1.200 kg/hectare), valor muito abaixo da atual produtividade média brasileira, que supera o valor de 3.100 kg/hectare

Essa baixa produtividade do plantio individual de soja tinha reflexos diretos nos custos de produção, que acabavam por ficar muito altos. O plantio da soja só compensava mesmo quando consorciado com o trigo, onde os subsídios governamentais cobriam os custos de produção. Com a decadência da cultura do trigo, a rentabilidade para os produtores caiu muito. 

A criação do Centro Nacional de Pesquisa de Soja em 1975, uma unidade da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, viria a mudar o cenário do grão no país. A principal missão desse Centro era a pesquisa e o desenvolvimento de variedades de soja adaptadas às diversas condições de solo e de climas do Brasil, sendo focado inicialmente na região Sul. Outra missão importante desse Centro era o desenvolvimento de técnicas de plantio específicas para as condições brasileiras.  

Os ganhos em produtividade passaram a viabilizar as plantações, tornando a cultura atrativa do ponto de vista financeiro. Outro aspecto altamente relevante foi a consolidação do complexo da soja a partir da instalação de indústrias produtoras de óleo, rações, de produção de sementes, de fertilizantes e de defensivos agrícolas. Todo esse complexo criou estabilidade para os plantadores do grão, que passaram a ter demanda garantida para o seu produto, estimulando cada vez mais a expansão da cultura, que passou a ocupar espaços no campo cada vez mais importantes ao lado do trigo, do feijão e do milho, entre outras culturas.  

Foi a partir dessa experiência na região Sul do país que a Embrapa deu um verdadeiro salto na criação de novas variedades de soja, atingindo um novo patamar que mudaria para sempre os campos brasileiros: a adaptação da cultura para os climas quentes e, principalmente, para as características dos solos do Cerrado brasileiro. A história da soja e da agricultura, com todos os problemas ambientais que conhecemos, nunca mais seria a mesma – a soja deixaria de ser uma coadjuvante nos campos e passaria a ocupar o papel principal. 

A agricultura é, tradicionalmente, uma fonte de problemas para as áreas florestais. Surgida entre 12 mil e 10 mil anos atrás, as primeiras práticas agrícolas foram feitas em planícies alagáveis da Mesopotâmia, da Índia e da China, áreas onde haviam poucas árvores. Logo, a prática agrícola passou a estar associada a solos “livres” de árvores. Conforme a agricultura foi se expandido pelo mundo antigo e chegou a regiões cobertas por florestas, a primeira coisa que as populações faziam eram derrubar as matas e queimar os troncos de árvores, criando assim solos desnudos para a prática da agricultura. 

Aqui no Brasil, a luxuriante Mata Atlântica sempre foi um obstáculo para a prática agrícola. Desde os tempos da formação dos primeiros canaviais em nosso litoral, a Mata Atlântica vem sendo devastada para a abertura de campos agrícolas. Na Região Sul, onde essa floresta cobria grande parte dos territórios dos Estados, essa vegetação precisou ser eliminada para o surgimento de grandes campos agrícolas e pastagens para animais. E o advento da soja nas últimas décadas acabou dando uma grande contribuição para esse processo de destruição de muitos remanescentes da antiga cobertura vegetal. 

Muita gente costuma chamar isso de progresso… 

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