Nos meus últimos dois posts mostrei dois exemplos de córregos paulistanos canalizados que passaram por um processo de redescoberta pela população: o Córrego Pirarungáua, no Jardim Botânico de São Paulo, e o Córrego das Corujas, na Vila Madalena. Para não parecer bairrista, vamos falar hoje de um dos maiores feitos até o momento em termos de recuperação de um curso d’água canalizado e esquecido: o Rio Cheonggyecheon em Seul, na Coreia do Sul.
O Rio Cheonggyecheon é um canal artificial que foi construído durante a Dinastia Joseon (1392-1410) com a função de drenar as águas pluviais e controlar as enchentes da antiga cidade de Seul. A tradução literal do nome do coreano para o português significa “rio das águas límpidas. Conta-se que na fundação da cidade, os antigos governantes se valeram de princípios do feng chui e construíram as ruas e edifícios alinhados entre montanhas e cursos d’água. Na tradição oriental, o feng chui reúne os conhecimentos das forças necessárias para conservar as influências positivas que supostamente estariam presentes em um espaço e redirecionar as negativas de modo a beneficiar seus moradores.
Durante centenas de anos, o Rio manteve suas características originais como um oásis no centro da cidade de Seul. Na década de 1950, durante a guerra que dividiu a Coreia, milhares de refugiados do Norte migraram para Seul – as margens do Rio Cheonggyecheon foram transformadas em imensas favelas (algo muito parecido com o que acontece nas grandes cidades brasileiras). Em pouco tempo, as antigas águas límpidas se transformaram num canal de esgotos a céu aberto.
O rápido crescimento econômico da Coreia na década de 1960, com o natural crescimento da frota de veículos, levou a Prefeitura de Seul a criar o seu plano de novas avenidas e, entre outras mudanças, resolveu pela canalização do Rio Cheonggyecheon, processo que exigiu o remanejamento de milhares de famílias das suas margens. E mais: sobre o leito canalizado foi construído um extenso viaduto, muito parecido com o Elevado Presidente João Goulart (o popular Minhocão) de São Paulo.
O crescimento desordenado, o excesso de carros e a poluição do ar degradaram imensamente a região central de Seul. Em julho de 2003, urbanistas desenvolveram um projeto revitalizar a área e ajudar Seul a se tornar uma cidade moderna e ecologicamente correta como parte de um vasto projeto de revitalização urbana. O plano previa a remoção da via elevada e a reabertura e revitalização do Cheonggyecheon. Num trabalho de 2 anos e custo de US$ 280 milhões, o viaduto foi demolido e o rio foi recuperado e transformado em um impressionante parque urbano linear de 5.8km de extensão, 400 hectares e 80 metros de largura – 30 mil pessoas visitam o parque a cada fim de semana. Para que vocês tenham noção do tamanho da obra, somente a demolição do viaduto gerou 600 mil toneladas de entulho – 75% deve entulho foi reciclado e utilizado na construção do parque. Clique neste link e assista a um vídeo, com narração de Brad Pitt em inglês, contando a história desse rio.
Eliminar uma via elevada desse tamanho na área central da cidade traria grandes problemas para o trânsito de Seul – a Prefeitura fez grandes investimentos em faixas exclusivas para ônibus e fez campanhas para estimular o uso de transportes coletivos; contrariando as expectativas de muitos, a população passou a usar ônibus e metrô – muitos coreanos redescobriram o prazer de caminhar pelo centro da cidade. Os comerciantes reclamam de queda nas vendas pela falta dos carros mas a maioria esmagadora da população gostou da mudança e do renascimento do Rio.
Talvez você possa ter achado que o custo de US$ 280 milhões para demolir um gigantesco viaduto, recuperar um rio e criar um Parque Linear de quase 6 km no coração de uma das maiores cidades do mundo é muito alto – lembro que a simples retificação do Córrego das Águas Espraiadas e a construção de uma avenida de fundo de vale de 5 km em São Paulo custou o dobro disso.
Pensar grande, com honestidade e seriedade – é isso que falta aqui em nossas paragens.
[…] muito na resolução deste grave problema em Curitiba. Exemplos que podem ser citados são o do rio Cheonggyecheon em Seul, na Coréia do Sul, e do Córrego Pirarungáua em São Paulo – corpos d’água que […]
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[…] das mais fantásticas “terapias urbanas” realizadas na cidade foi a reabertura do Cheonggyecheon, um rio do centro de Seul que havia sido canalizado na década de 1960 e que foi transformado em […]
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[…] renascimento do rio Cheonggyecheon e a criação de um fantástico parque linear no centro da cidade de Seul, na Coreia, foi tema de […]
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[…] Melhor ainda: seguindo uma nova tendência mundial – a reabertura ou, como costumo chamar, a “descanalização” de rios e córregos urbanos, é uma das melhores formas de expor os problemas das águas subterrâneas para a população e permitir que se realize a recuperação integral dos problemas ambientais que foram varridos para o subsolo das cidades. Um exemplo admirável dessa nossa filosofia pode ser visto na cidade de Seul, na Coréia do Sul. […]
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