GAUMUKH, A ”BOCA DA VACA”

Nessa sequência de postagens, estamos falando dos graves riscos de derretimento de importantes geleiras em altas montanhas, uma situação que está colocando as nascentes de importantes rios sob forte risco de desaparecimento. Mostramos alguns casos na Cordilheira dos Andes, a maior cadeia de montanhas da América do Sul, nas Montanhas Ruwenzori da África e na região da Cordilheira do Himalaia, as grandes montanhas da Ásia. 

Na postagem de hoje gostaria de ser um pouco mais objetivo e mostrar a situação real das nascentes do rio Ganges, o maior e mais importante rio do Subcontinente Indiano, responsável pelo abastecimento de mais de 500 milhões de pessoas na Índia e em Bangladesh. A geleira da nascente principal do rio é considerada sagrada por muitos indianos (como aliás acontce com quase tudo no país) e está desaparecendo a “olhos vistos”. 

No alto da Cordilheira do Himalaia, no Norte da Índia, existe uma gruta sob uma geleira. Os locais chamam o lugar de Gaumukh, palavra que significa “boca da vaca”, nome que passou a identificar a geleira. De acordo com a crença popular, é nesse local que a deusa Ganga assume uma forma física, que é representada pelas águas de degelo que ali se formam e que vão correr montanha abaixo na forma de um rio. Os populares a chamam de Maa Ganga, o que significa a Mãe Ganga, aquela que provê o sustento para todos os seus filhos. O nome do rio – Ganges, é uma alusão direta ao nome da deusa. 

O rio Ganges percorre cerca de 2.500 km, cortando todo o Norte da Índia até atingir a região do seu delta em Bangladesh. Ao longo desse caminho, o rio corta inúmeras cidades e provê água para o abastecimento de centenas de milhões de habitantes, além de possibilitar a irrigação de grande parte das plantações que sustentam a toda essa gente. O “sustento” que é citado na lenda é literal. 

Em meio ao clima semiárido de grandes extensões do Norte da Índia, o rio Ganges é, em muitos casos, a única fonte de água perene disponível para a população. As águas do rio Ganges são as que mais carregam sedimentos entre todos os rios do mundo, sedimentos que se depositam nas margens do rio, especialmente nas Planícies Indo-Gangéticas, a região mais densamente povoada e considerada o celeiro da Índia. Esses sedimentos são ricos em nutrientes naturais e elementos químicos como fósforo e enxofre, que fertilizam as terras e garantem boas colheitas

Aos caudais permanentes que escorrem das geleiras nas Montanhas Himalaias se juntam as águas das chuvas da temporada das Monções, um ciclo de grande abundância de águas e regulador da vida das populações locais há milhares de anos. Com a cheia dos rios, grandes volumes de sedimentos são carreados para as terras baixas das planícies e vão fertilizar esses solos para o período de plantio. A camada de argila que se acumula sobre os solos é chamada pelos locais de “terra dos deuses”. 

Uma das culturas mais tradicionais dessas planícies é o arroz, que é semeado entre os meses de junho e setembro, acompanhando o recuo das águas das enchentes. Também são essenciais as plantações de rajma, os feijões vermelhos, trigo, cevada, lentilha, milho, batatas, frutas, verduras e flores, além de uma infinidade de ervas, fungos e especiarias essenciais para a culinária indiana. Ao redor dessas plantações são criados milhões de animais como vacas, búfalos, ovelhas, cabras, cavalos, porcos, galinhas, frangos e outras aves. 

Fugindo um pouco dos aspectos físicos da geografia do rio Ganges, algo que todos nós conseguimos entender e confirmar a importância, também existe um lado espiritual dessas águas que foge completamente à nossa compreensão. Para os povos locais, principalmente da maioria hindu, as águas do rio Ganges são as mais sagradas do mundo. 

Um exemplo da fé religiosa dos hindus é repetida todos os anos numa perigosa jornada que leva centenas de milhares de pessoas até a região das nascentes do rio Ganges em Gangotre. Eles enfrentam algumas das estradas mais perigosas do mundo, vias que, em muitos trechos, não passam de um simples recorte nas encostas rochosas, tendo os altos paredões das Himalaias de um lado e profundos abismos do outro. A indestrutível fé destes crentes é o combustível que os move rumo a uma altitude de mais de 3.000 metros na busca das puras águas das nascentes do Ganges. 

Essa mesma devoção às águas sagradas do Ganges também pode ser vista na morte, quando os crentes se dirigem para locais sagrados nas margens do rio para lançar nas águas as cinzas de seus familiares mortos. A cidade de Varanasi é um desses lugares, sendo considerada um dos mais sagrados da fé hindu e o lar espiritual dos mais de 330 milhões de deuses e deusas do panteão local. Famílias de toda a Índia transportam seus falecidos entes queridos até Varanasi para que sejam cremados em cerimônias especiais.  

A cidade também recebe milhares de pessoas idosas e doentes, que almejam passar seus últimos dias na terra às margens do rio Ganges. De acordo com dogmas do hinduísmo, quem morre nas margens do Ganges, em especial na cidade de Varanasi, pode conseguir a salvação final sem ter de enfrentar uma nova reencarnação. 

Um resumo da importância do rio Ganges para os indianos pode ser lido num pequeno trecho de um livro de Jawarharlal Nehru, que foi Primeiro Ministro da Índia nos primeiros anos após a independência do país: 

“O Rio Ganges, acima de tudo, é o rio da Índia, que manteve cativo o coração da Índia e atraiu incontáveis milhões às suas margens desde a alvorada da história. A história do Ganges, de sua fonte ao mar, dos tempos antigos aos modernos, é a história da civilização e da cultura da Índia, da ascensão e queda de impérios, de cidades grandes e orgulhosas, de aventuras do homem.” 

Pois bem – desde a década de 1940, a geleira de Gaumukh (vide foto) sofreu um recuo de quase 3 km, além de perder quase 1 km na sua espessura. Esse fenômeno, conforme comentamos em outras postagens, está sendo observado em diversas geleiras da Cordilheira do Himalaia. De acordo com estudos realizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU – Organização das Nações Unidas, as geleiras dos Himalaias, onde se encontram as nascentes dos maiores rios da Ásia, podem começar a desaparecer a partir do ano de 2.035 devido ao aquecimento global e as mudanças climáticas.  

O iminente desaparecimento da geleira Gaumukh e de outras formadoras de nascentes não representará de imediato o fim do rio Ganges. Enquanto os fortes ventos da temporada das Monções empurrarem as grandes massas de nuvens na direção das encostas das Montanhas Himalaias, as chuvas cairão em abundância e as águas ocuparão a calha e as planícies ao longo do rio Ganges. Os problemas ficarão por conta do período das secas, onde a calha do rio poderá ficar completamente sem água – o Ganges poderá se transformar num enorme rio de águas temporárias. 

Também precisamos lembrar que o mesmo aquecimento global que está ameaçando as geleiras das altas montanhas também representa uma grande ameaça para o regime dos ventos e correntes marítimas do Oceano Índico. Medições sistemáticas das temperaturas das águas desse oceano, que vêm sendo realizadas desde o final do século XIX, têm indicado um aumento gradual da temperatura das águas nas últimas décadas. Uma das consequências visíveis dessas mudanças são variações nos padrões das chuvas da Monção – em algumas regiões houve um aumento das chuvas e em outros uma diminuição. 

A questão é particularmente preocupante porque alguns dos principais rios da Ásia têm suas nascentes nas geleiras do Himalaia e são responsáveis pelo abastecimento de mais de 2 bilhões de pessoas em diversos países.  

Que os deuses do grande panteão hindu nos protejam! 

AS GELEIRAS DAS MONTANHAS PAMIR NA ÁSIA CENTRAL E SEUS RIOS

A Cordilheira Pamir na Ásia Central, também conhecida como as Montanhas Pamir, é formada pela junção das cordilheiras Tian ShanKarakorumKunklun Indocuche. Elas formam o conjunto de montanhas mais altas do mundo, com alguns cumes superando a altitude de 7 mil metros. Essas montanhas surgiram como uma extensão da Cordilheira do Himalaia. 

As Montanhas Pamir se estendem pelo Tadjiquistão, Quirguistão, China, Afeganistão e Paquistão. Essas montanhas abrigam um número considerável de geleiras de altitude, onde se formam as nascentes de importantes rios da Ásia Central. Uma dessas geleiras é a Fortambeck, localizada a Oeste do Pico Korzhenevskaya no Tadjiquistão, o terceiro cume mais alto das Montanhas Pamir com 7.105 metros de altitude. Essa geleira se estende por mais de 230 km. 

A impressionante massa de montanhas das cordilheiras do Himalaia e Pamir começaram a se formar há cerca de 60 milhões de anos atrás quando a grande massa de terras do Subcontinente Indiano se chocou com a Ásia. Conforme já comentamos em postagens anteriores, o Subcontinente Indiano formava parte do supercontinente de Gondwana junto com a África, a América do Sul, a Antártida, Madagascar, Austrália, Nova Zelândia, Nova Guiné, Nova Caledônia e outras ilhas menores. 

A fragmentação de Gondwana se deu a partir da movimentação do conjunto de placas tectônicas e por força de processos de vulcanismo. A Placa Indiana ou Índica se movimentou lentamente para o Norte até se chocar com a grande massa de terras da Placa Eurasiática. A Placa Indiana avançou por baixo do Planalto Tibetano, forçando o soerguimento dos terrenos e fazendo surgir o conjunto de montanhas mais jovens de nosso planeta. 

A palavra Himalaia, que foi usada para definir a cordilheira principal, vem do sânscrito e significa “morada das neves”. Os cumes mais altos são cobertos permanentemente por neve e abrigam os maiores glaciares localizados fora da Antártida. Esses glaciares formam as nascentes de alguns dos rios mais importantes da Ásia como Indo, o Ganges, o Mekong, o Amu Daria e o Syr Dária, além do rio Yangtzé

Os rios formados nos glaciares das Montanhas Pamir não tem essa mesma magnitude, mas são extremamente importantes em uma região cercada por grandes extensões de solos áridos. Entre esses rios podemos destacar os rios Helmande, Cabul, KunarPanjPamir Hari

O rio Helmande tem 1.150 km de extensão e é o maior rio do Afeganistão. Ele nasce nas montanhas da Cordilheira de Baba no Centro-Oeste do país e corre na direção dos pântanos do Sistão, uma grande bacia endorreica que se forma na Depressão de Godzadeh na fronteira entre o Afeganistão e o Irã. Esse rio recebe a água de vários tributários com nascentes nas montanhas como o Argandabe e o Tamaque

Outro rio importante é o Cabul, que nasce nas montanhas de Sanglak no Leste do Afeganistão e que corre por mais de 700 km até desaguar no rio Indo, no Paquistão. Esse rio atravessa importantes cidades como Cabul, a capital do Afeganistão (vide foto), Charharbagh Jalalabad.  O rio Panj tem cerca de 1.125 km de extensão, se formando a partir da junção dos rios Pamir e Uacan. Esse rio delimita grande parte da fronteira entre o Afeganistão e o Tadjiquistão e tem sua foz no rio Amu Daria.

Um outro rio importante, porém, com dimensões modestas é o rio Kunar, que tem cerca de 480 km de extensão, se dividindo entre o território do Afeganistão e do Paquistão. As nascentes desse rio se formam em glaciares nas montanhas Indocuche e ele desagua no rio Cabul nas proximidades da cidade de Jalalabad

Um estudo realizado em 1990 pela ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, demonstrou que 60% da população da província de Kunar, no Leste do Afeganistão, dependia do consumo das águas desse rio, que segundo o mesmo estudo não eram potáveis. 

Outro rio de destaque é o Hari Hud, que nasce na Cordilheira Indocuche, no centro do Afeganistão, e que segue por cerca de 1.100 km atravessando o Irã e o Turcomenistão, até desaparecer no Deserto de Karakum. Ao longo do seu curso, o rio Hari Hud atravessa alguns vales famosos pela sua alta fertilidade e cultivo intenso desde a antiguidade. Quando entra no Turcomenistão o rio passa a ser chamado de Tejen ou Tedzhen

Nas Repúblicas da Ásia Central da Quirguízia, Turcomenistão e Tadjiquistão, que até poucas décadas atrás faziam parte da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, as águas vindas das nascentes das Montanhas Pamir são bem aproveitadas. Nos tempos do planejamento centralizado em Moscou, essas Repúblicas receberam a “missão” de produzir alimentos e algodão a partir de grandes sistemas de agricultura irrigada. Grandes obras hidráulicas e canais de irrigação foram construídos, permitindo o aproveitamento das águas, um uso que se manteve após a queda da URSS. 

No Irã, território para onde correm as águas de alguns dos rios com nascentes nas Montanhas Pamir, o dinheiro gerado pela venda do petróleo pode garantir os recursos necessários para um bom aproveitamento das águas em sistemas de irrigação e de armazenamento. No Paquistão, conforme comentamos em postagem anterior, é o rio Indo que garante cerca de 90% da produção agrícola do país e também o abastecimento das populações das principais cidades. 

Já no seco e pobre Afeganistão, país que vive em estado de guerra há várias décadas, esses rios são as únicas fontes de água permanentes para uso pela população. O Afeganistão tem grande parte do seu território ocupado pelas Montanhas Pamir e, consequentemente, abriga as nascentes de importantes rios. Ironicamente, cerca de 70% dessas águas correm para os países vizinhos, tornando o Afeganistão um país com poucos recursos hídricos.  

O quadro afegão se torna ainda mais dramático quando se observa que, por falta de recursos financeiros básicos, o país não consegue realizar investimentos para a implantação de sistemas de irrigação e assim aumentar a produção de alimentos necessários para atender a sua população de mais de 38 milhões de habitantes. As incertezas sobre o futuro do país aumentaram nesses últimos meses após o anúncio da retirada das tropas militares dos Estados Unidos, presentes no país desde 2001.  

Além da instabilidade política, do caos social e da ruína econômica, o Afeganistão corre o risco de ser também o país que mais poderá ser afetado pelas mudanças climáticas na Ásia Central. Com o aumento das temperaturas do planeta, há risco reais para o desaparecimento de 30% das geleiras existentes nas montanhas da região. Um exemplo do que poderá acontecer foi visto no rio Hari Hud alguns anos atrás. 

No ano 2000, toda a região da bacia hidrográfica do rio Hari Hud enfrentou uma seca prolongada e o rio acabou secando completamente por 10 meses, uma tragédia que afetou milhares de pessoas. Imaginem agora o caos que seria criado pelo desaparecimento de algum rio no Afeganistão… 

Infelizmente, é só uma questão de tempo até isso acontecer. 

VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI

UM IMPORTANTE RIO CHAMADO INDO

A gestão dos resíduos sólidos urbanos é um dos maiores problemas ambientais de nosso país. Ao contrário do que muitos “ambientalistas de ar condicionado” costumam pregar, as queimadas e a “destruição” da Floresta Amazônica não são os nossos maiores problemas ambientais. Essa ingrata posição pertence às cidades brasileiras, onde vive nada menos do que 84% dos brasileiros, o que nos dá uma clara ideia da magnitude dos problemas. 

O “tsunami” de lixo que avançou sobre praias da Paraíba e do Rio Grande do Norte, que foi apresentado em nossa última postagem, nos dá uma ideia dos problemas associados à coleta, transporte e destinação final dos resíduos sólidos. Infelizmente, os problemas não param por aí e também envolvem moradia e ocupação de áreas de riscos, enchentes, abastecimento de água, coleta e tratamentos de esgotos, ente muitos outros problemas. 

Falando de esgotos sanitários, minha área de especialização, cerca de metade da população brasileira não tem acesso a esse serviço. Fossas negras ou o simples despejo dos efluentes em córregos e outros corpos d’água ocupam o topo das soluções encontradas pelas populações. No grupo que, supostamente, conta com o serviço, parte importante do esgoto transportado não recebe o tratamento adequado. Nosso país terá um imenso trabalho pela frente até que se equacione essa questão. 

Agora, deixem-me contar uma história curiosa: 

No vale do Indo, um dos mais importantes rios do Subcontinente Indiano e quem tem sua bacia hidrográfica dividida entre a Índia e o Paquistão, surgiu há mais de 5 mil anos uma das mais importantes civilizações da antiguidade. Uma das mais impressionantes cidades desse período foi Molenjodaro, fundada por volta do ano 2.700 a.C. (algumas fontes citam 3.200 a. C.).

Localizada há época as margens do rio Indo, Molenjodaro tinha uma grande população e era um importante centro de produção de alimentos, tecidos, metais e cerâmica, entre outros produtos. A cidade se destacava no comércio da região do Oceano Índico. 

Uma das características mais impressionantes da cidade era a sua complexa rede de abastecimento de água e de coleta de esgotos. Tubulações subterrâneas, feitas de argila cozida ao sol, conduziam a água desde as nascentes até tanques na cidade, onde os moradores a coletavam em jarros; o esgoto que saía das casas corria através de condutos de tijolos sob as ruas.  Em pleno século XXI, uma grande parte das cidades brasileiras ainda não conseguiu chegar a esse modelo de infraestrutura de saneamento básico.

E não é só isso – inscrições religiosas em sânscrito, a língua sagrada desses povos antigos (ancestrais, entre outros, dos atuais hindus), traziam recomendações para o armazenamento da água em jarros de cobre e ensinava ainda que esses jarros deveriam ser colocados no fogo ou ao sol para ferver a água, ou recomendava se colocar um ferro em brasas dentro da água para purificá-la. 

O rio Indo (ou Indus) tem suas nascentes na Cordilheira do Himalaia e percorre cerca de 3.180 km até atingir sua foz no Oceano Índico. O Indo é o maior e mais importante rio do Paquistão e suas águas respondem pela irrigação e nutrição de 90% das culturas agrícolas do país. Sem as águas do rio Indo, grande parte do Paquistão se transformaria em um deserto árido – o restante do país já é hoje uma sucessão de terrenos áridos e semiáridos. E foi justamente isso o que aconteceu com Molenjodaro

Devido a fenômenos naturais, o rio Indo mudou seu curso e toda a região de Molenjodaro acabou se tornando extremamente árida. A população foi obrigada a abandonar a cidade por volta do ano 1.700 a.C. As impressionantes ruínas da cidade só seriam redescobertas em 1922 pelo arqueólogo inglês Sir John Marshall, um dos maiores pesquisadores da Civilização do Vale do Indo

O Paquistão ocupa uma área total de 796 mil km², entre o Noroeste da Índia, o Afeganistão e a China. Apesar de ser um dos poucos membros do seleto grupo de nações que possuem armamentos nucleares, o Paquistão é um país de economia essencialmente agropecuária. O país tem uma área com 22 milhões de hectares de terras agrícolas (o que corresponde a 38% da área total do país) e 43% da população economicamente ativa trabalha em atividades rurais, em agricultura e pecuária.  

Do total de terras agricultáveis, 19 milhões de hectares utilizam sistemas de irrigação para produzir e 16 milhões de hectares dependem diretamente das águas do rio Indo – observem que é uma situação bastante semelhante à do Egito em relação às águas do rio Nilo. A agricultura gera 25% do PIB – Produto Interno Bruto, do Paquistão. Um dos produtos de destaque da agricultura é o algodão, onde o país ocupa a terceira posição logo atrás da Índia e da China

Para aqueles que não sabem, o Paquistão, a Índia e Bangladesh formaram, até 1947, a maior parte do território da Índia Britânica. Para a conclusão do processo de independência e em função dos inúmeros conflitos religiosos entre os grupos hindus e muçulmanos, o antigo território foi dividido entre os grupos – Paquistão e Bangladesh (que há época era chamado de Paquistão Oriental) com maioria muçulmana de um lado e Índia, com maioria hindu, de outro. 

No processo de partilha, a região montanhosa da Caxemira, no limite entre os territórios dos dois países, ficou com uma situação indefinida, com partes anexadas pelo Paquistão e partes pela Índia. Posteriormente, a China anexou uma área da região em 1962, acirrando ainda mais a disputa regional. As tensões entre as partes, em diversos momentos, acabaram em confronto armado 

Muito mais do que a posse do território, essa região da Cordilheira do Himalaia é disputada por causa das diversas geleiras da região e, consequentemente, pela sua importância como fonte de água em uma região onde esse recurso é escasso. Existe uma desconfiança mútua entre as partes – quem assumir o controle definitivo da região poderá desviar os recursos hídricos para seu próprio território. E existem perigosos precedentes.

A China, conforme já comentamos em outra postagem, tem realizado obras hídricas na sua porção da Cordilheiras do Himalaia, especialmente na região do Tibete (ocupada pelos chineses em 1950), e está desviando cursos de água dessa região na direção do seu território. O Norte da China é extremamente árido e o Governo central está construindo inúmeros canais para aumentar a oferta de água na região. Países vizinhos do Sudeste Asiático e a Índia, prejudicados com essas obras, protestam. 

Além da complexidade da situação criada por essa disputa territorial entre todas essas nações, o aquecimento global e as mudanças climáticas estão criando as suas próprias ameaças. De acordo com estimativas dos especialistas, 1/3 das geleiras das Himalaias poderão desaparecer nas próximas décadas devido ao aumento das temperaturas na região, uma perspectiva assustadora para centenas de milhões de pessoas que dependem das águas de rios com nascentes nessas montanhas. 

A complexidade da questão ambiental em nossos dias é, simplesmente, impressionante! 

UM “TSUNAMI” DE LIXO INVADE PRAIAS DO NORDESTE BRASILEIRO

Na nossa última postagem falamos de um fenômeno climático que vem crescendo em regiões de altas latitudes do Hemisfério Norte – os “tsunamis” de gelo. Com o derretimento de volumes de gelo cada vez maiores em regiões que até agora costumavam apresentar baixas temperaturas durante a maior parte do ano, rios tem ficado abarrotados com grandes massas de gelo fragmentado – com a força da correnteza e dos ventos, esse gelo vem sendo empurrado na direção das margens e está causando problemas e riscos para as populações de muitas cidades. 

Enquanto fazia pesquisas em busca de maiores informações sobre esse assunto, passei a observar uma série de notícias que tratavam de grandes volumes de lixo que estavam sendo encontrados em praias do Nordeste brasileiro. Guardadas as devidas diferenças, essas descrições me fizeram pensar em um grande “tsunami de lixo” avançando contra as praias da Paraíba e do Rio Grande do Norte, uma analogia que não está muito longe da realidade. 

De acordo com as informações publicadas, autoridades da Secretaria do Meio Ambiente da Paraíba relatam que, desde o último dia 16 de abril, grandes volumes de lixo começaram a ser encontrados ao longo das praias da região de João Pessoa, capital do Estado. Ao que tudo indica, os detritos foram arrastados desde longas distâncias pelas correntes marítimas. 

Segundo um relatório oficial divulgado no dia 23, o volume total de resíduos recolhidos já totalizava 12 toneladas. No dia seguinte, foi feita uma atualização e a Prefeitura da cidade confirmou que o volume total recolhido já superava 40 toneladas. De acordo com informações do Secretário do Meio Ambiente, os resíduos continham embalagens plásticas, materiais publicitários, calçados, restos de documentos, entre outros materiais. 

Entre os resíduos recolhidos foram encontradas seringas, tubos de coleta de materiais para exames laboratoriais e outros itens de descarte típicos de hospitais e unidades de saúde. Essa questão é preocupante uma vez que parte dos profissionais e voluntários envolvidos nos trabalhos de limpeza não usaram os equipamentos de proteção adequados. Informações e dados impressos nos resíduos indicam Pernambuco como o local de origem. 

A partir do dia 21, notícias sobre a chegada de grandes volumes de resíduos semelhantes em praias do Rio Grande do Norte passaram a ser divulgadas. Entre as praias afetadas estão Baía Formosa, Canguaretama, Tibau do Sul e Nísia Floresta. As características dos materiais eram as mesmas e as pistas sobre a origem dos resíduos encontrados nas praias potiguares também apontavam para o Estado de Pernambuco. 

Essas situações, que lembram muito o caso das misteriosas manchas de óleo que atingiram praias em diversos Estados da região Nordeste no início de 2019, escancaram alguns dos maiores problemas ambientais do país – as questões do meio ambiente urbano. Muito se fala das queimadas e dos desmatamentos na região da Floresta Amazônica, porém, são as cidades e seus milhões de habitantes as maiores vítimas das mazelas ambientais em nosso país. E as questões ligadas aos resíduos sólidos são as mais urgentes. 

De acordo com dados divulgados pela ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, o Brasil gerou aproximadamente 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos em 2018. Como sabemos que existem muitos descartes irregulares em lixões, terrenos baldios e corpos d’água, esse volume de resíduos deve ser bem maior. 

A geração e o descarte dos resíduos sólidos nas cidades brasileiras cresceram gradativamente ao longo de grande parte do século XX, acompanhando o processo de urbanização da população observado no mesmo período. A partir da década de 1960, quando tem início o uso em larga escala de embalagens de plástico aqui em nosso país, passa a ser observado um crescimento acelerado nos volumes de resíduos sólidos urbanos, que atualmente supera a marca de 1 kg/habitante/dia. 

O crescimento dos volumes de resíduos não foi acompanhado de uma evolução adequada das metodologias de coleta e descarte final. Na grande maioria dos municípios brasileiros, os resíduos recolhidos continuaram a ser encaminhados para os famosos lixões, grandes terrenos afastados dos centros urbanos, onde os materiais eram simplesmente largados ao relento – quando muito, eram cobertos com uma camada de terra. 

Para reorganizar e disciplinar a gestão dos resíduos sólidos, foi lançada em 2010 a Política Nacional dos Resíduos Sólidos – PNRS, através da Lei nº 12.305/10. Essa nova Política tinha como objetivo principal o enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos. 

De acordo com a nova Política, todos os Municípios brasileiros precisariam elaborar e apresentar num prazo de dois anos, contados a partir de 2010, um Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, com a colaboração dos Governos Estaduais, possibilitando assim o acesso aos recursos financeiros do Governo Federal.  

O objetivo inicial declarado era acabar com os inúmeros lixões e aterros clandestinos até 2014. Infelizmente, como sempre acontece aqui em nosso país, a “tal” Política não pegou. De acordo com dados da ABTRE – Associação Brasileira de Tratamento de Resíduos e Efluentes, o Brasil tinha 2.707 lixões em 2020. Apesar de muito grande, esse número apresentou uma redução de 17% em relação a 2019, quando existiam 3.527 lixões no país, distribuídos em cerca de 1.600 municípios

Os grandes volumes de resíduos encontrados nas praias da Paraíba e do Rio Grande do Norte nada mais são do que um reflexo dessa falta de cuidado com a coleta e o descarte dos grandes volumes de resíduos, além de mostrar claramente o quanto as nossas cidades precisam evoluir para cumprir integralmente a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. 

Entre as grandes catástrofes ambientais de nossos dias, a poluição dos oceanos com resíduos de plástico é uma das maiores. Estimativas atuais indicam que um volume entre 8 e 10 milhões de toneladas de resíduos plásticos chegam aos oceanos a cada ano. De acordo com estudos recentes, esse volume de resíduos poderá triplicar até 2040. Em publicações aqui no blog já mostramos grandes ilhas de resíduos plásticos encontradas no Oceano Pacífico e no Mar do Caribe, exemplos que mostram como as coisas vão mal para os oceanos. 

Diferentemente do que muitos “ambientalistas” afirmam, a Floresta Amazônica não é o pulmão do mundo – cerca de 54% de todo o oxigênio produzido em nosso planeta vem das algas presentes nos oceanos e mares. Além de ameaçar essa vegetação marinha e sua importante produção de oxigênio, os resíduos plásticos também são fatais para os animais que vivem nessas águas. 

Um dos principais compromissos ambientais assumidos pelo Governo brasileiro na Cúpula do Clima 2021, que foram muito além das questões ligadas à preservação da Amazônia, foi o de prosseguir com a redução dos lixões clandestinos e com a implementação dos termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos. 

Isso talvez não faça muito sentido para você que acredita que questões ambientais só devam tratar de florestas. Mas saiba que cerca de 84% de todos os brasileiros vivem em cidades e questões tipicamente urbanas como os resíduos sólidos são fundamentais para todos eles. 

O TSUNAMI DE GELO EM KHABAROVSK, NA RÚSSIA, ÀS VÉSPERAS DA CÚPULA DO CLIMA 2021

Entre os dias 22 e 23 de abril, cerca de quarenta líderes mundiais se reuniram em ambiente virtual para discutir alguns dos mais importantes e graves problemas ambientais de nossos dias. Falo aqui da Cúpula do Clima 2021, capitaneada pelo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden

Havia uma preocupação grande em relação à situação do Brasil que, devido aos desmatamentos e queimadas na região da Floresta Amazônica, corria o risco de ser transformado no “grande vilão” da reunião. Felizmente, o bom senso reinou durante a conferência e as discussões foram bastante produtivas.  

Foram muitas as promessas de reduções das emissões de gases de efeito estufa, de aumento no uso de energias renováveis e na limpeza da matriz energética. Tiradas demagógicas contra o Brasil, felizmente, foram deixadas de lado nesse encontro e os líderes mundiais mostraram uma visão mais pragmática das questões envolvidas.

Um acontecimento interessante e que ocorreu bem às vésperas da Cúpula do Clima foi um grande “tsunami de gelo” que assustou os moradores da cidade de Khabarovsk, no Extremo Leste da Rússia. Grandes blocos de gelo que estavam descendo o rio Amur começaram a se acumular nas proximidades da cidade e, graças as forças da correnteza e dos ventos, começaram a avançar pelas margens, lembrando uma grande onda de um tsunami. 

A massa de gelo destruiu a grade de metal que isola uma passarela de pedestres e, por muito pouco, não atingiu alguns transeuntes que passavam no exato momento. O que chama a atenção é que esse tipo de ocorrência está se tornando cada vez mais frequente e incidentes muito parecido já ocorreram no Alasca, no Canadá e na Groenlândia, entre muitos outros lugares

O rio Amur se forma a partir da junção de vários rios com nascentes na região das Montanhas Altai, que ficam localizadas na fronteira entre a Rússia, a China e o Cazaquistão. O rio segue no sentido Leste por mais de 2.500 km até a sua foz no Mar de Okhotsk, no Estremo Leste da Rússia. Nesse período de início da primavera no Hemisfério Norte, o rio Amur recebe grandes quantidades de neve derretida e fragmentos de gelo. Nos últimos anos, porém, com o aumento gradual da temperatura na região, os volumes de gelo no rio têm aumentado bastante. 

No Alasca, Estado norte-americano que fica dentro do Círculo Polar Ártico, os tsunamis de gelo também estão se tornando perigosamente frequentes. Uma reportagem recente mostrou o caso da região de Barry Arm, um pequeno estreito localizado na Baía de Prince William Sound, no Golfo do Alasca. 

Com o aumento das temperaturas da região nos últimos anos, os moradores tem observado um grande aumento nas massas de gelo que descem dos terrenos mais altos durante o chamado degelo da primavera. Existe uma preocupação real com o deslizamento de milhões de toneladas de gelo e pedras, o que poderia gerar um grande tsunami de gelo e que seguiria na direção das casas de centenas de moradores do lugar. 

A preocupação da população tem um grande fundamento – o maior tsunami já registrado na história ocorreu no Alasca em 1958. Batizado de megatsunami da Baía Lituya, a catástrofe foi gerada por um terremoto de magnitude 7,8 graus na escala Richter. Os deslizamentos de terra movimentaram um volume aproximado de 30 milhões de metros cúbicos de rocha e gelo para a entrada estreita da baía.  

O tsunami gerado criou ondas de até 30 metros de altura (segundo o relato de testemunhas oculares) e causou destruição em locais com altitudes de até 520 metros acima do nível do mar. E como lembra um antigo ditado – “gato escaldado tem medo de água fria”, os moradores locais temem a repetição da tragédia a partir de um tsunami de gelo. 

Conforme mostramos em postagens recentes, geleiras localizadas no alto de grandes cadeias montanhosas como os Andes, na América do Sul, os Montes Ruwendozi, na África, e a Cordilheira do Himalaia, na Ásia, estão ameaçadas pelo aumento das temperaturas globais. Essas geleiras, que também são chamadas de glaciares, formam as nascentes de grandes e importantes rios, que abastecem centenas de milhões de pessoas.  

Além das geleiras das montanhas, o aquecimento global também está provocando o derretimento de imensas massas de gelo em regiões de altas latitudes – um exemplo é a Groenlândia, gigantesca ilha localizada ao largo da América do Norte. Pelo andar da carruagem, conforme eu especulei em uma postagem, o aumento das temperaturas do planeta e o derretimento da calota de gelo poderá transformar a Groenlândia em uma área agrícola dentro de poucas décadas. 

Sinais evidentes do aquecimento global também podem ser vistos na Sibéria, região da Rússia que sempre foi sinônimo de frio extremo. Em junho de 2020, época em que os termômetros da Sibéria costumavam atingir temperaturas máximas de verão ente 10 e 14° C, a cidade de Verkhoyansk registrou inacreditáveis 38° C, temperatura típica do verão do Rio de Janeiro. 

Com o aumento da frequência de ciclos de temperatura tão mais altos que a média em regiões frias, existe um risco real do aumento das ocorrências dos tsunamis de gelo, o que fatalmente poderá desencadear em grandes destruições em cidades localizadas às margens de grandes rios e, muito pior, tais eventos poderão resultar na morte de pessoas. 

Os gases de efeito estufa figuram no topo da lista dos principais responsáveis pelo aumento das temperaturas do planeta. Esses gases, onde destacamos o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), são liberados pela queima de combustíveis fósseis como os derivados de petróleo e o carvão mineral, assim como em outras atividades humanas como indústrias, transportes, agricultura e pecuáriao processo digestivo de uma vaca, por exemplo, pode gerar entre 70 e 120 kg de metano em um ano

Um discurso que vinha sendo alimentado há algum tempo e que felizmente parece ter sido deixado de lado dizia que as queimadas da Amazônia eram as grandes responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa e, consequentemente, eram as principais responsáveis pelo aumento das temperaturas globais. Esse discurso não sobrevive a uma simples análise das emissões dos demais países do globo. 

O país que mais produz gases de efeito estufa é a China, sendo responsável por quase 1/3 das emissões globais. Na sequência vem os Estados Unidos, com 15% das emissões, a Índia com 7%, a União Europeia com 6% e o Brasil, já distante do topo, com 3%, sendo que cerca de 40% das emissões brasileiras tem sua origem na agropecuária. Como é bem fácil perceber, estamos muito longe de sermos os vilões do clima mundial, porém, não estamos isentos de dar a nossa contribuição para melhorar a situação.

Líderes das mais importantes economias do mundo assumiram diversos compromissos públicos no sentido da redução das suas emissões de gases de efeito estufa e do aumento da geração de energia a partir de fontes renováveis. A situação ambiental de nosso planeta é preocupante e vamos torcer para que essas promessas e compromissos assumidos na Cúpula do Clima sejam efetivamente colocados em prática. 

“AS NEVES DO KILIMANJARO”, OU FALANDO DO DESAPARECIMENTO DE GELEIRAS NA ÁFRICA

As primeiras notícias conhecidas sobre montanhas com picos cobertos de neve no escaldante continente africano remontam a Cláudio Ptolomeu – matemático, geógrafo, astrônomo e cartógrafo da antiguidade. Ptolomeu era de origem grega, mas nasceu em Alexandria, no Egito, no ano 90 a.C. A descrição de Ptolomeu, baseada em relatos de viajantes, cita as Montanhas da Lua, uma pequena cordilheira com altas montanhas na região das nascentes do rio Nilo. A existência de montes nevados na África seria considerada uma verdadeira fantasia por muitos e muitos séculos. 

A primeira expedição europeia para a região, conhecida atualmente como os Montes Ruwenzori ou Rwenzori, ocorreu em 1889 e foi comandada por Henry Morton Stanley, um jornalista britânico que ficou famoso em todo o mundo por sua viagem a procura de David Livingstone através da África. A região foi elevada à categoria de Patrimônio Mundial pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, e tem a maior parte de sua área distribuída entre o Parque Nacional dos Montes Ruwenzori, em Uganda, e o Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo. Uma parte das montanhas fica dentro do território da Tanzânia

A fama mundial da região e de suas montanhas nevadas veio em 1936, quando o já famoso escritor norte-americano Ernest Hemingway publicou o conto “As neves do Kilimanjaro” na Revista Esquire. Em 1952, o conto foi adaptado para o cinema com o mesmo nome e foi estrelado por Gregory PeckSusan Hayward e Ava Gardner. Com o sucesso do livro e do filme, os Montes Ruwenzori e, em particular, o Monte Kilimanjaro foram transformados numa das maiores atrações turísticas da África. 

A grande atração africana, infelizmente, está com os seus dias contados – de acordo com declaração do Secretário-assistente da ONU – Organização das Nações Unidas, Satya Tripathi em 2019, as últimas neves do Monte Kilimanjaro irão derreter até 2030 devido aos efeitos do aquecimento global. As fotos abaixo foram tiradas por um satélite da NASA – Administração de Espaço e Aeronáutica dos Estados Unidos, na sigla em inglês, e mostram o Monte Kilimanjaro em 1994 e em 2001. A diferença no volume de gelo é alarmante!

Quando a expedição liderada por Luisi Amadeu de Saboia atingiu o cume do Monte Kilimanjaro, que tem uma altura de 5.900 metros, pela primeira vez em 1906, existiam nas montanhas da região 43 glaciares ou geleiras, distribuídos em seis picos de montanhas e ocupando uma área total de 7,5 km². Em 2005, o número de glaciares já havia caído pela metade e a massa de gelo estava reduzida a apenas 1,5 km². Estimativas atuais afirmam que mais de 80% dos glaciares da cordilheira já desapareceram

A cordilheira onde se encontram os Montes Ruwenzori tem cerca de 120 km de comprimento e 65 de largura, e surgiu a partir dos choques entre as placas tectônicas da África e da Arábia. Foram essas mesmas forças que formaram o  Rift Valley ou a Grande Fenda da África. As geleiras se formaram há cerca de 12 mil anos atrás, período que foi muito chuvoso na região, e estavam resistindo até os nossos dias. 

As geleiras dos Montes Ruwenzori enfrentam os mesmos problemas de geleiras na Cordilheira do Himalaia, na Cordilheira dos Andes, nos Alpes e em outras montanhas de todo o mundo – o aumento das temperaturas globais. Alguns dos mais importantes rios do mundo são formados a partir da água resultante do degelo desses glaciares no alto de montanhas. O aumento acelerado das temperaturas do planeta ameaça as geleiras, um problema que põe em cheque o abastecimento de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo. 

Conforme comentamos na postagem anterior, as temperaturas do nosso planeta estão aumentando devido à uma concentração cada vez maior de gases de efeito estufa na atmosfera. Entre esses gases destacam-se o dióxido de Carbono (CO2) e o Metano (CH4), além do vapor de água. O efeito estufa é um fenômeno natural e essencial para a vida no planeta Terra, porém, quando suas consequências ultrapassam certos limites, ele se transforma em um grande vilão do clima.

A queima de combustíveis fósseis como o carvão mineral e os derivados de petróleo estão entre as maiores fontes dos gases de efeito estufa. Também entram na lista as queimadas, a agricultura, as indústrias, os rebanhos bovinos e ovinos, entre outros. O derretimento de grandes massas de gelo em todo o mundo é o sinal mais evidente das mudanças climáticas em andamento. 

Além do derretimento dessas geleiras, as mudanças climáticas na África ficam muito evidentes quando se observa o avanço do Deserto do Saara rumo ao Sul do Continente e o aumento das chuvas em regiões do Leste Africano. Também merece destaque o aumento da intensidade das secas em Áreas do Sul, do Sudeste e Leste africano, problemas que estão ligados diretamente a mudanças climáticas no Oceano Índico

Na Tanzânia, os caudais de diversos rios com nascentes formadas a partir do derretimento do gelo dos glaciares dos Montes Ruwenzori já foram reduzidos à metade, o que vem criando uma série de problemas para o abastecimento de inúmeras aldeias.  

A fama e as paisagens das geleiras em meio ao clima quente das Savanas (vide foto principal) trazem cerca de 20 mil turistas a cada ano para a região do Monte Kilimanjaro, onde inclusive existe um grande aeroporto internacional. As autoridades da Tanzânia e dos países vizinhos temem a perda dessa importante fonte de receitas em moeda estrangeira. Sem as neves do Kilimanjaro e de outras montanhas, o interesse pela região deverá cair muito – existem inúmeras montanhas cobertas por gelo na Europa, na América do Norte e na Ásia, países de origem da grande maioria dos turistas que visitam essa região da África.

Em 2010, uma geleira localizada no Pico Margherita, um dos cumes gêmeos do Monte Stanley, partiu ao meio. Essa é a terceira montanha mais alta da África e está localizada na divisa entre Uganda e o Congo, fazendo parte da cordilheira dos Montes Ruwenzori. Grandes blocos de gelo se deslocaram e bloquearam uma rota segura que os alpinistas usavam para chegar ao cume. Com a mudança nas condições de segurança, muitos alpinistas deixaram de visitar a formação. O ocorrido, é claro, se deu por causa da diminuição da massa de gelo e ilustra claramente os impactos que o derretimento das geleiras já vem provocando no turismo da região.

Torçamos todos para que a Cúpula do Clima 2021, que começou a ser realizada virtualmente ontem, consiga chegar a resultados práticos no controle e redução das emissões de gases de efeito estufa e que consigamos salvar o pouco que ainda restou das geleiras africanas.

VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI

AQUECIMENTO GLOBAL, CÚPULA DO CLIMA E OS RISCOS PARA AS GELEIRAS DAS GRANDES CADEIAS MONTANHOSAS

Uma notícia que vem ocupando espaços nas manchetes de jornais e de portais de notícias em todo o mundo há várias semanas é a realização da Cúpula do Clima 2021, que será feita de forma virtual a partir do dia 22 de abril. Mais de 40 líderes mundiais participarão do evento e, como muitos de vocês já devem ter observado, o Brasil chega com um enorme “telhado de vidro”. 

De acordo com o discurso que, já há muito tempo é repetido por muitos líderes mundiais, o Brasil é o grande vilão do clima planetário devido aos grandes desmatamentos e queimadas na Amazônia. De acordo com o “texto ensaiado e repetido à exaustão”, as queimadas na Amazônia são as responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa, os principais responsáveis pelo aquecimento global, além da destruição do “pulmão do mundo”.  

Os gases de efeito estufa, onde se destacam o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), são liberados pela queima de florestas, como nas alegadas queimadas da Floresta Amazônica, mas também por uma infinidade de outras atividades humanas: indústrias, transportes, queima de combustíveis fósseis como o carvão e os derivados de petróleo, agricultura e pecuária, entre muitas outras. Um exemplo: os processos digestivos de animais domésticos como vacas, bois e carneiros liberam imensas quantidades desses gases (através de arrotos e “pums”)Aliás, cerca de 18% das emissões totais de gases de efeito estufa são geradas por rebanhos bovinos e ovinos de todo o mundo.

Quando pessoas honestas e bem intencionadas fazem os devidos cálculos sobre os volumes e os principais emissores desses gases, conclui-se que o Brasil, o dito “vilão do clima global”, responde apenas por 3% das emissões globais de gases de efeito estufa – menos da metade desse total está ligado à queima de florestas e a agricultura

Os gases de efeito estufa têm um importante papel na regulação da temperatura de nosso planeta. Esses gases formam uma espécie de “escudo” na atmosfera, que absorve parte da radiação infravermelha refletida pela superfície terrestre. Esse mecanismo natural, que impede que a temperatura do planeta apresente grandes oscilações de temperatura entre os dias e as noites, foi fundamental para a consolidação da vida na Terra.

Com o aumento das emissões desses gases por atividades humanas, principalmente a partir da Revolução Industrial iniciada em meados do século XVIII, esse mecanismo começou a ser alterado. O volume de gases de efeito estufa na atmosfera aumentou muito, se refletindo em um aumento das temperaturas no planeta. Um efeito já bastante visível do aquecimento global é o derretimento de grandes quantidades de gelo na Antártida, no Ártico e, especialmente, de geleiras (ou glaciares) no alto de grandes montanhas. 

Um exemplo bem próximo de nós brasileiros está acontecendo na Cordilheira dos Andes, grande cadeia montanhosa que se estende desde a Terra do Fogo, no Sul do Continente, até o Norte da Venezuela e da Colômbia. Geleiras localizadas no alto de montanhas andinas estão perdendo grandes volumes de suas massas de gelo, um problema que afeta a disponibilidade de água nesses países. Grandes e importantes rios da região têm suas nascentes formadas a partir do derretimento do gelo dessas montanhas. 

Um caso de destaque são os riscos criados pelo aquecimento global para as grandes geleiras da Cordilheira do Himalaia, a mais alta cadeia montanhosa do mundo. Alguns dos mais importantes rios da Ásia têm suas nascentes alimentadas pelas águas de degelo desses glaciares. Entre esses rios destacam-se o Indus, o Ganges e o Brahmaputra, os três mais importantes do Subcontinente Indiano. O rio Ganges, citando um exemplo, responde pelo abastecimento de mais de 500 milhões de pessoas na Índia e em Bangladesh

Também entram nessa lista o rio Irauádi, que corta Myanmar no sentido Norte/Sul, e o rio Mekong, o maior e mais importante rio do Sudeste Asiático com mais de 4.350 km de extensão. Dois dos maiores rios da China, o YangTsé (rio Azul) e o Huang-Ho (rio Amarelo) também tem suas nascentes em geleiras nas montanhas Himalaias. Os chineses, inclusive, têm feito grandes obras de engenharia para desviar outros rios, principalmente da região do Tibete, na direção do seu território, uma prática que está incomodando países vizinhos. 

Os dois principais rios da Ásia Central, o Amu Daria e o Syr Daria, também têm suas nascentes alimentadas por geleiras nas Montanhas Himalaias. As águas desses rios vêm sendo utilizadas há várias décadas para irrigação de grandes áreas agrícolas com solos áridos e semiáridos em países como o Quirguistão, Turcomenistão e Tadjiquistão. Conforme comentamos em outras postagens, o uso indiscriminado dessas águas pela irrigação levou o Mar de Aral ao colapso. 

Sem precisar fazer grandes esforços matemáticos, é bem fácil chegar à conclusão que as águas desses e de outros importantes rios com nascentes nas montanhas da Cordilheira do Himalaia atendem as necessidades de abastecimento e de produção agrícola de uma população próxima de 2 bilhões de pessoas na Ásia. A simples menção da possibilidade do derretimento de parte das geleiras dessas montanhas e, consequentemente, a diminuição dos caudais desses rios, tira o sono de muita gente. 

Infelizmente, essa possibilidade é real e já tem até uma data marcada para começar. De acordo com estudos realizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU – Organização das Nações Unidas, cerca de 1/3 das geleiras das Himalaias, onde se encontram as nascentes dos maiores rios da Ásia, podem começar a desaparecer a partir do ano de 2.035 devido ao aquecimento global e as mudanças climáticas

Para que todos tenham uma rápida ideia dos impactos de uma catástrofe ambiental dessas proporções – se consultarmos a imagem de um mapa (o Google Maps, por exemplo) que mostre o entorno Leste e Noroeste da Cordilheira do Himalaia, vamos encontrar uma extensa região com solos áridos e semiáridos, onde se inclui desde o Rajastão, Estado do Noroeste da Índia, o Paquistão, o Afeganistão, além de partes do Irã e da Ásia Central. Essa região possui mais de 350 milhões de habitantes 

As regiões na cor verde mostradas nesse mapa, onde existem florestas e plantações, estão concentradas nos vales das encostas das montanhas Himalaias e ao longo dos vales de grandes rios como o Indus, no Paquistão, e os rios Amu Daria e Syr Daria, na Ásia Central. A maior parte dos solos ao longo desse grande arco será representada por cores em tons areia, a mais adequada para mostrar a aridez desses solos. 

Sem as águas do degelo dos glaciares das montanhas da Cordilheira do Himalaia, toda a agricultura nessa extensa região, que hoje já enfrenta problemas que vão desde a redução da disponibilidade de recursos hídricos à desertificação de solos, ficará quase que totalmente inviabilizada. 

O aquecimento global e todo um conjunto de mudanças climáticas que já estão sendo observadas em diversas partes do mundo são eventos extremamente graves e urgentes, que exigem a busca de soluções em escala global e não podem ser tratados apenas com a linguagem demagógica que muitos líderes globais vêm adotando. 

Querer jogar toda a culpa desses eventos graves nas costas do Brasil, sob a suposta alegação que a destruição da Floresta Amazônica é a principal causa de tudo isso é, no mínimo, uma grande brincadeira. 

AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO OCEANO ÍNDICO E SEUS IMPACTOS NAS CHUVAS DA MONÇÃO

Na última postagem fizemos uma rápida incursão nos problemas de desertificação e/ou de perda de fertilidade que estão se multiplicando em terras por toda a Índia. Os números do problema, conforme a fonte consultada, falam de uma área total entre ¼ e 1/3 do território do país. Em qualquer lugar do mundo, esses números seriam altamente preocupantes – na Índia, país que tem mais de 1,3 bilhão de bocas para alimentar todos os dias, a situação é simplesmente desesperadora 

Uma das principais causas desse problema é a devastação de áreas florestais – dados oficiais do Governo indiano indicam que 1,5 milhão de hectares de florestas foram destruídas no país somente entre 1980 e 2019; pelo menos 1/3 dessas áreas passaram a abrigar atividades de mineração, outra grande vilã dos problemas de solos. Também falamos da redução da disponibilidade de águas, especialmente para uso na agricultura, e do uso inadequado de solos por essas atividades. 

Além desses problemas locais, a Índia vem sendo ameaçada por duas tragédias de escala global: os riscos de derretimento de geleiras nas Montanhas Himalaias, tema que trataremos na próxima postagem, e também com alterações nas correntes marítimas e em ventos no Oceano Índico criadas pelas mudanças climáticas. Essas mudanças tem provocado alterações nos padrões de chuva em extensas áreas do continente africano e também alterado as Chuvas da Monção que caem sobre o Subcontinente Indiano e Sudeste Asiático. 

Monção são ventos sazonais, geralmente associados a alternâncias entre as estações das chuvas e da seca, e ocorrem em regiões costeiras tropicais e subtropicais de todo o mundo. No Oceano Índico o fenômeno é bastante intenso e é muito comum se usar a expressão Chuvas da Monção para falar do período das chuvas intensas que marcam o ritmo da vida em diversos países.  

Até anos bem recentes, tanto o período quanto o volume dessas chuvas eram razoavelmente regulares e suas águas eram fundamentais para as práticas agrícolas. Essas chuvas estão cada vez mais imprevisíveis, com regiões recebendo volumes muito acima da média e outras sofrendo com a seca. Cerca de 2 bilhões de pessoas vivem em países da região como Índia, Paquistão, Myanmar, Malásia, Indonésia e Filipinas, entre outros, e estão sofrendo com a irregularidade dessas chuvas. 

De todos os grandes oceanos do planeta, o Índico é o que, proporcionalmente, mais sofre com as interferências das mudanças climáticas na Antártida. O derretimento de grandes massas de gelo no Polo Sul tem provocado alterações nas correntes marítimas do Oceano Índico que, combinadas com o aumento da tempertura das águas, tem reflexos diretos na formação e no deslocamento das massas de umidade que atingem a África e a Ásia. 

As medições sistemáticas da temperatura das águas do Oceano Índico começaram em 1880. Nos últimos anos, estas medições têm encontrado aumentos sucessivos nas temperaturas das águas: em 2010, foi observado um aumento de 0,70° C em relação à média histórica; em 2011, a temperatura média caiu um pouco e mostrou um aumento de 0,58° C; em 2012, o aumento foi de 0,62° C e em 2013, o aumento foi de 0,67° C. Nos anos seguintes, foram registrados recordes sucessivos de aumento da temperatura: 0,74° C em 2014, 0,90° C em 2015 e 0,94° C em 2016 (não encontrei os valores mais recentes).  

No Golfo de Bengala, que se estende entre o Leste da Índia, Sul de Bangladesh e Oeste de Myanmar, essas alterações nas correntes marítimas e nos ventos vem provocando um aumento gradativo no nível das águas do Oceano Índico. Em 2017, esse aumento do nível das águas do oceano levou ao desaparecimento de uma pequena ilha com 10 km² que era disputada entre a Índia e Bangladesh. Os indianos chamavam a ilha de New Moore e os bengaleses de Talpati. Foram mais de dez anos de erosão contínua até o completo desaparecimento da ilha. 

O aumento do nível das águas do Golfo de Bengala também vem sendo observado nas terras baixas do Delta do rio Ganges e do rio Meghna, que se forma a partir da junção das águas dos rios Brahmaputra, Surma e de parte do rio Ganges. A língua salina, nome que é dado a uma corrente de água salgada que entra na foz de um rio, tem avançado cada vez mais pelos canais de água doce e provocado a salinização de solos e de águas do lençol freático. A região do Delta do rio Ganges possui alguns dos solos mais férteis do mundo e concentra grande parte da produção de grãos da Índia e a maior parte da produção de Bangladesh

A temporada das Chuvas da Monção é fundamental para a recarga de aquíferos em todo o Subcontinente Indiano. Além dos famosos Ganges e Brahmaputra, rios que tem suas nascentes nas geleiras das Himalaias, a região abriga uma infinidade de grandes e importantes rios como Yamuna, Gandak, Mahi, Sone, Chambal, Tapi, Sutlej, Chenab, Jelum, Mahanadi, Ghaghara, Krishna, Kaveri, Kosi, Sarayu, entre muitos outros. A maioria esmagadora desses rios dependem exclusivamente das águas das Chuvas da Monção para a formação dos seus caudais. 

Com a irregularidade dessas chuvas, muitos desses rios vem alternando grandes temporadas com caudais bem abaixo da média com períodos de enchentes avassaladores, problemas que estão afetando a vida de centenas de milhões de pessoas. Um outro lado da irregularidade dos volumes de águas superficiais é um aumento da pressão sobre as águas subterrâneas. Uma quantidade cada vez maior de poços, muitos de grande profundidade, são abertos todos os anos para a captação de águas profundas, resultando num esgotamento acelerado desses recursos. 

Somando-se a toda uma lista de problemas ambientais, a redução da disponibilidade de água tem como resultado um aumento da aridez de várias regiões da Índia. Essa aridez, vale a pena ressaltar, não afeta apenas as áreas agrícolas, mas também os remanescentes florestais espalhados por todo o país, que também dependem das águas das chuvas para sobreviver. 

Todos nós brasileiros conhecemos o drama criado pela seca na Região do Semiárido Nordestino. Aqueles que nunca sentiram o problema na própria pele, conhecem pelo menos as histórias dramáticas vividas em vários períodos diferentes por essas populações. Multiplique esses dramas e essas histórias algumas dezenas de vezes para entender o que está acontecendo na Índia atualmente. 

O lado mais preocupante dessa situação é que os pesquisadores ainda não têm certeza do quanto esse problema ainda pode se agravar e de quais outras regiões da Ásia, da África e também da Oceania (a faixa Norte da Austrália recebe parte das Chuvas da Monção) poderão ser afetadas pelas mudanças climáticas no Oceano Índico. 

Infelizmente, os problemas na região não param por aqui – as mesmas mudanças climáticas que estão afetando o ciclo das Chuvas da Monção também estão ameaçando as geleiras das Montanhas Himalaias. Além dos rios Ganges e Bhamaputra, essas geleiras formam as nascentes de outros importantes rios da Ásia e do Sudeste Asiático – Indus, Mekong, Amu Daria e Syr DariaYang-tzé, entre outros, agravando ainda mais processos de desertificação de terras em muitas regiões. 

Falaremos disso na próxima postagem. 

A DESERTIFICAÇÃO AMEAÇA UM QUARTO DO TERRITÓRIO DA ÍNDIA

A Índia abriga a segunda maior população do mundo logo atrás da China. São 1,366 bilhões de habitantes vivendo em um território com pouco mais de 3,2 milhões de km², ou cerca de 37% do território do Brasil. Para deixar o quadro mais dramático – a Índia ocupa um território equivalente a 2% da superfície continental da Terra, mas abriga 17% da população mundial

Pessoas precisam de alimentos, água, roupas, moradias, trabalho e energia, entre outras necessidades básicas. E num país com uma população tão grande como a da Índia, conseguir atender a todas essas necessidades básicas é um desafio simplesmente hercúleo. De acordo com dados oficiais do Governo, somente para atender ao crescimento vegetativo da população, é necessária a criação de 1 milhão de novos empregos a cada mês

Vamos nos ater à especialidade do nosso blog: recursos hídricos. A escassez de água, que é um dos grandes desafios da humanidade nesses nossos tempos, na Índia é um drama diário vivido por grande parte da população. Em 1950, a disponibilidade de água por habitante no país era da ordem de 5.177 litros por ano. Em 2011, essa oferta caiu para 1.820 litros por ano – para o ano de 2050, essa disponibilidade deverá cair ainda mais, chegando ao valor de 1.140 litros por ano para cada habitante.  

Entre as principais razões para essa forte queda na disponibilidade de água estão o grande crescimento populacional, a poluição das fontes de água por esgotos domésticos e industriais, desmatamentos e mudanças climáticas. As famosas “Chuvas da Monção“, uma fortíssima temporada de precipitações que ocorrem em todo o sudeste asiático, está ficando cada vez mais irregular na Índia. 

A agropecuária é, em qualquer lugar do mundo, uma das maiores consumidoras de água entre todas as atividades humanas – em média, perto de 70% dos recursos hídricos disponíveis em uma região acabam sendo usados por atividades agrícolas e pecuárias. A Índia não foge a essa regra e grande parte da água disponível no país é usada para esses fins – o país tem mais de 1,3 bilhão de bocas para alimentar. 

Em uma entrevista em 2014, o então Ministro do Meio Ambiente da Índia, Prakash Javadekar, afirmou que “cerca de um quarto das terras da Índia estão se transformando em deserto e a degradação de áreas agrícolas é um problema grave”. O Ministro também alertou para os graves riscos para a segurança alimentar da população. 

Cerca de 70% da população indiana vive em áreas rurais, trabalhando em atividades ligadas à terra – especialmente agricultura e criação de animais. Essas atividades são as grandes geradoras de emprego e renda para a população. Calcula-se que 30% das áreas agrícolas do país, principalmente em áreas de clima árido e semiárido, sejam atendidas por sistemas de irrigação, que vão desde os tradicionais canais de inundação até os sistemas aspersores centrais com pivô.  

Conforme já apresentamos em postagens anteriores, irrigação e agricultura em regiões áridas e semiáridas podem ser a metade do caminho para processos de desertificação. E a Índia parece não fugir a essa regra. 

Além do uso intensivo e, muitas vezes, inadequado dos solos, a Índia também vem sofrendo muito com a devastação da cobertura vegetal. Antes da chegada dos “colonizadores” europeus, especialmente dos britânicos no século XVII, a maior parte do território da Índia era coberto por uma densa floresta tropical. Se você já assistiu ao filme ou já leu “O Livro da Selva”, de Rudyard Kipling, terá uma boa ideia do que estou falando. Um dos contos do livro fala de Mogli, um menino que foi criado pelos lobos e que vivia numa densa e luxuriante floresta, uma paisagem que cada vez mais faz parte de um passado distante da Índia. 

Com a necessidade de madeiras, minerais, alimentos e de outras matérias primas como algodão para as tecelagens da Inglaterra dos tempos da Revolução Industrial, as florestas indianas foram sendo gradativamente destruídas. Mesmo após a independência da Índia em 1947, essa devastação ambiental continuou. Nós brasileiros conhecemos muito bem o roteiro dessa história – aconteceu e acontece o mesmo aqui em nossas terras com a Mata Atlântica e outros sistemas florestais.  

De acordo com dados oficiais do Ministério do Meio Ambiente, Florestas e Mudanças Climáticas da Índia, cerca de 1,5 milhão de hectares de florestas foram destruídas no país entre 1980 e 2019. Cerca de 500 mil hectares sucumbiram em projetos de mineração; o restante foi destruído para implantação de obras de infraestrutura como hidrelétricas, rodovias e linhas de transmissão. Também são significativos os usos de madeira para geração de energia térmica – lenha para cozinhar e produção de carvão vegetal. 

Também precisamos incluir nessa conta a redução da disponibilidade de água em muitas regiões, o que vem se refletindo no aumento da aridez de extensas áreas. Além dos problemas já citados, existe um outro ainda mais preocupante: os desvios de águas que estão sendo feitos pela China. 

Muitos dos grandes rios do subcontinente indiano, como o rio Ganges e o Brahmaputra, nascem a partir das águas do derretimento das geleiras nas Himalaias. A China, país que enfrenta graves problemas de falta de água no Norte do seu território, vem construindo barragens no Tibete (território que foi ocupado pelos chineses na década de 1950 e transformado em território autônomo da China em 1965) e desviando grandes volumes dessas águas das geleiras para o seu próprio território, o que agrava ainda mais a situação da Índia. 

O somatório de uso inadequado dos solos, redução da disponibilidade de água, destruição de florestas e grandes projetos de mineração, entre outros problemas, tem se refletido num aumento descontrolado dos solos degradados e/ou em processo de desertificação. As estimativas mais recentes afirmam que mais de 100 milhões de hectares, ou perto de 32% das terras do país, apresentam queda de produtividade e/ou sinais graves de degradação

Um estudo feito pela Organização de Pesquisa Espacial da Índia em 2007, já alertava sobre os graves riscos de desertificação na Índia. Segundo esse estudo, 69% das terras do país estão mais secas e, portanto, mais vulneráveis à erosão hídrica e eólica, e também sob risco de salinização. Os Estados indianos mais vulneráveis são Rajasthan, Gujarat, Punjab, Haryana, Karnataka e Andra Pradesh, regiões de grande destaque na produção de grãos como o trigo e a colza, além de algodão. Ao longo dos últimos anos a situação se agravou ainda mais

Um exemplo da situação crítica nesses Estados: até cerca de 50 anos atrás, de acordo com reportagem recente do jornal local Economic Times, os agricultores da região de Gujurat, no Norte da Índia, alcançavam as reservas subterrâneas de água em poços com profundidades entre 10 e 12 metros. Atualmente, muitos dos poços precisam atingir uma profundidade de até 400 metros para que se encontre água em pequenas quantidades. Essa situação, de grave estresse hídrico, se repete em áreas rurais de todo o país e contribui cada vez mais para a degradação e desertificação dos solos. 

Continuaremos na próxima postagem. 

ASSEMBLEIA NACIONAL DA FRANÇA DEBATE A PROIBIÇÃO DOS VOOS DOMÉSTICOS NO PAÍS

Quem é leitor habitual do blog, muito provavelmente, deve estar estranhando o título da postagem de hoje. Nas últimas semanas falamos bastante dos impactos da Covid-19 na produção agrícola em diversos países e depois passamos a falar de outros problemas associados aos solos como a desertificação

Então, saindo do nada, aparece uma postagem falando de voos domésticos na França. Eu explico. 

Em mais um movimento político estranho para um momento tão complicado da humanidade, o Presidente da França, Emmanuel Macron, está capitaneando as forças políticas do país no sentido de aprovar uma nova legislação que restrinja o número de voos domésticos dentro da França. De acordo com o projeto em debate, voos domésticos com duração menor que duas horas e meia, e cujos trajetos possam ser feitos através de trens poderão ser proibidos. O objetivo da nova política é reduzir as emissões de carbono dos aviões. 

Desde o início da pandemia, com as inúmeras restrições que foram criadas para impedir a circulação de pessoas entre os países e, assim, diminuir as chances de propagação da Covid-19, as emissões de carbono produzidas pela aviação comercial foram reduzidas em cerca de 60% no mundo. Somente nos Estados Unidos, um dos maiores mercados da aviação comercial, 8 mil aviões de médio e grande porte estão parados.  

Milhares de funcionários dessas empresas perderam os seus empregos ou fizeram acordos para reduzir drasticamente seus salários. Muito pior – um grande número de empresas está correndo o sério risco de ir à falência devido à queda brutal de suas receitas.  

Mesmo com a maior parte de suas frotas no chão, essas empresas precisam continuar pagando o leasing (sistema de aluguel) das aeronaves, realizar serviços de manutenção para manter os equipamentos com as mínimas condições de operação, pagar pelo “estacionamento” e segurança dos aviões, entre outras despesas fixas. Ou seja – as empresas não estão faturando quase nada, mas precisam continuar gastando, e muito. 

O Presidente Emmanuel Macron, como todos devem se recordar de postagens já publicados aqui, resolveu se tornar uma espécie de paladino da causa ambiental mundial desde de 2019. Naquele ano, em meio às grandes queimadas que estavam assolando grandes extensões do Cerrado e de partes da Amazônia, Macron resolveu elevar a sua voz em defesa da “Nossa Amazônia” – chegou inclusive a defender o uso de armas nucleares contra o Brasil caso o nosso país não tomasse medidas para conter essas queimadas. 

Há poucas semanas atrás, o mesmo Macron passou a defender uma “ridícula” proposta para o aumento substancial da produção de soja dentro do território francês, tornando o seu país autossuficiente em relação à soja brasileira. Segundo o discurso do líder francês, essa medida vai evitar a compra de soja produzida em “terras onde a Floresta Amazônica foi queimada”. Agora, seguindo nessa mesma direção, a França quer assumir mais uma vez o protagonismo na defesa do meio ambiente proibindo os voos regionais. 

Qualquer pessoa de bom senso, grupo do qual eu imagino fazer parte, sabe da importância e da urgência na defesa dos recursos naturais do nosso planeta. As postagens aqui do blog, que são voltadas quase que exclusivamente a temas de educação ambiental, são uma prova dessa preocupação.  

Agora, a forma demagógica como muitos líderes mundiais, celebridades e outros famosos agem, não ajuda a resolver os problemas reais das florestas e de outras áreas ameaçadas. Muito pior – acabam prejudicando muita gente que está trabalhando sério para resolver o problema. Outro grave problema dessa medida polêmica é que “faltou combinar com os russos”, como diria o nosso eterno Garrinha, assim como com os alemães, ingleses, italianos, espanhóis e demais países da Comunidade Europeia. 

A proposta em debate na Assembleia Nacional da França, por mais louvável que sejam as suas intenções no combate aos graves problemas ambientais criados pelas emissões de gases de efeito estufa, vem numa hora totalmente errada. Uma prova da demagogia da proposta – estão sendo previstas uma série de brechas na nova legislação para prejudicar o mínimo possível a Air France, a grande empresa de aviação da França. Ou seja: “o pau que bate em Chico não é o mesmo que bate em Francisco”… 

O movimento ambientalista começou a ganhar força e visibilidade na década de 1960 após o lançamento do livro “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson. De lá para cá, aos trancos e barrancos, o movimento foi ganhando força e já há muito tempo deixou de ser apenas uma ideia utópica de hippies. Governos e empresas vêm se engajando cada vez mais na criação de políticas e produtos que garantam uma sustentabilidade ambiental cada vez maior. 

Os carros elétricos e híbridos, citando um exemplo, já são uma realidade. Com o rápido desenvolvimento da tecnologia, os veículos com motores de combustão interna estão a cada dia mais próximos do seu fim. Essa mesma tecnologia está chegando na aviação e já existem aeronaves em operação que usam exclusivamente motores elétricos e ou sistemas híbridos. 

Um exemplo que talvez a maioria não conheça – desde 2019, a Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo e, bem por acaso, empresa brasileira, está trabalhando no desenvolvimento de um avião com propulsão híbrida – com motores convencionais de combustão interna e elétricos, a pedido da FAB – Força Aérea Brasileira. A imagem que ilustra esta postagem mostra uma concepção artística da nova aeronave. Com capacidade para transportar 30 passageiros ou 3 toneladas de carga, o Stout (Short Take Off Utillity Transport ) terá emissões de carbono entre 30 e 40% menores que aviões similares como o Bandeirante e o Brasília, modelos usados atualmente pela FAB, e poderá já estar voando em 2025. 

Assim como a Embraer, outras empresas aeronáuticas de todo o mundo têm feito o seu “dever de casa” e, muito provavelmente, viagens em aviões elétricos ou com propulsão a hidrogênio com baixíssimas emissões de gases de efeito estufa farão parte de nossas vidas em 15 ou 20 anos. Muito melhor – essa mudança será lenta e gradual como a que vem sendo observada nos automóveis, dando tempo para empresas fabricantes, companhias aéreas, trabalhadores, aeroportos e usuários se adaptem às mudanças. 

Um outro detalhe que chama a atenção nessa história – o Governo da França é um dos maiores acionistas do Consórcio Europeu Airbus, maior fabricante de aviões do mundo na atualidade. A Airbus, aliás, está desenvolvendo um belo projeto de um grande avião comercial com propulsão a hidrogênio, que poderá estar voando a partir de 2035. Ou seja – sem sobressaltos e canetadas, a aviação está evoluindo naturalmente no caminho da sustentabilidade ambiental. Será que é tão difícil assim para esses políticos franceses perceberem que estão dando um tiro no próprio pé apenas por demagogia ? 

Se a preocupação do Governo francês é reduzir a emissão de gases de efeito estufa no país, existe um jeito bem mais fácil e rápido – basta proibir a circulação das centenas de milhares de automóveis com motores a diesel altamente poluentes nas ruas da França. Para completar, criem-se linhas de financiamento de longo prazo e juros baixos para que esses motoristas comprem carros elétricos.  

O problema seria resolvido rapidamente, porém, não haveria o circo e a plateia que medidas populistas costumam criar…