Desde a descoberta da foz do rio Amazonas, por Vicente Yáñes Pinzón em 1500, até meados do século XX, a grandiosa Floresta Amazônica conseguiu permanecer “praticamente” intocada. Todas as tentativas de colonização e de exploração das suas riquezas, como foi o caso do látex, representaram impactos ambientais praticamente desprezíveis para os mais diferentes ecossistemas amazônicos. Os processos de ocupação efetiva e de degradação da Floresta só passaram a ser significativos após a abertura de todo um conjunto de rodovias federais como a Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, a Belém-Brasília e a Transamazônica.
Complementando esse conjunto de obras rodoviárias, o Governo Federal criou diversas políticas de incentivo a migração de produtores agrícolas de outras regiões do país em direção a Amazônia. O apelo das propagandas oficiais visava especialmente os chamados trabalhadores sem-terra – um dos principais slogans da propaganda oficial era “Uma Amazônia sem homens, para homens sem-terra“.
Um grande exemplo foi a ocupação do território do Guaporé, que depois foi transformado no Estado de Rondônia, onde os colonos recebiam lotes com área entre 50 e 200 hectares (lembrando que cada hectare tem uma área de 10 mil m², o equivalente a um campo de futebol no padrão FIFA). Uma oferta dessas para um trabalhador sem-terra equivalia a um chamado do mitológico “canto de uma sereia”. Entre as décadas de 1970 e 1980, milhares de colonos passaram a ser assentados em extensas áreas do Norte do Mato Grosso, Rondônia, Acre e Sudoeste do Pará.
Uma das condições estabelecidas pelo INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, autarquia federal responsável pelos projetos de colonização, para a posse definitiva dos lotes doados era o desmatamento de, pelo menos, 50% da mata e o uso das terras para a produção agrícola e pecuária. O avanço simultâneo de toda essa massa de colonizadores contra a Floresta Amazônica criou o chamado “Arco do Desmatamento”. Com uma área superior a 500 mil km², essa é a região que apresenta os maiores índices de desmatamento de toda a Amazônia e onde acontecem as mais intensas queimadas nos meses de seca.
Agricultura e floresta são duas coisas que não costumam combinar. Dentro de nossa tradição cultural, herdada principalmente dos nossos colonizadores europeus, é necessário derrubar ou queimar a floresta para só depois iniciar a prática da agricultura sobre os solos desnudos. Essa “tradição” remonta a um passado distante, entre 10 e 12 mil anos atrás, quando surgiu a primeira grande revolução da humanidade, que foi magistralmente definida pelo escritor Alvin Toffler como “A Primeira Onda”- a invenção da agricultura, também conhecida como revolução agrícola ou revolução neolítica.
A agricultura foi uma atividade criada e desenvolvida originalmente nas estepes da Ásia e nas áreas de várzea de grandes rios como o Nilo, no Norte da África, ou no Indus e Ganges, rios do subcontinente indiano. Esses ecossistemas têm vegetação extremamente rala – as estepes asiáticas são cobertas em sua maior parte por gramíneas, lembrando muito os Pampas gaúchos; as áreas de várzea costumam apresentar grandes extensões de juncais, como por exemplo os papiros do rio Nilo, além de vegetação arbustiva e algumas árvores. Praticar agricultura nestes tipos de terrenos é bem diferente da prática em regiões cobertas por densas florestas, onde primeiro é necessário derrubar e queimar as grandes árvores, formando assim uma espécie de “estepe” artificial, para só depois começar a arar a terra e a semear os grãos, plantar os legumes, frutas e verduras.
Quando os primeiros grupos humanos “modernos” e já habituados a prática da agricultura passaram a migrar das estepes do Oriente Médio e da Ásia Central para a Europa, encontraram um continente coberto por densas florestas. E para conseguir “espaço” para as suas práticas agrícolas, esses grupos humanos passaram a derrubar e queimar grandes extensões de floresta. Um grande exemplo desse processo é a Inglaterra, país que já foi completamente coberto por florestas e que hoje tem algo como 2% da cobertura florestal original – a famosa Floresta de Sherwood, esconderijo do lendário Robin Hood, hoje em dia não passa de um pequeno bosque, que lembra muito um parque urbano.
A introdução da agricultura aqui no Brasil começou na década de 1530, época em que desembarcaram em nossas terras os primeiros colonizadores, que nas suas “bagagens” trouxeram as primeiras mudas de cana-de-açúcar, bois para puxar os arados e as grandes carroças de lenha (naquela época, para se produzir 1 kg de açúcar, era necessária a queima de 20 kg de lenha nos engenhos coloniais) e alguns escravos africanos, uma vez que se imaginava usar a mão de obra dos indígenas. Havia um “pequeno obstáculo” para o início da formação dos primeiros canaviais: toda a faixa Leste das costas do Brasil era coberta por uma densa floresta, que mais tarde acabou batizada de Mata Atlântica.
Originalmente, a Mata Atlântica cobria uma extensa faixa de terras ao longo do litoral brasileiro, desde o Norte do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. Em alguns trechos, como nos Estados de São Paulo e Paraná, a floresta avançava continente a dentro atingindo áreas da Argentina e do Paraguai. A área original da Mata Atlântica é calculada em pouco mais de 1,3 milhão de km² – o que restou em nossos dias é menos de 10% dessa área. No litoral da região Nordeste, a Mata Atlântica ocupava uma estreita faixa ao longo do litoral, com uma largura que variava entre 30 e 80 km e que ainda hoje é conhecida como a Zona da Mata.
Exploradores e cronistas das primeiras décadas da colonização falavam da imponência da Mata Atlântica no litoral nordestino, onde se encontravam grandes árvores e grandes rios – por mais estranho que isso possa parecer nos dias atuais, a água era um elemento dominante na faixa litorânea do Nordeste.
A introdução da cultura da cana-de-açúcar na região Nordeste gradativamente foi destruindo a floresta a “ferro e a fogo” – grandes trechos da Mata Atlântica arderam continuamente dia e noite durante décadas, liberando assim espaço para o plantio de novas mudas das plantas e garantindo a produção continua do valioso açúcar. Esse avanço feroz da agricultura contra as matas nordestinas teve um altíssimo custo ambiental – os riquíssimos e férteis solos de massapê, gradativamente, passaram a ser carreados pelas chuvas e arrastados na direção desses grandes rios. Da antiga e densa Mata Atlântica nordestina, restaram umas poucas manchas verdes em terrenos de difícil acesso.
Esse mesmo conjunto de práticas agrícolas foi estendido a outros trechos cobertos por Mata Atlântica nas Regiões Sul e Sudeste, levando ao desaparecimento de 90% do bioma. A partir da década de 1970, com o desenvolvimento de sementes de grãos adaptados para os solos e climas do Cerrado, o mesmo modelo de colonização foi “exportado” para os sertões do Brasil Central – em pouco mais de 40 anos, calcula-se que metade da vegetação do bioma já foi suprimida para a abertura de campos agrícolas.
A colonização e o povoamento da Amazônia, resultado de todo um conjunto de esforços políticos e estratégicos de sucessivos Governos, obteve êxito em deslocar centenas de milhares de trabalhadores rurais e suas famílias para a Região Norte. Os desmatamentos e as queimadas que assistimos hoje no chamado Arco do Desmatamento é, simplesmente, o resultado que seria esperado – a Floresta Amazônica está sendo derrubada e queimada para a abertura de campos agrícolas e de áreas de pastagens para a pecuária.
Essa é uma história que começou há mais de 12 mil anos e que todos sabemos como vai terminar.
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