
Na nossa última postagem falamos de um fenômeno climático que vem crescendo em regiões de altas latitudes do Hemisfério Norte – os “tsunamis” de gelo. Com o derretimento de volumes de gelo cada vez maiores em regiões que até agora costumavam apresentar baixas temperaturas durante a maior parte do ano, rios tem ficado abarrotados com grandes massas de gelo fragmentado – com a força da correnteza e dos ventos, esse gelo vem sendo empurrado na direção das margens e está causando problemas e riscos para as populações de muitas cidades.
Enquanto fazia pesquisas em busca de maiores informações sobre esse assunto, passei a observar uma série de notícias que tratavam de grandes volumes de lixo que estavam sendo encontrados em praias do Nordeste brasileiro. Guardadas as devidas diferenças, essas descrições me fizeram pensar em um grande “tsunami de lixo” avançando contra as praias da Paraíba e do Rio Grande do Norte, uma analogia que não está muito longe da realidade.
De acordo com as informações publicadas, autoridades da Secretaria do Meio Ambiente da Paraíba relatam que, desde o último dia 16 de abril, grandes volumes de lixo começaram a ser encontrados ao longo das praias da região de João Pessoa, capital do Estado. Ao que tudo indica, os detritos foram arrastados desde longas distâncias pelas correntes marítimas.
Segundo um relatório oficial divulgado no dia 23, o volume total de resíduos recolhidos já totalizava 12 toneladas. No dia seguinte, foi feita uma atualização e a Prefeitura da cidade confirmou que o volume total recolhido já superava 40 toneladas. De acordo com informações do Secretário do Meio Ambiente, os resíduos continham embalagens plásticas, materiais publicitários, calçados, restos de documentos, entre outros materiais.
Entre os resíduos recolhidos foram encontradas seringas, tubos de coleta de materiais para exames laboratoriais e outros itens de descarte típicos de hospitais e unidades de saúde. Essa questão é preocupante uma vez que parte dos profissionais e voluntários envolvidos nos trabalhos de limpeza não usaram os equipamentos de proteção adequados. Informações e dados impressos nos resíduos indicam Pernambuco como o local de origem.
A partir do dia 21, notícias sobre a chegada de grandes volumes de resíduos semelhantes em praias do Rio Grande do Norte passaram a ser divulgadas. Entre as praias afetadas estão Baía Formosa, Canguaretama, Tibau do Sul e Nísia Floresta. As características dos materiais eram as mesmas e as pistas sobre a origem dos resíduos encontrados nas praias potiguares também apontavam para o Estado de Pernambuco.
Essas situações, que lembram muito o caso das misteriosas manchas de óleo que atingiram praias em diversos Estados da região Nordeste no início de 2019, escancaram alguns dos maiores problemas ambientais do país – as questões do meio ambiente urbano. Muito se fala das queimadas e dos desmatamentos na região da Floresta Amazônica, porém, são as cidades e seus milhões de habitantes as maiores vítimas das mazelas ambientais em nosso país. E as questões ligadas aos resíduos sólidos são as mais urgentes.
De acordo com dados divulgados pela ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, o Brasil gerou aproximadamente 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos em 2018. Como sabemos que existem muitos descartes irregulares em lixões, terrenos baldios e corpos d’água, esse volume de resíduos deve ser bem maior.
A geração e o descarte dos resíduos sólidos nas cidades brasileiras cresceram gradativamente ao longo de grande parte do século XX, acompanhando o processo de urbanização da população observado no mesmo período. A partir da década de 1960, quando tem início o uso em larga escala de embalagens de plástico aqui em nosso país, passa a ser observado um crescimento acelerado nos volumes de resíduos sólidos urbanos, que atualmente supera a marca de 1 kg/habitante/dia.
O crescimento dos volumes de resíduos não foi acompanhado de uma evolução adequada das metodologias de coleta e descarte final. Na grande maioria dos municípios brasileiros, os resíduos recolhidos continuaram a ser encaminhados para os famosos lixões, grandes terrenos afastados dos centros urbanos, onde os materiais eram simplesmente largados ao relento – quando muito, eram cobertos com uma camada de terra.
Para reorganizar e disciplinar a gestão dos resíduos sólidos, foi lançada em 2010 a Política Nacional dos Resíduos Sólidos – PNRS, através da Lei nº 12.305/10. Essa nova Política tinha como objetivo principal o enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos.
De acordo com a nova Política, todos os Municípios brasileiros precisariam elaborar e apresentar num prazo de dois anos, contados a partir de 2010, um Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, com a colaboração dos Governos Estaduais, possibilitando assim o acesso aos recursos financeiros do Governo Federal.
O objetivo inicial declarado era acabar com os inúmeros lixões e aterros clandestinos até 2014. Infelizmente, como sempre acontece aqui em nosso país, a “tal” Política não pegou. De acordo com dados da ABTRE – Associação Brasileira de Tratamento de Resíduos e Efluentes, o Brasil tinha 2.707 lixões em 2020. Apesar de muito grande, esse número apresentou uma redução de 17% em relação a 2019, quando existiam 3.527 lixões no país, distribuídos em cerca de 1.600 municípios.
Os grandes volumes de resíduos encontrados nas praias da Paraíba e do Rio Grande do Norte nada mais são do que um reflexo dessa falta de cuidado com a coleta e o descarte dos grandes volumes de resíduos, além de mostrar claramente o quanto as nossas cidades precisam evoluir para cumprir integralmente a Política Nacional dos Resíduos Sólidos.
Entre as grandes catástrofes ambientais de nossos dias, a poluição dos oceanos com resíduos de plástico é uma das maiores. Estimativas atuais indicam que um volume entre 8 e 10 milhões de toneladas de resíduos plásticos chegam aos oceanos a cada ano. De acordo com estudos recentes, esse volume de resíduos poderá triplicar até 2040. Em publicações aqui no blog já mostramos grandes ilhas de resíduos plásticos encontradas no Oceano Pacífico e no Mar do Caribe, exemplos que mostram como as coisas vão mal para os oceanos.
Diferentemente do que muitos “ambientalistas” afirmam, a Floresta Amazônica não é o pulmão do mundo – cerca de 54% de todo o oxigênio produzido em nosso planeta vem das algas presentes nos oceanos e mares. Além de ameaçar essa vegetação marinha e sua importante produção de oxigênio, os resíduos plásticos também são fatais para os animais que vivem nessas águas.
Um dos principais compromissos ambientais assumidos pelo Governo brasileiro na Cúpula do Clima 2021, que foram muito além das questões ligadas à preservação da Amazônia, foi o de prosseguir com a redução dos lixões clandestinos e com a implementação dos termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Isso talvez não faça muito sentido para você que acredita que questões ambientais só devam tratar de florestas. Mas saiba que cerca de 84% de todos os brasileiros vivem em cidades e questões tipicamente urbanas como os resíduos sólidos são fundamentais para todos eles.
[…] UM “TSUNAMI” DE LIXO… em UMA NOVA ILHA DE LIXO –… […]
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