UM ”CASE” AMBIENTAL CATARINENSE, OU A VINGANÇA DOS PORCOS

O Estado de Santa Catarina ocupa uma área total de pouco mais de 95 mil km², o que corresponde a cerca de 1,11% da superfície total do Brasil. Apesar do pequeno território, Santa Catarina foi o Estado brasileiro que mais preservou a Mata Atlântica em termos percentuais – cerca de 17% da superfície do Estado ainda está coberta pelo bioma, restrito em sua grande parte a fragmentos florestais isolados. 

Conforme comentamos na postagem anterior, Santa Catarina seguiu um modelo de colonização diferente do restante do Brasil – ao invés dos grandes latifúndios criados para produção de cana de açúcar ou das gigantescas fazendas de café, o Estado teve sua colonização baseada na pequena propriedade e na produção de multiplas culturas. Uma dessas culturas é criação de porcos em sistema de cooperativas de pequenos produtores rurais. 

As atividades rurais em agricultura e pecuária são as grandes consumidoras de água de uma região ou de um país – consomem 70% da água disponível e, consequentemente, geram grandes agressões ambientais. Santa Catarina, conforme já comentamos anteriormente, sofreu uma intensa destruição da Mata das Araucárias, bioma que cobria a parte Central do Estado.

As araucárias forneciam uma madeira de ótima qualidade – o pinho, além das madeiras nobres encontradas nas matas como a imbuia, a peroba, o marfim, o cedro e a canela. As madeireiras se multiplicaram em todo o Estado e, dentro de poucas décadas, devastaram a Mata das Araucárias.  

Dos cerca de 30 mil km² dessas Matas que existiam originlmente no Estado, restaram entre 900 e 1.500 km² atualmente. Essa destruição trouxe um elevado custo ambiental, principalmente na redução da disponibilidade de água da região. Esses problemas foram posteriormente potencializados pela poluição dos cursos d’água com dejetos suínos, levando o abastecimento de água das populações à beira de um colapso. Vamos entender o caso: 

A suinocultura é considerada pelos órgãos ambientais como uma das maiores geradoras de dejetos por unidade de área ocupada, produzindo em média de 5% a 8% em relação ao peso vivo dos animais em efluentes sanitários. Considerando-se urina, fezes e limpeza dos viveiros, cada porco gera pouco mais de 10 litros de esgotos por dia (algumas fontes afirmam que pode chegar aos 20 litros/dia). O Estado de Santa Catarina, maior produtor de suínos do Brasil com 30% do rebanho nacional, tem mais de 4,7 milhões de animais produzindo quase 50 milhões de litros de esgotos por dia.  

Considerando-se que as cidades brasileiras nunca demonstraram grandes preocupações com a implantação de sistemas de coleta e de tratamento de esgotos, seria difícil imaginar que produtores rurais tivessem esse tipo de preocupação – grande parte desses dejetos acabava sendo lançada em cursos d’água in natura e também infiltrava nos solos, contaminando as águas subterrâneas do lençol freático. 

Os dejetos de suínos possuem altas concentrações de nitrato, fósforo e de potássio, além de grandes quantidades de bactérias e vermes. Um litro de dejeto suíno sem tratamento polui dez vezes mais que a mesma quantidade de esgoto doméstico. Os gases emitidos pela suinocultura também geram desconforto aos humanos por possuírem grandes concentração de gás metano (CH4), que é considerado vinte vezes mais agressor na atmosfera que o gás carbônico.  

Há séculos, criadores de porcos e moradores das cidades em todo o mundo se confrontam por causa do mal cheiro e dos dejetos dos animais. Porém, os prazeres do consumo da carne suína e dos diversos tipos de frios e embutidos acabou por criar uma relativa tolerância e sempre se encontrou uma forma de convívio com os criadores e seus animais. 

A criação de suínos sempre foi uma atividade tradicional em terras catarinenses com base na produção familiar. A partir da década de 1940 foi iniciada a produção em escala industrial, levando ao aumento progressivo de produtores especializados. Até a década de 1970 a produção não era considerada um problema ambiental e as propriedades tinham capacidade de “controlar” os volumes de dejetos gerados na produção.  

Essa falta de preocupação persistiu até o ano 2000, quando o nível de produção de suínos atingiu um nível crítico, comprometendo o abastecimento de água de 5,5 milhões de habitantes das cidades da região, chegando perto do colapso. A maioria das fontes superficiais de água da região estava contaminada por dejetos dos suínos e as estações de tratamento de água não estavam preparadas para tratar águas tão contaminadas – em muitos locais, seria necessário primeiro tratar essa água em uma estação de tratamento de esgotos, para só depois fazer o tratamento da água para consumo humano. 

Além dos problemas localizados na região do oeste Catarinense, essa poluição tinha potencial para atingir outros 15 milhões de habitantes de regiões vizinhas – rios e lençóis subterrâneos estão interligados ao Aquífero Guarani, manancial subterrâneo que se estende por 1,2 milhão de km² em áreas do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. As águas estratégicas deste aquífero são utilizadas pelas populações de centenas de cidades. 

Análises laboratoriais feitas em amostras coletadas em corpos d’água e poços da região demonstravam o tamanho da contaminação: 84% das fontes e pequenos mananciais da área em estudo estavam contaminados por coliformes fecais; na cidade de Chapecó por exemplo, foi verificado que pelo menos 97% dos poços rasos estavam contaminados por coliformes totais e quase 70% por coliformes fecais. Nos poços profundos (artesianos e semiartesianos) a contaminação por coliformes fecais era de até 30%.  

Aqui vale lembrar que parte das águas superficiais – principalmente das chuvas, infiltra nos solos e recarrega os diferentes tipos de reservatórios de água. Esse processo pode levar poluentes e contaminantes da superfície para as águas profundas. O grupo de bactérias denominado coliformes tem origem no intestino de animais mamíferos, inclusive o homem, e são eliminadas junto com as fezes. Essas bactérias são consideradas um dos principais indicadores de contaminação das águas. 

Em resumo: a criação intensiva de porcos no Oeste de Santa Catarina transformou os mananciais de água da região em uma imensa “porcaria”. 

Continuamos na próxima postagem. 

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