PINHEIROS E TAMANDUATEÍ, OS PRINCIPAIS TRIBUTÁRIOS DO RIO TIETÊ NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

O Tietê é, de longe, o rio mais poluído do Brasil. Das suas nascentes no alto da Serra do Mar em Salesópolis até sua entrada na Região Metropolitana de São Paulo, o rio Tietê é um rio bastante saudável – suas águas não são exatamente cristalinas, mas, com um tratamento básico numa ETA – Estação de Tratamento de Água, podem ser servidas com total segurança à população. 

Os problemas do rio Tietê começam dentro da grande Região Metropolitana, onde vivem perto de 20 milhões de pessoas em 39 municípios, a maioria deles inseridos dentro da sua bacia hidrográfica. Como principal canal de drenagem da Região, o rio Tietê recebe grandes quantidades de esgotos domésticos in natura, efluentes industriais de todos os tipos, águas pluviais, sedimentos e areia em grandes volumes, além de lixo, muito lixo. 

Como consequência direta de todo esse descaso, uma grande mancha de poluição é formada nas águas do rio e será perceptível até pouco mais de 150 km correnteza abaixo. Até anos recentes, quando os volumes de esgotos coletados e tratados eram bem menores do que nos dias atuais, essa mancha de poluição chegava a uma distância de 300 km da Região Metropolitana de São Paulo. 

O rio Tietê, porém, não está sozinho nesta triste sina Metropolitana – existem centenas de córregos e pequenos ribeirões espalhados por todos os cantos da mancha urbana, que capilarizam todo esse descarte de esgotos, resíduos e lixo na direção da calha principal do rio. Aqui é preciso destacar o papel dos dois principais rios tributários do Tietê na Região Metropolitana: os rios Tamanduateí e Pinheiros. 

Historicamente, o rio Tamanduateí ocupou um papel de destaque no desenvolvimento da pequena Vila de São Paulo de Piratininga, hoje transformada na maior cidade do Hemisfério Sul. O local escolhido pelos padres jesuítas para a fundação de um colégio destinado aos trabalhos de catequese dos indígenas era uma pequena elevação na confluência dos rios Tamanduateí e Anhangabaú.

A escolha dessa localidade fazia parte da tradição portuguesa – um dos rios seria usado para a coleta de água para o abastecimento da população, no caso o rio Tamanduateí, e o outro, o rio Anhangabaú, seria usado para o descarte do lixo. 

Algumas fontes dizem que a palavra significa Tamanduateí significa “rio dos tamanduás verdadeiros”. Outras afirmam que a palavra significa “rio das muitas voltas”, o que seria um nome bastante adequado ao rio sinuoso de outrora, com nascentes na Serra do Mar no município de Mauá, que depois atravessa os municípios de Santo André e São Caetano do Sul, todos na região do ABCD Paulista.

Por fim, o rio Tamanduateí corta o município de São Paulo no sentido Leste-Oeste até desaguar no rio Tietê, nas proximidades do Centro de Exposições do Anhembi (lembrando que este é o antigo nome do rio Tietê). Com uma extensão total de 35 km, é rio pequeno, porém foi de extrema importância para toda a região. 

Até meados do século XIX, o rio Tamanduateí era a principal fonte de abastecimento de água da cidade de São Paulo. O grande crescimento da mancha urbana, que levou à destruição de matas ciliares e ao aterro de inúmeras áreas de várzea àquela altura, e também a poluição devido ao lançamento de esgotos, passaram a se refletir numa acentuada degradação da qualidade das suas águas. A partir da década de 1860, começaram a ser feitas obras para a coleta e o transporte de água a partir de fontes na Serra da Cantareira e o rio Tamanduateí acabou sendo relegado ao triste papel de “vala de esgotos”. 

Entre meados e o fim do século XIX, diversas obras de retificação foram realizadas no rio Tamanduateí, transformando o antigo curso sinuoso em um canal retilíneo – as antigas áreas de várzea, que permitiam o transbordando natural das águas excedentes dos períodos das chuvas, acabaram aterradas e transformadas gradativamente em terrenos para a especulação imobiliária.

O trecho final do rio acabou espremido por altas paredes de concreto e pedras. A partir do ano de 1880, começou um intenso debate público na cidade de São Paulo, onde se buscava um “plano de embelezamento” da região da Várzea do Carmo – as discussões se estenderiam por exatos 30 anos. 

Em 1910 foi decidido transformar a Várzea do Carmo em um grande parque, projeto que contaria com o apoio da iniciativa privada (que receberia parte dos terrenos recuperados das áreas alagáveis em troca dos serviços). O projeto só foi aprovado pelos órgãos públicos em 1914 e o Parque foi entregue à população em 1922, ano do Centenário da Independência.

A partir do ano de 1938, com o engenheiro Francisco Prestes Maia assumindo a prefeitura da cidade de São Paulo, tem início a implantação do seu famoso Plano de Avenidas, onde os desvalorizados terrenos das várzeas e das margens dos córregos e rios seriam transformados em grandes avenidas de fundo de vale.  

As margens do rio Tamanduateí foram transformadas, gradativamente, na longa e movimentada Avenida do Estado, ligando o centro de São Paulo à região do ABC. O antigo leito sinuoso do rio, repleto de várzeas e de matas, é atualmente uma triste vala cercado por paredes e pistas de rodagem. Na temporada de chuvas, as regiões lindeiras do rio enfrentam gigantescas enchentes – sem as margens e sem as várzeas, não há lugar para onde a água excedente possa fluir rapidamente. 

O rio Pinheiros, na Zona Sul do município de são Paulo, não teve uma história muito diferente. Afastado do centro da cidade, o rio Pinheiros foi até o início do século XX o centro de uma grande área rural. Suas águas passaram a ganhar importância para a cidade de São Paulo a partir de 1908, quando foi construída a Represa de Santo Amaro, nome que depois foi mudado para Guarapiranga.  

Essa represa foi concebida originalmente para regularizar a vazão dos rios Pinheiros e Tietê. As águas desses rios eram responsáveis pelo acionamento das turbinas da Usina Hidrelétrica de Santana de Parnaíba, primeira geradora de eletricidade da região metropolitana de São Paulo e uma das principais impulsionadoras do processo de industrialização. A partir de 1928, a represa foi “promovida” a manancial de abastecimento de água da cidade de São Paulo. 

Um outro momento importante na história do rio Pinheiros teria início em 1925, quando um Decreto da Presidência da República autorizou a construção do Complexo Energético da Represa Billings e da Usina Hidrelétrica Henry Borden em Cubatão. Esse projeto previa a transposição de águas da bacia hidrográfica do rio Tietê em direção à Represa Billings, na região do ABC Paulista – o canal do rio Pinheiros passaria então por diversas obras de retificação e alargamento.

Esse sistema também contaria com duas estações de bombeamento de água, também conhecidas como usinas de traição, sendo uma na Vila Olímpia e outra na região da Pedreira. A foto que ilustra essa postagem, retirada do livro Alto dos Pinheiros – história e histórias, mostra um trecho do rio Pinheiros em 1929, antes da realização dessas obras.

A empresa responsável pela construção do complexo Billings / Henry Borden, a São Paulo Tramway, Light and Power Company, também detinha os direitos de distribuição de energia elétrica e também concessão para implantação de linhas de bonde na cidade de São Paulo. A empresa também era dona de uma empresa de urbanização – a Companhia City. 

Valendo-se de todo o seu potencial, a empresa criou linhas de bonde ligando as regiões de Moema, Brooklin Paulista e Santo Amaro ao centro de São Paulo. O elegante bairro do Alto de Pinheiros, na Zona Oeste da cidade, foi um empreendimento criado pela Companhia City.  

A lógica empresarial da Light e da City era bastante simples – compravam terrenos em áreas afastadas, criavam toda a infraestrutura urbana nos loteamentos e, por fim, instalavam uma linha de bondes, o que valorizava imensamente os terrenos. As terras onde fica o Alto de Pinheiros, citando como exemplo, eram terras alagáveis da várzea do rio Pinheiros, que foram drenadas e aterradas – atualmente constituem alguns dos endereços mais caros da Zona Oeste de São Paulo.

Essas ações, entre muitas outras, levaram a uma expansão da mancha urbana da cidade de São Paulo em direção às Zonas Sul e Oeste, resultando numa ocupação cada vez maior das áreas de margens do rio Pinheiros. Toda essa expansão urbana, infelizmente, não foi seguida de obras de saneamento básico para a coleta e tratamento dos esgotos da crescente população – o rio Pinheiros passaria a ser a “grande vala” de esgotos da região. 

Assim como já havia acontecido nas áreas de margens e várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí, as margens do rio Pinheiros também acabariam transformadas em grandes avenidas – as famosas Marginais do rio Pinheiros. Isolado e relegado à própria sorte, o Pinheiros acabou se transformando em um rio de águas mortas e malcheirosas, como tantos outros corpos d’água da Região Metropolitana. 

Triste maneira de se tratar importantes e límpidos rios de outrora. 

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