MESOPOTÂMIA: UMA TERRA QUE JÁ ESTEVE ENTRE DOIS GRANDES RIOS

Rio Eufrates

Na última postagem falamos do clima belicoso que está deteriorando as relações entre os países que compõem a bacia hidrográfica do rio Nilo, no Norte da África. Egito e Sudão que, segundo um questionável “tratado” internacional detém os direitos de uso de 80% das águas do rio Nilo, estão enfrentando forte pressão dos demais países da bacia hidrográfica para que se faça uma nova pactuação para a divisão das águas – a resistência a um novo tratado pode estar levando toda a região a uma guerra pela disputa da água. A região tem ainda um complicador extra – as populações do Norte são,  majoritariamente, muçulmanas enquanto as do Sul são cristãs.

O caso do rio Nilo não é único – existem vários exemplos de águas de rios em disputa por diferentes países – o caso das águas dos rios Tigre e Eufrates no Oriente Médio é um dos mais complicados na atualidade.

De acordo com a tradição judaico-cristã a que nós ocidentais estamos mais acostumados, logo depois de criar o homem e a mulher, Deus fez um “paraíso na terra” para que eles pudessem habitar: o Jardim do Éden. E a descrição dos livros sagrados dessas religiões deixa muito clara a localização desse paraíso: uma terra entre as águas dos rios Tigre e Eufrates. Nos séculos seguintes, essa região passou a ser conhecida no Ocidente com o nome de Mesopotâmia, palavra composta de origem grega que significa, literalmente, “terra entre rios“.

Segundo evidências arqueológicas, os primeiros grupos humanos “civilizados” ocuparam essa região por volta do 7° milênio a.C. As linhas de pesquisa apontam que a agricultura em larga escala começou a ser desenvolvida nas terras férteis do Sul a partir do 5° milênio a.C., inclusive com o uso de sistemas de irrigação. Com a fartura de água oferecida pelos rios Tigre e Eufrates, a Mesopotâmia rapidamente se transformou num dos celeiros do mundo antigo, recebendo, em conjunto com o Vale do rio Nilo, o nome de Crescente Fértil. Sucessivas civilizações floresceram nessas terras: sumérios, acadianos, caldeus, babilônicos e assírios. Grandes impérios como o dos medos, dos persas e os antigos gregos, entre outros, não pouparam esforços para conquistar a região. A Mesopotâmia sempre foi uma região rica, disputada e instável.

Essa instabilidade prossegue até os nossos dias: dos três países que formam as bacias hidrográficas dos rios Tigre e Eufrates, dois enfrentam guerras civis – Síria e Iraque; a Turquia, onde ficam as nascentes desses rios, vive uma relativa paz interna; o Governo central, porém, enfrenta sérios problemas com grupos pró-independência da região Curda nas regiões Leste e Sudeste do país, além de várias disputas milenares com outros grupos, como os armênios.

Os sangrentos conflitos regionais têm jogado para planos secundários os inúmeros problemas gerados pela disputa das águas do Tigre e do Eufrates. Aproveitando-se da fragilidade política na Síria e no Iraque, a Turquia vem construindo uma série de barragens nos rios formadores dessas bacias hidrográficas, com o objetivo de utilizar ao máximo as águas disponíveis para geração de energia elétrica e em sistemas de irrigação. De acordo com informações disponíveis, já são 140 barragens e há planos para a construção de mais 1.700 pequenas barragens e açudes. Os resultados destas obras já são visíveis na Síria e no Iraque – a vazão dos rios Tigre e Eufrates sofreu uma visível redução. Na década de 1970, a vazão do rio Eufrates (vide foto) em território iraquiano era de 720 m³ por segundo – atualmente, a vazão do rio mal chega a 260 m³ por segundo.

A cidade de Nasiriyah, no Sul do Iraque, é um exemplo da situação caótica que está sendo criada pela disputa da água: a cidade depende de um fluxo mínimo de 90 m³ de água por segundo para suprir as necessidades de sua população, indústrias e agricultura – está se tornando comum o rio Eufrates apresentar uma vazão média de apenas 18 m³ por segundo. Os pântanos do Sul do Iraque, famosos pelas criações de búfalos, estão desaparecendo rapidamente.

Na Síria, a situação não é muito diferente: a forte seca que atingiu o país entre os anos de 2006 e 2009, associada à redução dos caudais do rio Eufrates, e ao avanço do grupo radical Estado Islâmico no Leste do país, forçou o deslocamento de uma população de mais de 1,5 milhão de antigos agricultores, muitos dos quais se juntaram ao Exército Livre da Síria para combater tanto o Governo central quanto os grupos radicais islâmicos. A falta de água causa instabilidade social e econômica, transformando-se depois em instabilidade política – o antigo celeiro do mundo acabou transformado numa região árida, com enormes contingentes de famintos e com falta de água para o atendimento das mínimas necessidades das populações.

Enquanto a Síria e o Iraque se afundam cada vez mais em suas disputas internas, a Turquia vai se aproveitando da situação e se apropriando cada vez mais de recursos hídricos que, segundo acordos regionais, teriam de ser divididos com os países vizinhos. Um exemplo dessa relativa “fartura” de água: recentemente, o país inaugurou um sistema de adutoras sob o Mar Mediterrâneo, que permite transferir até 75 milhões de metros cúbicos de água/ano para a Ilha de Chipre, que tem uma parte de seu território sob controle da Turquia.

Quando o assunto é água, não existem pessoas boas ou más – existem consumidores que, ao menor vacilo dos vizinhos, irão se apropriar desse valioso recurso. É isso que a Turquia, na “moita”, vem fazendo.

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