Na postagem anterior, quando falei da crescente escassez de água no Sudeste da Inglaterra, comecei citando os estereótipos associados aos londrinos, especialmente no que diz respeito a sair de casa sempre portando um guarda-chuvas. A Suíça é outro caso de terra repleta de estereótipos, porém, cada vez mais associada à perda deles. Exemplos são os tradicionais bancos suíços que, durante séculos, foram sinônimo de discrição e inviolabilidade – ultimamente, porém, o sigilo bancário suíço deixou de ser absoluto.
Outra marca registrada do país eram os tradicionais e precisos relógios mecânicos. Adaptando-se aos novos tempos, os legítimos relógios fabricados na Suíça agora podem ter até 85% de suas peças importadas, principalmente da China. Os bucólicos Alpes Suíços com seus cumes cobertos de neve, infelizmente, também estão se transformando em uma imagem do passado no país.
Ao longo da última década, os efeitos do aquecimento global fizeram com que as geleiras no topo das montanhas dos alpes Suíços perdessem aproximadamente 1/5 de sua massa de gelo. Somente no ano de 2018, os glaciares alpinos do país perderam 2,5% do seu volume, resultado da combinação de uma baixa precipitação de neve e de altas temperaturas.
Um exemplo do drama das geleiras suíças pode ser observado no cume da Montanha Weissfluhjoch, que se encontra a 2.400 metros de altitude. Nesse local está instalado o Instituto Suíço para o Estudo da Neve e Avalanches. Ao longo do mesmo ano de 2018, não houve nenhuma nevasca com precipitação superior a 1 cm. De acordo com os registros da instituição, essa foi a primeira vez que não ocorreram fortes nevascas na montanha desde o início dos registros há mais de 80 anos.
Para quem está acostumado com um clima tropical como o do Brasil, esse tipo de informação talvez não signifique nada muito diferente de dias menos frios no inverno suíço. As geleiras das montanhas alpinas, entretanto, são importantes fontes de água para as planícies baixas do resto do país e Europa Central. O derretimento gradual dos glaciares nas montanhas alimenta toda uma rede de pequenos córregos e riachos, que por sua vez são afluentes de grandes rios. Esse é o caso do Reno, um dos mais importantes rios da Europa Ocidental.
As águas que formam as duas principais nascentes do Reno, os rios Hinterrhein e Vordebrhein, vem do derretimento de geleiras nos Alpes suíços. Nos últimos 25 anos, essas geleiras já perderam mais de 25% de suas massas em consequência do aquecimento global. Caso o ritmo do derretimento dessas geleiras se mantenha, em menos de um século não restará um único cubo de gelo nas montanhas e o rio Reno perderá uma parte considerável dos seus caudais.
O Reno é um dos rios mais importantes da Europa e, desde a antiguidade, a navegação pelas suas águas vem sendo fundamental para a formação e manutenção de grandes impérios e nações. Com quase 1,3 mil quilômetros de extensão, desde as suas nascentes nos Alpes Suíços até sua foz no Mar do Norte nas proximidades de Rotterdam, o rio Reno é uma rota vital para a economia da Suíça, Áustria, Alemanha, Liechtenstein, França e Holanda.
O Porto de Rotterdam, localizado próximo do encontro das águas do Reno com o Mar do Norte na Holanda, exemplifica a importância dessa grande via de transporte fluvial: é um dos maiores portos do mundo, com cerca de 40 km de extensão linear entre cais e depósitos, movimentando cerca de 400 milhões de toneladas de carga a cada ano e empregando aproximadamente 300 mil trabalhadores. A cidade de Rotterdam, que tem 500 mil habitantes, também é sede de um importante complexo industrial, além de abrigar o maior polo petroquímico da Europa.
Em 2018, pela primeira vez na história, o tráfego de embarcações de carga na hidrovia do rio Reno precisou ser paralisado por causa da queda brusca do nível de suas águas devido à forte seca que assolou uma extensa região. Nas proximidades da cidade alemã de Frankfurt, um ponto crítico do rio, o nível do Reno baixou para apenas 1,5 metro de profundidade. É esse cenário assustador, que poderá se tornar cada vez mais frequente com a sistemática redução das geleiras alpinas formadoras do rio, que assusta empresários, políticos e cidadãos de toda a bacia hidrográfica do rio Reno.
De acordo com o levantamento de alguns climatologistas, a Suíça perdeu mais de 500 geleiras desde 1850. Somente 50 dessas geleiras, as maiores, tinham um nome. Uma dessas geleiras, chamada de Pizol, perdeu entre 80% e 90% de sua massa de gelo desde 2006 e se transformou num símbolo da situação dos glaciares no país. A exemplo do que fizeram os islandeses após o derretimento da geleira Okjökull, os suíços também organizaram um funeral para a geleira Pizol, da qual resta apenas uma área menor do que 4 campos de futebol.
Uma atividade econômica que está ameaçada de fortes impactos na Suíça por causa da perda de massa nas geleiras alpinas é a de geração elétrica. Cerca de 60% da energia consumida na Suíça vem de centrais hidrelétricas alimentadas por rios com nascentes nas geleiras alpinas. De acordo com estudos feitos pela Universidade Técnica EPFL, de Lausanne, a redução dos caudais dos rios do país provocará uma forte redução na geração hidrelétrica – em 2035, a participação dessa energia cairá para 46% do total.
A velocidade do derretimento dessas geleiras também representa uma séria ameaça para uma série de pequenas cidades, vilas e fazendas localizadas às margens de pequenos rios. Nos meses de verão, quando o ritmo do derretimento é bem mais intenso, a forte enxurrada e as pedras arrastadas destroem casas, pontes e outras construções, deixando centenas de pessoas desabrigadas. Alguns especialistas vêm defendendo abertamente a construção de grandes barragens para controlar o fluxo dessas águas, ao mesmo tempo que a água armazenada poderá garantir a sobrevida de muitas das centrais hidrelétricas do país.
O derretimento de geleiras em cadeias montanhosas de todo o mundo é uma grande preocupação global. Nos Andes tropicais, aqui na América do Sul, diversas geleiras já desapareceram nos últimos 50 anos e dezenas estão perdendo volumes significativos de suas massas, um fenômeno que está ameaçando o abastecimento de água em inúmeras cidades. Na Cordilheira do Himalaia na Ásia, a maior cadeia de montanhas do mundo, o desaparecimento de geleiras ameaça o destino de 2 bilhões de pessoas que dependem da água de grandes rios como o Ganges, o Indus, o Brahmaputra, o Mekong, o Amu Daria e o Syr Daria, e o Yangtzé, entre muitos outros – todos esses grandes rios tem suas nascentes alimentadas por geleiras nas Montanhas Himalaias.
Além da Suíça, os Alpes também abrangem terras da França, Principado de Mônaco, Itália, Alemanha, Áustria, Liechtenstein, Eslovênia e Hungria. Essa posição geográfica transforma as montanhas alpinas em uma verdadeira “caixa d’água” da Europa Central, com inúmeras geleiras que formam outros importantes afluentes de rios do continente como o Ródano, o Danúbio e o Pó. Em toda a extensão dos Alpes, geleiras estão perdendo grandes massas de gelo, o que está trazendo enormes preocupações para centenas de milhões de pessoas.
Fica aqui o alerta!
[…] O DESAPARECIMENTO DE GELEIRAS NA SUÍÇA E EM TODA A REGIÃO ALPINA […]
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[…] A consequência mais direta desse aumento dos gases de efeito estufa já é visível – aumento das temperaturas do planeta e do nível dos […]
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[…] os mesmos problemas de geleiras na Cordilheira do Himalaia, na Cordilheira dos Andes, nos Alpes e em outras montanhas de todo o mundo – o aumento das temperaturas globais. Alguns dos mais […]
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[…] Um exemplo muito citado nas postagens é a diminuição do tamanho das geleiras em cadeias montanhosas de todo o mundo, a exemplo do que está acontecendo nos Alpes da Europa. Nascentes de importantes rios do continente como o Reno e o Danúbio estão ameaçadas pela diminuição da massa de gelo nas montanhas – em alguns casos, geleiras alpinas já foram consideradas “mortas”. […]
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