A DESTRUIÇÃO TOTAL DO LAGO POOPÓ NA BOLÍVIA

Lago Poopó

Nas últimas postagens falamos dos inúmeros problemas ambientais enfrentados pela Venezuela, onde destacamos a gradual destruição do Lago de Maracaibo, na região Noroeste do país. Antigo importante centro de produção petrolífera, o Maracaibo hoje sofre com inúmeros vazamentos de óleo nas instalações de produção desativadas. As grandes manchas de petróleo nas águas, praias, costões e manguezais estão destruindo toda a fauna aquática e comprometendo o sustento de milhares de pescadores locais.

Um outro exemplo dramático de devastação de um grande corpo d’água na América do Sul foi o que se abateu sobre o Lago Poopó, na Bolívia. Porém, diferente do que aconteceu com o Lago de Maracaibo, as agressões foram bem mais contundentes e tiveram como resultado o desaparecimento total do lago Poopó, que até então era o segundo maior lago da Bolívia. Vamos entender essa dramática história:

O Lago Poopó ficava na região do Altiplano a cerca de 3.686 metros de altitude. O Altiplano é um extenso planalto com altitudes acima dos 3.500 metros, que se estende entre as montanhas da Cordilheira dos Andes, ocupando partes do Norte do Chile e da Argentina, do Oeste da Bolívia e do Sul do Peru. O espelho d’água do Lago Poopó, no período das cheias, se espalhava por uma área total de 2.500 km², o equivalente a seis vezes o tamanho da Baía da Guanabara.

A alimentação do Lago Poopó estava ligada diretamente ao Lago Titicaca, o maior corpo d’água da América do Sul. Conforme já comentamos em postagens anteriores, o Lago Titicaca é alimentado por rios e córregos formados a partir do degelo de glaciares ou geleira localizadas no alto das montanhas Andinas. Na parte Sul do Lago Titicaca existe uma fenda natural, conhecida como rio Desaguadero, que funcionava como um canal de drenagem para as águas excedentes. Todo o excesso de água do Titicaca era conduzido pelo rio Desaguadero na direção do Lago Poopó, localizado num trecho mais baixo do Altiplano. O lago Poopó funcionava como um lago terminal fechado da bacia hidrográfica.

Nessa configuração de bacia hidrográfica, chamada tecnicamente de bacia endorreica, a água se perde por evaporação. Um exemplo que podemos citar desse tipo de bacia hidrográfica é o Mar Morto entre Israel e Jordânia, no Oriente Médio, que é alimentado pelas águas do rio Jordão. No caso do Lago Poopó, sua estabilidade dependia dos aportes frequentes de água vindos do Lago Titicaca.

O destino do Lago Poopó começou a ser selado a partir da redução do nível do Lago Titicacaque baixou cerca de 1 metro nas últimas décadas, o que reduziu a quantidade de água drenada pelo rio Desaguadero. Geleiras de montanhas de todo o mundo estão sofrendo os efeitos do Aquecimento Global e os glaciares da Cordilheira dos Andes também estão sendo dramaticamente afetados. Nos últimos 50 anos, diversas geleiras dessas montanhas já desapareceram e muitas outras estão perdendo a sua massa de gelo rapidamente.

Para aumentar o problema, o Governo local autorizou a realização de diversas obras para a construção de sistemas de irrigação a partir das águas do rio DesaguaderoUma parte considerável das águas que correriam na direção do Lago Poopó passou a ser desviada sem maiores critérios para diversos projetos agrícolas. Sem receber os despejos sistemáticos de água do Lago Titicaca, o Lago Poopó começou a secar.

A tragédia ambiental que se abateu sobre o Lago Poopó, porém, tem outro componente bombástico – a mineração predatória e intensa realizada na região desde o tempo dos conquistadores espanhóis. Usando técnicas das mais rudimentares, os mineiros da região nunca se preocuparam com a construção de barragens de rejeitos minerais, assunto que temos falado bastante nas nossas postagens. O Lago Poopó foi transformado “na barragem de rejeitos” do Altiplano, recebendo sedimentos arrastados por alguns rios e pelas escassas chuvas ao longo dos séculos. O acúmulo desses rejeitos reduziu gradativamente a profundidade do lago e amplificou os efeitos da evaporação das águas.

Em anos passados, o nível de contaminação das águas do Lago com metais pesados chegou a um nível altamente crítico, resultando na mortandade de 30 milhões de peixes em um único dia – milhares de aves, que se alimentavam destes peixes envenenados tiveram o mesmo fim. As aves e animais que conseguiram fugir a tempo, ganharam uma sobrevida em outras regiões – os flamingos rosados do Poopó, por exemplo, migraram para o pequeno Lago Oruro em uma região próxima, um corpo d’água que também está secando. Nesse novo ambiente, a carência de nutrientes está afetando a saúde dessas aves – as vistosas penas rosas passaram a apresentar uma cor branca (semelhante ao que ocorreu com os guarás vermelhos do rio Cubatão, em São Paulo).

De acordo com as avaliações já feitas por especialistas da Bolívia, o desaparecimento das águas do Lago Poopó provocou a extinção local de cerca de 200 espécies de aves, peixes, mamíferos, répteis e anfíbios, além de uma grande variedade de plantas. Parte importante dessas espécies era endêmicas e não são encontradas em outras partes da Bolívia. Mesmo que seja possível voltar a encher todo o Lago (alguns trechos chegam a acumular um pouco de água, mas secam em pouco tempo), ele nunca mais voltará a ser o mesmo tipo de bioma que já foi no passado.

O desastre também teve um custo humano. Cerca de 350 famílias das comunidades indígenas locais, em sua maioria pescadores do lago, foram afetadas. Os Urus eram os donos do lago e tiravam o seu sustento das águas do Poopó, o seu “território”. Essas comunidades tinham como fonte principal de alimentos um grupo com 38 espécies de animais entre peixes, aves e mamíferos: nada sobrou. De acordo com as leis bolivianas, o território dos Urus é formado pelo espelho d’água dos diversos lagos do país e eles não podem cultivar as terras, um território que pertence aos indígenas da etnia Aymarás.

O desaparecimento do Lago Poopó foi um longo e contínuo processo de degradação ambiental, denunciado sistematicamente por anos a fio por ambientalistas e especialistas em recursos hídricos da Bolívia. Essas denúncias contaram com forte apoio de órgãos de imprensa opositores ao antigo Governo do Presidente Evo Morales. Dentro da forte ideologia política daquele Governo, a sistemática redução dos níveis do Lago Poopó “foi uma consequência do aquecimento global, um fenômeno provocado pelas grandes nações capitalistas do Hemisfério Norte.” Nenhuma providência prática para controlar ou reduzir o problema foi tomada.

A Bolívia tem uma longa história de exploração selvagem dos seus recursos naturais, uma trágica herança do período colonial. O antigo Vice-Reino do Peru, do qual a Bolívia fazia parte, se mostrou, já nos primeiros anos após a conquista pela Espanha, como uma das mais promissoras províncias minerais do Novo Mundo. A descoberta das minas de prata de Potosí, em 1545, consolidou ainda mais essa realidade. Em 1611, a cidade homônima que surgiu no local já tinha uma população de 150 mil habitantes, a segunda cidade mais populosa do mundo, só ficando atrás de Paris. De acordo com dados oficiais, saíram das minas de Potosí, entre os séculos XVI e XIX, cerca de 31 mil toneladas de prata.

Uma outra frente de forte pressão sobre os recursos naturais da Bolívia está se desenrolando atualmente na Floresta Amazônica, bioma que cobre perto da metade do território boliviano. Assim como acontece na Amazônia brasileira, o trecho boliviano da Floresta também vem sofrendo com grandes desmatamentos e queimadas. A exploração madeireira, o garimpo e a abertura de novas frentes agrícolas estão os problemas mais graves.

Mudam os lugares, mudam os tempos, mas os problemas ambientais se mantêm quase que inalterados.

OS INÚMEROS PROBLEMAS AMBIENTAIS NA VENEZUELA

Consumo de água poluída em Caracas

Nas duas últimas postagens falamos dos grandes problemas ambientais criados pela exploração de petróleo no Lago de Maracaibo, no Noroeste da Venezuela. De grande produtor de petróleo em décadas passadas, o Maracaibo se transformou num grande depósito de plataformas e instalações petrolíferas abandonadas. Corroídas pela ferrugem e falta de manutenção, a maioria dessas estruturas está repleta de vazamentos de petróleo. As antigas águas verdes do Lago de Maracaibo hoje estão tomadas por grandes manchas de óleo, o que vem destruindo a fauna aquática e prejudicando as comunidades de pescadores de suas margens. 

Infelizmente, esse não é o único grave problema ambiental do país. Dirigida já há muitos anos por um regime ditatorial e centralizar, a Venezuela é um exemplo de descaso com o meio ambiente. Um dos maiores problemas ambientais da Venezuela são os grandes desmatamentos, que ameaçam alguns dos biomas mais espetaculares do mundo. Existem também grandes problemas com incêndios florestais e com o tráfico de animais silvestres. As cidades também sofrem com a poluição das águas, do ar e com gravíssimos problemas na coleta e destinação dos resíduos sólidos.  

O Regime Bolivariano criou um órgão para cuidar de todos esses problemas – o Ministério da Habitação, Habitat e Ecossocialismo (seja lá o que isso signifique). Além de muitos discursos em favor do Regime, esse Ministério quase nada consegue fazer para reverter a situação crítica em que as cidades e ecossistemas venezuelanos se encontram. Vamos citar dois exemplos. 

Guanta é uma pequena cidade costeira no Norte da Venezuela com cerca de 45 mil habitantes e distante cerca de 330 km de Caracas. Graças às suas maravilhosas praias no Mar do Caribe, a cidade e sua região formavam um importante destino turístico até poucas décadas atrás. Atualmente, a cidade e sua população vivem em meio a uma nuvem de material particulado. Diversos artigos publicados em jornais e revistas se referem a Guanta como “A Cidade Invisível”. 

A origem dessa poluição é uma grande fábrica de cimento controlada pelo Regime Bolivariano. Até 2008, a empresa mexicana Cemex era a dona da empresa, quanto então, por ordem do então Presidente Hugo Chaves, a empresa foi estatizada e passou a ser controlada pela Vencemos – Venezoelana de Cementos. Entre os argumentos usados pelo Regime Bolivariano para assumir o controle da empresa estava justamente o desrespeito ao meio ambiente e aos direitos trabalhistas dos operários. 

Todos os principais cargos de direção e gerência da empresa foram colocados nas mãos de “companheiros” bolivarianos que, dentro de pouco tempo, conseguiram transformar um problema de emissões descontroladas de material particulado em uma tragédia ambiental regional. Ao invés de melhorar os processos produtivos, consolidar as rotinas de manutenção periódica como a troca de filtros e ampliar a instalação de sistemas de filtragem, os “companheiros” concentraram seus esforços, como é de praxe no país, em discursos e atos em apoio ao Regime Bolivariano. A gestão das operações da cimenteira foi colocado em um plano bem secundário.

Sem os cuidados necessários, os precários sistemas de filtragem da empresa ficaram saturados e pararam de funcionar. A cidade de Guanta passou a ser tomada por uma gigantesca nuvem de material particulado. Uma grossa camada de pó encobriu os telhados, ruas da cidade, veículos e também o interior das casas. Segundo o relato de alguns moradores, se esse pó não é retirado diariamente, ele forma uma crosta que não desgruda mais. 

O maior problema criado por essa poluição são as doenças respiratórias na população,  que atingem especialmente as crianças menores. Segundo relato de funcionários do Centro de Diagnósticos Gerais da cidade, os principais problemas são infecções respiratórias, bronquiolite e pneumonia. São atendidos de 30 a 40 casos graves por semana, especialmente crianças e pacientes asmáticos. Apesar dos inúmeros apelos da população, as autoridades não conseguem resolver os problemas

Outro conjunto de problemas gravíssimos vividos pelas populações das cidades da Venezuela estão na área do saneamento básico. Há problemas generalizados no fornecimento de água tratada, na coleta e transporte dos esgotos (nem pensar em tratamento), além de grandes dificuldades na coleta e destinação dos resíduos sólidos. Os problemas vão da falta de investimentos à gestão caótica das empresas e departamentos responsáveis por esses serviços, o que eu costumo chamar de “companheirização”. Caracas, a capital do país e maior cidade da Venezuela, é a que mais sofre com esse conjunto  de problemas. 

Um grande exemplo a ser citado são as dificuldades vividas pela população com a falta de água potável, um serviço irregular e frequentemente sujeito a interrupções por causa dos constantes blackouts na rede elétrica. O sistema de transmissão de energia elétrica da Venezuela está sobrecarregado e a rede não consegue atender a demanda da população. As cidades sofrem com apagões diários que, entre outros problemas, paralisam os sistemas de bombeamento de água potável. Sem o fornecimento de água potável e sem dinheiro para comprar água mineral, milhares de pessoas passaram a recorrer às águas poluídas de rios e córregos das cidades. 

Em 2019, o país passou por duas crises generalizadas de transmissão de energia elétrica, quando a maior parte das cidades ficou às escuras por vários dias. Enquanto o Presidente Nicolás Maduro culpava os Estados Unidos por atos de sabotagem do sistema elétrico, mais de 70% da população do país ficou às escuras e sem abastecimento de água. A foto que ilustra essa postagem mostra um grupo de moradores da periferia de Caracas coletando água no rio Guaire, uma espécie de rio Tietê da Venezuela, durante uma das inúmeras crises no abastecimento de água potável. 

O rio Guaire corta a Região Metropolitana de Caracas no sentido Leste a Oeste. Sua extensa bacia hidrográfica recebe toda a carga de esgotos e de efluentes industriais não tratados. Os níveis de poluição das águas são altíssimos. A cidade de Caracas tem uma população de 3 milhões de habitantes e está inserida em uma região metropolitana com mais de 5,8 milhões de habitantes, o que dá uma ideia do tamanho dos problemas ambientais

Uma das mais visíveis faces dos problemas de abastecimento de água nas cidades da Venezuela é o aumento da mortalidade infantil. De acordo com dados do UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, e do Banco Mundial, a taxa de mortalidade infantil no país em 2017 retrocedeu para os níveis de 1977, quando a morte de crianças com menos de um mês de vida atingia 19 crianças a cada 1000 nascidas vivas. Em 2008, a situação melhorou e a taxa de mortalidade caiu para 9,7 mortes para cada 1000 nascimentos. Em 2013, a curva se inverteu e as mortes de crianças voltaram a crescer

Outro índice que mostra a deterioração das condições de vida da população foi apresentado por uma pesquisa feita pelas principais universidades da Venezuela em 2018. Foram entrevistadas 6.168 famílias em todo o país. De acordo com os dados apurados, 64% dos entrevistados afirmaram ter perdido uma média de 11 quilos do seu peso nos últimos 12 meses devido à falta de alimentos. Sem contar com uma alimentação adequada e sem acesso a água potável, a população mais pobre adoece frequentemente e, tragicamente, os mais fracos não conseguem sobreviver. 

Pobreza e preservação ambiental são duas coisas que nunca andam juntas. Enquanto a situação econômica e social na Venezuela não melhorar, a degradação ambiental do país vai continuar aumentando. Trágico!

OS VAZAMENTOS DE PETRÓLEO NO LAGO DE MARACAIBO NA VENEZUELA

Lago Maracaibo

Há pouco mais de seis meses, misteriosas manchas de óleo começaram a aparecer em várias praias da região Nordeste do Brasil. Essas manchas apareceram primeiro em praias da Paraíba. Com o passar das semanas, as manchas de óleo se espalharam por uma área de costa com mais de 2 mil km, atingindo os Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Resíduos de óleo também chegaram ao Espírito Santo, já na Região Sudeste, e no Pará, na Região Norte. 

Passados todos esses meses, as autoridades brasileiras ainda não conseguiram descobrir exatamente qual foi a origem ou origens desses derramamentos de óleo – existem várias hipóteses, mas ainda nenhuma certeza. Uma das poucas evidências científicas já comprovadas é a origem do óleo – a Venezuela. Diversos testes feitos em laboratórios da Petrobrás e de Universidades comprovaram o “DNA” venezuelano desse óleo

Apesar de todas as negativas do Governo da Venezuela, essa suspeita chamou a atenção para o estado precário das instalações petrolíferas do país, que sofrem com a falta de recursos para a manutenção. Vários jornalistas internacionais conseguiram “driblar” as regras de censura do Regime Bolivariano e passaram a aparecer diversas reportagens em jornais internacionais mostrando a precariedade da indústria petrolífera da Venezuela. O Lago de Maracaibo, que já foi um dos maiores centros de produção de petróleo do país, é um retrato da crítica situação ambiental na Venezuela. 

O Lago de Maracaibo fica na região Noroeste da Venezuela e ocupa uma área total de 13,2 mil km², o que equivale a cerca da metade do território do Estado de Alagoas. Tecnicamente falando, o Lago é uma grande baía interna de água salobra, conectada ao Golfo da Venezuela através de um canal com 55 km de extensão, o Estreito Tablazo

As águas protegidas do Lago de Maracaibo transformaram a região num dos mais importantes biomas da Venezuela. A presença de diversas espécies de peixes, crustáceos e moluscos, algumas endêmicas, transformou o Lago em uma importante zona pesqueira do país. Mamíferos aquáticos como botos e peixes-boi marinhos sempre buscaram as águas verdes e tranquilas do Lago. As áreas de entorno também sempre foram refúgios para inúmeras espécies de aves, répteis e muitos mamíferos. 

A condição de paraíso da biodiversidade da região sofreu inúmeros impactos a partir do início do século XX, quando foram feitas as primeiras descobertas de reservas de petróleo e gás na Venezuela. O Lago de Maracaibo passou a responder por cerca de um terço da produção total de petróleo no país, produção que superou a marca de 3 milhões de barris/dia no início da década de 2000. A indústria petrolífera foi transformada na espinha dorsal da economia da Venezuela. 

Conforme comentamos na postagem anterior, a Venezuela entrou numa espiral de decadência econômica nos últimos anos, onde a origem do problema é de ordem política. O país passou a ser governado pelo chamado Regime Bolivariano, uma variação sul-americana piorada do socialismo, onde o Governo era o responsável por uma série de programas sociais voltados ao atendimento das populações mais pobres do país. O financiamento de todos esses programas sociais era lastreado pelos altos preços do petróleo no mercado internacional. Até 2008, quando o barril do petróleo chegou a valer US$ 160.00, havia dinheiro sobrando no país para a manutenção desses gastos – porém, já em 2009, quando o preço do barril de petróleo caiu para menos de US$ 40.00, a fonte, literalmente, secou

A brusca redução na entrada de recursos econômicos externos na Venezuela, que não voltou mais aos patamares anteriores, colocou o país numa longa e desesperadora crise econômica. Imagens de prateleiras de supermercados completamente vazias, de longas filas para a compra de produtos básicos como pão e carne, e também a imagem de pessoas revirando latas de lixo em busca de comida, passaram a representar a situação do país em todo o mundo. Mais de 4 milhões de venezuelanos já deixaram o país na condição de refugiados, sendo que aproximadamente 130 mil desses se encontram no Brasil. 

A PDVSA – Petróleos de Venezuela, que já vinha apresentando problemas de gestão há vários anos, entrou em colapso. A produção de petróleo no país caiu de 3 milhões de barris dia para pouco mais de 1 milhão. Na região do Lago de Maracaibo, essa produção caiu de pouco mais de 1 milhão de barris dia para cerca de 160 mil barris. Além dos inúmeros problemas operacionais na exploração e produção de petróleo e derivados, a situação política da Venezuela, que é comandada por um regime ditatorial e onde opositores do regime são perseguidos, levou a uma série de sanções internacionais e a proibição de venda do petróleo venezuelano no mercado internacional. 

A combinação de queda no preço do petróleo, com a grande redução na produção e com sanções internacionais, comprometeu gravemente as operações da PDVSA. Uma das áreas mais críticas, a manutenção de equipamentos e instalações, simplesmente foi abandonada. Diversas plataformas de perfuração de petróleo no Lago de Maracaibo foram abandonadas e muitas das unidades em operação apresentam vazamentos generalizados de óleo em tubulações, oleodutos subaquáticos, bombas e tanques. As poucas operações de carregamento envolvem antigos navios petroleiros “piratas” e com tripulações com baixo treinamento, o que tem levado a inúmeros derramamentos de óleo nas águas. 

De acordo com informações de empresas de consultoria do ramo petrolífero da Venezuela, a produção de petróleo no Lago de Maracaibo atingiu seu auge em 2001, com um pico de produção de 1,55 milhão de barris/dia. Nessa época, mais de 5 mil poços de petróleo estavam em operação no Maracaibo. Em 2018, a produção despencou para 250 mil barris diários e, segundo o sindicato local dos trabalhadores, menos de 400 poços estavam em operação. Toda essa infraestrutura abandonada já apresentava graves sinais de corrosão de tubulações e de depredação – grande parte dos equipamentos foram roubados. Muitos desses poços apresentam grandes vazamentos de óleo.

As antigas águas verdes do Lago de Maracaibo estão tomadas por grandes manchas de óleo (vide foto); praias e costões rochosos estão cobertos com uma grossa camada de petróleo. De acordo com relatos de muitos pescadores, o volume de peixes, crustáceos e moluscos capturados atualmente nas águas e manguezais representa apenas uma fração de anos passados. Além do pouco volume de produção, a qualidade das presas é lamentável – os animais têm os corpos cobertos por óleo e, muito pior: quando preparados para servir como alimento, cheiram a petróleo. Além de não conseguirem mais vender os seus produtos, os pescadores não têm conseguido alimentar suas próprias famílias. 

Lago de Maracaibo 2

Um sintoma da situação crítica das populações do Lago de Maracaibo pode ser verificado pelo aumento da caça de botos, peixes-boi e de outros animais para a obtenção de carne para alimentação. Essas espécies, que já fazem parte de listas de espécies altamente vulneráveis, correm o risco de desaparecimento na região do Maracaibo, seja pela contaminação das águas por resíduos de petróleo, seja pela caça predatória. 

A dramática situação do Lago de Maracaibo e de suas populações humanas e animais, infelizmente, não apresenta qualquer perspectiva de melhoria no curto e no médio prazo, podendo inclusive piorar ainda mais. Sem mudanças na estrutura política do país, o caos econômico na Venezuela vai continuar e, com ele, a solução dos vazamentos de petróleo no Lago de Maracaibo, no rio Orinoco e em outros biomas do país não vai ser possível.

Pescador Lago de Maracaibo

A ASCENSÃO E O COLAPSO DA INDÚSTRIA PETROLÍFERA DA VENEZUELA

PDVSA

Nas ultimas postagens falamos dos graves problemas ambientais provocados por derramamentos de petróleo na Nigéria, a maior economia continental e país com a maior população da África. Grande parte desses vazamentos de petróleo são resultado da perfuração de dutos para o roubo de óleo – dados do Governo local estimam que 10% de todo o petróleo produzido no país é roubado por grupos criminosos especializados.  

O petróleo roubado é conduzido para centenas de pequenas refinarias clandestinas, onde são produzidos derivados de petróleo como gasolina, óleo diesel e querosene. Rios, lagos e também o lençol freático de áreas densamente povoadas do país estão com suas águas poluídas com óleo e substâncias químicas associadas ao petróleo e as populações têm consumido água contaminada. A situação é gravíssima, mas o mundo parece não estar preocupado com isso. 

Um problema semelhante está ocorrendo na Venezuela, país que faz fronteira com o extremo Norte do Brasil, porém, as razões desses vazamentos são outras – a crise econômica e política que o país enfrenta está na raiz do sucateamento das instalações petrolíferas, principal causa dos derramamentos do petróleo. Vamos entender essa história:

Até umas poucas décadas atrás, a Venezuela era o país mais rico da América do Sul. Lembro de uma ocasião, no final da década de 1980, quando alguns amigos sugeriram uma viagem de férias para Mérida, uma antiga cidade colonial nos Andes Venezuelanos. Conforme começamos a pesquisar sobre a região, descobrimos que era preciso tirar um visto para entrar no país e as dificuldades, naquela época, eram as mesmas da atualidade para se conseguir tirar um visto de turismo para viajar para os Estados Unidos. 

A história de sucesso da antiga Venezuela começou no início do século XX, quando foram descobertas as primeiras reservas de petróleo no país. A exploração comercial do petróleo começou em 1922 e a atividade acabou se transformando na espinha dorsal da economia do país. Os estudos geológicos que se seguiram comprovaram que a Venezuela era dona das maiores reservas de petróleo e gás do mundo, superando inclusive as reservas da Arábia Saudita. Essas reservas se concentram na região do Lago Maracaibo e na bacia hidrográfica do rio Orinoco (ou Orenoco). 

Como sempre ocorreu ao longo da história da América do Sul e dos seus recursos naturais, não demorou muito para as grandes nações do mundo voltarem seus olhos para a fabulosa riqueza petrolífera da Venezuela. Rapidamente, as grandes empresas petrolíferas mundiais realizaram “negociações” para a obtenção de blocos de concessão de exploração no país. Essas empresas passaram a dominar a economia e, de quebra, os rumos políticos do país. 

Durante várias décadas, a exploração do petróleo na Venezuela foi feita exclusivamente por empresas estrangeiras, onde os lucros com as vendas do produto eram desproporcionalmente divididos com o Governo do país. Em 1973, uma votação determinou a nacionalização da indústria petrolífera e em 1976 foi criada a PDVSA – Petróleos de Venezuela, estatal que passou a comandar a exploração, refino e as exportações do petróleo e seus derivados.  

PDVSA cresceu rápido e em poucos anos se transformou em uma das maiores empresas petrolíferas do mundo, se tornando cada vez mais independente do Governo. Na década de 1990, a empresa iniciou um processo de abertura do capital e atração de investidores estrangeiros, como forma de aumentar consolidar o seu crescimento e sua posição no mercado mundial.  

Em 1999, com a eleição de Hugo Chávez para a Presidência da República, a PDVSA inverteu sua curva de crescimento e iniciou um forte e gradual processo de declínio. Chávez, que em 1992 comandou um frustrado golpe de estado, implantou o chamado Bolivarianismo na Venezuela, uma espécie de socialismo sul-americano piorado. Entre outras medidas populistas, o Governo passou a limitar os investimentos e a participação de grupos estrangeiros na PDVSA a partir de 2001, além de criar todos os tipos de empecilhos para a atuação de empresas estrangeiras no país.   

Apesar do forte processo de desindustrialização e da necessidade cada vez maior de importação de alimentos e bens de consumo de todos os tipos, os altos preços do petróleo no mercado internacional permitiam a prática de fortes políticas para a redução da pobreza e de intervenção do Estado na economia do país. O Governo da Venezuela “surfou nessa onda” enquanto pode. O barril de petróleo, que no ano de 2008 chegou a valer perto de US$ 160.00, despencou bruscamente para pouco mais de US$ 40.00 em 2009. Sem essas receitas externas do petróleo que irrigavam e nutriam a economia, a Venezuela iniciou sua caminhada rumo ao colapso atual.  

Além da queda nos preços internacionais, a Venezuela já vinha sofrendo uma redução sistemática da produção de petróleo, onde o problema estava na má gestão da PDVSA, que passou a ser comandada por “companheiros” Bolivarianos. No início da década de 2000, a Venezuela apresentava uma produção diária de mais de 3 milhões de barris de petróleo – atualmente, a produção do país mal consegue superar a barreira de 1 milhão de barris/dia.  

As unidades de extração e produção de petróleo também vêm diminuindo gradativamente – no início de 2016, o país dispunha de 70 plataformas de exploração de petróleo e, hoje, são pouco mais de 20 unidades. Essa queda brusca da produção e exportação do petróleo e seus derivados está ligada diretamente às sanções econômicas internacionais enfrentadas pela Venezuela.  

Sem os recursos gerados pela venda do petróleo, a economia da Venezuela entrou numa espécie de espiral decrescente. A população do país começou a sofrer com o desemprego e com a falta dos produtos mais essenciais – faltam desde alimentos até papel higiênico nos mercados. Mais de 4 milhões de venezuelanos já fugiram do país em busca das mínimas condições de vida – centenas de milhares desses refugiados vieram para o Brasil. O Regime Bolivariano do país, é claro, passou a jogar a culpa da crise no colo das “grandes nações imperialistas do mundo”, em especial os Estados Unidos. 

Além de afetar a vida de toda a população, essa crise econômica também passou a representar dificuldades para a importação da nafta pela Venezuela, um produto químico essencial para a produção local de petróleo. O petróleo bruto venezuelano é muito denso, apresentando uma consistência quase sólida. Para tornar o produto viscoso e fluído para o bombeamento em tubulações e oleodutos, o petróleo venezuelano precisa receber a adição de diluentes químicos como a nafta. O maior fornecedor de nafta para a Venezuela eram os Estados Unidos, país que também ocupava a posição de maior comprador de petróleo da Venezuela e que acabou alçado à condição de grande inimigo do país pelo regime Bolivariano.  

Com a decadência e má gestão da PDVSA, veio o sucateamento de toda a indústria petrolífera da Venezuela. Um exemplo dessa situação pode ser visto nitidamente no Lago de Maracaibo, um dos maiores centros de produção de petróleo do país. Com mais de 13 mil km² de área, as águas verdes do Lago de Maracaibo estão sendo tomadas por manchas de óleo. Há cerca de dez anos, a produção local de petróleo era da ordem de 1 milhão de barris/dia e, atualmente, essa produção mal consegue superar a barreira dos 160 mil barris/dia. Com a queda da produção e das receitas, a PDVSA ficou sem recursos para a manutenção das plataformas e das tubulações – há vazamentos de petróleo por todos os lados.  

Continuaremos na próxima postagem. 

A DESTRUIÇÃO DE RIOS E LAGOS DA NIGÉRIA POR DERRAMAMENTOS DE PETRÓLEO, OU A TRISTE SINA DO DELTA DO RIO NÍGER

Vazamento de petróleo no delta do rio Níger

O Níger é o terceiro maior rio da África, com uma extensão total de 4.180 km. Sua bacia hidrográfica cobre aproximadamente 2,2 milhões de km² e se estende por cinco países: Guiné, Mali, Níger, Benin e Nigéria. Conforme o rio Níger se aproxima do Oceano Atlântico, ele se abre num grande delta com cerca de 70 mil km², uma área equivalente a mais de três vezes a área do Estado de Sergipe.  

Regiões deltaicas possuem terras de altíssima fertilidade, resultado de milhões de anos de acumulação de sedimentos arrastados pela correnteza dos rios e, desde tempos imemoriais, essas regiões costumam apresentar grandes populações. Exemplos destas importantes regiões são os deltas dos rios Nilo no Egito, do Ganges em Bangladesh e do Mekong no Vietnã. A região do delta do rio Níger possui cerca de 31 milhões de habitantes, que sempre puderam usufruir de boas colheitas e de uma alta disponibilidade de água potável. 

A primeira grande “riqueza” explorada pelos comerciantes europeus no delta do rio Níger a partir do final do século XV  foram os negros escravizados, que eram vendidos a altos preços nas colônias que começavam a surgir no Novo Mundo, especialmente no Brasil, Antilhas e Estados Unidos. A escravização e a venda de seres humanos na África já eram milenares naqueles tempos, sendo resultado das infinitas guerras entre as diferentes etnias. A navegação pelo rio Níger permitia o transporte de grandes comboios de embarcações vindas do interior do continente repletas de escravos, o que transformou as costas da Nigéria num grande mercado para esse tipo de “produto”.  

Um segundo produto local que aos poucos começou a conquistar mercados pelo mundo foi o azeite de palma, mais conhecido como azeite de dendê. A palma ou dendezeiro é uma árvore nativa da costa Oeste da África e, conforme já apresentamos em postagens anteriores, é a planta que produz a maior quantidade de óleo vegetal por hectare plantado, superando com muita folga a soja e o milho. Além dos usos na culinária, o azeite de palma era um importante combustível, usado principalmente para iluminação de residências e vias públicas no passado.  

Em décadas bem mais recentes, foi o petróleo que se transformou na grande riqueza da Nigéria, uma atividade que durante muito tempo foi dominada por grandes empresas petrolíferas internacionais. E como sempre aconteceu ao longo da história, empresas fortes dominam facilmente Governos fracos – em busca de lucro rápido e fácil, essas empresas passaram a explorar o petróleo de modo selvagem, sem maiores preocupações com a qualidade de vida das populações locais e com o meio ambiente. 

A exploração inadequada desse recurso transformou algumas das mais belas paisagens do país em terras e águas mortas, cobertas por resíduos de óleo e de piche. Os vazamentos de petróleo nos gasodutos são frequentes, contaminando grandes áreas e, especialmente, alguns dos mais importantes rios do país. Esse descaso pode ser visto com toda a sua intensidade na outrora fabulosa região do delta do rio Niger. 

Grandes unidades de prospecção e de perfuração de petróleo começaram a aparecer por todos os cantos, sem que se realizassem estudos de impacto ao meio ambiente ou se mostrassem maiores preocupações com as comunidades vizinhas. Grandes sistemas de oleodutos passaram a rasgar os territórios, sem maiores esforços com a manutenção das tubulações ou reparos de pequenos vazamentos – enquanto o petróleo chegasse em grandes quantidades aos terminais de embarque e garantisse bons lucros para as empresas, pequenas perdas ao longo das linhas de tubulações seriam toleradas.  

Essa mentalidade persistiu por várias décadas, transformando muitos corpos d’água da Nigéria em depósitos de resíduos de petróleo. Gradativamente, esses vazamentos de óleo começaram a escorrer na direção do delta do rio Níger, hoje tomado por poças de óleo. Grupos ambientalistas calculam que, nos últimos 50 anos, mais de 10 milhões de barris de petróleo vazaram na Nigéria e poluíram grandes extensões de terras e águas. Para efeito de comparação, o grande derrame de petróleo no Alasca provocado pelo navio petroleiro Exxon Valdez em 1989 ficou entre 250 mil e 750 mil barris. Porém, muito diferente da grande repercussão midiática daquele acidente, esses vazamentos de óleo na Nigéria são silenciosos.  

A principal fonte de vazamentos de petróleo, entretanto, são as inúmeras tubulações clandestinas instaladas ao longo dos oleodutos para roubo de petróleo. Conforme comentamos na postagem anterior, cerca de 10% de toda a produção anual de petróleo da Nigéria é roubada e desviada para pequenas destilarias clandestinas, que realizam um refino precário do óleo e produzem derivados grosseiros como gasolina, querosene e óleo diesel. Esses derivados de petróleo falsificados são distribuídos por todo o país por uma grande rede de revendedores clandestinos e impulsionam grande parte da frota de veículos do país. 

De acordo com um estudo feito pelo PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, as maiores vítimas dessa poluição são as populações do delta do rio Níger, que consomem água contaminada por hidrocarbonetos. Amostras de água recolhidas em rios, córregos e poços encontraram grandes concentrações de produtos químicos associados ao petróleo. Um exemplo é o benzeno, um elemento cancerígeno que chegou a ser encontrado em algumas amostras recolhidas em poços com uma concentração 900 vezes superior ao limite máximo permitido internacionalmente.  

Para o meio ambiente, esses volumes de vazamentos de petróleo são devastadores. O delta do rio Níger apresenta a maior concentração de manguezais de todo o continente africano. Os mangues são ecossistemas de transição entre os oceanos e a terra seca, concentrando uma enorme biodiversidade vegetal e animal. Cerca de 70% das espécies de peixes e crustáceos marinhos de grande valor comercial dependem dos manguezais para reproduzir. Com a poluição das águas por resíduos de petróleo, toda essa riqueza acaba prejudicada, comprometendo a fonte de trabalho e de renda de milhares de pescadores e a fonte de alimentação de milhões de pessoas.  

Extensas áreas de manguezais no delta do rio Níger não têm mais folhas e as suas raízes estão cobertas por uma camada de óleo (vide foto). As inúmeras espécies marinhas que buscavam essas áreas no passado desapareceram, transformando suas águas em verdadeiros desertos sem vida. Uma espécie emblemática que costuma viver nas águas dos canais do delta e no rio Níger é o peixe-boi marinho africano (Trichechus senegalensis), primo-irmão do peixe-boi marinho que vive entre a costa do Nordeste brasileiro e o Sul da Flórida, nos Estados Unidos, e primo em segundo grau do peixe-boi amazônico.   

Essa espécie marinha, que já encontra em situação altamente vulnerável por causa da caça predatória, costumava encontrar bons refúgios e alimentos nos inúmeros canais do delta do rio Níger. Com a intensa destruição desses habitats, o futuro desse peixe-boi é cada vez mais incerto. Incerto também é o futuro de dezenas de milhões de seres humanos que vivem nessa extensa região. 

Enquanto o petróleo for a mais importante riqueza da Nigéria, as perspectivas futuras para o delta do rio Níger, seus ecossistemas e populações humanas não são as melhores. 

A NIGÉRIA, O PETRÓLEO E A “INDÚSTRIA” DO ROUBO DE PETRÓLEO

A worker pours crude oil into a locally made burner using a funnel at an illegal oil refinery site

Algo que a longa história da humanidade nos ensinou é que sempre que uma mercadoria valiosa circula entre os mercados, haverá sempre alguém ou algum grupo de pessoas de má índole que vai tentar roubar a carga. Um exemplo histórico que podemos citar eram os grupos especializados em roubar as cargas que circulavam por meio de caravanas nas antigas rotas mercantes conhecidas como Rotas da Seda. Essas rotas eram caminhos que ligavam a China ao Oriente Médio, ao subcontinente indiano, ao Sudeste Asiático e a África, e a partir das quais circulavam as valiosas mercadorias do Extremo Oriente, especialmente a seda

Os séculos foram passando e esse tipo de delito ainda é muito frequente. Atualmente, aqui no Brasil, os caminhoneiros passam com frequência por esse tipo de situação, especialmente quando estão transportando mercadorias valiosas como eletroeletrônicos. E não são apenas as mercadorias embaladas ou ensacadas dos caminhões que são alvos dos assaltantes – eles tentam roubar de tudo, inclusive combustíveis e derivados de petróleo. Empresas petrolíferas de todo o mundo perdem muito dinheiro com o desvio e roubo – um exemplo que podemos citar é a PEMEX – Petróleos Mexicanos, que declara perdas anuais de US$ 3 bilhões devido ao roubo de combustíveis. 

De acordo com informações da Petrobrás, empresa estatal brasileira responsável pela prospecção, extração e comercialização de petróleo e seus derivados, ocorreram mais de 300 roubos em dutos de transporte da empresa em 2019. Dados já consolidados de 2018 indicam que aconteceram 261 roubos em 2018. Para efeito de comparação, a empresa registrou apenas 1 caso em 2014; em 2016 houve um grande salto e os dados indicam 72 registros de roubo. As perdas anuais para a Transpetro, subsidiária da Petrobrás responsável pela distribuição do petróleo e derivados, são da ordem de R$ 150 milhões.  

Os responsáveis por esse tipo de delito são grupos especializados e que possuem em seus “quadros profissionais” técnicos com grandes conhecimentos na construção e operação de oleodutos. Contando muitas vezes com informações privilegiadas de funcionários da Petrobras e suas subsidiárias, esses grupos conseguem furar os dutos e instalar tubulações que permitem o desvio de grandes volumes de derivados de petróleo, produtos que são revendidos no mercado paralelo. Essas operações são muito arriscadas, uma vez que esses dutos trabalham com líquidos combustíveis em alta pressão. 

A Nigéria, país da África que se destaca na produção de petróleo e sobre o qual falamos na última postagem, é uma espécie de “paraíso” para os grupos criminosos especializados no roubo de petróleo. Segundo cálculos do Governo local, cerca de 10% do petróleo nigeriano é roubado e desviado para refino em centenas de pequenas refinarias clandestinas por esses grupos. O óleo é precariamente refinado e transformado em derivados grosseiros, que abastecem uma parte considerável da frota de veículos da Nigéria. Apesar de causar inúmeros problemas nos motores de veículos a gasolina e a diesel, esses produtos clandestinos têm um apelo irresistível – são muito mais baratos que os produtos “oficiais”. 

modus operandi das quadrilhas africanas é quase sempre o mesmo – utilizando de informações fornecidas por comparsas que trabalham nas empresas petrolíferas do país, as quadrilhas sabem com antecedência os momentos em que o bombeamento do petróleo nos dutos vai ser desligado ou reduzido para a realização de algum tipo de manutenção. Perfurar uma tubulação pressurizada é extremamente perigoso – o óleo pode incendiar com o calor do atrito da broca e, muito pior, o vazamento de um jato de óleo sob alta pressão pode até matar alguém que está nas proximidades.  

Com o oleoduto despressurizado, as quadrilhas conseguem furar as tubulações com alguma segurança e adaptar de forma precária tubulações para desviar o óleo. Como o encaixe dessas tubulações não é preciso, quase sempre eles têm vazamentos e estão na origem de muitas das explosões e incêndios de oleodutos registrados anualmente na Nigéria. Na maior parte das vezes, essas tubulações levam o petróleo roubado para pequenas refinarias clandestinas, onde o óleo é “refinado” e os derivados são vendidos por toda uma rede de pequenos comerciantes do país.   

O petróleo bruto ou cru é formado por dezenas de substâncias químicas, água, metais, além de diversas impurezas do solo. Durante o processo de refino, o petróleo primeiro é decantado para separar a água e as impurezas mais pesadas, Depois o petróleo passa por processos químicos onde se obtém as frações do petróleo, que são a base dos diferentes derivados. Entre os processos químicos usados para o refino do petróleo destacam-se a destilação fracionada, a destilação a vácuo, o craqueamento térmico ou catalítico e a reforma catalítica.  

O processo de refino do petróleo utilizado pelas quadrilhas da Nigéria é uma adaptação da destilação fracionada. Nesse processo, o petróleo é colocado em uma espécie de “panela de pressão”, que depois é levada a uma fonte de calor (normalmente uma fogueira alimentada pela queima de petróleo). Com o aumento da temperatura e da pressão, os elementos mais leves do petróleo começam a migrar para a superfície do óleo e são retirados por meio de tubulações. O gás é sempre o primeiro derivado a desprender do petróleo. Na sequência vem o querosene, a gasolina e o óleo diesel. Os elementos mais pesados – o óleo combustível e o piche, ficam para o final.  

As grandes refinarias de petróleo são dotadas de equipamentos e infraestruturas projetadas especialmente para a realização desses processos. Todas as etapas do refino são realizadas com absoluta segurança e cuidadosamente monitoradas por uma série de sensores e por profissionais especializados em petroquímica. Nas refinarias clandestinas da Nigéria, os equipamentos usados são fabricados a partir de sucatas, velhos barris metálicos, canos de água e mangueiras de jardim, sem maiores sofisticações técnicas e sujeitos a todos os tipos de problemas e falhas ao longo dos processos de refino.

Os “operadores” dessas destilarias não tem qualquer formação técnica e ficam sujeitos a explosões, incêndios, inalação de vapores tóxicos entre outros tipos de acidentes (vide foto). Não são raros os casos de mortes e os acidentes com queimaduras graves nessas refinarias.  

Existem centenas de pequenas refinarias clandestinas espalhadas ao largo das linhas de dutos de transporte de petróleo por toda a Nigéria. Esconder uma instalação desse tipo das autoridades não é uma tarefa das mais fáceis. As tubulações que desviam o petróleo costumam apresentar inúmeros vazamentos, que deixam um rastro de óleo no solo e nas águas, algo muito difícil de passar despercebido. As grandes nuvens de fumaça liberada pelo óleo queimado nas refinarias clandestinas podem ser vistas a quilômetros de distância. Todos os anos, as forças armadas do país fecham centenas destas destilarias que, “milagrosamente”, voltam a funcionar pouco tempo depois.

O aparente esforço Governamental para inibir o roubo e o refino clandestino de petróleo na Nigéria padece de um grande mal, muito conhecido por nós brasileiros – a corrupção. Sabe-se que existe uma grande rede de corrupção e suborno de autoridades no país, indo desde de fiscais e policiais até altos funcionários nos Ministérios. As autoridades recebem generosas “gratificações” dos grupos criminosos para fazerem vista grossa a tudo o que acontece a sua volta. Assim, a “indústria” do roubo de petróleo continua prosperando. 

Além do grande prejuízo econômico para as empresas do setor, o roubo sistemático de petróleo provoca danos ambientais incalculáveis para os solos e, principalmente, para as águas de grandes regiões da Nigéria. Dados oficiais falam de vazamentos de mais de 10 milhões de barris de óleo nas últimas décadas, óleo esse que está destruindo rios e lagos, comprometendo inclusive o abastecimento de água de vilas e cidades, além de comprometer sistemas florestais e terras agrícolas.  

Vamos tratar disso na próxima postagem. 

OS GRAVES DANOS AMBIENTAIS E SOCIAIS CRIADOS PELA EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA NIGÉRIA

Petróleo na Nigéria

Na atual sequência de postagens estamos mostrando alguns dos países que mais desrespeitam e maltratam o meio ambiente. Já falamos de Madagascar, Bangladesh, Gana e República Democrática do Congo. Não é preciso fazer um grande esforço intelectual para se perceber que estamos falando de países com grande parte da população vivendo na mais absoluta pobreza e onde a exploração dos recursos naturais é levada aos extremos.  

Aqui é importante ressaltar que existem grandes diferenças nas formas de devastação ambiental de cada um desses países. Em Madagascar, os principais problemas ambientais estão ligados aos desflorestamentos feitos pela população para a prática de uma agricultura rudimentar. Em Bangladesh eles são consequência da grande população e do baixo custo da mão de obra – diferentes indústrias se valem disso para faturar alto. Um problema parecido ocorre em Gana, onde a importação de grandes volumes de lixo eletrônico para “reciclagem” pelas populações mais pobres se tornou uma verdadeira calamidade ambiental. 

Na República Democrática do Congo, envolta numa sangrenta guerra civil, é a exploração dos recursos minerais que está na raiz dos principais problemas ambientais do país. Os diferentes grupos que lutam pelo poder político no país controlam recursos minerais valiosos como o coltan e os negociam com grandes grupos internacionais. A maior parte dos ganhos fica nas mãos de um pequeno grupo e a imensa maioria dos congoleses vive na miséria. 

A situação na Nigéria, o mais populoso país da África, não é muito diferente do Congo, porém, o recurso natural em disputa é o petróleo. A Nigéria é o segundo maior produtor de petróleo da África, ficando só atrás de Angola, com uma produção diária de 1,8 milhão de barris. Essa produção só não é maior devido as cotas estabelecidas pela OPEP – Organização dos Países Produtores de Petróleo, o grande cartel dos produtores e do qual a Nigéria faz parte. 

Diferente do tradicional estereótipo dos grandes sheiks árabes multibilionários e extravagantes, com muitos palácios, carros de luxo e aviões graças aos ganhos com o petróleo, a riqueza gerada pelo óleo nigeriano ficou, desde o início da exploração no país, nas mãos de grandes grupos petrolíferos internacionais como a Shell, Mobil (atual ExxonMobil), Gulf (atual Chevron), Agip, Sarap (atual Elf) e Texaco, entre muitos outros. Para o povo local ficaram os grandes desastres criados por vazamentos de petróleo e destruição de muitos ecossistemas. 

A Nigéria é a maior economia da África e tem uma população com cerca de 190 milhões de habitantes. O país é habitado por mais de 250 grupos étnicos, divididos em dois grandes blocos religiosos – muçulmanos ao Norte e cristãos ao Sul, além de diversas minorias praticantes de religiões tradicionais africanas como jgbo (ou Ibo) e iorubá. Esses diferentes grupos religiosos vivem em um estado de tensão permanente, o que é agravado pela extrema pobreza em que vive a grande maioria dos nigerianos.  

A exploração do petróleo na Nigéria foi iniciada na década de 1930, mas a descoberta de grandes reservas só se consolidou na década de 1950, quando foi iniciada a produção em larga escala. Grandes empresas multinacionais do setor, passaram a dominar a indústria petrolífera local. Em 1964, a Nigéria atingiu a expressiva produção diária, para a época, de 120 mil barris de petróleo. Essa crescente produção seria prejudicada anos depois por uma sangrenta guerra civil, mais conhecida como a Guerra do Biafra, que se estendeu de 1967 a 1970. Terminado o conflito, a produção de petróleo rapidamente voltou a crescer e, em 1973, já se encontrava na casa dos 2 milhões de barris/dia.  

A Guerra do Biafra, também conhecida como Guerra Civil da Nigéria e Guerra Nigéria-Biafra, foi uma consequência de uma tentativa de independência de províncias do Sudeste da Nigéria, que se autodenominavam como República do Biafra. Apesar de pouco conhecido entre nós brasileiros, esse foi um conflito violento, que fez cerca de 200 mil vítimas entre as tropas oficias do Governo da Nigéria e perto de 1 milhão do lado dos rebeldes do Biafra, entre civis e militares

Até o início da década de 1970, a indústria petrolífera da Nigéria foi muito favorável à entrada de empresas estrangeiras, quando a Lei do Petróleo determinava que apenas 35% dos ganhos com a exploração e exportação do óleo eram devidos ao Governo local. Essa situação, que já vinha mudando lentamente desde a independência do país em 1960, mudou radicalmente após a entrada da Nigéria na OPEP em 1971.  

A mudança se consolidou em 1977, com a criação da Nigeria National Petroleum Corporation, uma empresa estatal que passou a regulamentar e controlar a exploração, a produção e a concessão de blocos de exploração de petróleo no país. Essa estatal também passou a regulamentar os acordos de parceria entre o Governo e as empresas multinacionais do setor.

As atividades de exploração, refino e exportação de petróleo respondem atualmente por 40% do PIB – Produto Interno Bruto, da Nigéria e pela geração de cerca de 80% das arrecadações de impostos do Governo local. Pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que essa grande nação africana é movida, literalmente, a base do petróleo.  

Se, por um lado, a indústria petrolífera é tão importante para o país, ela é, ao mesmo tempo, a principal responsável pela degradação de importantes recursos naturais da Nigéria. Vazamentos de petróleo ocorrem sistematicamente no país há mais de 50 anos, com uma relativa conivência e falta de providencias das autoridades locais. De acordo com cálculos de organizações ambientalistas, cerca de 10 milhões de barris de petróleo vazaram de dutos e de unidades de processamento de petróleo do país nas últimas décadas, atingindo e contaminando rios e cursos d’água do território – a importante região do Delta do Rio Niger é uma das áreas mais atingidas.  

O roubo de petróleo é uma das atividades criminosas que mais crescem na Nigéria e, de acordo com muitos especialistas, é uma das grandes responsáveis pelos vazamentos de óleo no país. As autoridades locais calculam que cerca de 10% da produção local de petróleo é roubada por esses grupos, que se valem de desvios feitos nas tubulações dos oleodutos.  

Os dutos de transporte de petróleo são perfurados e tubulações improvisadas são instaladas para desviar o óleo cru para inúmeras “refinarias clandestinas de petróleo”. Esses desvios normalmente geram vazamentos de óleo no meio ambiente (vide foto), o que muitas vezes acaba resultando em explosões e grandes incêndios. Todos os anos, o Exército da Nigéria fecha centenas dessas “refinarias”, que rapidamente voltam a funcionar em outros locais. 

Grande parte da gasolina, do óleo diesel e de outros derivados de petróleo consumidos pela população mais pobre do país vem dessas refinarias. O principal apelo desses “produtos clandestinos” é o baixo preço. Por outro lado, esses produtos são de péssima qualidade, causando desgastes e quebras frequentes nos motores dos veículos. São também uma grande fonte de problemas ambientais – o ar nas regiões com alto tráfego de veículos é simplesmente irrespirável. 

Continuaremos na próxima postagem. 

A EXPLORAÇÃO DE COLTAN E OUTROS MINERAIS RAROS E OS RISCOS DE EXTINÇÃO DOS GORILAS-DE-GRAUER DO CONGO

Gorila de Grauer 2

A simpática “figura” que ilustra a postagem de hoje é um gorila-de-Grauer, a maior subespécie de gorilas e maior primata do planeta, com alguns exemplares atingindo um peso de 180 kg. Chamado por muitos de “gorila esquecido”, esse animal é encontrado em pequenos bandos vivendo escondido nas florestas do Leste do Congo. 

A pergunta que, imagino, deve estar passando na cabeça de muitos dos leitores – o que um gorila tem a ver com o tema que vem sendo comentado nessa série de postagens, onde estamos falando de lixo eletrônico e exploração de minerais raros como o coltan? 

Conforme já comentamos, 75% das reservas mundiais de coltan, um mineral raro e fundamental para a fabricação de importantes componentes eletrônicos, estão localizadas na República Democrática do Congo. Devastado por uma guerra civil que se desenrola há vários anos e que já matou mais de 6 milhões de pessoas, o Congo é um país caótico, dominado por senhores da guerra, líderes tribais funcionários públicos e militares corruptos. Essa mineração, como não poderia deixar de ser, é altamente predatória e dominada pelos diferentes grupos que mandam no país. 

As populações que moram nas áreas rurais e que se dedicam à agricultura e a pecuária são frequentemente expulsas de suas terras pelos grupos mineradores, que rapidamente transformam os terrenos em um mar sem fim de crateras. Trabalhadores em regime de escravidão e semiescravidão, muitas vezes observados sob a mira de armas, vasculham a terra em busca de minerais como coltan, diamantes e ouro. Essa é uma rotina que toma conta do Congo há várias décadas. 

As populações expulsas de suas terras ancestrais saem em busca de outros lugares para viver e as áreas cobertas por florestas acabam se transformando em refúgios para um recomeço da vida. Clareiras são abertas para a formação de roçados rudimentares para uma agricultura de subsistência, muitas vezes utilizando o fogo para finalizar a limpeza dos terrenos, numa técnica muito semelhante à coivara dos indígenas brasileiros. Esse é um movimento silencioso que está devastando grandes extensões da floresta equatorial do Congo.  

É esse avanço contra as florestas que tem encurralado grupos de gorilas-de-Grauer em pequenos fragmentos florestais, o que torna os animais presas fáceis para os caçadores. O consumo de carne de macacos, chimpanzés e gorilas é tradicional entre as populações de muitas regiões da África e um animal de grande porte como esses gorilas é uma presa disputada. A caça é feita por um lado pelos mineradores, que dada as condições degradantes de trabalho se valem da caça predatória para sobreviver e por outro pelos agricultores, que de uma hora para outra foram forçados a abandonar uma vida estruturada em suas terras e partir em busca de outras formas para se sobreviver.  

O discreto gorila-de-Grauer (Gorilla beringei Graueri) é uma das espécies de primatas menos estudadas da África. De acordo com dados da WCS – Sociedade de Conservação da Vida Selgavem, na sigla em inglês, e da Fauna & Fora International, a população estimada dessa espécie caiu de 17 mil indivíduos em 1995 para cerca de 3.800 animais nos dias atuais. Como existem poucos gorilas-de-Grauer em zoológicos e unidades de conservação, o risco de desaparecimento da espécie é muito grande

Gorila de Grauer

Essa espécie de gorila foi descrita pela primeira vez pelo zoólogo austríaco Rudolf  Grauer na virada do século XX. Esses animais são muito parecidos com os gorilas-da-montanha (Gorilla gorilla beringei), e por muito tempo foram considerados como uma única espécie. Grauer observou que essa subespécie tinha os membros mais longos, pelos mais curtos e preferem viver em habitats com altitudes mais baixas, entre 60 e 290 metros acima do nível do mar. O pesquisador também observou que os gorilas-de-Grauer tem um apetite mais voraz que os gorilas-da-montanha. 

Os gorilas são caçados por populações humanas desde os tempos imemoriais da pré-história. Essa pressão ecológica forçou os animais a buscar os recantos mais profundos das florestas e das montanhas para sobreviver, o que manteve suas populações em relativa segurança e possibilitou que os bandos mantivessem números confortáveis de indivíduos. A partir da chegada dos primeiros exploradores europeus e do encontro desses com os dos gorilas, passou a existir uma poderosa “indústria” para a caça e captura desses animais para exposição em zoológicos e circos de todo o mundo.

Como sempre acontece com espécies silvestres caçadas e colocadas em cativeiro para venda como animais de estimação e de exibição, para cada exemplar de gorila que chegava vivo na Europa e Estados Unidos, entre outros destinos, pelo menos dez animais caçados morriam no caminho vítimas de ferimentos, doenças, fome e maus tratos.

Uma outra fonte de pressão para caça desses animais surgiu em função de uma moda absurda da venda de mãos e pés de gorilas mumificadas, que eram usadas em muitos casos como cinzeiros. As cabeças dos gorilas foram transformadas também em um souvenir disputado por caçadores e turistas que visitavam a África. Uma das maiores defensoras dos gorilas, mais especificamente dos gorilas-das-montanhas, foi a primatóloga norte-americana Dian Fossey (1932-1985), que inclusive foi assassinada por caçadores de gorilas em Ruanda. A história da polêmica Dian Fossey e de sua luta na defesa dos gorilas foi transformada em um filme em 1988 – Gorillas in the Misty ou A Montanha dos Gorilas. 

Além de sofrerem com a destruição dos seus habitats e com a caça predatória, os gorilas-de-Grauer poderão enfrentar novos problemas, desta vez vindos dos Estados Unidos. A legislação norte-americana cria alguns embaraços para as empresas do país que compram minerais de áreas de conflito, como é o caso da República Democrática do Congo. A Lei dos Minerais de Conflito foi aprovada em 2010 com apoio bipartidário no Congresso dos Estados Unidos. Essa Lei exige que as empresas divulguem as compras de minerais feitas nas chamadas zonas de conflito, algo que torna as empresas expostas ao crivo da opinião pública e alvo dos grupos de direitos humanos e ambientalistas. 

Está em tramitação um memorando presidencial que poderá alterar essa política por um prazo de 2 anos – caso esse documento venha a ser aprovado e assinado pelo Presidente Donald Trump, ouro, estanho, tântalo, coltan e tungstênio originários da bacia hidrográfica do rio Congo poderão ser comprados livremente por empresas americanas. Com a abertura desse gigantesco mercado, a mineração no Congo, que já não segue regra nenhuma, ganhará ainda mais fôlego e colocará em um patamar de risco ainda maior as florestas equatoriais do país e suas espécies, incluindo-se na lista os gorilas-de-Grauer.  

Ou seja, para tornar os smartphones, tablets, computadores e outros produtos eletrônicos produzidos por empresas norte-americanas mais baratos e competitivos, uma legislação que ajuda a proteger as florestas e animais selvagens do Congo poderá ser alterada. E como consequência, teremos a geração de mais lixo eletrônico, que inclusive poderá ser exportado no futuro para países africanos, e o risco de desaparecimento de espécies animais fascinantes como os gorilas-de-Grauer

Muito triste. 

A DESTRUIÇÃO DA FLORESTA DO CONGO

Agricultura de subisistência no Congo

Muito se fala da destruição da Floresta Amazônica.

Meses atrás, durante a tradicional época das queimadas na região, começaram a circular imagens e vídeos nas redes socias e nos telejornais de todo o mundo, mostrando que “o pulmão do mundo” estava sendo transformado em cinzas. Diversas celebridades e autoridades internacionais assumiram uma posição de defesa da Amazônia e começaram a dar “pitacos” sobre algo que não conheciam corretamente. Na época publicamos uma longa série de postagens falando sobre esse tema e mostrando a realidade da Amazônia e de sua população. Essas postagens foram depois compiladas no formado de livro – A NOSSA AMAZÔNIA

A Floresta do Congo, uma gigantesca selva equatorial africana, ocupa uma área total de mais de 2 milhões de km², o que equivale a quase metade da área do trecho brasileiro da Floresta Amazônica. Se incluirmos na conta alguns sistemas florestais de transição como savanas e florestas secundárias, a área total dessa Floresta aumentará para 3 milhões de km². A Floresta do Congo se espalha entre a República Democrática do Congo, República do Congo, Guiné Equatorial, Gabão, Camarões e República Centro-Africana. Se a Amazônia é considerada o “pulmão do mundo”, a Floresta do Congo seria uma espécie de segundo pulmão mundial. 

Floresta do Congo

Especialistas afirmam que a Floresta do Congo abriga um total de 10 mil espécies de plantas, sendo que 30% são exclusivas do bioma. Também é o habitat de uma infinidade de espécies de animais da fauna carismática (espécies que representam ecossistemas) como elefantes, girafas, chimpanzés e gorilas, entre muitas outras (vide foto). Espalhados nessa extensa área vive um total de 75 milhões de pessoas pertencentes a, pelo menos, 150 etnias diferentes

Apesar de todos esses números grandiosos, é provável que muitos dos leitores jamais tenha ouvido falar desta floresta e dos seus inúmeros problemas, onde se incluem os desmatamentos para a abertura de cavas para exploração de minerais raros como o coltan, para exploração de madeira para exportação e também para a formação de pequenos campos agrícolas para os refugiados da mineração. Ao contrário do que se vê em relação à Floresta Amazônica, as selvas africanas estão desaparecendo ante um silêncio ensurdecedor. 

Para que todos tenham uma ideia da devastação ambiental que se desenrola no continente africano, o Greenpeace, uma grande organização ambientalista internacional, realizou uma investigação e descobriu que 2,6 milhões de hectares de matas ao redor da Floresta do Congo foram transformados em áreas de cultivo da palma do dendê, principalmente na Libéria, em Serra Leoa e na República do Congo. Como as terras na África são muito baratas e os Governos não costumam impor nenhuma restrição ambiental, é inevitável o avanço dessas plantações na direção da grande Floresta do Congo.

Uma das grandes fontes de problemas desse grande ecossistema é a mineração descontrolada, especialmente de coltan, um mineral com grande demanda pela indústria eletroeletrônica. Sem maiores controles pelas autoridades dos países, principalmente na República Democrática do Congo, detentora de 75% das reservas mundiais desse minério, a mineração ameaça a sobrevivência da Floresta. Essas ameaças têm várias frentes. 

Conforme já comentamos em postagem anterior, a mineração no Congo é controlada por uma infinidade de grupos militares e paramilitares, que travam uma longa guerra civil há várias décadas. Esse conflito já matou perto de 6 milhões de pessoas, sendo que aproximadamente 4 milhões dessas mortes estão ligadas a disputas pelo controle de áreas de mineração. Entre os envolvidos estão políticos e funcionários públicos, militares das forças governamentais, líderes tribais, entre muitos outros. Essa grande fragmentação do poder no país torna a situação caótica e expõe os moradores de várias regiões a uma vida de terror. 

Habitantes das vilas e pequenas cidades são forçados a trabalhar nas cavas de mineração, muitas vezes numa condição de escravidão ou de semiescravidão. Frequentemente, os trabalhos são feitos sob a mira de fuzis de seguranças e militares. Ao final das exaustivas jornadas de trabalhos, esses mineradores ainda passam por uma rigorosa revista e, nos casos em que existem suspeitas de desvios de pedras e minerais valiosos, há cruéis castigos físicos e detenções. 

Os problemas não param por aí – o avanço das frentes de mineração expulsa milhares de famílias de suas terras ancestrais, sem qualquer espaço para negociação ou pagamento de indenizações. A abertura de novas cavas de mineração transforma os solos numa sucessão de crateras, o que impedirá qualquer possibilidade de retorno dos antigos proprietários e uso futuro dessas terras para agrícultura ou pecuária. 

As famílias expulsas, que muitas vezes são classificadas como “refugiados da mineração” partem para outras localidades em busca de alternativas para um recomeço de vida. É justamente aqui que as áreas cobertas por florestas surgem como uma alternativa – são abertas clareiras no meio da mata, onde a finalização dos trabalhos é feita com o uso do fogo, numa técnica que lembra muito a coivara dos indígenas brasileiros

Nos terrenos recém desmatados são formadas pequenas culturas de subsistência, o que garantirá a sobrevivência dessas famílias por um curto período de tempo. Assim como acontece com os solos da Amazônia, os solos da Floresta do Congo têm uma baixa produtividade e, sem a proteção da cobertura vegetal, perdem rapidamente a fertiidade. Depois de 2 ou 3 anos de uso, esses solos ficam completamente improdutivos, o que leva as populações a uma migração constante em busca de novas áreas para viver e trabalhar. Esses movimentos migratórios levam a uma destruição contínua de novos trechos de matas.  

Diferente da Floresta Amazônica, onde os desmatamentos e as queimadas destroem grandes áreas contínuas de terras que podem ser identificadas por imagens de satélites, a destruição da Floresta do Congo é feita lentamente em pequenas áreas e com ferramentas manuais. Esse avanço contínuo está transformando a Floresta do Congo, especialmente no Leste do país, em uma sucessão de fragmentos florestais isolados. A coleta de lenha para cozinhar (especialmente num raio de 5 km ao redor das vilas) e o corte de árvores para processamento da madeira também causam grandes impactos. 

Além da destruição da cobertura florestal e de todos os problemas ambientais que isso gera, esses refugiados se valem da caça de animais silvestres para complementar a sua alimentação, abatendo inclusive espécies animais raras e em forte risco de extinção. Essa também é uma rotina entre os mineradores, que normalmente recebem quantidades de alimentos insuficientes de seus “patrões”. Uma das espécies mais ameaçadas é o gorila-de-Grauer, a maior espécie de primata do mundo e sobre a qual falaremos na próxima postagem. 

Grandes empresas europeias estão entre as maiores compradoras de coltan e de outros minerais raros do Congo para a produção de componentes eletroeletrônicos. Essas grandes empresas se encontram em países como Holanda, França, Alemanha, Suécia, Finlândia, Inglaterra e Itália, entre outras nações. Talvez, o silêncio mundial em relação à destruição da Floresta do Congo esteja ligado à cumplicidade dessas empresas e dos Governos de seus países com a mineração ilegal. 

Cuidar e se preocupar com a Floresta Amazônica é fundamental, mas não podemos nos esquecer da destruição da floresta equatorial africana, da sangrenta guerra civil e da mineração descontrolada, que criam uma cruel e silenciosa realidade na República Democrática do Congo. 

VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI

A DEVASTADORA EXPLORAÇÃO DE COLTAN NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO

Mineração de coltan

Vamos pegar uma carona no tema que tratamos nas últimas postagens, o lixo eletrônico, e destrinchar um outro lado dessa indústria – a exploração de minerais raros para uso na fabricação dos componentes eletrônicos. Um desses minerais é o coltan, uma mistura de dois outros minerais – a columbita e a tantalita. Da columbita se obtém o nióbio e da tantalita se extrai o tântalo. Esses dois minerais são essenciais para a produção de componentes eletrônicos fundamentais para a funcionamento de smartphones, notebooks, tablets, computadores, televisores, videogames, filmadoras, máquinas fotográficas, entre muitos outros produtos.

Para que você tenha uma ideia da importância do coltan: um levantamento recente mostrou que cerca de 88 mil empresas da União Europeia utilizavam componentes eletrônicos fabricados a partir do coltan. E, se por qualquer problema de fornecimento, o coltan não chegar nas empresas que dependem dessa matéria prima, as consequências serão graves. Um exemplo disso foi o que ocorreu no início dos anos 2000, quando o esperado lançamento do videogame Playstation 2 foi adiado por vários meses devido à falta de coltan no mercado mundial. Em resumo: mesmo não conhecendo o coltan, você não consegue viver um único dia sem ele. 

A República Democrática do Congo, uma ex-colônia da Bélgica no centro do continente africano, detém 75% das reservas mundiais desse mineral. Há várias décadas, o país está sendo assolado por uma intensa guerra civil, onde, de acordo com a ONU – Organização das Nações Unidas, mais de 6 milhões de pessoas já morreram, sendo que 4 milhões dessas mortes estão ligadas diretamente à disputas pelo controle de áreas de mineração, incluindo-se aqui as reservas de coltan

A República Democrática do Congo foi alçada à condição de país independente em 1960. É o segundo maior país da África, com aproximadamente 2,35 milhões de km² e 75 milhões de habitantes, distribuídos em mais de 200 grupos étnicos. Apesar da grande riqueza mineral dos solos e com abundância de recursos naturais e energéticos, o Congo figura entre os países do mundo com as mais altas taxas de mortalidade infantil e materna, desnutrição, falta de acesso da população aos serviços de saúde, educação e segurança, além de apresentar as mais precárias infraestruturas de saneamento básico.  

Um exemplo do caos congolês pode ser visto em Bandulu, uma região da província de Kivu no Leste do país, onde se encontram algumas das mais importantes reservas minerais do Congo. A mineração de coltan é feita de forma completamente desordenada e sob um clima de absoluta violência. Existem perto de 5 mil lavras na região, que nada mais são do que imensos buracos no chão, onde homens, mulheres e crianças, muitas vezes trabalhando na condição de escravos ou semi-escravos, cavam o chão em busca de coltan (vide foto), chamado de “ouro azul”, além de buscar também ouro, diamantes, cobre, urânio, tungstênio e estanho. O trabalho dessa população é, constantemente, realizado sob a mira dos fuzis dos seguranças.  

Ao final de cada jornada de trabalho, os “mineiros” são impiedosamente revistados na busca de desvios de minérios. Caso algum dos trabalhadores seja considerado suspeito de ter engolido alguma pepita de ouro ou uma pedra de diamante, uma forma clássica de “roubar” bens preciosos, ele será conduzido para uma cela, onde permanecerá em jejum por vários dias. Todas as suas fezes serão vasculhadas na busca de qualquer quantidade de mineral que ele eventualmente tenha engolido. Caso não se encontre nenhum vestígio de minerais desviados, o preso será libertado e depois reconduzido para os trabalhos de mineração. A depender da situação e do “mau humor” dos seguranças, o pobre suspeito poderá ser simplesmente estripado e ter suas entranhas vasculhadas. 

Por trás dessa estrutura caótica e violenta de mineração, encontram-se funcionários públicos corruptos, militares de todas as patentes, milicianos e combatentes dos mais diferentes grupos étnicos e, também, os chamados “senhores da guerra”. Os ganhos obtidos com a venda dos minerais, especialmente de coltan, alimentam as contas bancárias de pessoas gananciosas e, muito pior, financiam a guerra civil no Congo. Parte importante dos recursos financeiros é usada para a compra de armas e equipamentos militares, usados pelos muitos grupos que disputam o controle das mais diferentes regiões do país, especialmente as províncias minerais.  

As exportações de ouro feitas pela República Democrática do Congo nos dão uma ideia do caos da mineração no país. De acordo com estudos realizados pela ONU, 98% dessas exportações vieram de fontes ilegais. A situação da mineração no país é tão surreal que, em 2017, dois especialistas da ONU, que foram enviados ao Congo para investigar as violações dos direitos humanos nas atividades das minas, foram detidos e executados por supostos rebeldes.  

A bacia hidrográfica do rio Congo, a maior do continente africano, sofre intensamente com os despejos de rejeitos minerais resultantes de todas essas atividades. As águas contaminadas com os mais diferentes tipos de metais pesados se misturam com os resíduos sólidos e esgotos despejados pelos aglomerados humanos, comprometendo a qualidade da água usada no abastecimento das populações que vivem a jusante do rio. O rio Congo tem uma extensão total de 4.700 km e é o principal manancial de abastecimento do país.  

Os impactos ambientais da mineração também atingem em cheio antigas áreas agricultáveis, onde a população vivia da produção de subsistência.  O avanço ilegal e descontrolado das cavas expulsa, diariamente, milhares de famílias de suas terras, criando uma verdadeira onda de refugiados da mineração, algo que só faz agravar o clima de convulsão social criado pela guerra civil. Esgotados os recursos minerais de uma região, restarão apenas solos desnudos e inférteis, imprestáveis para a agricultura e pecuária. A ganância da mineração arrastará os mineradores para outras terras e matas, onde outras populações acabarão sendo expulsas, num ciclo de terror e de destruição interminável. 

A mineração, conforme tratamos em uma série de postagens anterior, é uma das maiores causadoras de tragédias ambientais no mundo, especialmente no que diz respeito à destruição e contaminação das fontes de abastecimento de água. Duas grandes tragédias ambientais recentes ocorridas aqui no Brasil são a mais cabal prova disso: falo do rompimento das barragens de rejeitos de mineração em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019, ambas no Estado de Minas Gerais, a grande província mineral do Brasil.

É bastante provável que você já tenha ouvido falar dos “diamantes de sangue”, pedras preciosas que tem sua origem em conflitos sanguinários em algumas regiões da África e da Ásia. Saiba que existem também os “minerais de sangue”, uma lista de elementos químicos e minerais obtidos com grande sacrifício humano e muito derramamento de sangue, onde o coltan tem uma posição de destaque. Esses elementos químicos e minerais, obtidos com tanto sacrifício, são fundamentais para o funcionamento do seu smartphone e/ou computador. São esses mesmos produtos que, depois de usados por algum tempo, serão impiedosamente descartados e transformados em lixo eletrônico. 

Minerais como o coltan extraído na República Democrática do Congo, já vêm manchados de sangue desde as suas cavas de mineração e, desgraçadamente, terão seu ciclo de vida terminado causando ainda mais drama na vida das pessoas. A recuperação dos minerais raros presentes nesses produtos está causando uma série de doenças e males em populações pobres de todo o mundo e, em especial, em países do continente africano.

VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI