A DESERTIFICAÇÃO AMEAÇA UM QUARTO DOS SOLOS DO PERU

Ocupando uma área total superior a 1,28 milhão de km², o Peru apresenta três grandes zonas climáticas bem definidas – uma faixa litorânea, os Andes e a Amazônia peruana.

Toda a faixa litorânea é formada por uma planície árida, onde raramente chove e que conta um grande número de rios temporários alimentados pelo degelo de glaciares nas montanhas andinas. A Cordilheira dos Andes atravessa todo o país no sentido Norte/Sul e, com suas diferentes altitudes, cria uma série de padrões climáticos. Por fim, uma área importante do país é ocupada pela Floresta Amazônica e onde predomina o clima equatorial. 

A aridez marcante de toda a faixa costeira do Peru é provocada pela Corrente de Humbolt, um grande fluxo de águas frias que acompanha a costa sul-americana do Oceano Pacífico desde o Sul do Chile até o Peru. A baixa temperatura dessas águas limita muito a evaporação, o que se reflete em raras chuvas nas áreas costeiras. A Cordilheira dos Andes também tem sua cota de responsabilidade na aridez da costa peruana – as montanhas impedem a passagem de massas de chuvas vindas da região da Floresta Amazônica. 

A Corrente de Humbolt se forma na Antártida e é considerada a corrente marítima de superfície com as águas mais frias – em média, as suas temperaturas são 8° C mais baixas que as temperaturas das águas oceânicas nas mesmas latitudes. O Deserto do Atacama no Norte do Chile é um exemplo da influência da Corrente de Humbolt no clima da América do Sul. Um detalhe relevante dessa corrente marítima é a alta concentração de plâncton, animais e plantas microscópicas, o que atrai uma grande quantidade de peixes. O Peru é um grande produtor e exportador de pescados. 

A maior parte da população do país, formada por cerca de 33 milhões de habitantes, vive nas chamadas Serras, uma área de transição entre as planícies áridas do litoral e as montanhas da Cordilheira dos Andes. As Serras tem um clima ameno e uma boa pluviosidade, concentrando a maior parte da produção agropecuária do país. 

Os produtos mais tradicionais da agricultura peruana são o milho e a batata, alimentos que vem sendo produzidos há milhares de anos pelas populações indígenas locais. Também merecem destaque as culturas de café, cacau, algodão, cana de açúcar e de frutas. Outro destaque do país é a produção de carnes, principalmente a de frango, onde o país está entre os vinte maiores produtores mundiais. 

As atividades agropecuárias respondem por aproximadamente 8,5% do PIB – Produto Interno Bruto, do Peru e, empregam 1/3 de toda a mão de obra. A agropecuária e a mineração, que responde por cerca de 14% da produção do país, formam a base da economia exportadora do Peru. 

Em tempos Pré-Colombianos, o Peru foi o centro da civilização Inca, um império que se estendia da Colômbia até o Norte do Chile, tendo como capital a cidade de Cusco. Bastante avançados em inúmeras tecnologias como a arquitetura e a astronomia, os incas deixaram um importante legado na agricultura. 

Para vencer as dificuldades climáticas e os problemas associados aos terrenos íngremes, os incas passaram a construir grandes terraços planos, o que facilitava a produção de alimentos como as batatas e o milho.  Um grande exemplo do uso dessa técnica pode ser visto em Moray, um sítio arqueológico próximo de Cusco (vide foto). Também desenvolveram importantes obras para irrigação desses terraços agrícolas – canais eram escavados nas rochas, permitindo o transporte da água desde o alto das montanhas. Alguns especialistas afirmam que essa antiga produção agrícola era bem maior que a produção atual no Peru. 

A atual agricultura ocupa grandes extensões das encostas das Serras, o que permite usufruir das generosas chuvas que caem nas montanhas dos Andes. Em algumas regiões, o índice pluviométrico é superior aos 3 mil mm. Essa abundância de águas traz alguns problemas – o principal deles são os riscos de erosão dos solos. 

Existe um ditado antigo e muito sábio que diz que “fogo morro acima e água morro abaixo são forças incontroláveis da natureza“. E quando se fala em produção agrícola em terrenos íngremes, essa verdade é incontestável. Nós brasileiros temos um grande exemplo desse problema: a rápida degradação das terras do Vale do rio Paraíba do Sul pela cafeicultura a partir de meados do século XIX. 

Relembrando rapidamente: a densa cobertura de Mata Atlântica dessa região foi derrubada e no seu lugar foram plantados milhares de pés de café. Ao invés de serem plantados em linhas de nível respeitando a declividade dos terrenos, esses cafezais foram plantados em linha das partes altas para as mais baixas. Resultado – em pouco tempo as chuvas “lavavam” os solos e arrastavam toda a camada fértil. Em poucas décadas, a cultura cafeeira do Vale do Paraíba entrou em profunda decadência por falta de fertilidade nos solos. 

No Peru, esse é um problema recorrente e grande parte dos solos férteis do país são vulneráveis. Devido ao mal uso dos solos e a falta de cuidado no plantio em terrenos íngremes, grandes trechos das propriedades sofrem com fortes processos erosivos, o que é o primeiro passo para a desertificação. Conforme comentamos em uma postagem anterior, cada centímetro de solo fértil é resultado de processos centenários ou até milenares de gênese ou formação.

Além dos problemas de degradação de solos provocados pela agricultura, o Peru também sofre com os problemas criados pela mineração. Os solos do país são ricos em minerais nobres como o ouro, a prata e o cobre, entre muitos outros. Além de atrair grandes empresas do setor, a atividade atrai milhares de “mineiros clandestinos”. Dados do Governo afirmam que existem mais de 300 mil trabalhadores envolvidos em mineração clandestina no país. 

Conforme já tratamos em inúmeras postagens aqui no blog, as atividades mineradoras, por melhor gerenciamento e cuidados ambientais empregados, são verdadeiras fontes de problemas para o meio ambiente. São montanhas de rejeitos minerais, grandes trechos de vegetação devastados, rios e fontes de água comprometidas, entre inúmeros outros problemas.

Quando a questão envolve atividades clandestinas, onde não existem quaisquer controles governamentais, trata-se de uma sucessão de pequenos desastres ambientais ao redor de cada uma das áreas de mineração. Segundo o Governo do Peru são mais de 60 mil dessas áreas, grande parte em regiões com forte vocação agrícola. Ou seja – importantes áreas que poderiam ser usadas na produção agrícola e pecuária estão sendo destruídas pela mineração. 

Moral da história: aproximadamente 24% do território peruano enfrenta graves problemas de degradação de solos e riscos de desertificação, uma tragédia que já afeta, direta e indiretamente, cerca de 20 milhões de pessoas. Contando com um sistema de fiscalização precário e dada a difusão do problema por grande parte do território do país, é difícil imaginar uma melhora nessa situação num curto e médio prazo. 

Fica aqui o registro de mais essa tragédia ambiental sul-americana. 

BOLÍVIA: A PRODUÇÃO DA QUINOA, OS RISCOS DE DESERTIFICAÇÃO E O DESAPARECIMENTO DO LAGO POOPÓ

Brasil e Bolívia são países vizinhos que compartilham algumas características físicas comuns ao longo da sua grande fronteira seca com mais de 3.400 km de extensão. As regiões Leste e Norte da Bolívia são tomadas pela Floresta Amazônica, bioma que ocupa uma grande área do território brasileiro. 

No Sudeste do país encontramos La Chiquitania ou Los Llanos de Chiquitos, uma grande extensão de campos que guardam semelhanças com o Cerrado brasileiro. Por fim, a parte Sul do país é ocupada com grandes terrenos alagadiços – o Gran Chaco Boliviano, que em parte é uma extensão do Pantanal Mato-Grossense. 

Essa grande semelhança nos biomas também implica numa semelhança de problemas – a região da Chiquitania é bastante suscetível a incêndios florestais assim como o nosso Cerrado. Em 2019, essa região ardeu impiedosamente por causa de fortes queimadas, que também atingiram áreas da Amazônia boliviana. Os meios de comunicação internacionais fizeram um grande estardalhaço ao falar dos incêndios na Amazônia brasileira há essa época, mas pouco falaram dessas queimadas na Bolívia. 

Durante a COP 25 – Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Madrid no final de 2020, os representantes do Governo Interino da Bolívia afirmaram que mais de 5 milhões de hectares da Amazônia boliviana foram devastados e/ou queimados apenas em 2019.  

Um estudo feito em 2010, pela FES – Friedrich Ebert Stiftung, uma fundação ambiental da Alemanha, já havia concluído que a devastação florestal na Bolívia era uma das mais altas do mundo – cerca de 320 metros quadrados por habitante, vinte vezes maior que a média mundial de 16 metros quadrados por habitante. As declarações dos representantes da Bolívia na COP 25 corroboraram essa informação.

Pela semelhança desses biomas com seus correspondes brasileiros e também pelas mesmas agressões ambientais, os solos dessas regiões bolivianas apresentam problemas de erosão e, em muitos casos, de desertificação muito parecidos com aqueles que ocorrem no Brasil. Para darmos um enfoque diferente a essas questões, vamos nos ater a região do Altiplano, onde vive a maior parte da população da Bolívia. 

Toda a área Central e Oeste do território da Bolívia é tomado pela Cordilheira dos Andes. O trecho boliviano da Cordilheira é bem largo e se divide em duas grandes cadeias montanhosas paralelas – a Cordilheira Oriental e a Cordilheira Ocidental. Entre essas montanhas encontramos o Altiplano ou Planalto Boliviano, onde as altitudes médias são de 3.800 metros. 

O Altiplano Boliviano constitui a segunda maior área de planalto do mundo, só ficando atrás do Planalto do Tibet. A diversidade climática é grande, com áreas apresentando um clima mais frio e úmido e outras possuindo climas áridos e semiáridos. 

Um grande exemplo dos problemas ambientais do Altiplano foi mostrado em uma postagem anterior, quando falamos do desaparecimento do Lago Poopó no início de 2017. Esse lago era considerado o segundo maior corpo d’água da Bolívia, só ficando atrás do Lago Titicaca. O espelho d’água desse lago ocupava uma área total que, nos momentos de cheias máximas, chegava aos 2.500 km², uma área equivalente a 6 vezes a Baía da Guanabara. 

As águas que alimentavam o Lago Poopó vinham de uma fenda natural na parte Sul do Lago Titicaca, conhecida como rio Desaquadero. Essa fenda funcionava como uma espécie de “ladrão”, que escova todo o excedente de águas do Lago Titicaca na direção do Lago Poopó. As águas que formam o Lago Titicaca são originárias do degelo de neves de glaciares espalhados nas montanhas e tem seu volume variável ao longo dos anos. 

A tragédia derradeira do Lago Poopó teve início quando as autoridades locais passaram a realizar obras para a construção de canais de irrigação a partir do rio Desaguadero, especialmente para atender as grandes plantações de quinoa (vide foto), um grão típico dos Andes. Em 2007, a NASA – Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, na sigla em inglês, divulgou um estudo sobre os alimentos que seriam usados pelos astronautas da Estação Espacial e deu grande destaque para a quinoa, um grão extremamente rico em proteínas. 

Após a divulgação desse estudo, a quinoa virou uma verdadeira febre entre os adeptos da “vida saudável” – todos passaram a consumir a quinoa e as principais regiões produtoras nos Andes em países como Bolívia, Peru e Chile foram grandemente ampliadas. Isso foi o que também ocorreu no Altiplano Boliviano, uma região de solos pobres e arenosos, e também com pouca disponibilidade de água. Na Bolívia, a maior fonte de água doce do Altiplano é o Lago Titicaca – o desaparecido Lago Poopó tinha águas salgadas. 

Pois bem – com a febre da quinoa e com o uso intensivo das águas do rio Desaguadero para irrigação, os caudais que chegavam até o Lago Poopó foram rapidamente diminuindo. Sem conseguir repor os grandes volumes de água perdidos para a evaporação nessa região de grandes altitudes, o lago Poopó começou a secar rapidamente. 

A situação dramática do Lago Poopó já não era nova a essa altura – desde os tempos coloniais, imensos volumes de rejeitos da mineração, que sempre foram abandonados sobre os solos sem maiores preocupações, eram carreados pelas chuvas na direção do Lago Poopó. Esses sedimentos foram se acumulando sobre o fundo do Lago, cuja coluna d’água mal passava dos 3 metros, e reduzindo ainda mais a sua profundidade Essa situação contribuiu muito no processo de evaporação e desaparecimento das águas do Lago Poopó. 

O antigo fundo do Lago Poopó era coberto por uma grossa camada de sal, que passou a ser varrida pelos fortes ventos do Altiplano, espalhando sedimentos salgados por uma extensa área, comprometendo ainda mais a baixa fertilidade dos solos das regiões de entorno. O que era um antigo lago cheio de vida – especialistas da Bolívia calculam que cerca de 200 espécies de aves, peixes, mamíferos, répteis e anfíbios, além de uma grande variedade de plantas viviam no Lago, desapareceram e surgiu no seu lugar um pequeno deserto de areias salgadas que está em expansão

A febre da quinoa prossegue no Altiplano. Muitos camponeses que há muito haviam trocado o trabalho na agricultura pela vida complicada nas cidades estão voltando para seus locais de origem para tentar a sorte na produção do grão. Existem muitos conflitos entre grupos pela posse das terras. No mercado internacional, o quilo da quinoa chega a valer US$ 30,00, mas os produtores do Altiplano conseguem menos de US$ 2,00 pela sua produção. 

Os solos frágeis do Altiplano, que chegam a possuir um teor de areia de até 80%, estão sendo sobrecarregados e utilizados de forma inconsequente. A preciosa água também está sendo explorada ao máximo. A busca alucinada pelo saudável alimento andino está, desgraçadamente, provocando a destruição e a desertificação do Altiplano Boliviano. 

Vida saudável às custas da devastação ambiental de um importante bioma – que alguém me explique isso… 

AS FORTES SECAS, A DESERTIFICAÇÃO E OS RISCOS PARA AS FONTES DE ÁGUA NO CHILE

O Chile é um daqueles países do mundo que tem uma geografia das mais interessantes. O país se estende por cerca de 4.500 km no sentido Norte Sul, porém, apresenta uma largura média de apenas 175 km. Ao Norte se encontram as paisagens do Atacama, o deserto mais árido mundo. Ao Sul, reina a Patagônia Chilena, com grandes geleiras, fiordes e fabulosos lagos. Já na área Central do país, o clima é mediterrâneo e os vales verdejantes dominam os horizontes. 

Completando as características únicas do território do Chile, a majestosa Cordilheira dos Andes “cerca” toda a faixa Leste e as águas frias do Oceano Pacífico delimitam suas terras a Oeste. Eu tenho grandes amigos chilenos e todos são unânimes em afirmar que é muito difícil se perder no país – se você entrou numa rodovia errada, em muito pouco tempo chegará ou ao mar ou nas montanhas. 

Essa clara divisão do território chileno em zonas climáticas bem definidas foi fundamental no povoamento do país desde os tempos coloniais. A faixa Central com seu clima mediterrâneo permitiu a fundação de inúmeras cidades e o assentamento de um sem número de propriedades rurais, enquanto o resto do país manteve populações mais rarefeitas, se especializando em atividades como a mineração ao Norte e a produção de pescados ao Sul.

Na última década, entretanto, o clima vem apresentando uma instabilidade incomum e cerca de 2/3 do território do Chile vem sendo assolado por sucessivas secas, o que vem atingindo cerca de 90% da população do país. Secas não são fenômenos climáticos incomuns no Chile, porém, a frequência e a intensidade nesses últimos anos chamam a atenção. 

De acordo com informações do Escritório de Mudanças Climáticas do Chile, a média das chuvas no país entre 1961 e 2018 apresentou uma diminuição nas precipitações da ordem de 23 mm a cada década. Essa redução gradativa do volume de chuvas tem reflexos diretos nas atividades agrícolas, pecuárias e também no abastecimento das populações das cidades. 

Além das questões climáticas, o país também sofre com o uso inadequado dos solos pelas atividades agropecuárias e os números não são nada animadores: segundo informações da CONAF – Corporação Nacional Florestal, os riscos de degradação dos solos ameaçam 79,1% do território do país e, muito pior, a desertificação compromete 21,7% das terras do Chile.  São aproximadamente 16 milhões de hectares ameaçados pela desertificação, onde vivem cerca de 7 milhões de pessoas em 156 das 346 comunas do país

O relatório “Mudança climática e terra” do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, na sigla em inglês, afirma que “processos de erosão dos solos afetam 84% da região de Coquimbo, 57% do território de Valparaíso e 37% dos solos de O’Higgins“. De acordo com os pesquisadores, apenas 12% desses problemas podem ser lançados na “conta” das mudanças climáticas globais – a maior parte é resultado das ações humanas. Em muitos desses locais, a degradação dos solos já chegou ao estágio de desertificação.

Além dos processos de desertificação tradicionais ligados ao uso inadequado dos solos, que também ocorrem em muitos países vizinhos, o Chile também apresenta um caso muito particular – segundo estudos de muitos pesquisadores, o Deserto do Atacama está avançando lentamente em direção ao Sul

Informações do Atlas de Mudanças Climáticas da Zona Árida do Chile indicam que a zona central do país sempre teve um clima semiárido, porém, tem se observado um gradual aumento da aridez nessa região. Segundo os pesquisadores, isso não significa que as areias do Atacama estão avançando em direção ao Sul, mas sim que está aumentando a sua influência e tornando o clima dessa região mais árido. 

O Deserto do Atacama (vide foto) possui uma área total superior a 105 mil km² e ocupa toda uma faixa de 1 mil km do Norte do Chile até a fronteira com o Peru. Ele é considerado o deserto mais árido do mundo. As poucas chuvas que caem no Atacama estão associadas às águas frias da Corrente de Humbolt no Oceano Pacífico, por um lado, e também pela Cordilheira dos Andes, que bloqueia a chegada de massas de chuvas vindas da região da Floresta Amazônica. 

A aridez do Deserto do Atacama influencia o clima da faixa Central do Chile, assim como o de uma extensa faixa do Sul do Peru, do Sudoeste da Bolívia e do Noroeste da Argentina. As mudanças climáticas no Deserto do Atacama, muito provavelmente, estão associadas a todo um conjunto de mudanças climáticas já observadas em todo o mundo

Os problemas do Chile, infelizmente, não param por aí – essas mesmas mudanças climáticas estão ameaçando geleiras de montanhas, um problema que já está afetando glaciares em toda a Cordilheira dos Andes. Uma parte considerável da água dos rios e lagos do Chile provém do derretimento de geleiras ou glaciares no alto dos Andes. Ou seja – a redução dessas massas de gelo terá reflexos importantes no volume dos recursos hídricos do país. 

Em postagens anteriores já apresentamos a gravidade do problema: no Equador, as geleiras dos vulcões Antizana, Cotopaxi e Chimborazo já perderam entre 42 e 60% de suas massas. Na Venezuela, das 10 geleiras que existiam em 1952, só restam 5. Na Colômbia, 8 geleiras desapareceram restando apenas 6. Na Cordillera Blanca no Peru, a cadeia de montanhas em área tropical com a maior concentração de geleiras do mundo, os 722 glaciares existentes sofreram uma redução de 22,4% desde 1970. Na Bolívia, as geleiras de Charquini perderam entre 65 e 78% das suas áreas nas últimas décadas. 

Em Quito, no Equador, cidade hoje que é totalmente abastecida por rios com nascentes em geleiras nos Andes, estão sendo realizadas uma série de obras com financiamento do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, a fim de reduzir essa dependência. Os equatorianos pretendem usar os recursos hídricos disponíveis na região dos páramos andinos, um tipo de vegetação dos Andes Tropicais que se desenvolve entre os 3 mil metros de altitude e a faixa de formação de neve das montanhas. 

Os páramos formam uma espécie de “esponja natural”, onde se acumulam grandes quantidades da água originada a partir das chuvas e do derretimento das neves das montanhas. Existe uma certa similaridade entre os páramos e os banhados dos Pampas brasileiros. Na Colômbia, onde o problema também poderá comprometer o abastecimento de água em cidades como Bogotá, também existem projetos para o aproveitamento da água dos páramos. 

Para infelicidade dos chilenos, essa faixa de altitudes nos Andes meridionais é dominada pela puna, um bioma predominantemente seco ou, em alguns casos, levemente úmido. Essa característica da vegetação andina local limita, e muito, as opções futuras para o abastecimento de água dos chilenos. 

Além de seguir à risca a cartilha com as recomendações para o uso sustentável dos solos nas atividades agrícolas e pecuárias e também no combate à desertificação, o Chile precisa repensar os modelos de produção de algumas de suas principais culturas. Vou citar o exemplo da vinicultura – em alguns vinhedos há registros do consumo excessivo de água: até 10 mil litros para a produção de uma única garrafa de vinho, enquanto que a média mundial está próxima dos 870 litros. A diferença é muito grande. 

É preciso agir enquanto ainda há tempo… 

URUGUAI CRIA UM GRANDE PROGRAMA PARA O PLANTIO DE ÁRVORES

O Pampa, também chamado de Campos Sulinos, é o bioma brasileiro mais rico em biodiversidade de plantas – podem ser encontradas até 57 espécies diferentes a cada metro quadrado de terreno. O bioma ocorre em todo o Extremo Sul do Brasil e avança na direção da Argentina e do Uruguai. 

No Brasil, o Pampa ocupa o segundo lugar na lista de biomas mais devastados, só perdendo para a Mata Atlântica. As grandes ameaças são o intenso pastoreio de rebanhos animais e o avanço da agricultura, especialmente a soja e o arroz. Há várias décadas vem sendo observada a arenização de extensas áreas do bioma, especialmente na região Sudoeste do Rio Grande do Sul, próximo da fronteira com o Uruguai e a Argentina. 

Na Argentina, onde o bioma é conhecido como La Pampa e ocupa cerca de 25% do território do país, os problemas são muito parecidos e os processos de arenização (o termo desertificação não cabe aqui pois o nível de chuvas é bem alto) são preocupantes. Vamos falar hoje dos problemas na Pampa do Uruguai. 

No passado, o Uruguai fez parte do Vice Reino do Rio da Plata, ligado a coroa de Espanha, e depois, entre 1817 e 1828, foi incorporado ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. Em 1828, com a assinatura do Tratado do Rio de Janeiro, o Uruguai passou a ser um Estado independente. 

Fisicamente, o território uruguaio, que possui uma área total de pouco mais de 176 mil km² e tem uma população de 3,3 milhões de habitantes, é praticamente uma continuação da Pampa Sul-rio-grandense e, por extensão, apresenta praticamente os mesmos problemas ambientais. 

Segundo informações da Uruguai 21, agência de promoção de exportações e investimentos do país, as atividades agropecuárias ocupam cerca de 93% do território uruguaio. Na pauta de exportações destacam-se a carne bovina, representando 21% do volume total, celulose (19%), soja (17%), laticínios (8%) e arroz (6%). 

Esse uso intensivo dos solos, é claro, cobra o seu preço: de acordo com informações de pesquisadores da UNCCD – Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, na sigla em inglês, aproximadamente 30% do território do Uruguai apresenta algum tipo de degradação ambiental, onde se destaca a arenização de grandes trechos da Pampa

Em qualquer país do mundo, esse nível de degradação ambiental seria considerado crítico – no Uruguai, onde a produção dos setores agrícola e pecuário forma uma das principais bases da economia do país, trata-se de uma situação trágica. A agropecuária responde por cerca de 10% do PIB – Produto Interno Bruto, do Uruguai e emprega cerca de 12% da população do país (dados de 2010). 

Também existe um problema social importante – a grande maioria das propriedades rurais no Uruguai são pequenas e médias, com gestão familiar. A produção de carne e lã responde por mais de 65% da renda dessas famílias, seguida pela produção de vegetais, responsável por 12% da renda, e da produção leiteira, com participação de 11% na renda. São justamente essas famílias as que mais geram impactos ambientais e também as que mais sofrem com as suas consequências. 

Buscando reduzir o tamanho dos impactos ambientais da agropecuária em seu território, o Uruguai criou, em 2005, o SNAP – Sistema Nacional de Áreas Protegidas, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente local. São 16 áreas sob proteção ambiental, onde se incluem biomas terrestres e marinhos, totalizando cerca de 311 mil hectares. Apesar da iniciativa merecer todos os aplausos, essas áreas correspondem a menos de 2% do território do país

A mais recente iniciativa na área ambiental do Uruguai é chamada de Plantatón, cujo objetivo é a promoção do uso sustentável dos ecossistemas terrestres, o combate à perda de biodiversidade e a degradação dos solos, além do combate à desertificação. A primeira ação dessa iniciativa ocorreu em março de 2019, quando 500 árvores nativas foram plantadas na localidade de Artigas, no Norte do país (vide foto). 

Essa iniciativa foi idealizada pela Rede Uruguaia de ONGs Ambientais, com apoio do Ministério da Habitação, Planejamento Territorial e Meio Ambiente, além do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O Plantatón replica experiências já consolidadas em El Salvador e na Colômbia. 

Em El Salvador, citando um exemplo, a iniciativa permitiu o plantio de mais de 17 milhões de árvores em áreas degradadas do país, ajudando na recuperação de solos e na prevenção de inundações. Conforme já tratamos em postagem anteriorEl Salvador é o país mais desmatado da América Central – conforme a fonte consultada, entre 80% e 94% da cobertura vegetal do país já foi devastada. Entre outros problemas, a população de 6 milhões de habitantes sofre cada vez mais com a escassez de água potável. 

As metas do Plantatón são ambiciosas e preveem a recuperação de um total de áreas florestais equivalentes a 5,2% da superfície total do Uruguai. Essa área corresponde a 8 mil km² ou cerca de cinco vezes a área total da cidade de São Paulo. Isso parece muito pouco para um país do tamanho do Brasil, mas para o pequeno Uruguai será uma enorme conquista. 

A iniciativa tem feito grandes esforços para promover uma grande articulação entre o Governo e a iniciativa privada incluindo estudantes, aposentados, militares, empresas públicas e privadas, entre outros. Os principais eixos da iniciativa são: regeneração natural de espaços degradados, plantio de árvores nativas em zonas prioritárias para a conservação e controle de espécies exóticas invasoras que competem e deslocam espécies autóctones. 

Com relação às espécies exóticas, é preciso fazer um destaque: de acordo com dados de 2012, as florestas comerciais de pinus e eucalipto já ocupavam um total de 950 mil hectares no Uruguai. Cerca de um terço dessas florestas comerciais estão sob controle de quatro grandes empresas multinacionais, que formam verdadeiros latifúndios e contam com um enorme poder econômico e político. 

Um dos maiores problemas dessa iniciativa é a altíssima concentração da população do Uruguai em áreas urbanas – 96,1% dos uruguaios vivem nas cidades. Somente na cidade de Montevidéu (ou Montevideo), a capital do país, vivem cerca de 1,3 milhão de pessoas, o que corresponde a um terço da população do Uruguai. Essa urbanização excessiva cria uma série de dificuldades logísticas para o plantio de árvores pelo interior do país. 

Ainda é muito cedo para avaliarmos os impactos ambientais da iniciativa, especialmente os positivos. Porém, já existem indícios animadores: o Uruguai foi o único país das Américas onde a área coberta por matas nativas aumentou nos últimos anos. Esse aumento em termos de área é bem pequeno, mas todos os países das três Américas vem apresentando números negativos ou crescimento zero. 

Isso é uma boa notícia e nos enche de esperança. 

O AVANÇO DA DESERTIFICAÇÃO NA ARGENTINA

Nesses últimos tempos, as notícias que recebemos desde a nossa vizinha Argentina não são as melhores. As estatísticas mais recentes afirmam que perto de metade da população do país vive em situação de pobreza e quase 10% dos argentinos já são considerados indigentes. A situação econômica e social do país, que já não nada boa, piorou muito após a volta dos peronistas ao poder.

Com o início da pandemia da Covid-19 na Argentina as coisas só pioraram e o país está vivendo em meio a uma fuga maciça de empresas e investidores. De acordo com dados oficiais divulgados pelo Governo há dois dias atrás, o PIB -Produto Interno Bruto, da Argentina sofreu um recuo de 9,9% em 2020. Para 2021, as expectativas são de um crescimento modesto da ordem de 1,5%.

A agricultura e a pecuária, atividades econômicas que transformaram a Argentina em um dos países mais ricos do mundo há cem anos atrás, hoje enfrentam um visível declínio. Políticas populistas e intervencionistas do Governo têm desestimulado os produtores. Muitos chegaram, inclusive, a atear fogo em campos de soja em ponto de colheita para evitar o pagamento de novos impostos; muitos pecuaristas mudaram para o vizinho Uruguai. 

Assim como acontece no Brasil e em todo o mundo, a Argentina enfrenta inúmeros problemas ambientais, alguns deles gravíssimos. Um desses problemas extremos é a desertificação, que afeta atualmente mais de 60 milhões de hectares em todo o território do país. Muito pior – a cada ano a desertificação avança cerca de 650 mil hectares. 

A Argentina é um país grande, que ocupa cerca de 2,8 milhões de km². Fazendo a devida conversão, isso corresponde a 280 milhões de hectares, o que significa que mais de 20% do território do país está sendo afetado pela desertificação. Das 24 províncias do país, 18 já vêm enfrentando esse problema

Na nossa última postagem falamos dos Pampas Sulinos do Brasil, um bioma que atravessa fronteiras e ocupa grandes extensões dos territórios da Argentina e do Uruguai. Ao contrário do que muitos podem imaginar, os Pampas ou La Pampa não é o bioma predominante na Argentina – ela ocupa 25% do território e concentra grande parte da produção de grãos e da pecuária do país. Cerca de 75% do território argentino é formado por solos áridos e semiáridos, onde vive aproximadamente 30% da população do país. 

Em tempos geológicos distantes, toda a região hoje ocupada pela Pampa era um grande deserto de areias – esse deserto se entendia por grande parte das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Após o início do longo processo de fragmentação do antigo Supercontinente de Gondwana, teve início um período de intensa atividade vulcânica nessa região, conhecido como Derrame de Trapp

Durante esse evento, enormes volumes de lava vulcânica foram derramados sobre esse solo de areias, formando uma grossa camada de rochas graníticas. Uma das consequências desse processo foi a formação do Aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce do mundo. Processos erosivos ao longo de milhões de anos cobriram essa camada de rochas graníticas com camadas de solos altamente arenosos e também com uma fina camada de solo fértil. Resumindo de forma muito resumida, essa é a origem dos solos dos Pampas (ou de La Pampa). 

Assim como aconteceu no Extremo Sul do Brasil, essa grande região da Argentina vem concentrando uma intensa atividade agrícola e pecuária ao longo da história do país. Essa superexploração tem exposto esses solos frágeis à ação de processos erosivos das chuvas e dos ventos e, como consequência direta, a perda da camada fina de solo fértil e a exposição de solos altamente arenosos. Grandes manchas de areia passaram a fazer parte das paisagens dos campos cobertos por gramíneas e grandes plantações de grãos. 

Em outras partes da Argentina, os processos de desertificação estão ligados diretamente aos desmatamentos. É bastante provável que você já tenha lido ou visto muitos vídeos mostrando os desmatamentos e as queimadas na Amazônia brasileira. Pois saiba que esses problemas, apesar de ocuparem raríssimos espaços nos meios de comunicação, são muito mais graves na Argentina do que no Brasil. 

Até o final do século XIX, perto de 100 milhões de hectares do território da Argentina eram cobertos por matas nativas. Talvez você não saiba, mas a nossa famosa Mata Atlântica avançava na direção do interior do continente e chegava até a região Nordeste da Argentina. Pois bem – 70% dessas matas nativas e de outras por todo o país já foram devastadas e transformadas em campos agrícolas para a produção de soja, algodão e cana-de-açúcar, ou em pastagens para o gado. 

Na região da Patagônia, ao Sul, um “grande deserto frio e com água”, os grandes impactos ambientais são provocados pelos imensos rebanhos, especialmente de ovinos. Nos terrenos altos ao largo da Cordilheira dos Andes, conhecidos como puna, o problema são os grandes desmatamentos para exploração de madeira e lenha. 

As consequências diretas desses intensos desmatamentos são a erosão de solos férteis pelas chuvas e pelos ventos, a exposição de camadas de solos altamente arenosos, a formação de grandes voçorocas ou ravinas, a arenização de campos, o assoreamento de corpos d’água, entre outros graves problemas ambientais. Para um país que ocupa perto de 80% do seu território com atividades agrícolas, pastoris e agroflorestais, essas perdas são desastrosas. 

O Governo Central da Argentina e os Governos das diversas províncias vêm desenvolvendo uma série de programas para o combate ao avanço da desertificação, todos, porém, extremamente tímidos diante da magnitude do problema. Como resultado, milhares de famílias são obrigadas a abandonar suas terras devastadas pelo avanço da desertificação e migram para as grandes cidades em busca de melhores alternativas de vida. 

Uma característica muito própria da Argentina é a alta concentração da população na Província de Buenos Aires – cerca de 40% da população do país vive na Província, especialmente na grande conurbação ao redor da cidade de Buenos Aires. De acordo com os dados do último censo demográfico do país, 96,4% dessa população vive em áreas urbanas. A migração de mais gente vinda dessas áreas rurais degradadas só tem aumentado o já enorme conjunto de problemas dessas cidades. 

A cidade de Buenos Aires surgiu a partir de um pequeno assentamento fundado nas margens do rio da Prata por Pedro de Mendoza em 1536 – Puerto Real de Nuestra Señora Santa María del Buen Aire. Os espanhóis precisavam povoar e proteger essa região que permitia o acesso através do Rio Paraná e seus afluentes ao interior do território, especialmente às minas de prata na região do Potosi, na atual Bolívia. Só como curiosidade, o nome Argentina deriva de argentum, palavra em latim para prata, riqueza explorada por mais de três séculos pelos espanhóis. 

O povoamento do território argentino se deu a partir desse núcleo pioneiro em Buenos Aires e de outro, mais ao Norte, na região de Santa Fé. Desde aqueles tempos, a criação de gado e de cavalos em La Pampa já era de extrema importância para o então Vice-Reino espanhol de La Plata. Na década de 1830, o naturalista inglês Charles Darwin passou um longo período na Argentina durante a sua lendária expedição ao redor do mundo no navio Beagle.  

Em seus escritos, Darwin registrou o quanto ficou impressionado com o tamanho dos grandes rebanhos de gado e de cavalos que encontrou no país – eram formados por dezenas de milhares de cabeças de animais e se espalhavam pela Pampa e também pela Patagônia. 

A partir da década de 1870, a Argentina foi transformada em uma grande produtora e exportadora de grãos, especialmente o trigo, o que ao lado da carne se tornou a grande riqueza do país. Entre os anos de 1890 e 1930, a Argentina foi um dos países mais ricos do mundo graças as suas exportações agropecuárias. Aliás, em 1896, a Argentina possuía o maior PIB – Produto Interno Bruto, per capita do mundo. De lá para cá, desgraçadamente, as coisas desandaram muito. 

Com a intensa desertificação que se observa em grande parte do país, o que já está muito ruim hoje poderá ficar muito pior… 

A ARENIZAÇÃO NOS PAMPAS SULINOS

Os Pampas ou Campos Sulinos formam o segundo menor bioma do Brasil, só sendo maior que o Pantanal Mato-Grossense. O bioma se concentra no Estado do Rio Grande do Sul e ocupa uma área equivalente a 2% do território brasileiro. Os Pampas se estendem além das nossas fronteiras e ocupam importantes áreas no Uruguai e na Argentina. 

Apesar de pequeno, o bioma Pampa possui uma biodiversidade total maior que a da Amazônia, a da Mata Atlântica, a do Cerrado e a da Caatinga. De acordo com estudos de pesquisadores da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cada metro quadrado do bioma abriga até 57 espécies diferentes de plantas. No Cerrado, bioma que ocupa o segundo lugar em biodiversidade, são encontradas 35 espécies vegetais a cada metro quadrado. 

Apesar sua grande importância ambiental, os Pampas ocupam o primeiro lugar na lista dos biomas mais ameaçados do Brasil. De acordo com dados de monitoramento ambiental do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de 2018, o bioma já perdeu 52,7% de sua vegetação nativa. As paisagens que num passado não tão distante eram cobertas por gramíneas, hoje intercalam campos de arroz e de soja, além de florestas comerciais de eucalipto e pinus. 

A pecuária extensiva, que por cerca de trezentos anos foi dominante na região, teve suas origens nas antigas Missões Jesuíticas no Oeste do Rio Grande do Sul. De acordo com os termos pactuados entre as Coroas de Portugal e de Espanha no Tratado de Tordesilhas em 1494, todo o Extremo Sul do Brasil era território espanhol. Religiosos espanhóis da Ordem dos Jesuítas passaram a criar missões, também chamadas de reduções jesuíticas, ao longo das margens dos rios Paraná e Negro a partir do ano de 1600. Essas missões visavam a conversão dos índios guaranis ao cristianismo. 

Apesar de se encontrarem dentro do território da Espanha, essas missões eram frequentemente atacadas por bandeirantes paulistas que buscavam indígenas para escravizar. Em muitos desses ataques, as reduções acabavam sendo destruídas e o gado bovino que era criado pelos religiosos fugia para os campos e se tornava selvagem. A partir da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, quando as fronteiras entre os territórios de Portugal e Espanha foram repactuadas, os Jesuítas foram expulsos da região e as últimas reduções remanescentes foram destruídas. O filme A Missão, de 1986, mostra com maestria esse momento histórico.

Todo esse gado bovino que fugiu das reduções se espalhou pelos Pampas e formou grandes rebanhos selvagens. A partir do povoamento do Extremo Sul a partir do século XVIII, a pecuária foi transformada em uma das mais importantes atividades econômicas da região. Esse quadro se manteria até as últimas décadas do século XIX, quando o Rio Grande do Sul passou a receber grandes contingentes de imigrantes europeus, especialmente italianos e alemães, e a agricultura passou a ganhar espaço. 

Um marco na agricultura regional se deu a partir da década de 1920, quando a soja passou a ser plantada na região de Santa Rosa. Originária da China, a soja se adaptou bem ao clima temperado local e pouco a pouco foi ocupando espaço nos antigos domínios da Mata Atlântica da faixa Norte do Rio Grande do Sul, onde se destaca a região da Mata das Araucárias, e também nas áreas dos Pampas. Outro grão que passou a ocupar importantes espaços no Estado foi o arroz, que encontrou um ambiente ideal nas áreas úmidas dos banhados

A pujança das atividades agrícolas e pecuárias no Rio Grande do Sul começou a mostrar os seus impactos ambientais já na década de 1960, quando passaram a ser observadas grandes manchas de areia em solos de municípios do Sudoeste gaúcho próximos da fronteira com o Uruguai e Argentina. Essas manchas de areia eram praticamente despidas de vegetação e passaram a sofrer fortemente com processos erosivos nos períodos de chuva. Inicialmente, esses processos foram classificados como desertificação. 

No final da década de 1980, pesquisadores gaúchos alteraram a denominação para arenização, afirmando que os grandes volumes de chuvas que caem sobre a região tornam inadequado o uso do termo desertificação. Esses processos atingem hoje um total de 10 municípios gaúchos: Alegrete, Cacequi, Itaqui, Maçambara, Manoel Viana, Quaraí, Rosário do Sul, São Borja, São Francisco de Assis e Unistalda. 

Além da destruição dos campos, essa arenização vem afetando importantes cursos d’água da região. As fortes enxurradas nos períodos das chuvas carreiam grandes volumes de areia para a calha dos rios, um problema que se reflete cada vez mais em problemas para o abastecimento de cidades e também na captação da água por sistemas de irrigação de lavouras agrícolas. Em muitas áreas, o problema não para de crescer. 

Essas regiões apresentam como característica dominante uma fina camada de solo fértil sobre uma camada espessa de solos extremamente arenosos, assentadas sobre os granitos da formação Botucatu. Com a superexploração dos solos pela pecuária e, em décadas mais recentes, pela produção de grãos, essa fina camada de solo fértil acabou sendo destruída pela erosão e a camada de solo arenoso foi exposta. 

Esses solos, que são extremamente frágeis, passaram a apresentar grandes voçorocas ou fendas, chamadas de ravinas no Sul. Além da erosão causada pelas chuvas, esses solos arenosos também são erodidos pelos ventos, que espalham as areias por grandes extensões de campos, aumentando assim as áreas em processo de arenização. 

Uma estratégia que foi usada como uma tentativa de conter o crescimento desse fenômeno foi cercar as áreas com plantações de eucaliptos e pinus. Apesar do relativo sucesso dessa medida, a produção dessas madeiras na região esbarra na grande distância em relação às fábricas que utilizam essa matéria prima, o que implica em grandes custos de logística para o transporte. 

Muitos pesquisadores afirmam que a arenização dos Pampas pode surgir independentemente do tipo de uso que se dá aos solos, porém, são unanimes em afirmar que a pecuária e a agricultura intensificam esse processo. Existem diversos estudos em andamento buscando entender a dinâmica da arenização e as melhores alternativas para combater os seus efeitos. 

De acordo com os números mais recentes, as áreas em processo de arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul somam mais de 130 mil hectares. Parte dessas áreas ainda são cobertas com algum tipo de vegetação, mas, pelo menos, 20 mil hectares são totalmente descobertos, ou seja, despidos de qualquer tipo de vegetação

O problema, que por si só já é gravíssimo, fica ainda mais crítico quando se constata que o bioma Pampa é o segundo mais devastado do Brasil, só ficando atrás da Mata Atlântica. Ou seja – ainda vamos ouvir falar bastante da arenização dos Pampas Sulinos. 

OS NÚMEROS IMPRESSIONANTES DA DESERTIFICAÇÃO NO PIAUÍ

São Paulo é a maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo. De acordo com os últimos censos demográficos, a Pauliceia Desvairada, alcunha criada pelo escritor Mário de Andrade, ou, simplesmente, Sampa para os paulistanos, tem uma população de 12,3 milhões de habitantes, que se espalham por uma área total de 1,5 mil km². 

Comecei a postagem falando da minha cidade não por bairrismo, mas para usar seu tamanho colossal como uma referência para o tamanho das áreas já tomadas pela desertificação no Piauí – esses processos já devastaram uma área equivalente a cinco vezes a área da cidade de São Paulo no Estado. A desertificação atinge 7,8 mil km² em 15 municípios piauienses, sendo considerada a maior área de solos degradados do país. E, muito pior, continua crescendo.

Esses números foram levantados por diversas pesquisas realizadas pela UFPI – Universidade Federal do Piauí, desde 2012. Os municípios afetados se concentram em uma extensa faixa no Sudeste do Estado, região que fica dentro dos domínios do Semiárido Nordestino. 

De acordo com diversos pesquisadores, esses solos foram desmatados para a implantação de campos agrícolas e formação de pastagem para o gado. Os solos dessas regiões eram naturalmente suscetíveis a processos erosivos e houve uma grande perda da camada de solo fértil, que foi arrastada pelas chuvas. Restaram no local apenas solos inertes e sem capacidade ou com baixíssima capacidade para sustentar vida vegetal e, consequentemente, vida animal. 

Além da reduzida quantidade de cobertura vegetal, as paisagens dessas regiões são tomadas por grandes voçorocas (vide foto), que nada mais são que longas crateras abertas pelas fortes enxurradas nas temporadas das chuvas. Algumas voçorocas tem mais de 2 km de extensão e até 30 metros de profundidade. 

Assim como vem acontecendo em toda a região do Semiárido Nordestino desde os primeiros tempos da colonização do Brasil, o pastoreio de gados – onde se incluem bovinos, equinos, muares, ovelhas e, especialmente, as cabras e os bodes, está na raiz de muitos casos de desertificação. Lembrando o que já comentamos em inúmeras postagens, surgiram conflitos entre os criadores de gados e os plantadores de cana de açúcar entre os séculos XVI e XVII, o que resultou na expulsão das boiadas e demais rebanhos animais do litoral nordestino

Sem outras opções, os criadores buscaram refúgio nos sertões nordestinos. Grandes extensões dos antigos caatingais foram queimados para ampliação das áreas de pastagens. As gramíneas que cresceram nessas áreas passaram as ser consumidas na forma de superpastoreio, ou seja, quando há um consumo de vegetação maior do que a capacidade de crescimento das plantas. 

Destaco aqui os impactos ambientais criados pelas cabras e os bodes. Esses animais são verdadeiras “máquinas” consumidoras de alimentos, comendo qualquer coisa que apareça em seus caminhos. Nos períodos de seca, esses animais conseguem subir nas árvores, onde comem folhas, brotos e galhos. Esgotados esses estoques, os animais cavam os solos e comem as raízes remanescentes das plantas. 

Uma citação que sempre costumo relembrar quando falo das cabras e bodes dos sertões nordestinos nos foi legada pelo botânico Alberto Loefgren (1854-1918), sueco de nascimento e depois radicado no Brasil. Estudando a devastação das árvores e das matas nas terras do Ceará, Loefgren atribuiu um papel importante nesta degradação vegetal aos rebanhos de caprinos soltos na região: 

“Outro fator não desprezível na devastação das matas, ou pelo menos para conservar a vegetação em estado de capoeira, são as cabras. Sabe-se quanto este animal é daninho para a vegetação arborescente e arbustiva e como a criação de cabras soltas no Ceará é, talvez, maior que a do gado, sendo fácil imaginar-se o dano que causa à vegetação alta”. 

Milhares de famílias de agricultores do Piauí sofrem com a degradação de suas terras, onde praticamente nada mais cresce nos solos desertificados. Em muitos casos, os agrônomos afirmam que os solos atingidos são irrecuperáveis. Em outros ainda há esperança e os solos ainda são passíveis de medidas corretivas, onde o uso de técnicas adequadas permite a recuperação gradual da fertilidade. O grande problema é que isso leva tempo e se gasta muito dinheiro.

Apesar da grande fertilidade original dos solos dessa região, o uso inadequado do recurso pelos agricultores levou à intensa degradação. De acordo com dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a produtividade agrícola dessa região já era muito baixa – cerca de 20 sacas de milho por hectare. Para efeito de comparação, existem fazendas na região que utilizam maquinários agrícolas modernos e fertilizantes, além de um manejo adequado dos solos, obtendo uma produtividade de 120 sacas de milho por hectare

Os pequenos produtores dessa região do Piauí, especialmente aqueles da chamada agricultura familiar, costumam se valer das coivaras, a antiga técnica agrícola herdada dos indígenas, onde o fogo é usado para preparar os solos para as colheitas. A rala vegetação de capoeira é queimada para a liberação das áreas para a plantação e as cinzas resultantes fertilizam os solos. O uso dessa técnica rudimentar enfraquece os solos ao longo do tempo e novas áreas de mata nativa precisam ser desmatadas para manter a produção. Os rebanhos animais completam o rastro de destruição deixado pelo fogo e pelas lavouras. 

Além dos impressionantes estragos nos solos, existem danos menos visíveis no subsolo – sem a presença da vegetação, as águas das chuvas não conseguem se infiltrar nos solos para reabastecer os lençóis subterrâneos de água e aquíferos, o que por fim vai acabar matando as nascentes de água na região. De acordo com os dados disponíveis, os índices pluviométricos anuais da região são da ordem de 1.200 mm, o que é um volume bastante razoável para uma região semiárida. 

São essas chuvas as responsáveis pelo carreamento de grandes volumes de solos férteis e também pela formação das grandes voçorocas em toda a região. Muito pior: além dos graves problemas regionais, as águas dessas chuvas carreiam todo esse volume de sedimentos para a bacia hidrográfica do rio Parnaíba, a maior e mais importante do Piauí, amplificando o volume dos problemas ambientais. 

Sem conseguir continuar produzindo em suas terras, muitos agricultores e suas famílias acabam se mudando para as periferias das grandes cidades, onde vão tentar ganhar a vida e o “pão de cada dia” em subempregos dos mais diferentes tipos. Essa é uma realidade que assombra populações impactadas pela desertificação em todo o mundo. 

Conforme comentamos na postagem anterior, os processos para a formação dos solos férteis demandam muito tempo – falamos aqui de milhares ou até mesmo de milhões de anos. Bastam apenas alguns poucos anos de uso inadequados desses solos para todo esse primoroso trabalho da natureza se perder… 

São fatos lamentáveis que, infelizmente, vem acontecendo com uma frequência cada vez maior em todo o mundo. 

OS SOLOS E A DESERTIFICAÇÃO

A desertificação e a perda de solos aráveis são dois dos maiores problemas ambientais de nossos dias. De acordo com a ONU – Organização das Nações Unidas, cerca de 120 mil km² de solos são perdidos todos os anos por causa da desertificação. De acordo com as estimativas da ONU, isso representa um prejuízo de US$ 1,3 bilhão a cada dia em perdas na produção agrícola, na criação de animais por falta de pastagens, na indústria, no turismo, na habitação humana, entre outros.

Essa perda anual de terras é equivalente a três vezes a área total do Estado do Rio de Janeiro ou, para sermos mais drásticos, representará uma perda total equivalente ao território do Brasil em cerca de 70 anos. As terras usadas pela agropecuária no Brasil correspondem a menos de 10% do nosso território e, somente em produção de grãos, geram safras da ordem de 260 milhões de toneladas a cada ano – isso nos dá uma noção global dos custos da desertificação para a humanidade.

Mas, afinal de contas, o que são solos aráveis?

Cerca de 70% da superfície do Planeta Terra é, ironicamente, coberta pelas águas dos oceanos. As chamadas terras firmes ou secas são, em sua maior parte, cobertas por grandes desertos, formações rochosas e gelo, muito gelo. Cerca de 13,1% das terras continentais são formadas por solos aráveis, ou seja, adequados para a agricultura – porém, apenas 4,71% suportam culturas agrícolas permanentes. Essas terras alimentam cerca de 7,8 bilhões de pessoas em todo o mundo.

Solos aráveis ou agricultáveis são o resultado de um longo conjunto de processos físicos, químicos e biológicos. Podemos definir solo como uma camada fina sobre uma camada rochosa, sendo constituído por diversos tipos de minerais. Esses minerais se formaram a partir dos intemperismos, que são as alterações físicas e químicas a que as rochas foram expostas desde a sua origem na superfície da terra. Os principais compostos do solo são minerais como a areia e a argila, que garantem as características estruturais do solo, a matéria orgânica, responsável pela fertilidade, a água, elemento responsável pela dissolução dos nutrientes e o ar. 

Uma forma bastante didática para que todos vocês entendam o processo de formação de solos é imaginar um vulcão em erupção. Isso não é tão difícil assim: nesse exato momento, o vulcão Kilauea, nas ilhas norte-americanas do Hawai está ativo e expelindo grandes quantidades de lava diariamente. O vulcão Etna, no Sul da Itália, também está em atividade. A lava vulcânica nada mais é que rocha em estado líquido. A lava escorre por força da gravidade e vai se acumulando sobre os solos já existentes ou corre na direção do mar, formando “novos” solos. Se você fizer uma pesquisa na internet, poderá encontrar imagens fantásticas mostrando as ondas de lava incandescente do Kilauea e do Etna escorrendo e se solidificando.

Quando as lavas esfriam o que resta é uma paisagem árida e completamente sem vida, uma vez que nenhuma forma orgânica consegue sobreviver às altíssimas temperaturas das rochas incandescentes. Quando as condições ambientais se normalizam, a superfície das rochas passa a ser colonizada por líquens. Os líquens são organismos simbióticos, formados por um fungo associado a uma alga verde ou azul, com grande capacidade de sobrevivência em locais inóspitos. Os líquens gradativamente começam a ocupar esse novo ambiente e, pouco a pouco, começam a criar uma finíssima cada de material orgânico sobre a superfície rochosa. 

As rochas sofrem desgastes por intemperismo – as alterações da temperatura provocam expansão e contração das camadas superficiais, provocado trincas e desfolhamentos de finas placas de rocha. Com a exposição às chuvas e ao vento, essas camadas de rocha vão se fragmentando e se juntando aos pequenos depósitos de matéria orgânica criados pelas colônias de líquens. Conforme essa camada de solo fértil vai aumentando, sementes de outras plantas que chegam arrastadas pelos ventos conseguem germinar e há uma aceleração no processo de formação de matéria orgânica e de solos férteis.

Esse é um processo lento e gradativo chamado de gênese dos solos. Ele é o responsável pela formação das terras férteis dos solos das florestas, matas e outras formações vegetais, que hoje estão sendo usadas pela agricultura. Cada centímetro na espessura desses solos levou séculos para se consolidar, mas basta uma chuva forte sobre um solo desnudo para que todo esse trabalho acabe sendo arrastado pelas águas. Um exemplo: as famosas “terras roxas” encontradas na Região Sul e em partes do Sudeste e do Centro-Oeste do Brasil surgiram a partir de grandes erupções vulcânicas que se encerraram há mais de 27 milhões de anos atrás.

Existem cinco fatores principais para a formação dos solos: o clima, onde temos a radiação solar, a pluviosidade e a pressão atmosférica; os organismos vivos que se desenvolverão e criarão camadas de matéria orgânica; o relevo; o material de origem, que está associado aos tipos de rocha que formam a superfície da região e serão determinantes para o tipo de solo que será formado e, não menos importante, o tempo – muito tempo. Regiões de clima quente e de alta pluviosidade, como os Trópicos, tendem a formar camadas de solo em menor tempo do que regiões mais frias ou de baixa umidade. Quanto maior a quantidade de água, mais completo e rápido é o processo de intemperismo – aqui está o segredo de grandes florestas como a Amazônica e a Mata Atlântica. 

Um ponto fundamental e que não pode faltar nessa exposição é a capacidade que os solos têm de reter e regular os fluxos de água, garantindo assim o fornecimento de água para todas as formas vivas, animais e vegetais, e controlando a quantidade e a velocidade que os excedentes de água das chuvas vão chegar aos cursos d’água. Essa é uma capacidade que é desenvolvida ao longo do desenvolvimento dos solos e da vegetação de uma floresta, atingindo um ponto de equilíbrio – a súbita remoção da cobertura vegetal, para criação de um campo agrícola por exemplo, pode romper rapidamente esse frágil equilíbrio e grandes volumes de solo passarão a ser carreados pelas águas das chuvas.

A desertificação dos solos representa uma quebra no equilíbrio desses fatores. Normalmente, o processo começa com a perda da matéria orgânica e, consequentemente, com a diminuição da capacidade de retenção de água. A destruição da cobertura vegetal de uma região, lembrando aqui o exemplo dos desmatamentos na região do Sahel na África, se refletirá na perda gradativa de matéria orgânica e no ressecamento dos solos. O que restará serão os fragmentos inertes de rochas, basicamente areia, sem capacidade e/ou com uma baixa capacidade de sustentar vida vegetal e animal. No caso do Sahel, os desmatamentos seculares da vegetação de estepe está possibilitando a expansão do Deserto do Saara.

Processos de desertificação, com diferentes graus de intensidade, são encontrados em todos os continentes. Aqui no Brasil existentes casos graves na Região Nordeste, principalmente no Estado de Alagoas, e também na região dos Pampas no Rio Grande do Sul. No caso alagoano, a origem do problema está associada diretamente à destruição da antiga cobertura de Mata Atlântica no Estado. Já no Rio Grande do Sul, o problema vem sendo desencadeado pelo intenso pastoreio de animais em áreas de campos, onde os solos férteis eram muito finos e arenosos – sem a cobertura das gramíneas, os solos passaram a ser erodidos pelos ventos e pelas chuvas.

Quando uma determinada região perde a sua capacidade de produção de alimentos, as populações que ali vivem são obrigadas a migrar em busca de novas áreas para viver e trabalhar. Isso significa que regiões cobertas por florestas ou por remanescentes florestais serão devastadas para a formação de novos campos agrícolas e pastagens para os animais. Sem os devidos cuidados, essas “novas” áreas agricultáveis apresentarão os mesmos sinais de desertificação e de perda de fertilidade dos solos, além de perdas importantes por erosão. Em um planeta com recursos naturais cada vez mais limitados, esse é um problema gravíssimo, que vem se somar a uma série de outros problemas já existentes.

A agricultura e a pecuária são essenciais para a vida humana, porém, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre a produção e a conservação dos solos. Só para lembrar – a Terra é finita e as atividades humanas ao longo dos séculos já nos custaram grandes volumes de solos férteis. É preciso cuidar muito bem do pouco que restou… 

PS: 22 de março é o Dia Mundial da Água

AINDA FALANDO DA GRANDE MURALHA VERDE DO SAHEL

Na última postagem fizemos uma rápida apresentação do Projeto da Grande Muralha Verde do Sahel, na África. O Sahel é uma grande área de transição climática entre os terrenos áridos do Deserto do Saara e as terras férteis das Savanas africanas, Esse território se estende ao Sul do Saara desde o litoral do Oceano Atlântico, a Oeste, até as margens do Mar Vermelho, a Leste, numa extensão total de 8 mil km e com uma largura entre 500 e 700 km.

As terras do Sahel eram originalmente cobertas por uma vegetação de estepe, formada por muitas espécies de árvores e arbustos adaptados aos solos e ao clima da região. Essa vegetação formava uma barreira natural contra os fortes ventos vindo do Deserto do Saara, evitando que grandes volumes de areia fossem lançados sobre as Savanas. Com o crescimento das populações e com a necessidade de criação de áreas para a agricultura e também de madeira para a construção civil e como combustível, principalmente para se cozinhar, grandes trechos da vegetação nativa do Sahel foram destruídos.

A consequência mais direta desses desmatamentos foi um avanço do Deserto do Saara rumo ao Sul – alguns estudos indicam que o Saara cresceu cerca de 10% entre 1922 e 2020. O Projeto da Grande Muralha Verde surgiu com o claro objetivo de recompor uma parte importante dessa cobertura vegetal, impedindo assim o avanço dos processos de desertificação do Sahel.

A proposta inicial da Grande Muralha Verde era a formação de uma linha de vegetação contínua, com uma largura de 15 km e uma extensão total de 7.775 km desde o Senegal, na costa do Oceano Atlântico, até a Etiópia. Essa faixa de vegetação atravessaria 11 países e, inicialmente, 20 nações se comprometeram a apoiar o projeto. A meta inicial era chegar até o ano de 2030 com 100 milhões de hectares de solos recuperados e, pelo menos, 10 milhões de empregos criados. Analisando apenas esses números, é possível se ter uma ideia da complexidade e do grande número de obstáculos a serem vencidos.

Os números mais recentes indicam que apenas 15% das metas iniciais foram atingidas. Entre outros problemas, existem grandes regiões ao longo do Sahel que não estão sob controle dos Governos dos países, mas sim na mão de grupos guerrilheiros, que ditam as regras locais e decidem o que pode ou não ser feito em seus territórios. Outro problema é que muitas regiões são desabitadas e não haveria ninguém para cuidar das mudas plantadas. Não menos importantes foram os desvios de verbas – a corrupção faz parte da cultura política da África.

Segundo informações da ONU – Organização das Nações Unidas, que está envolvida no projeto, a Grande Muralha Verde está sendo muito bem sucedida em algumas regiões e nada bem em outras. Na Etiópia, por exemplo, perto de 15 milhões de hectares em processo de desertificação já foram recuperados através do plantio de árvores desde 2007. Na Nigéria, os trabalhos já ajudaram na recuperação de 5 milhões de hectares. No Senegal, 11 milhões de árvores já foram plantadas e cerca de 25 mil hectares de solos já foram recuperados.

As iniciativas não ficam restritas apenas ao plano dos Governos federais dos países. Cerca de 120 municípios de Burkina Faso, Mali e Níger fizeram a sua “lição de casa” e plantaram suas “pequenas muralhas verdes”. Esse esforços locais resultaram na recuperação de mais de 2.500 hectares de terras. Isso pode parecer pouca coisa, mas, para milhares de famílias que dispõem apenas de um pequeno lote para produzir seu próprio alimento, isso é muito. Manter as populações em suas terras e garantir que elas possam produzir seus alimentos é parte vital do projeto.

Cada família beneficiada pelo Projeto da Grande Muralha Verde e que consegue se manter vivendo em sua própria terra é uma família a menos que vai ser forçada a migrar para os centros urbanos em busca de uma vida melhor. O êxodo rural é um problema seríssimo em toda a África, não só por causa da desertificação de solos e das secas persistentes em muitas regiões, mas também por causa de conflitos armados em todo o continente.

Existem inúmeros exemplos de países que possuem um Governo oficial (nem sempre eleito democraticamente) e inúmeros líderes tribais ou ligados a alguma guerrilha, que controlam grande áreas do território do país. Indefesa em meio a todas essas forças, a população civil precisa fugir e buscar novos locais para recomeçar a vida.

A iniciativa da Grande Muralha Verde não vai conseguir solucionar todos os problemas dessa extensa região da África, mas, ao menos, poderá garantir um futuro melhor para muita gente. Além dos esforços para conter o avanço do Deserto do Saara rumo ao Sul, os Governos dos países atravessados pelo Sahel também precisam fazer investimento em sistemas de armazenamento e distribuição de água, em irrigação, na construção de estradas para facilitar o escoamento da produção, isso sem falar nos investimentos básicos em saúde e educação.

Infelizmente, não são todos os Governantes que estão preocupados com o bem estar e com a saúde do seu povo. Há notícias de desvios de verbas que seriam destinadas aos trabalhos de formação da Muralha Verde – dinheiro que está sendo doado por organismos internacionais, países e organizações não governamentais, mas que não está chegando onde deveria chegar.

De acordo com o relato de Dennis Garrity, diretor do ICRAF – Centro Agroflorestal Mundial, na sigla em inglês, houve uma proposta muito semelhante à da Grande Muralha Verde no início da década de 1970. Vários líderes africanos ficaram entusiasmados com a ideia e receberam verbas de organismos internacionais para plantar as árvores. O dinheiro, é claro, sumiu e ninguém viu as árvores. Não seria nada improvável que o mesmo acontece com alguns dos trechos do atual projeto.

Qualquer semelhança com fatos similares aqui em nosso país não é mera coincidência.

A GRANDE MURALHA VERDE DO SAHEL

Ao longo de diversas postagens anteriores falamos dos grandes impactos que a epidemia da Covid-19 está provocando na produção agrícola em todo o mundo. Com as restrições à circulação de pessoas em vários países, faltou mão de obra para realizar muitas colheitas, que acabaram se perdendo. Em muitos lugares, onde a mão de obra era formada majoritariamente por imigrantes temporários, a situação ficou ainda mais complicada – muitos desses trabalhadores retornaram para seus países de origem e só irão voltar quando as coisas se normalizarem. 

Explorando as diversas facetas que o problema adquiriu em todo o mundo, acabamos entrando num tema importante: o derretimento do permafrost em países como a Rússia, o Canadá e a Groenlândia. Esses são solos que, por causa do frio extremo, sempre estiveram congelados. Com o aumento das temperaturas em várias regiões do planeta, grandes trechos do permafrost estão derretendo e abrindo novas opções para a agricultura. 

O aumento das temperaturas nas zonas polares é uma consequência direta do aquecimento global, um fenômeno climático criado pela poluição da atmosfera com os chamados gases de efeito estufa, por queimadas em florestas e plantações, entre outras atividades humanas. Na postagem de hoje vamos comentar sobre um outro lado das mudanças climáticas – a desertificação. 

Você, com toda a certeza, já ouviu falar do Deserto do Saara. Trata-se do maior deserto do mundo, que cobre uma área total de mais de 9,2 milhões de km², uma superfície 10% maior que todo o território brasileiro, que tem 8,5 milhões de km². O Saara se estende por todo o Norte da África, englobando um total de 12 países: Argélia, Chade, Egito, Líbia, Mali, Mauritânia, Marrocos, Níger, Saara Ocidental, Sudão, Sudão do Sul e Tunísia. A população somada de todos estes países está próxima dos 290 milhões de habitantes, porém na região do Saara vivem aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. 

Há cerca de 20 mil anos atrás, após o último período de Glaciação ou Era do Gelo, como é mais conhecida popularmente, o Norte da África apresentava um clima mais úmido e com temperaturas mais baixas que as atuais, contanto com diversos rios permanentes. Muitos especialistas afirmam que o famoso Rio Nilo, que hoje atravessa o Egito de Sul a Norte e deságua no Mar Mediterrâneo, naqueles tempos atravessava todo o Norte da África e tinha a sua foz no Oceano Atlântico.  

Grande parte do território que hoje se encontra soterrado por dezenas de metros de dunas de areia seca era coberto por densas florestas – as partes “mais secas” eram cobertas por vegetação de savana, muito parecida com o nosso Cerrado. Todos os animais africanos que você costuma ver nos documentários como elefantes, girafas, zebras, antílopes, rinocerontes, hipopótamos, macacos e aves de todos os tipos se espalhavam por todo esse território. Pinturas rupestres deixadas pelos antigos habitantes da região mostram cenas onde aparecem todos esses animais. Se você pudesse viajar no tempo e desembarcasse no meio desse território, nada lhe lembraria a imagem atual do Saara. 

Esse clima e vegetação permaneceram inalterados até um período entre 8 e 10 mil anos atrás, quando o nosso planeta sofreu uma leve alteração no seu eixo de rotação, o que foi suficiente para alterar a incidência solar no Norte da África e provocar uma alteração climática nos regimes de umidade e temperatura. Alguns cientistas afirmam que essa mudança ocorreu há menos tempo, cerca de 5 mil anos atrás, mas com as mesmas consequências – as florestas retrocederam lentamente até desaparecer, as áreas de savana se ampliaram e depois as grandes extensões cobertas com areia passaram a dominar as paisagens.

A maior parte dessas grandes mudanças ambientais ocorreu ao longo de vários séculos, entrando a seguir em uma relativa estabilidade. Além da formação do grande Deserto do Saara, esse conjunto de mudanças criou uma extensa faixa de transição ao Sul – o Sahel. Com uma largura entre 500 e 700 km, o Sahel se estende do litoral do Oceano Atlântico, a Oeste, até o Mar Vermelho a Leste. Essa grande faixa de transição climática atravessa trechos da Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul e Eritréia.

O Sahel sempre funcionou como uma barreira entre os terrenos áridos do Saara e as terras férteis da Savana africana. Os solos do Sahel eram cobertos por uma vegetação diversificada de estepe (vide foto), que funcionava como uma barreira natural contra os fortes ventos vindos do Saara, evitando que grandes volumes de areia chegassem até as Savanas. Estou usando verbos no passado por que grande parte dessa vegetação foi destruída ao longo do tempo, tanto para a abertura de áreas para a agricultura quanto para exploração da madeira. E sem essa barreira natural, as areias do Deserto do Saara começaram a se expandir para o Sul.

O Deserto do Saara cresceu cerca de 10% entre 1920 e 2020, ocupando principalmente áreas do Sahel. Essa expansão do Saara corresponde a uma área de 554 mil km², o que indica um avanço de mais de 7,6 mil km² por ano. A desertificação é, infelizmente, um problema global. De acordo com a ONU – Organização das Nações Unidas, perto de 120 mil km² de solos são perdidos a cada ano para a desertificação. Nas palavras de Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da UNCCD – Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, na sigla em inglês, “a desertificação se espalha mais como um câncer do que como uma onda ou um incêndio na floresta” .

Diferentemente de outras regiões do mundo onde o problema da desertificação segue sem qualquer controle, na região do Sahel houve a decisão da União Africana de implementar um projeto conjunto para retardar ou até mesmo reverter o avanço do Deserto do Saara. Falo aqui da criação do Projeto da Grande Muralha Verde do Sahel em 2007. Com apoio da UNCCD, os países da região do Sahel iniciaram o plantio maciço de árvores, criando o que seria a maior estrutura viva do mundo. Aproximadamente US$ 8 bilhões já foram investidos. O principal objetivo da Muralha Verde é recuperar as grandes extensões da vegetação de estepe que foi perdida para os desmatamentos.

Entre as espécies de árvores que estão sendo plantadas destacam-se a acácia, o mogno, o nim e o baobá, todas adaptadas aos solos e ao clima do Sahel. O grande destaque dessa lista é o baobá, uma árvore que possui um tronco grosso e bulboso, que tem uma grande capacidade para armazenar água. Essa espécie pode viver até 2 mil anos. O baobá produz um fruto de casca marrom, de gosto cítrico e azedo, muito rico em vitamina C, cálcio, magnésio, potássio e ferro.

As características do fruto do baobá chamaram a atenção de empresas dos setores de alimentação da Europa, que passaram a importar a polpa desidratada, que está sendo usada na preparação de sorvetes, sucos e outros alimentos. Essa iniciativa já criou um mercado anual de US$ 3,5 bilhões, que poderá chegar aos US$ 5 bilhões em cinco anos. As populações locais passaram a enxergar as árvores como uma fonte de renda e tudo farão para preservá-las. Muitas dessas empresas estão fazendo doações de milhares de mudas de árvores, criando assim uma sinergia importante com as populações locais.

O ambicioso projeto da Grande Muralha Verde está muito longe de atingir os 8 mil km planejados, mas os resultados já obtidos são animadores. Só o fato de vários países africanos se unirem com um objetivo comum já foi um grande avanço. Vamos torcer pelo bom andamento desse fantástico e importantíssimo projeto. Assim como acontece aqui em nossas terras, é muito comum que grandes projetos em países africanos comecem e parem, com os recursos simplesmente desaparecendo no ar…