MINISTROS DO MEIO AMBIENTE DA UNIÃO EUROPEIA APROVAM O FIM DOS CARROS COM MOTORES A COMBUSTÃO INTERNA A PARTIR DE 2035

Os Ministros de Meio Ambiente dos países que formam a União Europeia aprovaram um acordo que pode significar o fim das vendas de carros movidos a motores de combustão interna a partir de 2035. Esse novo acordo completa um outro que vai eliminar todos os incentivos fiscais para a venda de veículos com emissão zero e de baixa emissão. 

Essas medidas fazem parte do ambicioso plano ambiental da UE – União Europeia, para a redução das emissões dos GEE –Gases de Efeito Estufa. Os países do bloco europeu têm como meta uma redução de 15% nas emissões de GEE por veículos até 2025 e de 55% até o ano 2030. 

Os países já acordaram que uma revisão das metas será feita em 2026, onde serão avaliados os impactos do desenvolvimento tecnológico. A expectativa de todos é que os próximos anos serão bastante férteis para o desenvolvimento de novas tecnologias limpas para aplicação nos veículos. 

Uma das grandes apostas rumo as emissões zero nos países europeus são os veículos elétricos. A frota atual nos países da União Europeia é calculada em 1,4 milhão de automóveis – a expectativa é de se atingir até 30 milhões de veículos até 2030, onde se incluiriam também os carros com motores híbridos elétrico/hidrogênio. 

Os esforços da UE no combate as emissões de gases de efeito estufa já datam de vários anos. Um dos esforços mais evidentes se deu área de geração de energia elétrica, onde muitas centrais termelétricas a carvão foram substituídas por outras alimentadas a gás natural. Muito desse esforço foi perdido nos últimos meses por causa do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. 

Entre as inúmeras medidas punitivas contra a Rússia, os países da União Europeia impuseram uma série de embargos econômicos contra o país. Entre os produtos russos mais impactados estão o petróleo e o gás natural. Um exemplo dos impactos graves dessas medidas é o que se vê na Alemanha, país que supria metade das suas necessidades de gás a partir das exportações da Rússia. 

Inúmeras centrais termelétricas a carvão alemãs que estavam sendo retiradas de operação foram religadas. A própria mineração desse combustível fóssil voltou a ganhar força no país. Um exemplo foi a recente destruição de uma floresta de 12 mil anos para liberar o terreno para a mineração da lignite ou carvão-marrom. 

Essas dificuldades criam um paradigma importante – deixar de usar veículos com motores de combustão interna e passar a usar veículos elétricos que utilizam baterias que foram carregadas com a eletricidade gerada em termelétricas movidas a carvão ou a gás. Se somadas as emissões de GEE nos dois casos, se chegará à conclusão que se mudaram apenas os locais onde os gases de efeito estufa são gerados. 

Uma solução tecnológica que talvez venha a ser mais interessante do ponto de vista ambiental é o uso de células de hidrogênio para gerar energia elétrica para alimentar os motores desses carros. Essa tecnologia já existe atualmente, porém os custos energéticos para a produção do hidrogênio ainda são muito altos e geram grandes emissões de GEE. 

As células de hidrogênio funcionam como um gerador elétrico. Uma célula eletroquímica transforma a energia potencial do hidrogênio (que é um gás altamente explosivo) em eletricidade através de reações químicas. Além do hidrogênio, essa célula necessidade de oxigênio, elemento que funcionará como oxidante da reação química. O único subproduto do processo é a água, resultado da combinação do hidrogênio com oxigênio. 

A beleza de carros soltando água pelo escapamento esbarra nos processos de produção do hidrogênio. Um dos processos clássicos que todos devem conhecer é a eletrolise da água, onde uma corrente elétrica é usada para quebrar as moléculas e separar o hidrogênio do oxigênio. Muitos de vocês devem ter feito essa experiência nas aulas de química nos tempos do colégio (para os mais novos é ensino fundamental). 

Do ponto de vista energético, a eletrólise da água é altamente eficiente – 80% da energia utilizada no processo é efetivamente transformada em hidrogênio. Para efeito de comparação, um motor de combustão interna de um carro tem uma eficiência de apenas 30% – o restante da energia resultante da queima do combustível é transformado em calor. 

Aqui esbarramos no mesmo problema da recarga das baterias dos carros elétricos – usar combustíveis fósseis como o carvão e o gás natural, que são poluentes, para gerar eletricidade. Ou seja – vamos queimar carvão ou gás natural para gerar a eletricidade que será usada na eletrólise da água e obtenção do hidrogênio. 

O método mais usado em todo o mundo para a produção de hidrogênio é a chamada reforma do gás natural – quase metade do hidrogênio utilizado no mundo é obtido através desse processo. São utilizadas várias técnicas: a reforma por vapor de metano, a gaseificação do gás natural, a oxidação parcial dos hidrocarbonetos, entre outras. Os custos de produção de hidrogênio através desses processos equivalem entre 1/3 e ¼ dos custos da eletrolise. 

Além dos custos energéticos (é preciso uma fonte de calor para fazer as reações químicas acontecerem), existe a geração de resíduos indesejáveis como o dióxido de carbono – CO2, um dos mais importantes gases de efeito estufa da nossa atmosfera. Falando no popular “é se cobrir um santo descobrindo outro”. 

Um experimento recente que divulgamos aqui no blog mostrou que é possível produzir hidrogênio usando como fonte de energia a luz do sol. Nesse processo são utilizados catalisadores de baixo custo para quebrar as moléculas da água e separar o hidrogênio e o oxigênio. Caso essa tecnologia se torne viável, ela vai ajudar a resolver o problema da produção do hidrogênio. 

A melhor alternativa do ponto de vista ambiental já existente para se produzir hidrogênio é se utilizar fontes renováveis para a geração da eletricidade. Aqui destacam-se especialmente as fontes fotovoltaicas e as eólicas. Conforme já destacamos em várias postagens aqui no blog, cada uma dessas fontes de energia tem seus problemas, mas são muito menos danosas para o meio ambiente que as fontes fósseis. 

O hidrogênio que é produzido a partir de fontes de energia renováveis é chamado, com todo o mérito, de “hidrogênio verde”. Um projeto bastante interessante que começou a ser discutido aqui no Brasil é o uso de energia eólica gerada ao longo do litoral da Região Nordeste. Estudos preliminares indicam que o potencial de geração local é a 700 GW ou algo equivalente a mais de 50 usinas hidrelétricas de Itaipu

Apesar das melhores intenções dos países da União Europeia, muitas pedras aparecerão no caminho dessa transição energética. Existem vários países do bloco com menor nível de desenvolvimento já estão buscando mecanismos que permitam “empurrar” esses prazos um pouco mais para a frente. 

Também serão necessários investimentos pesados em sistemas de transporte ferroviário para o transporte de carga e passageiros. Esse esforço inclui linhas de trens de alta velocidade, um sistema que pode substituir o uso dos aviões para transporte entre as grandes cidades do continente. 

Uma coisa é certa – os próximos dez anos serão emocionantes, tanto pelos problemas ambientais que surgirão quanto pelas soluções tecnológicas que serão criadas para combater esses problemas. 

O VERÃO ESCALDANTE NO JAPÃO E OS RISCOS PARA O ABASTECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA 

A exemplo da América do Norte, de parte da Europa e de regiões do Centro e Norte da China, o Japão também está enfrentando uma sequência de dias com temperaturas bem acima da média. De acordo com informações do Governo japonês, os últimos 10 dias foram os mais quentes dos últimos 100 anos. 

O Governo do país reforçou um apelo junto aos moradores de Tóquio, a capital do país, a continuar economizando energia elétrica. O Governo Metropolitano apagou as luzes de seus escritórios e desligou pelo menos um dos elevadores de seus edifícios para dar exemplo para a população. 

O país é mais um que vem sofrendo com os altos custos dos combustíveis, em especial o carvão e o gás natural que são usados na geração de energia elétrica. Centrais termelétricas a carvão e a gás natural respondem por mais de 70% da geração elétrica no país. Cerca de 9% da geração de energia do país vem de centrais nucleares, 17% de fontes de geração renováveis como fotovoltaica e eólica e o restante de outras fontes como a geração hidrelétrica. 

A geração nuclear já chegou a responder por cerca de ¼ do consumo do Japão, um cenário que mudou radicalmente após o acidente com a Usina de Fukushima em 2011. Para quem não se recorda,  em 11 de março daquele ano um forte terremoto com intensidade 8,9 graus na escala Richter sacudiu o leito marinho do Oceano Pacífico ao largo da Ilha Honshu, a maior do arquipélago do Japão.  

Diferente de outros fortes terremotos que atingem a região com relativa frequência, esse abalo sísmico resultou na formação de um grande tsunami, uma grande onda com altura entre 13 e 15 metros. Essa onda atingiu em cheio a Usina Nuclear de Fukushima, que foi encoberta por uma onda de mais de 5 metros de altura. Entre as áreas atingidas estava o prédio dos geradores, onde a água provocou o desligamento dos geradores de emergência. 

Entre outros problemas, a falta de energia elétrica provocou a interrupção do bombeamento da água usada no resfriamento dos reatores nucleares da usina e resultou num superaquecimento e fusão parcial dos núcleos dos reatores 1, 2 e 3. Se seguiram explosões de hidrogênio, o que danificou a estrutura de confinamento dos reatores. Começava assim a saga de um dos maiores acidentes nucleares da história. 

Entre outras providencias, o Governo do Japão ordenou o desligamento imediato de todas as usinas nucleares do país e uma revisão completa e atualização tecnológica dos sistemas de segurança. Os combustíveis fósseis ganharam uma importância ainda maior para a geração de energia elétrica no país, apesar de parte das usinas nucleares voltarem gradativamente a entrar em operação. 

O cenário de risco de escassez de energia elétrico que vinha se desenrolando desde o acidente de Fukushima em 2011, voltou a ganhar força em meados do ano passado quando o consumo de combustíveis voltou a crescer fortemente em todo o mundo após a “paralisia econômica” que foi criada pela pandemia da Covid-19. É justamente em meio a esse cenário de altos custos e de escassez de energia que o Japão está enfrentando essa onda de calor. 

Como é usual em períodos de forte calor ou de frio extremo, o consumo de energia nas residências aumenta muito. Na situação atual, os vilões da explosão do consumo de energia elétrica é o uso intensivo de ventiladores e equipamentos de ar condicionado. Em tempos de escassez e de altos custos de geração, essa é uma situação complicada. 

De acordo com informações da Japan Eletric Power Exchange o preço da energia elétrica para a Região Metropolitana de Tóquio foi elevado para US$ 1.47 por quilowatt/hora, o maior preço desde janeiro de 2021. No atual cenário econômico internacional, esses custos poderão aumentar ainda mais. 

Uma notícia que deu algum alento ao mercado veio de grandes indústrias siderúrgicas do país como a Nippon Steel e a JFE Holdings. Essas empresas possuem centrais de geração de energia elétrica próprias em suas plantas e assumiram um compromisso com o Governo de aumentar a sua geração e lançar a energia elétrica excedente na rede de transmissão elétrica nacional. 

Os super organizados japoneses criaram recentemente um sistema de alerta para os momentos em que o consumo de energia elétrica se aproximar de níveis críticos. Quando a folga entre a produção e o consumo de eletricidade ficar abaixo de uma margem de segurança de 5%, o Governo emitirá um aviso para os consumidores; quando a margem de segurança cair abaixo de 3% será emitido um alerta. Os consumidores colaboram da melhor maneira possível reduzindo seu consumo. 

O Governo japonês tinha planos para desativar 100 das 114 usinas térmicas a carvão mais antigas até o ano de 2030, uma meta que já vinha sendo repensada devido às mudanças no cenário. As demais 26 usinas desse tipo em operação utilizam uma tecnologia mais moderna, sendo bem mais eficientes em termos de produção de energia e também bem menos poluentes que as antigas termelétricas, apesar de poluírem o dobro quando comparadas a uma central térmica a gás.  

Os japoneses pretendem aumentar a participação de fontes de geração renováveis como a fotovoltaica, eólica e de queima de biomassa a valores próximos de ¼ da matriz energética do país até 2030. Também esperam aumentar a participação da geração nuclear a valores entre 20 e 22% da matriz energética, um percentual que ainda continuaria abaixo do que era gerado antes do acidente nuclear de Fukushima

Falar de geração de energia nuclear no país é sempre um tema delicado. Além da questão de Fukushima, ainda pairam sobre os japoneses as lembranças dos ataques por armamentos nucleares – falo aqui das bombas atômicas lançadas sobre as cidades de Hiroshima Nagasaki, eventos que culminaram com a rendição incondicional do país e marcaram o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.    

Um trunfo que os japoneses tem a seu favor é o setsuden, um movimento civil de estímulo a conservação e economia de energia elétrica. Esse movimento surgiu imediatamente após o acidente com a usina nuclear de Fukushima, quando a população ficou preocupada com possíveis blecautes.  

Com as mudanças climáticas globais que já são visíveis em várias partes do mundo, ondas de calor ou de frio extremos serão cada vez mais frequentes, o que implicará em aumentos cada vez maiores nos volumes de energia necessários para resfriamento ou aquecimento das residências. Novas fontes de energia, principalmente renováveis, precisão ser desenvolvidas e implantadas para suprir toda essa demanda. 

E os países que não fizerem isso estarão condenados a sofrer cada vez mais com ondas de calor ou de frio cada vez mais intensos. 

SUL DA CHINA ENFRENTA CHUVAS FORTÍSSIMAS ENQUANTO O CENTRO E NORTE DO PAÍS SOFREM COM ONDAS DE CALOR

A China, a segunda maior economia do mundo e também uma das que mais crescem em tamanho e influencia, parece estar vivendo uma espécie de “inferno astral”. Um exemplo: Xangai, uma cidade de 25 milhões de habitantes, enfrentou recentemente um lockdown de dois meses por causa de um surto de Covid-19. Isso acontece num momento em que a doença está sob controle na maior parte do mundo. 

Outro tormento na vida dos chineses é a crise energética criada pelos elevados preços do gás natural, do petróleo e do carvão, problema que está afetando países de todo o mundo. Essa crise afeta desde os grandes conglomerados industriais, que estão sendo obrigados a limitar seu consumo de energia, até os cidadãos comuns, que sofrem com constantes blackouts no fornecimento de energia elétrica em suas casas. 

Nas últimas semanas, a China vem sendo assolada por problemas climáticos. Sete províncias do Sul do país estão sofrendo com fortes chuvas, o que vem provocando grandes enchentes. Enquanto isso, regiões do Centro e do Norte da China estão sendo assoladas por fortes ondas de calor a exemplo do que está ocorrendo na América do Norte e em partes da Europa

Esses diferentes eventos climáticos não são novidade no país, entretanto, o aumento da frequência de ondas de calor e de grandes enchentes está criando muita apreensão entre os chineses. Há exato um ano, citando um exemplo, a parte central da China sofreu com “as maiores chuvas em mil anos”, conforme se noticiou há época.

O território da China é imenso e ocupa uma área de mais de 9,5 milhões de km² – isso corresponde a 1 milhão de km² a mais que o Brasil. Com todo esse tamanho, assim como acontece aqui em nossas terras, o país tem diferentes padrões climáticos, de relevo e também biomas diversificados. 

No total, a China possui oito tipos de clima diferentes, indo de climas semiáridos e desérticos no Norte, onde encontramos os desertos de Gobi e Takla Makan, até um clima subtropical de monção no Sul similar ao encontrado nos países do Sudeste Asiático. As zonas climáticas são divididas em equatorial, tropical, subtropical, temperada, temperada fria e fria. 

O relevo do país também é bastante particular, destacando-se os grandes maciços montanhosos da faixa Oeste – a Cordilheira do Himalaia. No cume dessas montanhas existem enormes glaciares que formam as nascentes de importantes rios do país. Destacam-se o Yangtzé, mais conhecido entre nós como rio Azul, e o Huang He ou Huang Ho, o famoso rio Amarelo. 

O Yangtzé é o maior rio da China e também um dos maiores do mundo, só perdendo para os rios Amazonas e Nilo. O rio tem mais de 6.300 km de extensão e forma uma bacia hidrográfica com cerca de 1,1 milhão de km². O rio Huang Ho é um pouco menor, com cerca de 5.500 km de extensão e dono de uma bacia hidrográfica com aproximadamente 550 mil km². 

Os trechos médios e inferiores desses rios drenam as terras mais férteis da China, onde desde tempos imemoriais vem se desenvolvendo atividades agrícolas e pecuárias. Agricultura e florestas, conforme já destacamos em postagens aqui no blog, são “forças” incompatíveis na natureza, ou seja, para a formação de campos agrícolas é necessário suprimir áreas florestais. 

Desmatamentos em larga escala levam, entre outros problemas, a formação de grandes enchentes nos períodos de chuvas mais fortes, além de provocar o assoreamento e entulhamento da calha dos rios. É essa receita, que vem sendo usada em países de todo o mundo, que está na raiz das grandes e históricas enchentes que, ano após ano, causam enormes transtornos na China. 

Enquanto as chuvas e as fortes enchentes costumam abundar nas faixas Central e Sul do país, todo o Norte da China sofre com a falta de água. A maior parte das regiões Noroeste, Norte e Nordeste da China são ocupadas por grandes desertos, como é o caso do Deserto de Gobi. Esse deserto se divide entre a China e a Mongólia, ocupando uma área com 1,3 milhão de km².  

Também merecem destaques o Deserto de Takla Makan, com cerca de 270 mil km², o Deserto de Baidan Jaran, com 50 mil km², e o Deserto de Mu Us, com 32 mil km². Além desses, existem alguns desertos menores como Lop, Dsootoyn Elisen, Hami e Tengger.  

O Deserto de Gobi, citando apenas um exemplo, está em expansão e avança cerca de 3.600 km² rumo ao Sul a cada ano. As grandes tempestades de areia que ocorrem nessa região de deserto lançam sedimentos a distâncias de até 2.000 km ao Sul, atingindo importantes áreas agrícolas. Os chineses estão reflorestando grandes faixas de terra para combater o avanço desses desertos

A escassez de água em toda a faixa Norte da China tem reflexos diretos na produção agrícola: cerca de 1/3 de toda a produção está concentrada na faixa Sul do país, que também concentra 80% das reservas de água. Já a faixa Norte do país, que concentra apenas 20% dos recursos hídricos, responde pelo equivalente a 2/3 de toda a produção agrícola. 

Qual o segredo? Super exploração das fontes de água

A região Norte da China produz mais de 40% dos grãos do país através de sistemas de agricultura irrigada, com um consumo de água muito acima da disponibilidade natural, onde a água é retirada de aquíferos e lençóis freáticos. O custo ambiental é altíssimo: sem recarga, os aquíferos estão secando a uma razão de 1,5 metro a cada ano – rios e lagos estão desaparecendo e poços precisam ser escavados a profundidades cada vez maiores. Em Pequim, o nível do lençol freático já está em 59 metros de profundidade e continua baixando.   

O país também investe pesado na construção de sistemas de transposição entre bacias hidrográficas, desviando volumes crescentes de água de rios da faixa Central do país. As condições climáticas já naturalmente complicadas dessa extensa região estão se tornando ainda mais críticas em consequências das mudanças climáticas globais. Grandes ondas de calor estão se tornando cada vez mais frequentes, complicando ainda mais a vida de centenas de milhões de chineses. 

Além de todo o drama humano, as enchentes no Sul e as ondas de calor no Centro e no Norte do país estão provocando graves problemas econômicos para a já enfraquecida economia chinesa. Calor extremo sempre leva ao aumento do consumo de energia elétrica por causa do uso intensivo de ventiladores e sistemas de ar condicionado pela população. Em momento em que já existe uma crise energética, as grandes empresas ficam com volumes ainda menores de energia para trabalhar. 

Já as grandes enchentes no Sul estão afetando importantes áreas industrias em cidades como Foshan, Guangzhou, Dongguan e Shenzen. Além dos enormes prejuízos para as empresas locais, isso gera problemas em todo o mundo – a China é, há várias décadas, a principal “fábrica” do mundo. 

Isso é ou não é um verdadeiro “inferno astral” chinês? 

G7 SE REUNE NA ALEMANHA E A CRISE ALIMENTAR GLOBAL SERÁ UM DOS TEMAS PRINCIPAIS 

O Grupo dos Sete ou simplesmente G7 é um grupo que reúne alguns dos países mais industrializados do mundo: Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Japão. De acordo com informações do FMI – Fundo Monetário Internacional, esses países representam mais de 64% da riqueza líquida global ou algo equivalente a 263 trilhões de dólares.  

Curiosamente, a China, a segunda maior economia do mundo e também uma das que mais cresce em tamanho e influencia, não faz parte desse “clube”. O G7 foi criado em meados da década de 1970, época em que seus membros representavam as maiores economias do mundo, o que indica claramente o quão defasada está sua estrutura. 

Até 2014, a Rússia participava do grupo como convidada, muito mais pelo receio do seu poderio nuclear do que pelo tamanho de sua economia. O país foi expulso do grupo após a invasão e anexação da península da Crimeia naquele ano. Lembramos aqui que a Crimeia é, historicamente, parte da Ucrânia e essa agressão russa está na raiz do atual conflito entre os dois países. 

Os líderes do G7 se reunirão na Alemanha por três dias a partir de 26 de junho. Entre as principais pautas do encontro destacam-se os receios desses países quanto a uma ameaça de recessão global decorrente dos sucessivos aumentos dos preços dos combustíveis – em especial petróleo, gás e carvão; a inflação decorrente desses aumentos e também os riscos de uma crise na produção global de alimentos. 

Alguns dos pontos nevrálgicos desses problemas está associado diretamente ao conflito criado na Ucrânia pela invasão por tropas da Rússia. Os russos alegam que essa intervenção (nunca usam a palavra guerra) decorreu das ameaças aos russos étnicos que vivem em algumas províncias ucranianas – em especial Donetsk e Luhansk. Essas províncias declararam independência da Ucrânia e foram prontamente “reconhecidas” pelo Governo da Rússia. 

Conforme já tratamos em postagens anteriores, o conflito na Ucrânia desencadeou em uma série de problemas para outros países em todo o mundo. Para países europeus, em especial para a Alemanha, o conflito trouxe graves problemas para o fornecimento de gás natural. A Rússia é um dos maiores produtores e exportadores de gás do mundo e, desde a década de 1950, a Alemanha é um dos seus maiores consumidores – metade do gás consumido no país vem da Rússia. 

Outro problema grave está ligado à produção e exportação de alimentos. Citando um único exemplo: Rússia e Ucrânia respondem por 1/3 de toda a produção mundial de trigo. Com o início do conflito, parte substancial dessas exportações ficaram comprometidas – do lado russo existe todo um conjunto de sanções econômicas internacionais que proíbem suas exportações.  

Do lado ucraniano, os problemas estão ligados às dificuldades de produção nos campos e também as dificuldades para exportação a partir do porto de Odessa, o mais importante do país. O país tem feito esforços para exportar os estoques da última safra por via ferroviária através de países vizinhos como a Polônia e a Romênia, mas a capacidade das ferrovias locais fica muito aquém do escoamento marítimo via Mar Negro. 

A questão da produção agrícola ganha contornos mais dramáticos quando se inclui na equação as exportações de fertilizantes da Rússia e de Belarus, seu país aliado. A Rússia é um dos principais fornecedores de fertilizantes nitrogenados do Brasil. O país também é um importante fornecedor de fertilizantes fosfatados e, junto com Belarus, de fertilizantes a base de potássio. 

Em resposta à agressão contra a Ucrânia, as principais economias do mundo passaram a impor embargos econômicos à Rússia, medidas que passaram a comprometer as principais exportações de commodities e produtos da Rússia. Mesmo estando bem longe, o Brasil acabou sendo pego no fogo cruzado entre países. 

O Brasil, que é uma das maiores potencias agropecuárias do mundo, é totalmente dependente da importação de fertilizantes – o país importa 95% dos fertilizantes nitrogenados, 75% dos fertilizantes fosfatados e 95% dos fertilizantes a base de potássio. Até mesmo os Estados Unidos, a maior economia do mundo, está sofrendo com a falta desses fertilizantes. 

A crise desencadeada pelo conflito na Ucrânia veio se somar aos problemas criados pela pandemia da Covid-19 nos campos europeus – a falta de mão de obra. Com as políticas de fechamento dos países e proibição à livre circulação de pessoas, grande parte da mão de obra dos campos da Europa Ocidental, que era formada basicamente por cidadãos do Leste Europeu, voltou para seus países de origem. Essa falta de mão de obra comprometeu a produção de várias culturas.

No Reino Unido só fez por agravar os problemas criados pelo Brexit, a saída do bloco da União Europeia poucas semanas antes do início oficial da pandemia. Centenas de milhares de cidadãos europeus perderam o direito de trabalhar livremente na Inglaterra, em Gales, na Escócia e na Irlanda do Norte, o que afetou diretamente a produção agrícola e outras atividades que eram realizadas por esses estrangeiros. 

Além de todo um rol de impactos econômicos, o somatório de todos esses problemas na área agrícola levou a uma redução substancial dos estoques e os fluxos de alimentos em várias partes do mundo, inclusive para os países membros do G7. E como esse tema é do interesse das grandes economias, é evidente que não serão poupados esforços na busca de soluções. 

Tradicionalmente, as reuniões do G7 também costumam dedicar grande parte do seu tempo à discussão de problemas ambientais globais, onde a “destruição e queima” da Floresta Amazônica pelo Brasil é o tópico principal. Aqui destacamos que muitos dos membros do G7 estão chegando na reunião deste anos com “telhado de vidro”. Vou citar apenas dois casos: 

A Alemanha, conforme destacamos em uma postagem, autorizou a derrubada de uma floresta milenar com o objetivo de liberar a área para a exploração da lignite ou carvão-marrom, um combustível fóssil altamente poluente que será utilizado pelo país em substituição ao gás natural que vinha da Rússia. 

No caso dos Estados Unidos, pesa contra o país a liberação da produção em áreas de conservação ambiental, questão também comentada aqui no blog. A justificativa dos norte-americanos para a adoção dessa medida foi justamente liberar áreas para o aumento da produção agrícola do país e, assim, contribuir na minimização dos riscos para a alimentação da população mundial. 

Por via das dúvidas, é bom ficarmos de olho nas reuniões desse grupo – além de concentrar a maior parte do dinheiro do mundo, essas nações também possuem fartos estoques de hipocrisia… 

AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS RISCOS (AINDA MAIORES) PARA OS ALPINISTAS NO MONTE EVEREST 

As mudanças climáticas estão criando graves problemas para as populações de diferentes regiões do mundo. Em nossas últimas postagens falamos da forte onda de calor que está assolando a América do Norte e a Europa, onde destacamos que a Itália está sofrendo tanto com o calor quanto com a maior seca dos últimos 70 anos

Uma notícia que tem circulado na internet e que ilustra bem as consequências do aumento das temperaturas no planeta diz respeito ao Monte Everest, a mais alta montanha do mundo e que está localizada na Cordilheira do Himalaia na fronteira entre o Nepal e o Tibete, Região Autônoma da China. 

As autoridades do Nepal, país que concentra a maior parte dos acampamentos-base utilizados pelos alpinistas que vão tentar escalar a montanha, anunciaram que vão mudar a localização de um desses acampamentos por razões de segurança. O aumento das temperaturas nessa região está provocando o derretimento e a desestabilização de massas de gelo na montanha, o que pode resultar em perigosas avalanches. 

A principal massa de gelo da região é a Geleira do Khumbu, localizada entre os Montes Everest e Lhotse-Nuptse. Essa é considerada a geleira mais alta do mundo, se estendendo entre altitudes de 7.600 e 4.900 metros. É classificada também como uma das geleiras mais longas do planeta. A geleira se encontra com o trecho final da trilha do acampamento-base que fica entre Lukla e Namche

Avalanches já mataram muitos aventureiros na região do Monte Everest. Em 2015, lembrando um dos casos, um terremoto com magnitude 7,8 graus na escala Richter atingiu o Nepal, matando 3,7 mil pessoas no país. O forte tremor de terra foi sentido na região do Monte Everest, onde provocou uma grande avalanche – ao menos 18 alpinistas e membros das equipes de apoio morreram soterrados pelo gelo.  

Exatamente um ano antes dessa tragédia uma outra avalanche havia matado 16 guias nepaleses na mesma região. A região é isolada e bastante perigosa, o que faz com que o Ministério do Turismo do país tente limitar ao máximo o número de alpinistas que tentam escalar o Monte Everest a cada ano – em média, apenas mil pessoas, entre alpinistas e equipes de apoio, são autorizadas a entrar na região.  

O Everest é a montanha mais alta do mundo com 8.849 metros acima do nível do mar. Sua escalada é também uma das mais difíceis. Os primeiros a realizaram a façanha foram Edmund Hillary, um alpinista da Nova Zelândia, e Tenzing Norgay, um guia sherpa do Tibete, em 1953. Desde então, cerca de 6 mil pessoas conseguiram repetir a façanha – pelo menos 311 pessoas morreram tentando chegar ao pico. 

De acordo com o comunicado do Governo nepalês, um novo acampamento-base será construído entre 200 e 400 metros abaixo da altitude do acampamento atual, numa posição melhor protegida das avalanches. Além de proteger melhor os alpinistas estrangeiros, essa medida também visa a segurança dos guias sherpas, uma etnia que vive nas altas montanhas do Nepal e do Tibete e que é muito empregada como guias e carregadores pelos esportistas. 

Escalar o Monte Everest não é uma tarefa das mais fáceis. A região é bastante isolada e o acesso só pode ser feito através de trilhas pelas montanhas. A porta de acesso às montanhas começa por Lukla, uma minúscula cidade no Nordeste do Nepal que fica a cerca de 30 minutos de voo de Katmandu, a capital do país. 

Lukla fica a cerca de 40 km do Monte Everest, um percurso onde existem diversos acampamentos-base para o pernoite dos aventureiros. Além de carregar todos os equipamentos necessários a escalada – cordas, ganchos, botas, entre outros itens, as equipes precisam carregar alimentos, bebidas, sacos de dormir, material médico, radiocomunicadores, entre muitos outros equipamentos e produtos essenciais, o que abre oportunidade de trabalho para os sherpas

O acampamento-base número 4 é o último ponto de parada para quem vai tentar a escalada do Everest. Essa subida final pode ser feita entre 6 e 10 horas, o que vai depender muito das condições climáticas e também do preparo físico dos alpinistas. Muitas vezes os aventureiros precisam abortar a escalada por causa de mudanças bruscas nas condições climáticas – aliás, a maioria desses alpinistas não conseguem atingir o cume do Monte Everest. 

Além de perigosa, a escalada do Monte Everest é uma brincadeira cara. De acordo com informações de algumas agências de turismo especializadas no assunto, o interessado terá de desembolsar valores entre US$ 45 mil e US$ 160 mil para tentar realizar a façanha. Esses valores se referem ao lado nepalês da montanha. 

Pelo lado tibetano, a aventura é um pouco mais barata – o pacote padrão custa cerca de US$ 15 mil e existe uma opção de luxo ao custo de US$ 18 mil. Desde 2019, a Associação Chinesa de Montanhismo estabeleceu uma taxa de segurança no valor de US$ 5 mil. Essa taxa é reembolsada ao final da escalada caso não tenha acontecido nenhum acidente ou problema ambiental. 

O derretimento de geleiras nas Montanhas Himalaias é um problema com consequências muito mais graves que os riscos a esses alpinistas. Considerada a cadeia com as montanhas mais altas do mundo, as Himalaias abrigam as nascentes de alguns dos maiores e mais importantes rios da Ásia. De memória eu cito o Ganges, Indo e Bramaputra – todos no Subcontinente Indiano; o Mekong, maior e mais importante rio do Sudeste Asiático. 

Na China temos os rios Yangtzé e o Huang He ou Huang Ho. Não podemos nos esquecer do Amu Daria e do Syr Daria, os mais importantes rios da Ásia Central e principais formadores do Mar de Aral. Todos esses rios são formados a partir das águas resultantes do derretimento de geleiras ou glaciares existentes no alto das Montanhas Himalaias. 

O aquecimento global está ameaçando todas essas geleiras, o que representa um risco para mais de 2 bilhões de pessoas que dependem desses rios para o abastecimento, agricultura, pecuária, geração de energia elétrica e transportes. Um exemplo que sempre cito é o rio Ganges – cerca de 500 milhões de pessoas na Índia e em Bangladesh dependem diretamente das águas desse rio. 

A geleira Gaumukh, antiga palavra em sânscrito que significa “boca da vaca”, onde se forma a principal nascente do rio Ganges nas Himalaias, está desparecendo a olhos vistos. Desde a década de 1940, essa geleira já recuou cerca de 3 km e perdeu 1 km da sua espessura – alguns especialistas temem que a Gaumukh despareça ao longo da década de 2030. 

São tempos complicados esses de aquecimento global…

ITÁLIA ESTÁ ENFRENTANDO UMA FORTE ONDA DE CALOR E TAMBÉM A PIOR SECA EM 70 ANOS

“O Hemisfério Norte tá uma brasa, mora!” 

Quem tem mais de cinquenta anos vai entender essa frase com muita facilidade. Era uma gíria muito usada na década de 1960 e nos tempos da Jovem Guarda, sendo usada para indicar algo que era muito bom. Exemplo: essa garota é uma brasa… 

Nas últimas semanas, falar que o Hemisfério Norte está uma brasa é ser literal – tanto a América do Norte quanto a Europa estão enfrentando temperaturas altíssimas para essa época do ano. O verão por lá começou apenas essa semana, mas os termômetros de muitos lugares estão mostrando temperaturas acima dos 40° C. 

A Itália é um desses casos – além de altas temperaturas, o país também está vivendo a pior seca dos últimos 70 anos. Por experiência própria aqui em nosso país, especialmente na região do Semiárido Nordestino, todos sabemos o que essa combinação produz. 

O clima do país está sendo fortemente influenciado por um anticiclone – batizado de Scipione. Essa área de forte pressão está puxando o ar quente do Deserto do Saara, no Norte da África, para o centro do Mar Mediterrâneo, fenômeno que tem provocado temperaturas altíssimas em várias regiões da Europa. 

As autoridades italianas já haviam emitido um alerta para uma forte onda de calor no último sábado, dia 18 de junho, informando que várias regiões enfrentariam temperaturas próximas de 40° C. Entre as cidades citadas estavam Roma, Florença, Bolonha, Ferrara e Milão, todas localizadas nas regiões Central e Norte do país. 

Até aqui, não falamos de nenhuma novidade – as ondas de calor vêm se tornando cada vez mais comuns na Europa ao longo dos últimos anos. No ano passado, citando só um exemplo, o responsável foi o anticiclone Lúcifer, que causou entre outros problemas grandes incêndios florestais na Itália e na Grécia. 

Este ano o calor está sendo acompanhado de uma fortíssima seca em todo o Norte da Itália, especialmente no Vale do Pó, o maior rio italiano. Esse rio nasce nos Alpes Italianos junto à fronteira com a França e percorre 652 km no sentido Leste até desaguar no Mar Adriático ao Sul da famosa cidade de Veneza. 

Para nós brasileiros, um rio desse tamanho é pouco mais que um “riachão”. Para a Itália, cujo território equivale a soma dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, o rio Pó é um verdadeiro mar de águas doces. 

A Lombardia e o Piemonte, dois dos estados italianos atravessados pelo rio Pó, são os maiores celeiros agrícolas do país. Cerca de 93% da produção italiana de arroz está concentrada nesses dois estados, que também são grandes produtores de trigo e cevada, entre outros grãos, A região também concentra grande parte da pecuária do país. 

Apesar de ser um país pequeno, a Itália é a maior produtora agrícola da União Europeia, com uma produção anual da ordem de 132 bilhões de Euros. Cerca de 70% do território do país é destinado para fins de produção agropecuária. O país é um grande exportador de arroz, vegetais embalados, carne de porco e produtos lácteos.  

O país já vinha enfrentando problemas nesses setores desde 2020, quando a pandemia da Covid-19, que atingiu fortemente a Itália, resultou numa enorme redução da mão de obra nos campos. Milhares de estrangeiros, especialmente de países do Leste Europeu, foram forçados a voltar para seus países de origem devido as políticas de restrição de circulação de pessoas. 

De acordo com informações das associações de agricultores, a produção italiana de forragens, cevada e outros grãos deverá sofrer uma redução entre 30 e 40% na safra deste ano. Os produtores também informam que o abate do gado deverá ser antecipado por causa da falta de pastagens e de ração para os animais. Em tempos de falta de alimentos em todo o mundo, essa é uma péssima perspectiva. 

Uma outra cultura importante do Norte da Itália que está sendo fortemente afetada pela seca são as avelãs, um tipo de nós muito usada na produção dos famosos chocolates e bombons do país. O Piemonte é o maior produtor de avelãs do país. A seca também está afetando a produção de uvas, o que trará enormes impactos na poderosa indústria de vinhos do país. 

Além da falta de chuvas, o nível do rio Pó também vem sentindo os efeitos da redução dos volumes de neves que caem nos Alpes. Essa neve derrete com a chegada da primavera e as águas descem as encostas das montanhas na direção dos rios do Vale do Pó. Um fenômeno parecido está acontecendo em outras cadeias de montanhas do mundo como é o caso dos Andes aqui na América do Sul.

Um exemplo da situação caótica do rio Pó é visto na produção de energia elétrica – as hidrelétricas localizadas na calha do rio respondem por 15% de toda a produção italiana. Tanto o rio quanto os reservatórios das hidrelétricas estão nos mais baixos níveis de sua história (vide foto) e a produção já foi reduzida a apenas 50% dos níveis de 2021. 

As águas dos rios dessa bacia hidrográfica também são fundamentais para o abastecimento das populações de centenas de cidades. Inúmeras localidades já decretaram o racionamento e proibiram o uso em atividades não essenciais. Em várias cidades do Piemonte o abastecimento está sendo feito através de caminhões pipa, algo que lembra muito a rotina de cidades do nosso Semiárido Nordestino

A falta de água para o abastecimento das populações das cidades também afeta em cheio um dos setores mais importantes da economia da Itália – o turismo. Todos os anos – especialmente na época do verão, milhões de turistas de todo o mundo costumam visitar país – foram 50 milhões de turistas em 2019. 

Naquele ano o setor do turismo gerou quase 200 bilhões de Euros em receitas no país, o que corresponde a quase 13% do PIB – Produto Interno Bruto, da Itália. Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19, essas receitas caíram pela metade, o que não foi muito diferente em 2021, quando o número de visitantes caiu 75%.  

Com o fim da emergência sanitária e de todas as restrições à livre circulação de pessoas, os italianos esperavam recuperar uma grande parte de suas perdas nessa área. Infelizmente, a forte seca deste ano deverá frustrar as expectativas de muita gente que vive do turismo no país. Mais tempos difíceis pela frente… 

A situação da Itália hoje é um resumo dos problemas que as mudanças climáticas já provocam e que provocarão em todo o mundo: redução da produção de energia hidrelétrica, quebra e redução de safras agrícolas, redução de rebanhos animais, problemas para o abastecimento de cidades e populações, entre muitos outros. 

Em maior ou menor grau, todos os países já estão enfrentando seus próprios problemas. E a situação tenderá a piorar nos próximos anos. 

MAIS UMA ONDA DE FORTE CALOR NA EUROPA 

O verão na Europa começou nesse dia 21 de junho as 10h14. Agosto costuma ser o mês mais quente no continente, sendo inclusive a época das férias de muita gente. As praias costumam ficar lotadas, especialmente na orla do Mar Mediterrâneo. Destaques são as ilhas da Grécia e as inúmeras praias da Itália e do Sul da França e Espanha, entre outros destinos bastante procurados especialmente por europeus do Norte. 

O calor, entretanto, chegou bem mais cedo este ano – uma forte onda de calor está assolando grande parte da Europa nas últimas semanas a exemplo do que está acontecendo na América do Norte. O calor está concentrado nas Regiões Sudoeste e Oeste do continente, onde a temperatura média chegou aos 38º C.  

Na última sexta-feira, citando um exemplo, Madrid viu seus termômetros atingirem a marca dos 40º C. De acordo com a AEMET – Agencia Estatal de Meteorologia da Espanha, os termômetros madrileños não marcavam essa temperatura desde 1981. 

Temperaturas recordes foram registradas em outras cidades da Espanha. Em San Sebastian, no País Basco, os termômetros marcaram 43,5º C e atingiram os 42º C em Zaragoza. Em um país tropical como o Brasil, temperaturas como essas são frequentes em muitas regiões, porém, em um país de clima temperado, esses valores podem ser classificados como “absurdos”. 

A situação não é muito diferente na França – muitas cidades, inclusive, proibiram a realização de eventos públicos mesmo em locais fechados e com sistemas de ar condicionado. Em muitas regiões do país os termômetros tem superado a marca dos 40º C, podendo chegar até os 42º C. A cidade de Tarascon, no Sul do país, registrou uma temperatura noturna de 26,8º C, um recorde para o mês de junho. 

Outro país que está, literalmente, ardendo nas últimas semanas é a Itália. Aliás, a próxima postagem será totalmente dedicada ao país. O vale do rio Pó, a maior bacia hidrográfica italiana e grande região de produção agropecuária, está sendo castigado por uma forte seca, a maior dos últimos 70 anos. Metade da produção agrícola está ameaçada, uma péssima notícia em tempos de carência de alimentos no mundo

O Sudoeste da Alemanha também viveu seus dias de sufoco nas últimas semanas, quando a temperatura atingiu 36,5º C. Entre outros problemas, o calor provocou um grande incêndio numa área de florestas na região de Brandemburg e resultou na destruição de 100 hectares de matas. 

A Península Ibérica, que nas últimas décadas vem se tornando uma área cada vez mais sujeita a secas e a grandes incêndios florestais, está enfrentando temperaturas entre 10 e 15º C acima da média, as mais altas dos últimos 20 anos. 

Toda a região está sofrendo com rios com níveis cada vez mais baixos e com grandes incêndios florestais como é o caso da Catalunha, no Leste da Espanha, e de Zamora, próxima da fronteira com Portugal. De acordo com informações do Governo regional de Zamora, mais de 25 mil hectares de matas já viraram cinzas nos últimos dias. 

Portugal até o momento está escapando dos picos mais fortes da onda de calor. Em Lisboa, citando um exemplo, as temperaturas tem atingido máximas de 27º C, um nível ainda bastante confortável. Essa trégua, porém, deve ser temporária – em anos anteriores as terras portuguesas também sofreram em demasiado com o calor e os incêndios florestais. 

A menos de um ano atrás publicamos uma série de postagens aqui no blog falando de um outra fortíssima onda de calor na Europa – essa mais nova temporada de altas temperaturas só vem confirmar que o continente está sendo afetado diretamente pelas mudanças climáticas globais. 

Em agosto de 2021, a Itália e a Região dos Balcãs enfrentaram temperaturas sem precedentes. Na ilha italiana da Sicília, localizada ao Sudoeste do país, foi registrada a temperatura surreal de 47,8º C. Os italianos se referiam a essa poderosa onda de calor pelo sugestivo nome de “Lúcifer”, devido ao calor, literalmente, infernal que trouxe para o país. 

Há época, o Serviço Copernicus para Alterações Climáticas da União Europeia afirmou que o mês de julho de 2021 foi o segundo mais quente já registrado no continente Europeu em toda a história. Não se surpreendam com uma eventual atualização dessa informação nos próximos meses – o verão europeu acabou de começar…    

Concorre contra os países europeus, especial os que possuem fachada para o Mar Mediterrâneo, a proximidade com o Saara, o maior e um dos mais quentes desertos do mundo. O Estreito de Gibraltar, que separa o Sul da Espanha do Norte da África, tem pouco mais de 14 km, o que nos dá uma ideia de quão próximo está o Saara da Europa. 

E a questão não para por aí – estudos mostram que o Deserto do Saara aumentou sua área de influência em cerca de 10% nos últimos cem anos. Essa expansão se deu especialmente rumo ao Sul na direção do Sahel, mas também pode ser sentida no Oriente Médio e no Sul da Europa. 

Estudos indicam que esse crescimento do Saara se deve em grande parte a fatores naturais, um processo que vem se desenrolando há cerca de 20 mil anos. Porém, os pesquisadores afirmam que cerca de 1/3 das mudanças climáticas no Saara se devem a fatores antrópicos, ou seja, são decorrentes das mudanças climáticas globais provocadas pelas atividades de nós seres humanos. 

As mudanças climáticas também estão alterando importantes correntes marítimas, o que também pode estar contribuindo para um aumento das temperaturas na Europa e também para a incidência das ondas de calor. Um exemplo é o que está acontecendo com a AMOC – Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico, na sigla em inglês, que faz parte de todo um conjunto de poderosos fluxos de correntes marítimas de todos os oceanos e mares do mundo. 

A AMOC tem uma profunda influência no clima global, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Estudos indicam que está ocorrendo uma desaceleração dessa circulação, o que, entre outras consequências, está contribuindo para o derretimento da capa de gelo da Groenlândia e alterando o ciclo de chuvas em algumas regiões. Essas mudanças podem estar alterando os padrões climáticos em muitas regiões. 

Ainda serão necessários muitos estudos para que se entenda exatamente o que está acontecendo na Europa. Entretanto, é inegável que as ondas de calor no continente estão ficando cada vez mais frequentes ano após ano. Ninguém sabe onde as mudanças climáticas nos levarão. 

Finalizando, uma dica cultural para os leitores – assistam o filme “O dia depois de amanhã”. No enredo, a AMOC para de circular e todo o Hemisfério Norte entra numa nova Era do Gelo. Será um bom divertimento e fará todos pensarem na seriedade das mudanças climáticas globais.

FORTE ONDA DE CALOR ATINGE A AMÉRICA DO NORTE

Nos últimos dias, a América do Norte vem enfrentando uma fortíssima onda de calor. Nos Estados Unidos, a definição onda de calor é usada nos momentos em que se registram dois ou mais dias com temperaturas anormalmente levadas e desconfortáveis, associadas com valores elevados de umidade relativa. Nessas ocasiões, os meteorologistas recomendam que as pessoas fiquem em casa, evitem exercícios extenuantes e que tomem muito líquido  

De acordo com informações do NWS – Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos, na sigla em inglês, mais de 220 milhões de norte-americanos, ou cerca de 70% da população dos 48 Estados contíguos do país, enfrentaram temperaturas acima de 32° C nessa última semana. 

Desse total, cerca de 45 milhões de pessoas, ou cerca de 15% da população desses Estados, enfrentaram temperaturas acima dos 40° C. Na cidade Las Vegas, a capital do jogo do país e localizada no meio de um deserto, e também em Phoenix, capital do Estado do Arizona, as temperaturas ultrapassaram a marca dos 47° C. 

No Vale da Morte, um escaldante trecho de deserto de Mojave no Leste da Califórnia, as temperaturas superaram a marca de 50,5° C, batendo o recorde anterior de maior temperatura em 2,5° C – esse recorde persistia desde 1994. O Vale da Morte é considerado um dos lugares mais quentes do mundo, apresentando temperaturas iguais ou mais altas que os desertos do Oriente Médio e do Norte da África. 

Um vídeo que está circulando nas redes sociais mostra centenas de bois que morreram por causa do excesso de calor no Texas (vide foto), onde as temperaturas chegaram aos 49° C. Segundo as informações, mais de 2 mil cabeças de gado morreram no Estado. Também circulam informações que falam da morte de outros 10 mil animais no Estado do Kansas por causa do calor excessivo. 

De acordo com o NWS, as cidades mais afetadas por essa forte onda de calor ficam nas regiões Sudoeste e nas planícies do Sul do país. Nessa segunda-feira, dia 20, o calor começou a se deslocar para a faixa Leste dos Estados Unidos

De acordo com os meteorologistas, essa onda de calor está sendo provocada por uma cúpula de alta pressão. Isso ocorre quando uma área de alta pressão permanece estacionada sobre uma mesma região por vários dias. Essa cúpula prende o ar quente de forma similar à tampa de uma panela. 

Nas bordas dessa cúpula se desencadeia um clima virulento, com chuvas extremas, inundações repentinas e grandes tempestades elétricas. Foi exatamente isso o que se passou no Parque Nacional de Yellowstone, que precisou ser fechado devido às fortes chuvas e inundações. 

As enchentes foram provocadas pelas chuvas e também pelo derretimento do gelo das montanhas por causa do forte calor. Os serviços de emergência informaram que mais de 90 pessoas que visitavam o parque precisaram ser resgatadas por helicópteros. O Yellowstone é o parque mais antigo dos Estados Unidos e também um dos mais visitados. 

O Canadá também está sofrendo com temperaturas acima da média. Estudos recentes, inclusive, vêm demonstrando que as temperaturas no país estão aumentando desde a década de 1960. As ondas de calor se refletem cada vez mais em grandes incêndios florestais, onde há grandes perdas de vidas humanas, infraestruturas e plantações. 

Em junho do ano passado, conforme apresentamos em postagem aqui do blog, os termômetros da pequena cidade de Lytton, na Colúmbia Britânica, marcaram a impressionante temperatura de 46,6° C, uma das mais altas temperaturas já registradas na história do Canadá. Teme-se que esse recorde possa ser quebrado na onda de calor atual. 

A frequência e a intensidade das ondas de calor na América do Norte estão ficando cada vez mais altas. Um estudo do Met Office Science Fellow em Climate Attribution, uma organização britânica que se dedica ao estudo do clima e das mudanças climáticas, comprova isso e afirma que são as mudanças climáticas globais que estão por trás dessas ondas de calor. 

Esse estudo demonstra que a probabilidade natural de uma onda de calor até um passado recente era de uma vez a cada 312 anos. Atualmente, essa probabilidade já aumentou para uma vez a cada 3,1 anos – até o final deste século, incorporando as projeções das mudanças climáticas, essa probabilidade será de uma vez para cada 1,15 ano. Ou seja – vamos sair de uma onda de calor e entrar em outra. 

No último mês de janeiro tivemos uma demonstração do poder de uma dessas ondas de calor aqui em nossas vizinhanças. O evento começou na região de San Antonio Oeste, na Patagônia Argentina, onde as temperaturas atingiram a marca inédita de 42,8° C. Menos de dois dias depois, a onda de calor atingiu a região de Buenos Aires. Segundo os meteorologistas argentinos, esse evento foi inédito no país. 

As temperaturas na região de Buenos Aires ficaram próximas dos 40° C por vários dias. Com o uso excessivo de energia elétrica por ventiladores e sistemas de ar condicionado, a rede elétrica da capital porteña entrou em colapso e mais de 700 mil pessoas ficaram às escuras. O forte calor também atingiu o Uruguai, todo o Norte da Argentina, o Paraguai e também a Região Sul do Brasil, em especial o Rio Grande do Sul.  

E não são apenas norte-americanos e canadenses que estão sofrendo com o forte calor nos últimos dias – vários países da Europa também estão enfrentando calor acima da média e seca. Falaremos disso na próxima postagem. 

COLNIZA: UM EXEMPLO DO QUE É A VIOLÊNCIA NA AMAZÔNIA 

Colniza é um município localizado no Noroeste do Estado de Mato Grosso junto à divisa com Rondônia e a cerca de 1.060 km da capital Cuiabá. É mais daqueles municípios imensos da Amazônica, com uma área de quase 29 mil km2, ou seja, é maior que o Estado de Alagoas. 

O município surgiu como um projeto de colonização em Aripuanã no início da década de 1980, quando milhares de famílias sem-terra da Região Sul foram reassentadas na Região Norte do país num esforço épico de ocupação da Amazônia. Foram os tempos do slogan – “Amazônia, uma terra sem homens para homens sem-terra“. 

O censo populacional de 2020 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, listou 39.861 habitantes. A economia de Colniza tem sua base na agropecuária. As lavouras do município produzem milho, feijão, arroz, mandioca, abacaxi, cacau, banana e pupunha, entre outros produtos hortifrutigranjeiros. Um destaque é a produção de café – Colniza é o maior produtor de Mato Grosso com cerca de 20 milhões de pés e uma produção anual de 100 mil sacas. 

Destaque também para a produção de gado bovino de corte – o rebanho é da ordem de 250 mil cabeças. Em menor escala o município também possui rebanhos de ovinos, caprinos e equinos. Nada mal para um município que foi desmembrado e reconhecido oficialmente apenas em 1998. 

Quem é leitor frequente das postagens aqui do blog talvez tenha reconhecido o nome Colniza. Há poucos dias atrás falamos que entre os 10 municípios brasileiros que mais emitem GEE – Gases de Efeito Estufa, 8 ficam na Amazônia: Colniza é um deles. 

A fama de Colniza, melhor dizendo – a má fama, vem de outro lugar: em 2004, a sede do município recebeu o título de “cidade mais violenta do Brasil“. Naquele ano foram registradas 165,3 mortes por grupo de 100 mil habitantes. Para efeito de comparação, a taxa de homicídios nesse mesmo ano nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, foram 42 e 64,8, respectivamente. 

Um estudo feito em 2007 mostrou que Colniza também foi o município brasileiro com o maior número de registros de mortes por arma de fogo – a taxa média foi de 131,6 casos para cada 100 mil habitantes. As disputas pela posse de terras lideram as causas dessas mortes

Um exemplo – em 2017, 9 pessoas foram mortas numa chacina no município. Cerca de 100 famílias estavam acampadas na Gleba Taquaruçu do Norte, local da chacina, desde 2012, aguardando uma reintegração de posse. Segundo testemunhas, homens encapuzados invadiram o acampamento e atiraram contra sete dos moradores; outros dois homens foram mortos a golpes de facão.  

Essa é uma forma típica de se resolver questões agrárias na região fora dos tribunais. Os mandantes se valem do isolamento em relação as cidades da região. Outro aliado é o medo dos sobreviventes, que preferem o silencio ao risco de perder a própria vida em uma represália. 

A notícia levou vários dias para chegar até as autoridades do município. O local da chacina é bastante isolado e de difícil acesso. Os autores dos disparos, muito provavelmente, eram matadores de aluguel ou jagunços, como se diz no interior do país, contratados por fazendeiros e/ou madeireiros incomodados com a presenças dos “sem-terra”. 

No último mês de abril, essa chacina de Colniza completou 5 anos e, até o momento, ninguém foi apontado como culpado. Um pecuarista da região está sendo investigado como mandante e outros três homens foram indicados como os executores do crime.  

A ação contra o pecuarista, que havia sido arquivada em 2020, foi reaberta recentemente. Dois dos outros acusados foram inocentados por um júri popular em 2020, por falta de provas. Essa é outra característica da violência na Amazônia – muito raramente alguém é condenado por um crime desse tipo. E nas raras ocasiões em isso acontece, “bons advogados” se valem de 1001 artifícios jurídicos para tirar seus clientes da prisão. 

De acordo com um estudo realizado pela Comissão Pastoral da Terra, a Amazônia concentrou 80% das mortes em conflitos agrários no Brasil em 2021. Segundo o estudo, foram 1.903 conflitos em 2019, 2.054 em 2020 e 1.768 em 2021. O número de assassinatos passou de 20 em 2019, para 35 em 2021. Segundo a Pastoral da Terra, até abril de 2022, 14 pessoas foram mortas em conflitos agrários no Brasil.

Se qualquer um dos leitores fizer uma rápida pesquisa sobre a violência na Amazônia, vai encontrar nomes de outras cidades com uma história bastante parecida com a de Colniza – Altamira, Marabá, Marituba, Paragominas, Castanhal, Parauapebas, entre muitos outras. A maior parte das ocorrências fatalmente estará ligada às inúmeras disputas por terras. Também serão muitos os casos ligados ao garimpo, exploração de madeira e, cada vez mais, ao tráfico de drogas. 

A tragédia recente que vitimou o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, que tem tido uma enorme repercussão nacional e internacional, é apenas mais um caso entre dezenas de outros casos parecidos que acontecem ano após ano por toda a Região Amazônica. 

Conforme comentamos na postagem anterior, a Amazônia ocupa cerca de 58% do território brasileiro (falo aqui da Amazônia Legal), uma imensidão onde falta Estado e sobram problemas. Essa espécie de “vácuo” governamental abre espaço para todo o tipo de ilegalidades – particularmente na área do meio ambiente, que se mostram ao mundo em grandes desmatamentos, exploração ilegal de madeira, garimpo em terras públicas e indígenas, entre muitos outros. 

Os grupos e “organizações” que se beneficiam dessa falta de estruturas governamentais – justiça, polícia, infraestruturas de transporte, entre outras, criam e operam seus próprios sistemas de leis, onde a pena capital é constantemente aplicada em quem não segue as regras locais. 

Discussões acaloradas sobre o assassinato de Dom Phillips e Bruno Araújo vão continuar acontecendo ao longo do tempo (lembremos que este é um ano eleitoral). A questão, porém, é muito, muito mais ampla e merecerá um debate sério e isento de paixões partidárias. 

A preservação ambiental da Amazônia é essencial, porém, como sempre fazemos questão de lembrar, existem mais de 22 milhões de brasileiros vivendo na região e cuidar dessas é tão importante quanto cuidar de rios, árvores e animais. 

O DESAPARECIMENTO DE UM JORNALISTA INGLÊS E DE UM INDIGENISTA BRASILEIRO NA AMAZÔNIA – UM DESFECHO TRÁGICO

Há poucas horas atrás, um avião da Polícia Federal pousou em Brasília cumprindo uma trágica missão – o transporte dos corpos do jornalista inglês de Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo. Os dois estavam desaparecidos desde o último dia 5 de junho, quando foram vistos pela última vez no no percurso entre a comunidade São Rafael e Atalaia do Norte, município localizado no extremo Leste do Estado do Amazonas. 

O desaparecimento foi comunicado ao MPF – Ministério Público Federal, na manhã da segunda-feira, dia 6, pela UNIVAJA – União dos Povos do Vale do Javari e pelo OPI – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.  

Desde então, forças da Marinha, Exército, Polícia Federal, Polícias Civil e Militar do Amazonas, Força Nacional, FUNAI – Fundação Nacional do Índio e Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, entre outras, trabalharam intensamente nas buscas. 

A tarefa dessas equipes era simplesmente hercúlea – a Terra Indígena Vale do Javari, local do desaparecimento, é gigantesca. São mais de 85 mil km2 de floresta fechada e imensos rios, uma área pouca coisa menor que o território de Portugal. 

Apesar de todas as dificuldades, as equipes já vinham encontrando pistas dos dois desaparecidos ao longo dos últimos dias. Há pelo menos dois dias já circulavam notícias nas redes sociais dando conta da confirmação das mortes dos desaparecidos – os restos mortais foram localizados ontem e passarão por uma perícia para confirmação das identidades.

As forças de segurança que participam da missão já haviam identificado um suspeito pelo desaparecimento, que acabou confirmando que matou o jornalista e o indigenista com a ajuda de seu irmão. Foi esse suspeito que indicou o local onde os corpos foram enterrados. Existem ao menos mais três envolvidos no caso. 

Desde o primeiro momento, quando publicamos uma postagem aqui no blog falando do ocorrido, já imaginávamos que o desfecho seria trágico. Eu morei por cerca de dois anos na Amazônia e sempre ouvi histórias por lá sobre conflitos entre posseiros e índios, garimpos ilegais, madeireiros clandestinos, disputas comerciais entre grupos, contrabando, tráfico de drogas, entre outras. Se contava que muitas dessas questões eram resolvidas “a bala”. 

Em ano eleitoral, quando cargos majoritários estão em jogo, é evidente que o desaparecimento e agora a confirmação (o que só será oficial depois da divulgação do laudo pela Polícia Federal) das mortes de Phillips e Araújo seriam exploradas ao máximo pela oposição. Nos últimos dias, dezenas de “especialistas” sobre questões amazônicas tem se esforçando para atribuir a culpa dessa tragédia ao Governo Federal. E vamos ouvir muitas “explicações” sobre esse caso nos próximos dias.

Como sempre fazemos aqui no blog, é importante colocar o problema em uma perspectiva maior – aliás, muito maior. Considerando-se o conceito de Amazônia Legal, que inclui regiões do Cerrado em Mato Grosso, Tocantins e no Maranhão, a Região Amazônica corresponde à mais da metade do território do Brasil – são 5 milhões de km2 ou quase 59% do território do país.  

Com pouca presença do Estado, enormes deficiências de infraestrutura e de segurança, população rarefeita, além de enormes riquezas naturais como minérios raros e madeiras nobres, a região é um imenso caldeirão de forças e grupos concorrentes, sempre prestes a explodir. Os grandes interesses estão por todos os lados.

Sinceramente, eu não sei quem foi que se sentiu ameaçado pela presença de um jornalista investigativo que se dedicava a escrever sobre a Amazônia e seus muitos problemas. Mais cedo ou mais tarde vamos acabar descobrindo quem foi (ou foram) o responsável por esse crime bárbaro. É certo que que as vítimas mexeram com interesses escusos de alguém e pagaram um peço altíssimo por isso. 

Diferente da imagem romântica de muitos, a Amazônia não é nem nunca foi o último paraíso da Terra. Ali sempre foi um lugar violento – e olhem que não estou falando de tempos mais recentes ou de décadas passadas. A violência faz parte da vida da Amazônia há milhares de anos. 

Evidencias arqueológicas – em especial as peças cerâmicas, mostram a ocupação da grande floresta por sucessivos grupos humanos. O grupo que chegava sempre dava um jeito de exterminar o que já estava por lá. 

Um exemplo clássico foi o das populações indígenas do rio Tapajós ou Cultura Tapajônica, que provavelmente floresceu na região de Santarém entre o 3° milênio a. C até pouco antes do ano 1.000 de nossa era. A maravilhosa cerâmica produzida por esse grupo é bastante similar à de grupos da Costa Rica, o que indica importantes contatos comerciais e culturais entre os grupos ou ainda que o grupo migrou da América Central para a Amazônia. 

Essas tribos tapajônicas simplesmente desapareceram do mapa – é bastante provável que elas foram dizimadas por outros grupos indígenas. Os pesquisadores tem dúvida se foram tribos guarani que migraram do litoral em direção Amazônia, ou se foram os temíveis Caraíbas ou Karibs do Alto Xingu durante a sua migração em direção as ilhas do Mar do Caribe (que ganhou esse nome por causa desses índios). 

Em tempos “mais modernos”, quando começou a ocupação e colonização da região a partir de meados do século XVII, a violência foi trazida pelos “brancos civilizados”, que enxergavam os indígenas como mão de obra barata. Essa violência só fez crescer com a ocupação irracional de muitas regiões da Amazônia nas últimas décadas. 

Os problemas (que são muitos e tão grandes quanto a grande floresta) não são nem um pouco simples e serão necessários muitos Governos (das mais diferentes cores partidárias) para que se alcance alguma coisa próxima do que todos chamamos de normalidade. 

Por enquanto, o que temos é a tradicional exploração política de dois cadáveres e a certeza que muitos outros ainda vão aparecer…