
Ao longo de diversas postagens anteriores falamos dos grandes impactos que a epidemia da Covid-19 está provocando na produção agrícola em todo o mundo. Com as restrições à circulação de pessoas em vários países, faltou mão de obra para realizar muitas colheitas, que acabaram se perdendo. Em muitos lugares, onde a mão de obra era formada majoritariamente por imigrantes temporários, a situação ficou ainda mais complicada – muitos desses trabalhadores retornaram para seus países de origem e só irão voltar quando as coisas se normalizarem.
Explorando as diversas facetas que o problema adquiriu em todo o mundo, acabamos entrando num tema importante: o derretimento do permafrost em países como a Rússia, o Canadá e a Groenlândia. Esses são solos que, por causa do frio extremo, sempre estiveram congelados. Com o aumento das temperaturas em várias regiões do planeta, grandes trechos do permafrost estão derretendo e abrindo novas opções para a agricultura.
O aumento das temperaturas nas zonas polares é uma consequência direta do aquecimento global, um fenômeno climático criado pela poluição da atmosfera com os chamados gases de efeito estufa, por queimadas em florestas e plantações, entre outras atividades humanas. Na postagem de hoje vamos comentar sobre um outro lado das mudanças climáticas – a desertificação.
Você, com toda a certeza, já ouviu falar do Deserto do Saara. Trata-se do maior deserto do mundo, que cobre uma área total de mais de 9,2 milhões de km², uma superfície 10% maior que todo o território brasileiro, que tem 8,5 milhões de km². O Saara se estende por todo o Norte da África, englobando um total de 12 países: Argélia, Chade, Egito, Líbia, Mali, Mauritânia, Marrocos, Níger, Saara Ocidental, Sudão, Sudão do Sul e Tunísia. A população somada de todos estes países está próxima dos 290 milhões de habitantes, porém na região do Saara vivem aproximadamente 2,5 milhões de pessoas.
Há cerca de 20 mil anos atrás, após o último período de Glaciação ou Era do Gelo, como é mais conhecida popularmente, o Norte da África apresentava um clima mais úmido e com temperaturas mais baixas que as atuais, contanto com diversos rios permanentes. Muitos especialistas afirmam que o famoso Rio Nilo, que hoje atravessa o Egito de Sul a Norte e deságua no Mar Mediterrâneo, naqueles tempos atravessava todo o Norte da África e tinha a sua foz no Oceano Atlântico.
Grande parte do território que hoje se encontra soterrado por dezenas de metros de dunas de areia seca era coberto por densas florestas – as partes “mais secas” eram cobertas por vegetação de savana, muito parecida com o nosso Cerrado. Todos os animais africanos que você costuma ver nos documentários como elefantes, girafas, zebras, antílopes, rinocerontes, hipopótamos, macacos e aves de todos os tipos se espalhavam por todo esse território. Pinturas rupestres deixadas pelos antigos habitantes da região mostram cenas onde aparecem todos esses animais. Se você pudesse viajar no tempo e desembarcasse no meio desse território, nada lhe lembraria a imagem atual do Saara.
Esse clima e vegetação permaneceram inalterados até um período entre 8 e 10 mil anos atrás, quando o nosso planeta sofreu uma leve alteração no seu eixo de rotação, o que foi suficiente para alterar a incidência solar no Norte da África e provocar uma alteração climática nos regimes de umidade e temperatura. Alguns cientistas afirmam que essa mudança ocorreu há menos tempo, cerca de 5 mil anos atrás, mas com as mesmas consequências – as florestas retrocederam lentamente até desaparecer, as áreas de savana se ampliaram e depois as grandes extensões cobertas com areia passaram a dominar as paisagens.
A maior parte dessas grandes mudanças ambientais ocorreu ao longo de vários séculos, entrando a seguir em uma relativa estabilidade. Além da formação do grande Deserto do Saara, esse conjunto de mudanças criou uma extensa faixa de transição ao Sul – o Sahel. Com uma largura entre 500 e 700 km, o Sahel se estende do litoral do Oceano Atlântico, a Oeste, até o Mar Vermelho a Leste. Essa grande faixa de transição climática atravessa trechos da Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul e Eritréia.
O Sahel sempre funcionou como uma barreira entre os terrenos áridos do Saara e as terras férteis da Savana africana. Os solos do Sahel eram cobertos por uma vegetação diversificada de estepe (vide foto), que funcionava como uma barreira natural contra os fortes ventos vindos do Saara, evitando que grandes volumes de areia chegassem até as Savanas. Estou usando verbos no passado por que grande parte dessa vegetação foi destruída ao longo do tempo, tanto para a abertura de áreas para a agricultura quanto para exploração da madeira. E sem essa barreira natural, as areias do Deserto do Saara começaram a se expandir para o Sul.
O Deserto do Saara cresceu cerca de 10% entre 1920 e 2020, ocupando principalmente áreas do Sahel. Essa expansão do Saara corresponde a uma área de 554 mil km², o que indica um avanço de mais de 7,6 mil km² por ano. A desertificação é, infelizmente, um problema global. De acordo com a ONU – Organização das Nações Unidas, perto de 120 mil km² de solos são perdidos a cada ano para a desertificação. Nas palavras de Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da UNCCD – Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, na sigla em inglês, “a desertificação se espalha mais como um câncer do que como uma onda ou um incêndio na floresta” .
Diferentemente de outras regiões do mundo onde o problema da desertificação segue sem qualquer controle, na região do Sahel houve a decisão da União Africana de implementar um projeto conjunto para retardar ou até mesmo reverter o avanço do Deserto do Saara. Falo aqui da criação do Projeto da Grande Muralha Verde do Sahel em 2007. Com apoio da UNCCD, os países da região do Sahel iniciaram o plantio maciço de árvores, criando o que seria a maior estrutura viva do mundo. Aproximadamente US$ 8 bilhões já foram investidos. O principal objetivo da Muralha Verde é recuperar as grandes extensões da vegetação de estepe que foi perdida para os desmatamentos.
Entre as espécies de árvores que estão sendo plantadas destacam-se a acácia, o mogno, o nim e o baobá, todas adaptadas aos solos e ao clima do Sahel. O grande destaque dessa lista é o baobá, uma árvore que possui um tronco grosso e bulboso, que tem uma grande capacidade para armazenar água. Essa espécie pode viver até 2 mil anos. O baobá produz um fruto de casca marrom, de gosto cítrico e azedo, muito rico em vitamina C, cálcio, magnésio, potássio e ferro.
As características do fruto do baobá chamaram a atenção de empresas dos setores de alimentação da Europa, que passaram a importar a polpa desidratada, que está sendo usada na preparação de sorvetes, sucos e outros alimentos. Essa iniciativa já criou um mercado anual de US$ 3,5 bilhões, que poderá chegar aos US$ 5 bilhões em cinco anos. As populações locais passaram a enxergar as árvores como uma fonte de renda e tudo farão para preservá-las. Muitas dessas empresas estão fazendo doações de milhares de mudas de árvores, criando assim uma sinergia importante com as populações locais.
O ambicioso projeto da Grande Muralha Verde está muito longe de atingir os 8 mil km planejados, mas os resultados já obtidos são animadores. Só o fato de vários países africanos se unirem com um objetivo comum já foi um grande avanço. Vamos torcer pelo bom andamento desse fantástico e importantíssimo projeto. Assim como acontece aqui em nossas terras, é muito comum que grandes projetos em países africanos comecem e parem, com os recursos simplesmente desaparecendo no ar…
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