No próximo sábado, dia 6 de novembro, terá início a 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, mais conhecida como COP 27. O evento será sediado em Sharm el-Sheikh, uma cidade turística localizada entre o deserto da Península do Sinai e o Mar Vermelho no Egito.
O lema dessa edição da Conferência será “Juntos para a implementação”. Um dos principais objetivos do encontro será a concretização de acordos e compromissos anteriores, a exemplo das negociações firmadas em 2015, na COP 21 em Paris.
A questão das mudanças climáticas, que até poucos anos atrás era tratada com enorme ceticismo por grande parte das nações – especialmente os países mais industrializados, ganhou enorme força nos últimos anos. Em tempos de crise energética e de escassez de alimentos, a questão se tornou uma prioridade absoluta.
Conforme tratamos em uma postagem anterior, o Governo dos Estados Unidos, durante a administração do Presidente George W. Bush, chegou a contratar serviços de relações públicas para combater as notícias que falavam das mudanças climáticas. Isso aconteceu em 1990, pouco mais de 30 anos atrás.
O Governo norte-americano alegava há época que essas questões não tinham comprovação científica e que poderiam ameaçar os “empregos, o comércio e os preços nos Estados Unidos”. Entre outras ações, “especialistas” escolhidos a dedo pela Casa Branca foram contratados com a missão de desacreditar qualquer dado ou informação que falasse das mudanças climáticas.
Os esforços do Governo Bush, felizmente, começaram a “fazer água” em 1992, ano em que foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro. A Rio 92, como ficou mais conhecida, chamou a atenção do mundo para a questão ambiental e colocou o conceito de desenvolvimento sustentável em evidência.
A COP – Conferência das Partes, ou Conference of the Parties em inglês, foi adotada justamente em 1992, como o órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. Os países signatários da Convenção ratificaram o acordo em 1994, e passaram a se reunir anualmente a partir de 1995.
Entre as questões que deverão nortear os debates deste ano estão as medidas para conter as mudanças climáticas a partir dos mecanismos aplicáveis por todos os países, a mitigação das emissões dos gases de efeito estufa, a adaptação climática, as parcerias para conter o aquecimento global e o impacto climático nas questões financeiras.
É bastante fácil notar que são todas questões altamente problemáticas, especialmente num momento de grande tensão internacional a exemplo do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Eu imagino que ouviremos muitos discursos acalorados, inúmeras promessas e poucas ações práticas.
Negociações diplomáticas, apesar de serem lentas e complicadas, são sempre o melhor caminho. O crescimento exponencial dos efeitos do aquecimento global na vida de cidadãos de todo o mundo nesses últimos anos poderá ajudar a fazer as “PARTES” se entenderem um pouco melhor.
Até alguns poucos anos atrás, as mudanças climáticas eram consideradas como uma mera ficção. No início da década de 1990, citando um exemplo, o Governo do presidente George W. Bushfinanciou uma grande campanha de comunicação para desacreditar os cientistas que começavam a falar das mudanças climáticas.
Segundo a narrativa, fatos sem comprovação científica poderiam ameaçar os “empregos, o comércio e os preços nos Estados Unidos”. A estratégia envolvia uma pesada campanha de comunicação na imprensa, indo desde a inserção de declarações de notórios “especialistas científicos” até mecanismos para pautar as matérias.
Felizmente, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – mais conhecida como Rio 92, foi um grande sucesso e essa “bolha” acabou sendo rompida.
Passados pouco mais de 30 anos desde aqueles tempos, as mudanças climáticas ainda não são um consenso global, porém, está ficando cada vez mais difícil sair por aí negando que alguma coisa está acontecendo com o clima mundial.
O Relatório do Índice de Mudança Climática, ou CSI – Climate Shift Index, analisou 1.021 cidades em todo o mundo. Foram utilizados dados de temperatura diários do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo, catalogados ao longo de mais de 70 anos, além de dezenas de modelos climáticos.
O CSI conseguiu calcular a probabilidade de um clima excepcionalmente quente em um local e dia especifico estar ou não associado ao aquecimento global. O índice revelou que pelo menos 200 milhões de pessoas sentiram algum dos efeitos das mudanças climáticas em cada um dos 365 dias analisados.
O pico da exposição global às mudanças climáticas ocorreu no dia 9 de outubro de 2021, quando mais de 1,7 bilhão de pessoas, ou mais de 20% da população mundial, experimentaram temperaturas acima da média numa probabilidade até 3 vezes maior devido as interferências humanas no clima.
As regiões mais afetadas por essa “anomalia” climática ficam em áreas próximas a Linha do Equador, em países como o México, Brasil, África Ocidental e Oriental, Península Arábica e Arquipélago Malaio.
Usando uma palavra que está na moda, o negacionismo das mudanças climáticas está ficando cada vez mais difícil. Falando de uma forma mais popular, “não adianta ficar chorando pelo leite derramado”. É hora de limpar a mesa e ir no mercadinho comprar outra garrafa de leite…
Como sempre comentamos em nossas postagens, as mudanças climáticas já são um fato consumado. Precisamos nos adaptar a elas da melhor maneiro possível – o que vai exigir fabulosos investimentos em todas as áreas, e tentar seguir com a vida da melhor maneira possível.
As novelas da televisão, os filmes do cinema, o teatro e as músicas, entre outras formas de arte, têm o poder de influenciar pessoas e lançar modas e ideias. Aqui no Brasil o melhor exemplo são as telenovelas. As roupas dos principais protagonistas rapidamente viram moda, o bordão de algum deles rapidamente ganha as ruas, entre outras influencias. Muitos recém-nascidos acabam sendo batizados com os nomes dos atores na trama.
Lembro de cabeça de uma novela chamada o Clone, que foi produzida por um grande canal de televisão aqui do Brasil há uns 20 anos atrás. Uma das protagonistas do enredo era uma jovem árabe do Marrocos. Tradições típicas do país, citando a dança do ventre como exemplo, passaram a influenciar muita gente e levaram a abertura de inúmeras escolas especializadas.
Essa influência do mundo das artes muitas vezes é usada para fins mais comerciais. Vou citar como exemplo um filme norte-americano que gosto muito e que ilustra muito bem como essas coisas funcionam – Obrigado por fumar. O personagem principal do enredo é Nick Naylor, vivido pelo ótimo ator Aaron Eckhard, que é lobista das grandes empresas fabricantes de cigarros.
Preocupados com a queda contínua do consumo dos cigarros, os fabricantes encarregam Nick de encontrar uma solução para o problema. Depois de muita pesquisa, ele recebe uma proposta interessante de um grande agente de Hollywood – contratar grandes estrelas do cinema mundial a “peso de ouro” para fumar em seus filmes, o que influenciaria os espectadores/telespectadores a fumar, aumentando assim as vendas da indústria.
Se qualquer um dos leitores assistir a um filme clássico das décadas de 1940, 1950 ou de 1960, vai observar que o cigarro fazia parte da personalidade das pessoas daquela época. Não por acaso esses anos marcaram o auge da indústria do cigarro. A partir de então começaram a surgir inúmeros estudos ligando o tabagismo a inúmeras doenças, e, pouco a pouco, os personagens foram se tornando “abstêmios”. O feeling do personagem Nick Naylor parece fazer sentido.
Seguindo esse raciocínio da influência das artes no comportamento das pessoas, um grupo de pesquisadores resolveu verificar como está andando a temática das mudanças climáticas nos enredos de programas de televisão, em filmes e outras formas de arte.
A Good Energy, uma consultoria de histórias sem fins lucrativos, e a Media impact Project, ligada a USC – Universidade do Sul da Califórnia, passaram a analisar milhares de roteiros de filmes e programas de televisão escritos entre os anos 2016 e 2020, buscando palavras-chaves relacionadas à temática mudanças climáticas.
A pesquisa analisou 37.500 roteiros de filmes e programas de televisão ao longo de 5 anos. Os pesquisadores criaram um banco de dados com transcrições dos roteiros e passaram a pesquisar um grupo de 36 palavras-chave ligadas ao tema mudanças climáticas.
Do total de roteiros analisados, apenas 2,8% traziam uma ou outra referência ao tema. De acordo com Anna Jone Joyner, fundadora da Good Energy, “é uma ausência bastante gritante, visto que estamos falando de um fenômeno que, literalmente, todos os humanos da Terra estão experimentando de maneira individual e coletiva”.
A Showtime, um serviço de televisão a cabo norte-americano, foi a mídia com o maior número de menções a temas ligados ao clima. A National Geografic, cujos documentários são famosos por mostrar a vida selvagem e a natureza, atingiu a marca de 14,6% das menções. Também são destaques a HBO e a Netflix pelas suas respectivas menções.
O filme ligado a questões de mudanças climáticas mais lembrado pelos telespectadores foi o Dia Depois de Amanhã (vide foto), um blockbuster lançado em 2004, e que faturou mais de US$ 550 milhões em bilheterias de todo o mundo. A produção ganhou vários prêmios, especialmente na área dos efeitos visuais.
Na trama, o aumento das temperaturas globais e o degelo do Ártico provocaram a interrupção da Corrente do Golfo, uma importante corrente marítima de águas quentes que vai do Mar do Caribe em direção ao Atlântico Norte. Sem essa corrente, uma nova Era do Gelo tem início no Hemisfério Norte.
Um detalhe chamou a atenção dos pesquisadores – mesmo quando secas, ondas de calor, incêndios florestais e grandes furações aparecem nos roteiros, apenas 10% deles são associados às mudanças climáticas. Quando o tema combustíveis fósseis aparece nos roteiros, em apenas 12% dos casos são associados às mudanças climáticas.
Para tentar reverter esse quadro, a Good Energy passou a organizar workshops com escritores e roteiristas para conscientizá-los da importância de incluir essa temática em seus roteiros. Esse trabalho não é nada fácil – esses profissionais não gostam de sofrer influências eternas.
Um dado que vem reforçar a importância de filmes e programas de televisão abordarem questões climáticas em seus roteiros foi detectado através de uma pesquisa ambiental feita pelo instituto Gallup a pedido do IEP – Instituto for Economic and Peace, uma instituição australiana com filiais em todo o mundo. Os pesquisadores entrevistaram 125.000 pessoas em 121 países.
Apenas 48,7% dos entrevistados, praticamente 5 em cada 10 pessoas, consideram as mudanças climáticas como uma ameaça grave para a humanidade. Isso nos dá uma clara ideia da quantidade de pessoas que não tem acesso a informações sobre o que está acontecendo com o clima em nosso mundo.
Dentro desse cenário, usar os roteiros dos filmes e o enredo de telenovelas para divulgar os problemas decorrentes das mudanças climáticas globais parece ser uma boa ideia. Falta só convencer os produtores, artistas e roteiristas da importância disso.
Oxalá surjam novas produções ao estilo de o Dia Depois de Amanhã, onde um herói solitário consegue salvar o dia, ou melhor, salvar o mundo. Estamos precisando muito disso…
Na geometria plana, a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. No mundo real, onde diferentes regiões geográficas são separadas por rios, cadeias de montanhas, mares fechados ou grandes oceanos, ou ainda por questões políticas e militares em determinadas regiões, esse conceito deixa de ser verdadeiro.
Vamos relembrar rapidamente do controle que alguns reinos do Oriente Médio impunham às rotas comerciais terrestres que vinham do Extremo Oriente e do Sul e do Sudeste Asiático na direção da Europa. A lendária Rota da Seda, que cruzava toda a Ásia Central entre a China e a Europa, é um dos maiores exemplos.
Durante centenas de anos essa rota esteve sob controle dos turcomanos. Falo aqui de todo um grupo de povos de línguas turcomanas ou turco-tártaras. Além dos turcos, a mais importante etnia da Turquia, a lista inclui os azerbaijanos, casaques, uzbeques, oguzes, nogais, iacutos, entre muitos outros.
Se qualquer um dos leitores consultar um mapa da Ásia Central, vai verificar que os territórios ocupados por esses povos formam uma grande mancha entre a Costa leste da Turquia e o leste da China. Existe um antigo ditado que diz que, ainda hoje, “é possível ir de Istanbul, na Turquia, até Pequim, na China, falando unicamente o turco“.
Esses povos controlavam tanto os volumes quanto os preços das mercadorias que eram transportadas da China para a Europa através da Rota da Seda. O início da Era das Grandes Navegações, onde Portugal teve um papel chave nos séculos XV e XVI, foi impulsionada pela busca de uma rota comercial oceânica alternativa para o Oriente, o chamado Caminho para as Índias. Os portugueses lograram sucesso nessa empreitada e, de quebra, ainda “descobriram” o Brasil no caminho.
Um dos casos mais emblemáticos dessa corriga por novas rotas de navegação rumo ao Oriente foi a busca da lendária Passagem Noroeste. Muitos navegadores acreditavam que era possível navegar da Europa rumo ao Norte do Oceano Atlântico até se atingir o Norte do Oceano Pacífico. É claro que no meio desse caminho existia um Oceano Ártico e suas enormes banquisas de gelo, algo que criva enormes problemas nara os navegadores.
Para que todos tenham uma ideia da importância dessa rota para a navegação mundial: a distância marítima entre o Porto de Roterdã, na Holanda, até Tóquio, no Japão, é de 21.100 km via Canal de Suez e de 23.300 km seguindo via Canal do Panamá. A mesma rota feita através da Passagem Noroeste cairia para cerca de 14.100 km.
Uma das mais antigas referências a busca pela Passagem Noroeste data de 1497, quando Henrique VII, rei da Inglaterra, incumbiu a missão ao navegador John Calbot. O navegador teria conseguido atingir a Terra Nova, no Leste do Canadá, imaginando ter chegado a Ásia, mesmo erro cometido por Cristovão Colombo 5 anos antes quando chegou na Ilha de Santo Domingo. Cabot acabou desistindo da viagem e voltou para a Inglaterra.
Outro pioneiro nessa busca foi o navegador francês Jacques Cartier, que fez sua viagem em 1534. Assim como aconteceu com John Calbot, Cartier também acabou atingindo a costa Leste do Canadá. O navegador também desistiu da empreitada, não sem antes reivindicar a região, atualmente conhecida como Quebec, para a Coroa da França.
Outras tentativas inglesas para a conquista da Passagem Noroeste ficaram a cargo de Martin Frobisher. O militar inglês organizou três expedições – 1576, 1577 e 1578, todas frustradas. Essas expedições conseguiram atingir a Groenlândia e terras distantes do Canadá como a Ilha Baffin e a Baía de Hudson, porém, sem conseguir encontrar a Passagem Noroeste.
Existem evidências históricas que sugerem que o navegador português David Melgueiro foi o primeiro a conseguir realizar uma viagem pela Passagem Noroeste, indo da cidade do Porto, em Portugal, até a cidade de Kagoshima no Japão. Essa viagem teria se estendido entre os anos de 1660 e 1662.
Entre essas e muitas outras buscas frustradas, é preciso citar a trágica expedição da Marinha Inglesa comandada por Sir John Franklin. Essa expedição era formada por dois veleiros, o HMS Erebus e o HMS Terror, com um total de 127 tripulantes. Os navios zarparam da Inglaterra 1845, e, simplesmente, desapareceram nas águas do oceano Ártico. Pesquisadores só encontrariam os naufrágios do Erebus em 2014, e do Terror em 2017.
Um outro registro histórico importante é o do barão sueco Adolf Erik Nordenskjöld, que conseguiu atravessar a Passagem Noroeste em 1879. Ele partiu da cidade de Gotemburgo na Suécia em um navio baleeiro em 1878, seguindo ao longo da costa da Sibéria. A meio caminho do Estreito de Bering, o navio acabou ficando preso na banquisa de gelo por cerca de 10 meses até a chegada do verão.
Um dos mais famosos exploradores das águas polares e que se notabilizou por ter conseguir realizar grandes façanhas foi o norueguês Roald Amundsen. Para quem acha reconheceu o nome, lembro que Amundsen liderou a primeira expedição a atingir o Polo Sul em 1911, derrotando a equipe inglesa liderada por Robert Falcon Scott. Os ingleses, desgraçadamente, foram surpreendidos por uma forte tempestade durante o retorno e todos os membros da equipe morreram.
Amundsen partiu de Oslo, na Noruega, em junho de 1918, a bordo no navio Maud (vide foto), que era uma réplica exata do lendário navio Fram. Essas embarcações foram construídas com o fundo arredondado, uma adaptação essencial para suportar com segurança as situações de congelamento das águas do Oceano Ártico.
Como era previsto, o Maud acabou ficando preso por 22 meses na banquisa de gelo. Entre outros contratempos da jornada, Amundsen quase morreu ao ser atacado por um urso polar. Em outro momento, ele acabou intoxicado pela fumaça de uma lamparina a óleo enquanto trabalhava em sua cabine. O Maud chegou ao porto de Nome, no Alasca, em 27 de junho de 1920.
O sonho que todos esses navegadores pioneiros carregaram em seus corações ao longo dos séculos – de encontrar uma rota mais curta entre a Europa e a Ásia, está se tornando uma realidade graças ao aquecimento global. Segundo os cientistas, o Ártico está perdendo 13% de sua massa de gelo a cada década. De acordo com as projeções dos especialistas, é bem possível que as águas do Oceano Ártico e a Passagem Noroeste deixem de ficar congeladas a partir de 2050.
Navios cargueiros comuns e de passageiros poderão então navegar por essas águas durante o ano inteiro, sem qualquer preocupação com as banquisas de gelo e com os icebergs. Atualmente, só navios especiais do tipo quebra-gelo, conseguem navegar com relativa segurança nessas águas durante alguns meses do ano.
Se é possível afirmar que o aquecimento global está trazendo algum tipo de benefício para a humanidade, esse é um deles.
Candido Portinari (1903-1962) foi um dos maiores pintores da história do Brasil. Ele nos deixou um legado de mais de 5 mil pinturas e desenhos, que vão de pequenos esboços a painéis gigantescos como o mural “Guerra e Paz”, obra que foi doada em 1956 para a sede da ONU – Organização das Nações Unidas, em Nova York.
Esse gigantesco painel, com dimensões de 10 x 14 metros, ocupou Portinari por cerca de 5 anos. O artista fez mais de duzentos desenhos, que depois foram transformados em setenta lâminas, que depois seriam montadas como um verdadeiro quebra-cabeças.
Um detalhe triste dessa grande saga: Candido Portinari nunca conseguiu ver a sua obra completamente montada na sede da ONU. Ele morreu em 1962, vítima de uma grave intoxicação por chumbo, elemento presente em grande quantidade nas tintas que usava diariamente em seus trabalhos.
Essa triste lembrança de Candido Portinari serve como uma introdução a um importante alerta da OMS – Organização Mundial de Saúde. Em comunicado, a organização informa que cerca de 1 milhão de pessoas morrem todos os anos em consequência do envenenamento por chumbo.
O chumbo é um metal pesado altamente tóxico que está presente em inúmeros produtos que utilizamos em nosso dia a dia. Além das tintas, o chumbo é usado em pilhas e baterias, cabos elétricos, mantas de blindagem, aditivos para gasolinas, entre muitos outros produtos.
A exposição contínua leva a acumulação do chumbo no organismo humano. Isso pode afetar as funções cerebrais, os rins, os sistemas digestivo e reprodutor, inclusive podendo se reverter em mutações genéticas em descendentes. Também são relatadas diversas doenças no sangue.
Os principais sintomas dessa intoxicação são irritabilidade, cefaleia, tremor muscular, alucinações, perda de memória e de capacidade de concentração. Esses sintomas podem progredir para delírios, convulsões, paralisias e coma. As sequelas desses problemas podem afetar a memória e o aprendizado.
Um dos mais graves e rumorosos casos de intoxicação por chumbo aqui no Brasil foi o que ocorreu na cidade de Santo Amaro, na Bahia. Nessa cidade funcionou por mais de 30 anos uma empresa de beneficiamento de chumbo. Essa empresa faliu em 1993, deixando um passivo ambiental de cerca de 500 mil toneladas de resíduo desse metal.
Além de afetar gravemente a saúde da população da cidade, essa contaminação também chegou as águas do rio Subaé e atingiu todo o seu estuário na Bahia de Todos os Santos. Caetano Veloso, cantor e compositor natural de Santo Amaro, lançou uma canção de protesto chamada “Purificar o Subaé” em 1981, gravada em parceria com Maria Bethânia, Gilberto Gil e Nicinha.
Além dos contatos frequentes com tintas residenciais e industriais com altos níveis de chumbo, trabalhadores de todo mundo são expostos frequentemente ao contato com esse metal. Uma das atividades que mais expõem trabalhadores a esse risco é a reciclagem de materiais.
A coleta, o transporte e a seleção de materiais recicláveis é o ganha pão de milhões de pessoas pobres em todo o mundo. Esses trabalhos, na esmagadora maioria dos casos, é feito de maneira artesanal e improvisada, onde não se respeitam as normas mínimas de segurança como o uso de EPIs – Equipamentos de Proteção Individual.
Entre as sucatas mais cobiçados por esses recicladores estão as de metais como o alumínio, o cobre e o chumbo, materiais que tem um alto valor de revenda no mercado. No caso do chumbo, uma das principais fontes do metal são as baterias velhas de automóveis e caminhões (vide foto).
Essas baterias são formadas basicamente por uma caixa plástica de baixo valor e por um conjunto de valiosas placas e contatos elétricos feitos de chumbo. As baterias também contêm uma solução ácida tóxica, que é descartada no meio ambiente sem maiores preocupações.
As baterias são desmontadas sem maiores cuidados, o mesmo ocorrendo com a manipulação das peças de chumbo. Em muitas “recicladoras”, as peças de chumbo são derretidas de forma improvisada com maçaricos e transformadas em lingotes, um formato que valoriza o material junto aos compradores.
Outra importante fonte de contaminação são atividades de reciclagem do chamado lixo eletrônico. Conforme já tratamos em postagens anteriores, componentes eletrônicos e placas de circuito impresso utilizam uma série de metais nobres e altamente valorizados. Destaco o cobre, o estanho, a prata, o alumínio, e, em quantidades bem menores, o ouro.
A separação desses metais nobres de partes plásticas e de porcelana dos componentes é uma atividade que não é fácil e que demanda muita mão de obra. Países miseráveis como Gana acabaram sendo transformados em verdadeiros “cemitérios” mundiais de lixo eletrônico. Nesses países a mão de obra barata abunda.
São justamente esses trabalhos miseráveis, que garantem as mínimas condições para a sobrevivência de milhões de pessoas, as principais fontes de contaminação por chumbo em todo o mundo. Sem nenhuma outra opção de trabalho, essa massa de trabalhadores se intoxica – com chumbo, mercúrio, cádmio e tantos outros metais perigosos, um pouco mais a cada dia.
O alerta da OMS é providencial, mas o tamanho e a complexidade do problema são descomunais.
Em 2020, um grupo de cientistas norte-americanos e japoneses realizou um feito digno dos melhores roteiros de filmes de ficção científica – eles conduziram um experimento que permitiu reviver micróbios que estavam adormecidos há mais de 100 milhões de anos. Esses seres se encontravam no meio do sedimento marinho de uma região do Oceano Pacífico Sul a uma profundidade de 6 mil metros.
Esses micróbios adormecidos foram “alimentados” em uma incubadora com carbono, nitrogênio, amônia e aminoácidos por cerca de 550 dias. Esses micróbios “despertaram”, cresceram e passaram a se multiplicar. Os cientistas passaram a identificar atividades metabólicas, o que sinaliza que as criaturas poderiam sobreviver no meio ambiente por sua própria conta.
Comecei a postagem citando esse estudo por conta de uma ameaça biológica que poderá ser desencadeada nos próximos anos – o degelo acelerado do Ártico, tema que já tratamos em inúmeras postagens, poderá liberar inúmeros vírus e outros microrganismos que estão em estado de hibernação sob o gelo há milhares, quiçá milhões de anos.
O raciocínio dos cientistas é bem simples – se microrganismos conseguiram sobreviver enterrados numa camada de argila e sob uma lâmina de água marinha de 6 mil metros por mais de 100 milhões de anos, haveria alguma razão para que o mesmo não acontecesse com outros microrganismos sob o gelo polar?
E quantos desses microrganismos pré-históricos – especialmente vírus e bactérias, não são potencialmente mortais para os seres humanos?
Deixem-me citar um breve exemplo do quão fatal o contato desses microrganismos com seres humanos poderá ser:
Quando Cristóvão Colombo desembarcou na Ilha Hispaniola, atualmente conhecida como Ilha de São Domingos, em 1492, existiam dezenas de milhões de indígenas vivendo em todo o continente americano. A depender da fonte pesquisada, as estimativas dessa população autóctone vão de 40 a 200 milhões de indígenas.
Existem inúmeras teorias que buscam explicar como foi o povoamento das Américas pelos seres humanos. Uma das mais conhecidas afirma que os primeiros humanos migraram do Nordeste da Ásia para a América do Norte através de uma ponte de terra e/ou de gelo que se formou no Estreito de Bering entre 15 mil e 20 mil anos. Muitos especialistas acreditam, inclusive, que essa migração pode ter acontecido antes dessas datas.
A partir da região onde encontramos hoje o Estado norte-americano do Alasca, esses grupos humanos foram se dispersando por todo o continente americano, chegando até a região da Patagonia, no extremo Sul. Essa dispersão se deu a partir de diversas ondas migratórias ao longo de muitos milênios. Muitos especialistas sustentam que outros grupos humanos vindos da Polinésia e até da África podem também ter chegado até as Américas em momentos distintos.
Sem nos perdemos com as inúmeras hipóteses sobre a colonização das Américas, o que é certo é que todos os diferentes grupos humanos que aqui viviam ficaram isolados de outros grupos humanos do resto do mundo e de suas doenças por muitos milênios. Um exemplo que podemos citar é o caso da varíola, uma doença provocada por um vírus conecido como poxvírus e que é encontrado em diversos animais como os bovinos. Nesses animas a doença causa lesões nas tetas das vacas em lactação e no focinho e gengivas nos bezerros em amamentação.
Povos da Europa, da África e da Ásia convivem com bovinos há milhares de anos. Em regiões de clima temperado humanos e bovinos costumavam dividir os mesmos abrigos nos meses mais rigorosos dos invernos. Essa convivência criou uma “razoável imunidade” ao vírus da varíola entre esses povos.
Conforme os primeiros navegadores europeus – especialmente espanhóis e portugueses, começaram a desembarcar nas terras do Novo Mundo, eles passaram a colocar as populações indígenas em contato com inúmeros vírus e bactérias completamente desconhecidos dessas populações. E sem possuir imunidade a essas doenças, as consequências para os indígenas foram fatais.
Além da varíola, entram nessa lista doenças como a gripe, a tuberculose, o sarampo, a febre amarela, o tifo e a caxumba, entre muitas outras. Até mesmo a bactéria que provoca a cárie dental era desconhecida dos povos das Américas. Estimativas afirmam que esse conjunto de novas doenças dizimou cerca de 70% da população nativa das Américas em poucas décadas.
Ampliando o raciocínio: nossa espécie – Homo sapiens, é atualmente a única espécie de seres humanos do planeta Terra. Porém, até uns poucos milênios atrás, outros gêneros Homo também caminhavam sobre a face do planeta. Esse é o caso do Homo floresiensis , também conhecido como hobbit, que pode ter sobrevivido até cerca de 12 mil anos atrás na ilha de Flores, na Indonésia.
Os neandertais, nossos primos mais próximos, desapareceram há cerca de 28 mil anos na Europa. Outro grupo humano bastante próximo de nós – os denisovanos da Ásia Central, sobreviveram até cerca de 40 mil anos. Além dessas espécies contemporâneas dos humanos modernos, existem diversas espécies ancestrais extintas há centenas de milhares de anos como o Homo erectus e o Homo habilis.
Quantas doenças provocadas por vírus e bactérias não assolavam esses grupos “humanos” num passado muito distante e que são completamente desconhecidas de todos nós humanos “modernos”?
A possibilidade de um desses vírus ou uma dessas bactérias “despertar” de uma longa hibernação sob o gelo polar teria consequências tão dramáticas como aquelas decorrentes dos primeiros contatos entre conquistadores europeus junto aos índios americanos. Além dessas doenças tipicas das diferentes espécies Homo, existem inúmeras doenças animais cujos patógenos também podem estar congelados e que, uma vez “despertados”, poderão causar terríveis epidemias em todo o mundo.
Para não precisarmos ir tão longe – vejam os estragos que o novo vírus da Covid-19 provocou e ainda está provocando em todo o mundo. Esse vírus, ao que tudo índica, era hospedeiro de um animal selvagem e passou a infectar e a ser transmitido por seres humanos a uma velocidade espantosa.
De todos os problemas que estão sendo criados em todo o mundo pelo aquecimento global, o “renascimento” de vírus e bactérias desconhecidos que hoje estão contidos sob o gelo polar é um dos mais dramáticos e potencialmente mais perigosos para toda a humanidade.
Como costumamos falar aqui no meu bairro – “é bom ficar esperto”.
O mundo está enfrentando uma enorme crise energética e a Europa é uma espécie de epicentro dessa crise. O cerne do problema foi a interrupção do fornecimento de gás natural pela Rússia em resposta às inúmeras sanções econômicas que foram impostas pela Europa após a invasão da Ucrânia.
Os países europeus vinham, já há muitos anos, se empenhando em “descarbonizar” suas economias, focando especialmente na redução da queima de carvão em centrais termelétricas e em industriais. O gás natural, apesar de também ser de origem fóssil, vinha se mostrando uma excelente opção nessa direção.
A brusca crise criada após a interrupção do fornecimento de gás pelos russos pegou a maioria dos países da Europa Ocidental de “calças curtas”. Um dos casos mais críticos foi o da Alemanha, onde mais da metade do gás natural usado pelo país era fornecido pela Rússia, uma importante fonte energética que desapareceu praticamente do dia para a noite.
Como se faz para compensar rapidamente essa fonte de energia perdida?
Entre inúmeras soluções de curto prazo, os Governos da Europa vêm aumentando as importações e os estoques de gás natural liquefeito, importado principalmente dos Estados Unidos e do Oriente Médio. Essa solução resolve grande parte dos problemas dos consumidores, porém, a um custo extremamente elevado – os preços das contas de luz e gás dispararam.
Outra solução foi reativar a queima de carvão para a geração de energia em empresas e para gerar energia elétrica. Muitas centrais termelétricas que já estavam desativadas voltaram a ser religadas e outras, que se encontravam em processo de desativação, foram simplesmente mantidas em operação. A mineração de carvão no continente, que andava em baixa, voltou a ganhar importância.
Além das medidas “oficiais” tomadas pelos Governos, as populações mais pobres começaram também a dar os seus “jeitinhos” para tentar driblar a alta nos preços das contas de energia. E uma das formas mais tradicionais de se gerar energia nas residências voltou a moda – a queima de lenha em fogões e lareiras.
Apesar de ser uma solução simples, essa alternativa energética também tem seus custos – a maior parte das florestas da Europa Ocidental fica dentro de propriedades particulares e são o resultado de grandes esforços de reflorestamento. No caso da Alemanha, citando um exemplo, essas florestas particulares chegam a representar até 85% do total. Grandes florestas nativas hoje só são encontradas na Escandinávia e na Rússia.
Muitas dessas florestas alemãs são exploradas por empresas que comercializam lenha e madeira. Essas empresas exploram os recursos naturais de forma sustentável e planejada. No caso da lenha, os maiores consumidores são restaurantes, padarias, pizzarias e também hotéis turísticos, onde os hospedes fazem questão da presença das tradicionais lareiras.
Antes do início da crise energética, o metro cúbico da lenha era vendido na Alemanha por menos de 60 Euros. Nas últimas semanas, lembrando que o inverno europeu está se aproximando, esse custo já chega a superar a marca dos 200 Euros. Além da explosão dos preços, os consumidores estão enfrentando um outro problema – as empresas do ramo estão trabalhando no seu limite de produção e não estão aceitando novos pedidos.
E o que a história nos ensinou sobre esses momentos de crise?
Na falta de lenha e de madeira no mercado formal, surgiu nos últimos meses um poderoso “mercado negro” desses produtos na Alemanha, um fato que é considerado inédito na história do país. Roubar lenha e madeira nas florestas locais virou uma opção ao uso da eletricidade e do gás nas residências.
Associações florestais e de madeireiros estão relatando um aumento vertiginoso no roubo desses produtos dentro de suas propriedades. Os “ladrões” (uso aspas por que existe muita gente comum e pobre roubando lenha por pura necessidade) invadem as florestas a noite com motosserras. Essas incursões são feitas em pequenos grupos.
Após derrubar e retalhar as árvores, os pedaços dos troncos são camuflados na caçamba de caminhonetes ou dentro de trailers para o transporte até as vilas e cidades. A venda ilegal dos produtos é normalmente feita a partir das próprias residências, numa divulgação que é feita boca a boca.
Uma outra modalidade criminosa também está em alta no país – o roubo de cargas de caminhões das empresas que comercializam madeira e lenha. As autoridades policiais dizem que isso também é uma novidade no país. Essas operações envolvem quadrilhas especializadas no roubo de cargas que passaram a enxergar uma boa oportunidade de ganhar dinheiro com o roubo e a venda de produtos florestais.
Sem entrar no mérito legal do que significa esse roubo de lenha e madeira, problema que eu deixo a cargo da Justiça alemã, é certo que essa prática tem como consequência um aumento das emissões de gases de efeito estufa – queimar lenha e madeira em fogões e lareiras por lá equivale a “queimar” a Floresta Amazônica por aqui.
Essa situação surreal me lembra uma cena do clássico filme Doutor Jivago de 1965. Numa cena, o protagonista, que foi vivido pelo ator Omar Sharif, é pego roubando lenha de uma cerca para queimar na lareira de sua casa. A cena se passa em pleno inverno russo durante a Segunda Guerra Mundial. Não custa lembrar que a então URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sofreu muito com a invasão de tropas nazistas da Alemanha.
Tragicamente, hoje são os alemães que estão roubando lenha para sobreviver ao inverno mais de 70 anos depois do final da grande guerra. O mundo e a história costumam mesmo dar grandes voltas…
Deadliest Catch, que no Brasil recebe o nome de Pesca Mortal, é um programa bastante popular do Discovery Channel. A atração é um reality show num formato de documentário que mostra a rotina dos pescadores de caranguejo no Mar de Bering, extremo Norte do Oceano Pacífico.
Anunciado no roteiro como “um dos trabalhos mais perigosos do mundo”, os programas mostram a disputa entre diversas embarcações na busca pelos cobiçados e valiosos caranguejo-das-neves do Alasca e caranguejo real, entre outras espécies. A pesca é permitida por uma curta temporada no outono e os trabalhos se concentram na costa do Alasca e ao largo das Ilhas Aleutas.
A nova temporada da atração, que está no ar desde 2005, está ameaçada. Já adianto que não se trata de um cancelamento do programa pela emissora, falta de público ou de patrocinadores. O que está faltando mesmo são caranguejos nos mares da região.
O Departamento de Pesca e Caça do Alasca anunciou o cancelamento da próxima temporada de pesca dos caranguejos por causa do acentuado declínio das populações dos crustáceos no Mar de Bering. É a primeira que esse cancelamento acontece.
Segundo estudos de biólogos, o Mar de Bering está apresentando águas cada vez mais quentes, um problema ambiental que pode estar na raiz do declínio das populações de caranguejos. Caranguejos-das-neves e outras espécies da região são animais de águas frias, que sobrevivem em ambientes com temperaturas abaixo de 2° C.
Na última temporada de pesca já havia sido observada uma redução de 90% na população dos caranguejos-das-neves. Em 2018, a população desses caranguejos foi estimada em 8 bilhões de animais. Na temporada de 2021, a população caiu para menos de 1 bilhão de animais, o que mostra como foi forte o declínio.
As mudanças climáticas globais estão deixando os verões mais quentes no Alasca, o que também vem se refletindo em águas mais quentes nos mares da região. De acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, a temperatura mais alta das águas pode ter forçado os animais a buscar temperaturas mais frias mais ao Norte e em mares mais profundos.
Além da diminuição das populações, os especialistas estão preocupados com a redução do tamanho de algumas espécies. Um desses casos é o caranguejo-vermelho, a maior espécie comercial pescada na região. De acordo com a NOAA – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, os animais pescados estão “abaixo do nível alvo” ou tamanho mínimo.
A indústria da pesca dos caranguejos no Alasca movimenta mais de US$ 200 milhões a cada temporada e emprega milhares de pessoas, tanto nas atividades ligadas diretamente a pesca quanto no processamento e transporte dos animais congelados para todo o mundo. A preocupação é generalizada entre trabalhadores e empresários.
O king crab, nome comercial do caranguejo-vermelho, é a espécie de caranguejo do Mar de Bering mais popular em restaurantes de todo o mundo. Os animais podem atingir até 3 kg de peso e uma extensão entre as patas de até 1,8 metro. Um prato preparado com o crustáceo pode servir até 6 pessoas e custar várias centenas de dólares.
A restrição à pesca dos caranguejos nas águas do Mar de Bering está sendo considerada uma medida de caráter excepcional e temporária. Porém, se as pesquisas confirmarem que o declínio das populações dos animais estão mesmo ligadas às mudanças climáticas, é bem provável que a atividade simplesmente desapareça dentro de poucos anos.
A pior parte – os amantes de um bom king crab pagarão preços cada vez mais altos para degustar a iguaria.
O título da postagem de hoje pode até parecer brincadeira, mas é a mais pura verdade – e a culpa, como não poderia ser diferente, recai sobre as mudanças climáticas. Vamos entender:
A Groenlândia é a maior ilha do mundo, ocupando um território com cerca de 2,1 milhões de km² ao largo da costa leste do Canadá. Para efeito de comparação, essa área é quase quatro vezes o tamanho do estado da Bahia. A ilha é um território autônomo do Reino da Dinamarca, país do qual depende financeiramente.
Cerca de 90% dos habitantes atuais da Groenlândia são inuits, grupo indígena que vive nas regiões árticas da América do Norte e que nós costumamos chamar de esquimós. A população total da Groenlândia é de apenas 56 mil habitantes, espalhados por algumas pequenas cidades costeiras. A economia da Groenlândia é quase que totalmente dependente do mar – a pesca e o processamento de pescados e frutos do mar são as principais atividades econômicas da ilha.
O nome da ilha é de origem nórdica e foi dado pelos antigos navegadores vikings que lá aportaram por volta do ano 900 da nossa era. Em dinamarquês, o nome da ilha é Grønland, o que significa, literalmente, “terra verde”. Até bem recentemente, 80% da superfície da ilha era coberta por um espesso manto de gelo, uma realidade que está mudando rapidamente por causa do aquecimento global.
De acordo com os registros históricos testemunhais do período entre os anos 900 e 1300 d.C., o Sul da Groenlândia apresentava um clima bem mais ameno que os dias atuais. A região era coberta por árvores e plantas herbáceas, permitindo a agricultura e a criação de gado. Gradativamente as temperaturas começaram a se reduzir e, no século XVII, a pequena população local teve de abandonar a Groenlândia por causa do frio extremo. Esse é um período conhecido como a Pequena Idade do Gelo, quando toda a Europa sofreu com as baixas temperaturas.
Os primeiros registros de populações humanas na região do Ártico remontam a cerca de 15 mil anos. Essas populações eram originárias da Ásia e atravessaram o Ártico na direção de terras com climas mais amenos no Sul. Diversas ondas de grupos humanos chamados de protoinuits chegaram na região ao longo da história, principalmente a partir de 4.500 anos atrás, sem conseguir obter uma colonização de sucesso no longo prazo.
O grupo de maior sucesso na ocupação do Ártico foram os inuits, cujos primeiros registros de ocupação na Groenlândia datam de 2 mil anos atrás. Um dos segredos do sucesso da colonização dos inuits em um território tão inóspito foi o uso de trenós puxados por cães de tração.
De acordo com estudos de DNA feitos em ossos e restos de cães encontrados sob o gelo do Ártico, os inuits, povo que há muito sabemos são originários da Sibéria, trouxeram seus próprios cães de tração quando migraram em direção da América do Norte. Esses animais já estavam perfeitamente adaptados ao pesado trabalho de puxar trenós a longas distâncias.
Esses cães eram maiores e tinham formatos de crânio e de dentes diferentes de outras espécies que já viviam no Ártico. Com o passar do tempo, e após os diversos cruzamentos entre as diferentes espécies, foram surgindo as espécies de cães que hoje associamos aos inuits. Entre essas espécies destacam-se os huskies siberianos e do Alasca, os malamutes do Alasca e o cão-da-Groenlândia, animal maior e mais pesado entre as espécies.
Os inuits eram especializados na caça de mamíferos marinhos, especialmente as focas e as morsas. Uma das épocas mais propícias a caça desses animais é o inverno, período em que o mar fica coberto com uma grossa camada de gelo. Nesses momentos, o uso dos trenós puxados por grupos tipicamente entre 8 e 12 cães era essencial para se conseguir cobrir grandes distâncias a partir das suas aldeias.
Nos últimos anos, devido ao aumento das temperaturas em todo o Ártico, essa camada de gelo que forma sobre o mar está se tornando cada vez mais fina, o que tornou as viagens com os trenós muito perigosas. E sem uma necessidade maior dos trenós, o interesse pelos cães de tração está diminuindo ano após ano. A população desses cães, que no passado já superou a cifra de 30 mil animais, hoje está abaixo de 12 mil animais.
Em terra, os problemas da Groenlândia também sã enormes. Um exemplo dessa situação pode ser facilmente confirmado pelo acelerado derretimento da capa de gelo da ilha. Segundo um estudo publiicado na prestigiada revista científica Nature no final de 2020, as três maiores geleiras do país: JacobshavnIsbrae, Kangerlussuq e Helheim,estão apresentando um rápido derretimento.
De acordo com as estimativas dos pesquisadores, a JacobshavnIsbrae perdeu 1,5 trilhão de toneladas de gelo entre 1888 e 2012. Nas geleiras Kangerlussuq e Helheim essa perda de massa, entre os anos de 1900 e 2012, foi estimada em 1,3 trilhão e 3,1 bilhão de toneladas, respectivamente.
Por todos os cantos da Groenlândia é fácil encontrar enormes crateras cheias de água, um sinal claro do derretimento do manto de gelo. Esse problema se repete por todo o Ártico. Dentro desses novos cenários, os inuits estão preferindo usar motos de neve ou até mesmo quadriciclos motorizados com correntes nos pneus.
Pessoas mais velhas, que ainda preservam as tradições dos seus ancestrais e que são cada vez mais raras na ilha, ainda se mantém fieis ao uso dos trenós e dos cães de tração. Porém, sem mercado consumidor, existem cada vez menos criadores interessados em manter as linhagens desses cães vivas. Muito pior – não são poucos os cães que são, simplesmente, abandonados e condenados a viver por sua própria conta.
Do jeito que as coisas vão, a imagem de inuits se deslocando com seus trenós puxados por cães não passará de uma imagem desbotada de um passado distante…
Uma das bebidas alcoólicas mais antigas da humanidade é o vinho. Evidências arqueológicas encontradas em áreas da Ásia Central como a Geórgia, o Irã, a Turquia e a China, datadas entre 8 mil e 5 mil anos antes de Cristo, indicam que a domesticação da videira, a planta que produz a uva, e o início da produção de vinhos começou ali, se espalhando gradativamente pelo resto do mundo.
Existem duas regiões grande regiões produtoras de vinho no planeta, que são conhecidas como os Paralelos do Vinho. A mais antiga e mais conhecida dessas áreas fica no Hemisfério Norte entre os paralelos 30 e 40°. Essa área abrange grande parte da Europa, o Norte da África e do Oriente Médio. Entre os países de maior tradição vinícola nessa grande área se destacam a Itália, França, Espanha, Portugal, Alemanha, Grécia e Turquia. Em tempos mais recentes os Estados Unidos entraram nessa lista.
No Hemisfério Sul existe uma outra faixa climática que apresenta as condições ideais para a produção do vinho. Dentro dessa faixa climática, loalizada entre os paralelos 30 e 40° Sul, encontramos o Chile, a Argentina, o Uruguai, o Sul do Brasil, a África do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia, países que nas últimas décadas se tornaram grandes produtores mundiais e exportadores de vinho de alta qualidade.
Conforme já tratamos em uma postagem anterior, as mudanças climáticas estão alterando sensivelmente as condições para a produção de uvas viníferas nessas duas regiões, o que está implicando diretamente na produção dos vinhos. Ora são fortes ondas de calor e de seca, ora são ondas de frio extremo, problemas que já vinham afetando a produtividade.
Acaba de surgir uma nova informação que passou a preocupar os amantes dessa bebida – as mudanças climáticas também estão interferindo no sabor dos vinhos.
A produção de vinhos de boa qualidade depende da conjugação de três importantes características químicas das uvas – a quantidade de açúcar, a acidez e também a presença de compostos secundários como os taninos e antocianinas. Quando qualquer uma dessas características é alterada, o sabor final vinho será diferente.
Um exemplo fácil desses problemas: a Europa está enfrentando frequentes ondas de calor, muitas delas envolvendo zonas tradicionais de produção de vinhos como a Itália e a França. O calor excessivo sobrecarrega o amadurecimento das uvas e torna os frutos mais doces, ou seja, com mais açúcar que o normal. Isso vai deixar o vinho com um teor de álcool mais alto e até com um sabor de “uva passa”.
Um outro problema para os produtores são os incêndios florestais que acabam surgindo em função do tempo seco e quente. A fumaça desses incêndios, chamada pelos produtores de “mancha de fumaça”, é absorvida pelas cascas das uvas, o que vai alterar tanto a cor quanto o sabor dos vinhos. Um exemplo desse problema foi o que ocorreu em 2020 no Napa Valley na Califórnia, o maior centro produtor dos Estados Unidos. A Califórnia tem sofrido, sistematicamente nos últimos anos, com grandes incêndios florestais.
Enquanto algumas das mais antigas e tradicionais regiões produtoras de vinhos estão sofrendo com os problemas criados pelas mudanças climáticas, outras regiões estão florescendo nessa área. Um desses casos é a Inglaterra, país sem nenhuma tradição na produção de bons vinhos, que apresentou um crescimento de 60% na produção da bebida nos últimos 5 anos.
O Sul da Inglaterra vem experimentando um aumento sistemático no número de dias ensolarados nos verões, o que vem proporcionando condições cada vez mais favoráveis ao cultivo da uva e a produção do vinho. Uma outra região inusitada para a produção de vinhos é a Noruega, onde as videiras estão crescendo bem e onde estão se instalando pequenos produtores de vinho.
Dentro de poucas décadas, a depender do ritmo das mudanças climáticas, os apreciadores da bebida poderão encontrar nos melhores mercados e nas adegas bons vinhos da Islândia, Groenlândia ou até mesmo da Sibéria russa. Se a fria Noruega já está conseguindo produzir suas uvas e vinhos, não será de se estranhar que esses países e regiões também venham a ter suas próprias produções num futuro bem próximo.
Esse nosso mundo está mesmo ficando cada vez mais estranho…