A produção de peças em cerâmica foi, ao lado da fabricação de ferramentas e utensílios em pedra lascada, uma das primeiras atividades de produção “industrial” da humanidade. A queima acidental da argila nas fogueiras dos caçadores-coletores pré-históricos foi, muito provavelmente, o embrião dessa marcante tecnologia. Não tardou a se iniciarem a produção de vasos, cuias, jarras, panelas, ídolos e imagens religiosas, materiais de construção e mais uma infinidade de outros objetos, modelados conforme a vontade do seu criador e depois queimados em fogueiras. A palavra cerâmica vem do grego “kéramos” e significa, literalmente, “terra queimada.”
Um antigo ditado nordestino afirma com muita sabedoria: “O primeiro artesão foi Deus que, depois de criar o mundo, pegou o barro e fez Adão.”
Sem nos perdermos em longas descrições históricas, a produção da cerâmica continua muito viva e presente em muitos objetos e materiais que utilizamos em nosso dia a dia. Um grande exemplo são diversos materiais construtivos como telhas, pisos e tijolos “baianos” usados na construção de nossos lares, que são modelados em argila amolecida em água e depois passam por um processo de queima em forno até que atinjam a forma e a resistência adequada para o uso. Materiais e técnicas semelhantes também produzem os vasos sanitários, as cubas e tampos de uma infinidade de modelos de pias.
O que talvez você não saiba é que a produção dos diversos tipos de cerâmicas causa grandes problemas ambientais como a contaminação de cursos d’agua, desmatamentos e queima de lenha nos fornos, destruição de áreas agrícolas, alto consumo de energia elétrica e de água, geração de resíduos e rejeitos, riscos de acidentes de trabalho, ocupação informal com longas jornadas de trabalho, entre outros problemas. Como a produção de produtos cerâmicos está espalhada pelos quatro cantos do país, todas essas agressões ambientais são difusas e difíceis de serem percebidas sem maiores esforços.
O Brasil figura na lista dos maiores produtores de cerâmica do mundo, ao lado de Espanha, Itália e China. Um exemplo da importância dessa atividade no país são os revestimentos cerâmicos, onde se incluem as cerâmicas para piso, parede, fachadas e porcelanatos. O Brasil é o segundo maior produtor mundial, ficando somente atrás da China. De acordo com dados da ANICER – Associação Nacional da Indústria Cerâmica, foram produzidos cerca de 753 milhões de m² de peças (dados de 2010). Existem cerca de 100 indústrias dedicadas a esse segmento, com fábricas em 18 Estados do Brasil. São Paulo e Santa Catarina concentram 80% dessas indústrias.
Já o segmento da cerâmica vermelha, formado basicamente por indústrias pequenas e familiares, é formado por aproximadamente 5.500 empresas pulverizadas por todo o território nacional. Juntas, essas empresas produzem cerca de 76 bilhões de peças cerâmicas, principalmente telhas, tijolos, blocos, manilhas e lajotas, na área dos materiais de construção, além de vasos, panelas e vasilhames, imagens sacras e artesanato em geral, materiais vendidos nos mercados regionais.
Os diversos tipos de argila, sedimentos muitos finos que formam a matéria prima da cerâmica, são encontrados facilmente em todo o território brasileiro. As argilas são formadas por fragmentos de rochas com partículas com diâmetros inferiores a 4 mícron, encontradas normalmente nas margens dos rios, onde formam os chamados barrancos. Dependendo da origem dos minerais, as argilas apresentam cores diferentes como vermelha (a mais comum), branca, amarela, verde, entre outras. De acordo com dados do Ministério das Minas e Energia, existem aproximadamente 417 minas de argila em operação no Brasil, com uma produção individual entre 1.000 e 20 mil toneladas/mês, sem se considerar a extração feita pelas pequenas empresas familiares e pelos artesãos.
Os impactos da produção das cerâmicas começam com a retirada da matéria prima no meio ambiente, o que exige a remoção da vegetação e da camada superficial do solo fértil. A escavação dos solos para a retirada da argila produz alterações significativas na topografia dos terrenos, o que normalmente vai favorecer os processos erosivos e a contaminação e o comprometimento da qualidade dos corpos d’água, assoreamento da calha de rios, além dos impactos diretos na fauna local devido ao barulho e à movimentação de máquinas. A remoção das camadas de solo fértil vai impedir a regeneração da vegetação.
No processamento da argila, grandes quantidades de energia elétrica são necessárias nos processos de moagem, dosagem e alimentação, controle de umidade, desintegração e laminação, conformação (extrusão das peças e corte) e, por fim, o tratamento térmico (secagem e sinterização). Parte desses processos também demandam grandes quantidades de água. Por fim, as peças precisam passar pelo processo de queima, onde diferentes fontes de energia térmica são utilizadas. A maior parte das indústrias utilizam o gás natural, um combustível fóssil que gera emissões de gases poluentes. Em regiões onde não existe o fornecimento do gás natural, as indústrias utilizam combustíveis derivados do petróleo como o óleo diesel, altamente poluente da atmosfera.
Em indústrias menores, oficinas familiares e em ateliês artísticos espalhados por todo o Brasil, a queima da cerâmica é feita em fornos a lenha, o que incentiva o desmatamento de áreas florestais. No total, as indústrias de produtos cerâmicos são responsáveis pelo consumo de 3,8% de toda a energia consumida no país, somando-se a energia elétrica e a energia térmica, e por 7,7% do consumo energético industrial. São valores bastante significativos.
Por fim e não menos importante, é a grande produção de resíduos. Durante o processo de moldagem e secagem, quando a argila ainda está mole, algumas peças sofrem deformações, problemas que muitas vezes só é detectado após a queima. Outro problema são as peças que sofrem danos como trincas e rachaduras durante a queima. Essas peças não podem ser reaproveitas e são descartadas como resíduos. Caso não haja um descarte adequado, muitas dessas peças passam a acumular a água das chuvas, transformando-se em verdadeiros criadouros de mosquitos como o perigoso Aedes Aegypti.
Como se nota, não são apenas as grandes indústrias de segmentos como o do petróleo, da metalmecânica e da química, que produzem os grandes impactos ambientais. Aquele vaso de plantas que você comprou ou as telhas da sua casa, podem ter causado um grande estrago ao meio ambiente.