
De acordo com dados da Associação de Pizzarias Unidas do Brasil, nosso país consome aproximadamente 1 milhão de pizzas por dia e o Estado de São Paulo é responsável por consumir mais da metade desse total estimado: 572 mil unidades. Minha cidade, São Paulo, ocupa a segunda posição mundial quando o assunto é o consumo de pizzas, só perdendo para Nova York.
Além de ingredientes básicos como a farinha de trigo e os queijos, uma boa e suculenta pizza requer uma porção bem generosa de molho “dos tomati” (escrevi do jeito que nós falamos aqui em Sampa), como é o caso dos sabores muçarela e Marguerita (vide foto).
Apesar da pizza ser uma especialidade italiana popularizada em todo o mundo, os bons e velhos tomates são originários da Cordilheira dos Andes aqui na América do Sul. A planta foi levada para a Europa pelos conquistadores e chegou na Itália ainda no século XVI, onde recebeu melhoramentos botânicos e passou a ser um ingrediente básicos das “salsas” (molhos) italianos.
Pois bem – essa verdadeira delícia (sou suspeito para falar pois sou neto de italianos) está sendo ameaçada pelo aquecimento global. O aumento das temperaturas e a escassez de água em importantes regiões produtoras já estão se refletindo em uma redução dos volumes produzidos.
A produção mundial de tomates é calculada em cerca de 180 mil toneladas anuais. A China é, de longe, a maior produtora mundial com um volume de 56 mil toneladas. Índia e Estados Unidos vem na sequência com volumes de produção de 18,4 e 13 mil toneladas, respectivamente. O Brasil é o nono maior produtor mundial com um volume de 4,1 mil toneladas.
Quando falamos de produtos com tomates processados, a liderança dos Estados Unidos é absoluta, onde o produto chefe é o famoso molho tipo ketchup. Algumas fontes afirmam que um americano médio consome cerca de 10 kg de ketchup por ano acompanhando sanduíches, saladas, massas e até mesmo pizzas (para nós paulistanos isso é uma verdadeira heresia).
O grande centro de produção de tomates e de indústrias de processamento é a Califórnia, um dos Estados norte-americanos que mais vem sofrendo com as mudanças climáticas e com a seca. De acordo com pesquisas da Universidade da Califórnia, a combinação de altas temperaturas e menor disponibilidade de água está afetando a floração e a produtividade dos tomateiros.
Além dos problemas nos campos, a produção também está sendo afetada pelos altos custos dos combustíveis e dos fertilizantes. O resultado dessa conjuntura está sendo facilmente observado nas gondolas dos supermercados. De acordo com dados do varejo dos Estados Unidos referentes ao último mês de agosto, os molhos de tomate estão 17% mais caros em relação aos níveis de 2021. Já para os molhos tipo ketchup, o aumento está na casa dos 23%.
Um dos segredos da alta produtividade em terras californianas é o uso intensivo de irrigação das culturas a exemplo do que é feito no Imperial Valley, uma extensa área do Deserto de Sonora que foi transformada num grande celeiro agrícola graças a irrigação com águas transpostas do rio Colorado. Um exemplo do desperdício de águas nessa região é o Lago Salton.
Esse lago de águas salgadas e saturadas com resíduos de produtos químicos, que foi transformado em uma atração turística no meio do deserto, tem um espelho d’água que chega a cobrir uma área de quase 900 km2. Em períodos de seca, o que acontece quando as autoridades reduzem à força o consumo de água pelos produtores, as areias tóxicas do fundo do lago são espalhadas pelos fortes ventos e causam inúmeros problemas para a saúde das populações que vivem no entorno.
Com a forte seca que vem assolando toda a região Sudoeste dos Estados Unidos já há vários anos, o rio Colorado já não tem a mesma saúde de tempos de outrora e seus caudais estão muito reduzidos, o que está restringindo, e muito, seu uso para irrigação agrícola. Para complicar a situação dos agricultores, parte do volume de água que era destinado aos produtores do Imperial Valley passaram a ser desviados para o abastecimento de populações das grandes cidades da Califórnia.
Com a menor disponibilidade de água, toda a produção agrícola dessa extensa região vem sendo afetada, especialmente na Califórnia. A situação é completada pelos altos custos dos insumos, do transporte e também por temperaturas bem acima da média.
E o que é que a redução da produção de tomates e o aumento dos preços dos molhos do ketchup nos Estados Unidos tem a ver com a sua vida e com o molho da sua pizza aqui no Brasil?
Vivemos em um mundo cada vez mais integrado e globalizado, com cadeias de produção e de consumo em escala global. Um exemplo fácil é a soja, grão que tem o Brasil como um dos grandes produtores mundiais. Cerca de 79% da soja produzida aqui no Brasil é exportada para a China, um país com um “apetite” insaciável, cuja demanda determina o preço de produtos que contenham soja comprados por você na mercearia da esquina.
Com a valorização do molho ketchup nos supermercados norte-americanos é bem provável que produtores brasileiros busquem exportar seus próprios produtos para lá, um movimento que vai forçar a redução da oferta de tomate no mercado brasileiro e, é claro, forçar um aumento nos preços. Isso deverá “salgar” o preço da sua pizza do fim de semana.
Esse singelo exemplo do mercado do ketchup ilustra como os impactos das mudanças climáticas se espalham rapidamente por todo o mundo. O aumento dos preços de um produto largamente consumido num país rico afeta diretamente a dieta de populações pobres do resto do mundo – especialmente as mais miseráveis.
Mundo louco e complicado esse nosso…
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