A partir da segunda metade do século XIX, os problemas de abastecimento de água na cidade de São Paulo passaram a ficar evidentes. Na década de 1870, a população da cidade alcançou a cifra de 30 mil habitantes, número insignificante se comparado aos 11 milhões que vivem na cidade atualmente, mas suficiente para levar as fontes de água ao colapso.
Essa pequena população se concentrava em uma área pequena da atual região central da cidade. Contando apenas com a água fornecida por fontes públicas instaladas em diferentes pontos da mancha urbana e sem contar com nenhum sistema de coleta dos esgotos e águas servidas dos domicílios, a alternativa encontrada pela população, que não mudou muito em nossos dias, foi a de se utilizar os corpos d’água mais próximos para o despejo dos efluentes, iniciando-se aí o tão conhecido processo de poluição e deterioração das fontes de água que vemos na cidade em nossos dias.
Pequenas quantidades de esgotos, especialmente os de origem doméstica, lançados em cursos d’água causam poucos problemas – a maior parte dos resíduos formadores dos esgotos são orgânicos e são rapidamente consumidos pelas bactérias encontradas no meio ambiente: grosso modo falando, ao se lançar pequenos volumes de esgotos em um corpo d’água, estaremos “lançando um lanchinho” para as bactérias.
A partir de um certo volume de despejos, quando as bactérias já não conseguem consumir a matéria orgânica, passamos a lidar com a poluição das águas por esgotos e os problemas começam a se acumular – o nível de oxigênio na água diminui, ocorre a proliferação de algas, peixes morrem entre outros problemas. Além da contaminação das águas, a população também sofria com a redução dos volumes nos períodos de seca.
A preocupação com o abastecimento e a qualidade das águas servidas à população levou a criação da Companhia Cantareira de Águas e Esgotos em 1877. Um dos primeiros trabalhos realizados pela empresa foi o de aumentar o volume de águas que chegavam a Represa do Engordador, principal manancial de abastecimento da cidade na época, através de adutoras instaladas a partir de fontes de águas na Serra da Cantareira (vide foto), permitindo a regularização do fornecimento de água nos chafarizes e bicas públicas ao longo de todo o ano.
Em 1893 foi criada pela Prefeitura a Repartição de Águas e Esgotos (RAE), que funcionava como órgão regulador dos serviços de abastecimento na cidade. O órgão iniciou um polêmico de trabalho de desativação e desmontagem de todas as fontes públicas de abastecimento, forçando a ligação dos imóveis ao novo sistema de águas canalizadas, mudança que só fez aumentar os protestos da população contra a Companhia Cantareira. Vejam esta matéria, publicado no jornal Correio Paulistano:
“Há coisa que a natureza dá de graça e de que ninguém tem o direito de se apoderar para vender ou alienar. São água, luz e ar. A Companhia Cantareira obteve o privilégio de encanar a água da Cantareira: mas ninguém podia dar a água, porque ela é de todos. Não entendeu, porém assim a privilegiada: entendeu que o privilégio lhe dava a posse da água também, e fazendo desta posse base das suas operações nos vai vendendo aos litros a água que é nossa. A Companhia adquiriu com o privilégio o aluguel do encanamento pelo preço que ela quiser: mas não a propriedade da água. Com que direito, pois ela anda vendendo água aos litros? E por que preço! ”
A reclamação, que nos parece muito atual, faz todo o sentido quando se verifica que a Companhia Cantareira, apesar de cobrar pelo fornecimento de água, não conseguia manter o fornecimento dentro da regularidade esperada, apesar de todas as adutoras construídas. Um sintoma do problema pode ser comprovado em um levantamento feito em 1899, o qual mostrava que apenas 48% dos imóveis da cidade estavam ligados a rede de esgotos (basicamente, só o afastamento dos esgotos e lançamento nos rios) – em 1894, o mesmo levantamento havia verificado que 66% dos imóveis estavam ligados à rede: isso demonstra que a cidade estava crescendo muito mais rápido do que o crescimento da infraestrutura de águas e esgotos implantada pela Companhia Cantareira.
Em 1900, a cidade de São Paulo já contava com 240 mil habitantes e iniciou um processo de crescimento populacional vertiginoso, o qual nunca conseguiu ser acompanhado pelo avanço da infraestrutura de saneamento básico. Na falta de redes de abastecimento de água, os novos moradores passaram a se valer da escavação dos poços semiartesianos, conhecidos em algumas regiões como poço caipira, cacimba e cacimbão (minha casa utilizou água de poço até a chegada da água encanada em meados da década de 1970), das fossas negras e sépticas para a eliminação dos esgotos ou valendo-se dos lançamentos de efluentes diretamente nos cursos d’água. Toda a extensa rede de córregos, riachos e rios do antigo Planalto de Piratininga acabou sendo transformada na “rede coletora de esgotos” daquela que se transformaria, em poucos anos, na maior cidade do Hemisfério Sul. O resto é história!
E foi assim que as centenas de fontes de águas cristalinas de outrora viraram apenas lembranças nostálgicas de um tempo que não voltará jamais…
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