Ainda em terras pernambucanas, vamos desviar a atenção das nossas postagens do rio Capibaribe e passar a acompanhar os problemas de outro importante rio: o Ipojuca.
O rio Ipojuca tem aproximadamente 320 km de extensão, com nascentes na Serra das Porteiras no município de Arcoverde, no Agreste de Pernambuco, e foz no Oceano Atlântico, no município de Ipojuca. O nome Ipojuca tem origem na antiga língua Tupi, sendo formado a partir da junção das palavras ‘y (água), apó (raiz) e îuka (podre), significando “água das raízes podres”. Algumas fontes afirmam que o significado é um pouco diferente, significando água turva ou barrenta. Os antigos indígenas tiveram suas próprias razões para dar esse nome ao rio – tragicamente, a história só fez por confirmar o acerto na escolha do nome: o Ipojuca é hoje o terceiro rio mais poluído do Brasil, apresentando águas muito turvas e, literalmente, podres em alguns trechos.
Como muitos outros rios com nascentes na região do Agreste, o trecho inicial do Ipojuca tem águas temporárias ou intermitentes, apresentando grandes volumes no período das chuvas, conhecido como inverno no Nordeste, e leitos secos ou com um fio d’água na maior parte do ano. Na região de Caruaru, após receber a contribuição de diversos pequenos afluentes, chamados de “pés-de-galinha” pelos sertanejos, o Ipojuca passa a ser um rio perene. A bacia hidrográfica do Ipojuca compreende 25 municípios e ao longo do seu curso, o rio atravessa 12 cidades com destaque para: Caruaru, Pesqueira, Belo Jardim, Tacaimbó, São Caetano, Bezerros e Gravatá, cidades do Agreste pernambucano e Chã Grande, Escada e Ipojuca na região da Zona da Mata. A maior parte das cidades atravessadas pelo rio Ipojuca tem como característica marcante o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), inclusive abaixo da média do Índice do Estado de Pernambuco – o Índice de Mortalidade Infantil, para citar um único exemplo, é quase o dobro da média deste Estado. A infraestrutura de saneamento básico, como não poderia deixar de ser, é precária e o rio Ipojuca é o grande receptor de despejos de esgotos domésticos e industriais, além de resíduos de defensivos agrícolas e de fertilizantes carreados pelas águas das chuvas. O rio também é a destinação final de lixo e de entulhos: são aproximadamente 537 toneladas, equivalente a 43 caminhões, despejadas a cada dia em suas águas (vide foto). Estudos do Governo de Pernambuco indicam que 80% da poluição do rio Ipojuca é gerada em apenas cinco municípios: Belo Jardim, Caruaru, Gravatá, Bezerros e Escada. A cidade de Caruaru, que apresenta um dos trechos mais poluídos do rio Ipojuca, responde sozinha por 40% de toda a poluição do rio na região do Agreste – 67% desta poluição tem origem nos esgotos domésticos lançados in natura no rio.
Para entendermos melhor a triste sina do rio Ipojuca, é preciso voltar no tempo e relembrar um pouco da história da cultura da cana-de-açúcar no litoral de Pernambuco. Conforme já apresentamos em diversas postagens anteriores, todo o esforço da administração Colonial no Brasil nos primeiros três séculos de nossa história foi concentrado na produção e exportação do açúcar para os mercados externos. Essa verdadeira obstinação por produzir cada vez mais açúcar não poupou esforços em consumir todo o trecho da Mata Atlântica e a remover quaisquer obstáculos que pudessem prejudicar as plantações de cana. Por mais incrível que possa parecer em nossos dias, as boiadas criadas nas cercanias dos grandes canaviais passaram a ser vistas como um grande risco pelos senhores das casas-grandes: os suculentos e adocicados brotos de cana despertavam a gula dos inocentes bois e vacas que, desrespeitando os limites estabelecidos, invadiam as plantações e, como bandos de gafanhotos, dizimavam os brotos das canas. A ira dos senhores dos engenhos contra os criadores de gado levou a edição de uma Carta Régia que proibia a criação de gado a menos de 15 léguas do litoral (aproximadamente 60 km). Eu chamo este período de Diáspora Bovina – a palavra “diáspora” é de origem hebraica e significa dispersão – pesquise.
Sem espaço no litoral, boiadeiros e boiadas seguiram rumo ao sertão, acompanhando o curso dos grandes rios como o Capibaribe, o Ipojuca, o Sirinhaém, o Una e o São Francisco – foi assim que surgiram as primeiras fazendas de criação de bois no sertão, as estradas boiadeiras e, enfim, as cidades. Nesta extensa rede de estradas que cortavam o sertão surgiram alguns cruzamentos importantes, onde nasceram algumas cidades diferenciadas com suas “feiras”. Gentes de todos os cantos dos sertões passaram a frequentar estas “feiras” para comprar, vender ou trocar produtos ou, simplesmente, para passear e respirar outros ares. Foi assim que importantes cidades interioranas foram surgindo, entre elas Feira de Santana na Bahia, Campina Grande na Paraíba e Caruaru em Pernambuco.
A cidade de Caruaru tem sua origem numa antiga fazenda as margens do rio Ipojuca, que funcionava como ponto de pernoite para os boiadeiros, tropeiros e mascates que viajavam pelo agreste pernambucano. A presença de um curso de água perene, o rio Ipojuca, era fundamental para a dessedentação das grandes boiadas, o que tornava a localidade um ponto de parada obrigatória. No local surgiu um pequeno comércio de produtos e serviços ligados à lida com o gado, transformado com o passar do tempo na famosa Feira de Caruaru – a cidade foi surgindo aos poucos ao redor da feira. Em 1781 foi construída uma capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição e a fama da cidade de Caruaru e de sua “feira” não parou mais de crescer.
Com a construção da Linha do Centro da Rede de Ferrovias do Nordeste, ligando a cidade do Recife a Afogados da Ingazeira e com uma estação em Caruaru, a cidade ganhou uma maior visibilidade e acessibilidade, se transformando num importante polo comercial regional. Essa importância aumentou ainda mais com a construção de diversas rodovias estaduais e federais na região. Infelizmente, todo esse crescimento econômico e populacional de Caruaru não foi acompanhado de uma infraestrutura de saneamento básico – o importante rio Ipojuca, que foi uma das razões para o nascimento da cidade, acabou segregado da população e foi transformado em uma grande valeta de esgotos a céu aberto. Esse mesmo descaso se repetiu em todas as cidades ao longo do rio Ipojuca. Análise laboratorial recente, realizada por universidades do Estado de Pernambuco, mostram um índice de 5 milhões de coliformes fecais por mililitro nas águas do rio Ipojuca na região central de Caruaru – um índice altíssimo, que demonstra o tratamento dado ao velho Ipojuca e justifica o título de 3° rio mais poluído do Brasil.
Continuamos no próximo post.
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[…] Para abertura dos campos agrícolas onde seriam formados os canaviais, grandes extensões de mata foram derrubadas a “ferro e a fogo” – e é justamente aqui que tem início a história das grandes enchentes na região conhecida com Zona da Mata. Sem a proteção da cobertura vegetal nativa, as águas das fortes chuvas passariam a correr diretamente para a calha dos rios, levando junto grandes volumes de sedimentos dos solos desnudos. Esse processo contínuo criou uma série de problemas ambientais e econômicos: esses sedimentos carreados pelas chuvas formavam os solos férteis de massapê – as terras perdiam rapidamente a fertilidade, o que reduzia a produtividade dos canaviais. Para repor os estoques de terras férteis, era necessária a derrubada contínua de novas áreas de mata, o que amplificava ainda mais os problemas de erosão de solos e assoreamento dos canais de rios como o Capibaribe, Beberibe, Una e Ipojuca. […]
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