
Um capítulo importante da devastação de áreas interioranas da Mata Atlântica teve início com as Frentes Pioneiras, também chamadas de Frentes de Expansão ou ainda de “Marcha para o Oeste”, nome inspirado na expansão territorial dos Estados Unidos no século XIX. Foram conjuntos de políticas públicas que tinham como objetivo a ocupação e colonização de extensas áreas dos “sertões” brasileiros.
Até as últimas décadas do século XIX, a população brasileira se concentrava uma faixa de 300 km ao longo da fachada oceânica e em áreas interioranas da Região Nordeste e de Minas Gerais, estas últimas ocupadas durante os chamados Ciclos do Couro e do Ouro. O restante do país, com raras exceções, era uma imensa sucessão de sertões habitados por escassas populações, formadas na sua maior parte por nações indígenas.
A expansão da cafeicultura pelo chamado “Oeste Paulista” e depois pelo Norte do Paraná a partir de meados do século XIX ajudou a desbravar um pouco mais de “terras virgens” desses sertões. Na região Sul, a exploração de madeiras, especialmente do pinho das araucárias, e da erva-mate, contribui para um avanço gradativo de populações rumo ao “Oeste” de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Existiam, porém, imensas áreas do território a serem ocupadas.
Nas últimas décadas do século XIX, após o término da Guerra do Paraguai, a criação de gado começou a crescer muito, especialmente no Sul do então Estado de Mato Grosso, região que um século mais tarde seria transformada no Estado do Mato Grosso do Sul. Se vocês se lembrarem das aulas de história dos tempos do ensino fundamental, nessa região ficavam os chamados Campos de Vacaria, descoberto por exploradores espanhóis nas últimas décadas do século XVI e frequentado por bandeirantes paulistas a partir de meados do século XVII.
A porção mais ao Sul dessa região, mais próxima da divisa com os atuais Estados de São Paulo e do Paraná, era coberta por uma densa Floresta, origem do nome Mato Grosso, e que era a porção mais ocidental da Mata Atlântica. Naqueles tempos, essas densas áreas de matas se estendiam entre os limites das áreas que foram ocupadas inicialmente pelos cafezais e as áreas de Cerrado dos Campos de Vacaria. As políticas de ocupação dessa extensa região marcariam o início do fim da Mata Atlântica nesses locais.
A exceção de algumas antigas estradas boiadeiras, que permitiam a ligação dessas regiões por via terrestre com o restante do país, era a navegação fluvial a melhor forma de transporte. O rio Paraguai, por exemplo, permitia o transporte de cargas e pessoas desde o Mato Grosso até Buenos Aires, na Argentina, e Montevideo, no Uruguai.
As embarcações seguiam primeiro pelo rio Paraguai, descendo depois o rio Paraná e por fim o rio da Prata. O rio Paraná, com maiores dificuldades por causa de obstáculos naturais como as Cataratas do Iguaçu, também permitia o acesso fluvial a essas cidades platinas.
Subindo a correnteza do rio Paraná também era possível chegar ao rio Grande, na divisa de São Paulo e Minas Gerais, e a partir dali atingir algumas áreas já povoadas e interligadas ao litoral através de ferrovias. Todas essas dificuldades logísticas resultavam em enormes dificuldades sociais e econômicas para a escassa população dessas regiões.
O desenvolvimento econômico motogrossense começou quando algumas empresas locais se dedicaram ao processamento da carne de charque, que era transportada por via fluvial até Buenos Aires e Montevidéu, sendo depois exportada por via marítima até o Rio de Janeiro e toda a Região Nordeste. Essa mesma via de transporte era usada para escoar a erva-mate.
Depois, o gado em pé passou a ser vendido para o Paraguai, cuja economia se recuperava da destrutiva guerra, e para o Estado de São Paulo, levando à criação de muitas estradas boiadeiras e de serviços de navegação no rio Paraná.
Um evento marcante do início do século XX, que mudaria em definitivo a vida e a economia ao longo das margens do rio Paraná, foi a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil à cidade de Porto Esperança, no território do atual Estado de Mato Grosso do Sul. As obras foram iniciadas em 1905 na cidade de Bauru, interior do Estado de São Paulo, e concluídas em 1914 (vide foto).
A ferrovia alterou profundamente a economia regional, que passou a ter acesso direto aos grandes centros consumidores da Região Sudeste do país, deixando de depender exclusivamente da navegação hidroviária pela bacia dos rios Paraguai, Paraná e Prata.
Um outro aspecto, talvez o mais relevante, foram as possibilidades que a ferrovia abriria para o povoamento da Região Oeste do Estado de São Paulo e demais áreas lindeiras às margens do rio Paraná e principais afluentes no Leste do Paraná e no Sul de Mato Grosso.
Ao longo de todo o século XX, serão implementadas diversas políticas governamentais e movimentos com vistas ao deslocamento e fixação de populações nessas regiões “desabitadas”. Esse conjunto de esforços lembrarão muito aqueles que foram criados nos Estados Unidos com vistas ao povoamento do “Velho Oeste” americano a partir de meados do século XIX.
Uma empresa privada, que depois foi transformada em autarquia federal em 1942 e que marcou época nessa região do rio Paraná foi a Companhia de Viação São Paulo – Mato Grosso. Foi essa empresa quem estruturou o serviço pioneiro de balsas para a travessia de gado entre o Sul de Mato Grosso e São Paulo.
Além do comércio de gado e dos serviços de navegação fluvial, mercado que a empresa liderou até a década de 1960, a Companhia também se dedicou a projetos de colonização rural, de indústria e de comércio. As atividades da empresa, que funcionou entre 1904 e 1972, foram determinantes para a fundação de inúmeras cidades nas regiões marginais do rio Paraná no extremo Oeste paulista e extremo Noroeste do Paraná, além de cidade no Sul do Estado do Mato Grosso. A cidade de Presidente Epitácio, no Estado de São Paulo, é um exemplo.
As principais rotas de navegação da Companhia utilizavam as águas dos rios Paraná, Anhanduí, Pardo, Brilhante e Ivinhema. Uma das rotas de navegação mais importantes do rio Paraná foi a que passou a interligar a cidade de Guaíra, no Estado do Paraná, a Três Lagoas, no Mato Grosso. Essa rota de navegação estimulou o surgimento de dezenas de portos fluviais para o embarque e desembarque de passageiros, cargas, animais, além de muitos carros e caminhões.
Também fez surgir uma infinidade de “portos” improvisados em fazendas e pequenas vilas, onde embarcações eram carregadas com madeira e gado. Durante várias décadas, grande parte do transporte de pessoas e de mercadorias por toda essa extensa região continuou sendo feito pelas vias fluviais.
No período áureo da navegação fluvial do rio Paraná, entre as décadas de 1940 e 1960, cerca de quinze grandes empresas de navegação operavam com embarcações de carga e de passageiros, a maioria com sede na cidade de Presidente Epitácio. A partir da década de 1950, com praticamente todos os esforços do Governo Federal sendo concentrados na abertura de rodovias e no estímulo à produção de carros, caminhões e ônibus, toda essa infraestrutura de navegação fluvial entrou em lenta e contínua decadência.
O resultado final de todos os esforços governamentais para o povoamento e colonização das regiões marginais do rio Paraná ao longo das primeiras décadas do século XX foi o surgimento de uma infinidade de propriedades rurais, vilas e cidades lindeiras ao rio. Ironicamente, ações do próprio Governo Federal para a implantação de várias usinas hidrelétricas ao longo da calha do rio Paraná, a partir da década de 1960, expulsariam muitos desses pioneiros e seus descendentes das suas terras e propriedades. Isso é o que se pode chamar de falta de planejamento e de visão de longo prazo entre nossos governantes.
Todo esse conjunto de esforços para o povoamento e conquista dessas imensas áreas do grande “sertão” brasileiro marcaria a destruição de enormes trechos interioranos da Mata Atlântica. Entre as poucas áreas em que a mata ainda conseguiria sobreviver destacamos o Pontal do Paranapanema, no Extremo Oeste paulista e o Parque Nacional do Iguaçu, na divisa do Paraná com a Argentina.
Todo o mais, esses seriam transformados em pastagens e campos agrícolas…
[…] A “MARCHA PARA O OESTE” […]
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[…] longo do primeiro Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a “Marcha para o Oeste”, conjunto de políticas públicas de estímulo à ocupação e colonização dos chamados […]
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[…] colonização dos imensos vazios territoriais do país. A “Marcha para o Oeste”, que citamos em postagens anteriores, é uma das faces mais visíveis dessa política de […]
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[…] da estratégia de ocupação de todo o território brasileiro que vinha sendo desenvolvida por sucessivos Governos desde o início do século XX, milhares de […]
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[…] ocupação e o povoamento de extensas áreas desabitadas do interior do país como a famosa “Marcha para o Oeste“. Com o início do período dos Governos Militares em 1964, esses esforços foram […]
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[…] grande avanço tecnológico veio de encontro a uma série de políticas governamentais de ocupação de grandes vazios populacionais de nosso território, numa época em que tudo podia ser feito em prol do desenvolvimento do país – inclusive […]
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[…] E olhem que nem estamos falando de rincões nas distantes Regiões Centro-Oeste e Norte – o Oeste do Estado de São Paulo e o Norte do Paraná, citando apenas dois exemplos, eram cobertos de densas florestas cheias de […]
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[…] de Pesquisas Agropecuárias, em 1972. Também é importante lembrar que o Governo brasileira via a ocupação de grandes extensões desertas do nosso território como estratégica para os interesses nacionais – a Amazônia é um desses […]
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