Na última postagem falamos rapidamente dos problemas ambientais que estão sendo enfrentados pelas populações de grandes cidades de Gana, país do Oeste da África. A principal fonte desses problemas são as importações legais e ilegais de resíduos sólidos – mais especificamente de produtos eletrônicos de segunda mão, um aforismo para lixo eletrônico. Gana acabou sendo transformada em um dos maiores cemitérios de lixo eletrônico do mundo e sua população está sofrendo os efeitos da contaminação pelos mais diferentes metais pesados e elementos tóxicos presentes nesses resíduos.
Nações ricas como Estados Unidos, Canadá, Austrália e países da Europa, descobriram uma forma de se desfazer dos imensos volumes de equipamentos eletrônicos como telefones celulares, computadores, notebooks, tablets e toda uma gama de outros produtos descartados pela população: a exportação para países pobres. A fim de contornar entraves burocráticos, essas exportações se referem a “equipamentos eletrônicos seminovos para revenda”. Chegando nos países de destino na África, subcontinente indiano, Sudeste Asiático e China, entre outros, os produtos são desmontados para o reaproveitamento de metais valiosos.
Aqui é importante citar que em 1989, foi assinada a Convenção da Basíleia, onde foi estabelecido o controle de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito. Esta Convenção proibe, entre outras, as exportações de lixo eletrônico para outros países, algo que, na prática, acaba acontecendo graças ao uso de um número sem fim de artimanhas, como é o caso da identificação dos resíduos como “produtos eletrônicos seminovos”. Outra forma de descaminho muito utilizada é o puro e simples contrabando de resíduos por grandes organizações criminosas internacionais.
Componentes eletrônicos utilizam uma série de metais nobres de alto valor, onde se incluem ouro, prata, platina, cobre, estanho, níquel, cromo e zinco, entre muitos outros. Também são encontrados alguns metais e substâncias químicas altamente nocivas à saúde humana como mercúrio, arsênico, chumbo e cádmio. O manuseio inadequado das peças com ferramentas rudimentares e o uso do fogo para separar plásticos de metais expõem as populações ao contato, principalmente por inalação, com essas substâncias, o que pode desencadear uma série de grandes problemas de saúde.
Vejam uma lista com os principais danos causados por algumas dessas substâncias e metais:
Chumbo – Um metal altamente tóxico que causa danos no sistema nervoso central e no sangue. Quando em baixas concentrações, o chumbo age nos sistemas nervoso, renal e hepático, provocando intoxicações crônicas. Níveis elevados de chumbo causam vômito, diarreia, convulsão, podendo levar a vítima ao coma e a morte. O chumbo é usado na fabricação placas de circuito impresso e, principalmente, em baterias;
Mercúrio – Metal que se apresenta na forma líquida e que é responsável por danos cerebrais e no fígado. Uma das mais famosas contaminações por mercúrio aconteceu na cidade de Minamata, no Japão, na década de 1950. Resíduos de mercúrio liberados no mar por uma indústria local contaminaram peixes, moluscos e crustáceos, afetando posteriormente os moradores que consumiram essas carnes. Os médicos passaram a observar o surgimento de casos graves de doenças neurológicas, conhecidas posteriormente como Síndrome de Minamata. O mercúrio é usado na fabricação de componentes para computadores, monitores de vídeo e televisores de tela plana;
Cádmio – Causa danos nos rins, ossos e pulmões. É usado na produção de peças de computadores, monitores de vídeo antigos (com tubo de vidro) e em baterias de notebooks;
Arsênico – Causa doenças de pele, além de causar problemas no sistema nervoso central e câncer no pulmão. É usado na fabricação de componentes de telefones celulares;
Berílio – Metal que causa câncer no pulmão. Usado na fabricação de diversos componentes de computadores e celulares;
Retardante de chamas (BRT) – Produto químico usado na composição de peças plásticas com o objetivo de prevenir incêndios. O BRT causa desordens hormonais, nervosas e no sistema reprodutor;
PVC – Plástico usado principalmente no isolamento de fios e cabos elétricos. A fumaça liberada pela queima do PVC é altamente tóxica e causa inúmeros problemas respiratórios.
Como fica fácil de notar, a exposição contínua a todos esses elementos e substâncias poderá desencadear em uma série de doenças, muitas das quais se manifestarão no longo prazo. Devido aos baixos rendimentos dessas atividades, os chamados “recicladores” trabalham em jornadas longas, de 10 a 12 horas por dia, o que só aumenta os riscos. Vivendo em países pobres como Gana, esses trabalhadores não tem acesso a bons sistemas de saúde pública e de seguridade social. Pessoas acometidas por doenças graves, muitas delas degenerativas, dependerão exclusivamente do cuidado de familiares, amigos e vizinhos.
Um dado preocupante – os volumes de lixo eletrônico não param de crescer. Uma estimativa feita por analistas de mercado indica que uma pessoa nascida no ano de 2003 e que tenha uma expectativa de vida de 80 anos, vai gerar cerca de oito toneladas de lixo eletrônico ao longo de sua vida. Os sistemas de descarte e reaproveitamento de todo esse volume de resíduos precisa ser repensado e reestruturado rapidamente.
Também deve ser objeto de discussão as razões que levam uma pessoa a se desfazer de uma grande quantidade de produtos ao longo de sua vida. Num passado nem tão distante, as pessoas adquiriam produtos elétricos e eletrônicos que eram usados por toda a vida. Eu lembro perfeitamente de um liquidificador que minha mãe tinha em casa e que era usado diariamente na preparação de sucos e molhos para a família. Esse eletrodoméstico acompanhou nossa vida por mais de 30 anos e os únicos problemas que ocorriam eram resolvidos com a troca das escovas (chamadas popularmente de carvões) do motor. Os liquidificadores “modernos” não duram mais de 5 anos.
Estudos recentes indicam que, pelo menos, metade dos aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos são descartados ainda em perfeito estado de funcionamento. Esse comportamento é fruto da chamada “obsolescência programada”, um cuidadoso trabalho de marketing realizado pelos fabricantes que tem por objetivo deixar os produtos “fora de moda” rapidamente. Um telefone celular lançado no ano passado estará completamente obsoleto em seis meses ou um ano – os novos lançamentos terão inúmeros novos recursos e um design diferente. O consumidor é induzido a se desfazer do modelo atual, que ainda funciona perfeitamente, e levado a adquirir o mais recente lançamento.
Um exemplo do que as grandes empresas fazem: uma das maiores fabricantes de telefones celulares do mundo, a Apple, foi condenada recentemente a pagar uma multa de até US$ 500 milhões por causa de alterações ilegais no software dos modelos mais antigos de seus telefones celulares iPhones. Essas mudanças nos programas tornavam os iPhones mais lentos e induziam os consumidores a comprar um telefone mais novo e mais rápido. Com essa “jogada”, a fabricante induziu milhares (quiçá milhões) de consumidores a se desfazer de seus celulares lentos. O detalhe é que um iPhone novo custa muito caro e um modêlo antigo lento tem um valor de revenda baixíssimo, o que levou muita gente a jogar os aparelhos “velhos” no lixo.
Dentro desse ciclo infinito de vendas de novos produtos eletrônicos e de descarte de quantidades cada vez maiores de produtos antigos e obsoletos, os consumidores dos países ricos continuam se divertindo e curtindo as mais novas tecnologias de comunicação digital, enquanto pessoas pobres de Gana e outros países miseráveis continuam sacrificando seu bem estar e até suas vidas na reciclagem de metais valiosos.
Finalizando, recomendo a todos que assistam ao filme “A HISTÓRIA DAS COISAS” (é só clicar nesse link), para refletir um pouco mais sobre a loucura desse nosso mundo de produção e consumo.