A depender da época do ano, a pequena e superpovoada República Popular de Bangladesh se vê transformada numa verdadeira ilha. São tempestades e ciclones que se formam na Baía de Bengala por um lado e inundações criadas pelas fortíssimas Chuvas da Monção por outro. É comum metade do território do país ficar tomado pelas águas (entenda-se aqui inundado) das fortíssimas chuvas da temporada.
Nos tempos atuais, a imensa maioria dos países pobres do mundo sofre com a escassez de água – esse não é o caso de Bangladesh. Apesar da abundância de chuvas e águas que chegam através dos grandes rios ao seu território, algumas regiões do país sofrem com a seca em parte do ano e também com a poluição das águas e contaminação dos lençóis freáticos. Vamos entender essa situação surreal.
Um dos principais rios de Bangladesh é o Ganges, o rio sagrado para grande parte da população da Índia. O rio Ganges tem aproximadamente 2.500 km de extensão desde suas nascentes nas Montanhas Himalaias até a sua foz em um grande delta no Golfo de Bengala, entre a Índia e Bangladesh. O Ganges acumula problemas, que vão da intensa poluição por lançamento de esgotos domésticos e industriais, lixo e resíduos de pesticidas agrícolas, aos riscos de desaparecimento das geleiras que formam as suas nascentes. Desde a década de 1940, a geleira Gaumukh, onde fica a principal nascente do rio, já recuou cerca de 3 km e perdeu 1 km da sua espessura. Esse fenômeno está ocorrendo em todas as geleiras das Montanhas Himalaias e, muito provavelmente, é o resultado visível do aquecimento global e de todas as mudanças climáticas já em andamento.
A poluição das águas do rio Ganges por causa do lançamento de esgotos de todos os tipos é a principal fonte de problemas. Cerca de 1/3 da gigantesca população de 1,3 bilhão de habitantes da Índia vive dentro da área da bacia hidrográfica do Ganges, em cidades e vilas que contam com precárias infraestruturas de saneamento básico. Como é comum aqui em nosso país, os Governantes indianos concentram a maior parte dos parcos recursos disponíveis na construção de sistemas de produção de água e em redes de distribuição – a coleta e o tratamento de esgotos são deixados de lado.
Outra fonte de poluição alarmante são os resíduos industriais. Nas últimas décadas, a economia da Índia vem crescendo fortemente, só ficando atrás do fabuloso crescimento da China. E, seguindo a mesma cartilha do desenvolvimento a qualquer custo, a poluição industrial no país é intensa. Um exemplo dessa poluição pode ser encontrado na cidade industrial de Khampur, que tem cerca de 4 milhões de habitantes. A base da economia da cidade são as indústrias de curtimento e tratamento de couro bovino (o que não deixa de ser irônico, pois as vacas são consideradas sagradas na Índia). Existem cerca de 370 estabelecimentos desse tipo em Khampur e, de acordo com os dados oficiais, metade deles joga seus efluentes sem tratamento diretamente nas águas do rio Ganges.
Um dos principais produtos usados nessa atividade são os sais de cromo, uma substância que mumifica e evita que o couro apodreça com o passar do tempo. O cromo é um metal de transição com importantes aplicações na metalurgia, especialmente na produção do aço inoxidável. Em altas concentrações na água, os resíduos de cromo podem causar uma série de problemas de saúde no sistema respiratório, infecções, infertilidade e problemas congênitos em recém nascidos. O metal também causa problemas nas guelras dos peixes que vivem nas águas, além de afetar a saúde de animais que bebem essa água contaminada. Além dos sais de cromo, os curtumes usam outros produtos que contém mercúrio e arsênico, causadores de outros tantos problemas de saúde.
Todos esses caudais com águas altamente poluídas atravessam todo o Norte da Índia e entram no território de Bangladesh, onde o rio Ganges forma a maior região deltaica do mundo, se abrindo num arco com 350 km de largura no Golfo de Bengala. As terras dessa região sempre foram consideradas as mais férteis do mundo e acabaram se transformando num verdadeiro celeiro agrícola. A intensa poluição carreada pelas águas do rio Ganges, inevitavelmente, atinge esses solos durante o período das cheias, contaminando as terras e os lençóis subterrâneos de água, uma poluição que atingirá indiretamente os alimentos ali produzidos. Uma forma mais direta de contaminação se dá pelo contato da pele dos trabalhadores com as águas poluídas – a principal cultura de Bangladesh é o arroz, um cereal que é plantado em solos alagados.
Outra importante bacia hidrográfica que entra no território de Bangladesh é a do rio Brahmaputra. Com nascentes nas Montanhas Himalaias do Tibete, o rio Brahmaputra se estende por 2.900 km, atravessando regiões da China, da Índia e de Bangladesh. Apesar de não sofrer com a mesma intensidade da poluição do rio Ganges, o Brahmaputra sofre com os males do intenso desmatamento na sua bacia hidrográfica. Mais de 70% das florestas que cobriam as áreas do baixo curso de sua bacia hidrográfica já desapareceram e os remanescentes florestais continuam a ser destruídos a uma velocidade impressionante. Somente 4% dessas florestas se encontram dentro de reservas florestais e áreas protegidas.
Durante o período das cheias, os solos expostos nessas áreas desmatadas sofrem um forte processo de erosão e as águas do rio Brahmaputra ficam saturadas de sedimentos. Esses sedimentos, formados em grande parte por areia inerte, são depositados na forma de uma grossa camada sobre os solos agrícolas de uma extensa área de Bangladesh, o que mais prejudica a fertilidade dos solos do que ajuda. A presença da areia também torna os solos mais permeáveis, fazendo com que a água infiltre rapidamente e deixando a camada superior muito seca, uma condição nada ideal para a produção de arroz.
A poluição das águas também afeta diretamente o abastecimento das populações, especialmente as mais pobres. Grande parte das famílias do país dependem da água de poços, que apresentam águas cada vez mais contaminadas. Todos os anos, o Governo de Bangladesh, apoiado por toda uma rede de ONGs – Organizações Não Governamentais, é obrigado a financiar uma gigantesca frota de caminhões pipa para garantir o mínimo abastecimento de água potável para essas populações. Passar horas em filas para retirar pequenas quantidades de água potável nesses caminhões faz parte da rotina de milhões de famílias bangladesas (vide foto).
A violência das águas é outro ponto que precisamos destacar. As enchentes causam inúmeros prejuízos, que vão desde a destruição de plantações até os prejuízos e danos causados pelo alagamento de casas e outras construções. As visíveis mudanças climáticas no Oceano Índico têm provocado alterações nos ciclos das Chuvas da Monção, que em alguns anos ficam abaixo da média e em outros bem acima. Em 2019, as chuvas ficaram muito acima da média histórica – em setembro, as chuvas na Índia ficaram 52% acima da média.
Como resultado dessas fortes chuvas na Índia, as inundações em Bangladesh no ano passado foram sem precedentes. Milhões de camponeses perderam suas plantações e casas nas enchentes – muitos desses acabaram desistindo da vida no campo e migraram para as grandes cidades na vã esperança de uma vida melhor.
Continuaremos na próxima postagem.
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