MILHETO, O SALVADOR DA LAVOURA?

O milheto, também conhecido como milhete, milho-miúdo, milho-alvo, painço, mileto e pão-de-passarinho, é um cereal originário do Sahel, uma extensa região semiárida da África. De acordo com estudos arqueológicos e botânicos, o milheto foi domesticado no Norte do Mali entre 2500 e 2000 antes de Cristo.  

Graças à sua fácil adaptação a terrenos de baixa fertilidade e com pouca disponibilidade de água, a cultura se espalhou por toda a África Subsaariana, especialmente nas regiões de savanas, bioma que guarda muitas similaridades com o Cerrado.  

Por volta do ano 1500 a.C, o milheto chegou à Índia, onde se adaptou bem às áreas semiáridas de regiões como o Rajastão. A partir da Índia, o grão começou a se espalhar por extensas áreas semiáridas da Ásia, se transformando em um importante alimento para grandes contingentes populacionais.  

As principais espécies de milheto cultivadas são o Pannisetum robustum e o Pannisetum glaucum. No Brasil é comum o cultivo da espécie Panicum miliaceum, que é mais conhecida pelo nome de painço. Os primeiros registros do milheto aqui no Brasil são da década de 1960. 

Nas regiões semiáridas da África Austral, em países como Angola, Namíbia, Zâmbia, Botswana, África do Sul, Zimbábwe, Moçambique, entre outros, o milheto é um grão de extrema importância para a alimentação humana. Se valendo de técnicas agrícolas das mais rudimentares e lutando contra a baixa fertilidade dos solos e a escassez de água, os agricultores conseguem arrancar da terra o seu “pão de cada dia”. 

A extrema capacidade de adequação do milheto a condições ambientais extremas levou a FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a declarar 2023 como o Ano do Milheto”. Em tempos de crise na produção de alimentos, essa é uma iniciativa importante. 

De cultura tradicional entre os agricultores mais pobres, especialmente em países da África, o milheto foi sendo gradativamente colocado em segundo plano pelos colonizadores europeus que tinham preferência por grãos como o milho e o trigo, culturas bem mais exigentes em termos de qualidade dos solos e de disponibilidade de água. 

Uma região onde a FAO pretende estimular a produção do milheto é o Chifre da África, onde uma forte estiagem vem causando enormes perdas nas lavouras agrícolas. O Chifre da África, também conhecido como Nordeste Africano e Península Somali é uma região com cerca de 1,88 milhão de km2 no nordeste do continente africano, onde se incluem territórios da Somália, Etiópia, Eritréia e Djibuti. 

Somente em 2022, mais de 755 mil pessoas foram forçadas a abandonar suas terras e vilas na região em busca das condições mínimas para a sobrevivência. Segundo a ONU, a região do Chifre da África vem recebendo chuvas muito abaixo da média desde o final de 2020, situação que já forçou o deslocamento forçado de mais de 1 milhão de pessoas

A cultura do milheto é bastante rudimentar e não requer nada mais que ferramentas agrícolas das mais simples. A preparação inicial dos solos é feita com a derrubada da rala vegetação, que é seguida pela queima dos restos de lenha, uma técnica que lembra muito a coivara praticada pelos nossos indígenas, quilombolas e agricultores mais tradicionalistas.  

Após a limpeza e a adubação rudimentar dos solos com as cinzas das madeiras queimadas, a terra é sulcada com arados puxados por animais, nada muito diferente do que era feito no Egito ou na Mesopotâmia há milhares de anos atrás. Esse trabalho de preparação do solo e a semeadura do milheto, que em Angola é conhecido como massango, coincide com o período das chuvas na região.  

A produtividade do milheto é bastante baixa quando comparada à de grãos mais tradicionais da agricultura mundial, mas é o suficiente para garantir a sobrevivência de muita gente. A literatura técnica fala de uma produtividade de 500 kg a 1 tonelada por hectare, porém, a média obtida em muitas regiões da África é de apenas 100 kg de grãos para cada hectare plantado. Para efeito de comparação, a produtividade média da soja no Brasil é de 3 toneladas/hectare e de 4,3 toneladas/hectare para o milho. Em algumas regiões da Europa, a produtividade do trigo chega a 7 toneladas/hectare. 

A questão da baixa produtividade da cultura, em princípio, não um problema insolúvel. Basta lembrarmos o caso da soja brasileira, grão que foi intensamente pesquisado e melhorado por pesquisadores da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, nas décadas de 1960 e de 1970. 

A soja é originária da China, país de clima temperado. As primeiras sementes de soja que chegaram ao Brasil vieram diretamente dos Estados Unidos e foram plantadas no Rio Grande do Sul na década de 1920. Como o clima dos Pampas Sulinos guarda semelhanças com o clima temperado, a cultura acabou se adaptando razoavelmente bem. 

O desafio que foi proposto para a EMBRAPA foi o de adaptar o grão para as condições inóspitas do Cerrado, onde além de um clima adverso ao cultivo do grão, os solos são extremamente ácidos e de baixa fertilidade. O desafio não só foi vencido como o Brasil acabou se transformando num dos maiores produtores mundiais do grão, disputando a liderança palmo a palmo com os Estados Unidos. 

Com o devido apoio financeiro internacional e com a expertise de instituições de pesquisa agropecuária como a EMBRAPA, o milheto poderá ser melhorado, passando a produzir muito mais nas mesmas condições ambientais. Isso faria a diferença na vida de centenas de milhões de pessoas em países e regiões de clima semiárido. 

Em condições normais, esse tipo de apoio financeiro internacional não costuma sensibilizar os dirigentes dos países mais ricos do mundo. Em tempos de crise na produção de alimentos, onde suas próprias populações estão sujeitas a fortes aumentos nos preços de alimentos, quiçá até na indisponibilidade de muitos produtos, talvez as coisas sejam diferentes. 

O aumento da produção de milheto em regiões pobres, além de garantir o sustento básico das populações locais, tende a reduzir a pressão por importações no mercado internacional, deixando maiores volumes de alimentos disponíveis para as populações dos países mais ricos. 

Num segundo momento, com o aumento da produtividade nessas regiões, poderá até haver um excedente de produção de milheto, permitindo inclusive a exportação do cereal para outros mercados. Essa possibilidade, um tanto utópica, não pode ser desprezada nesse momento de crise.  

VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI

Publicidade

2 Comments

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s