IDAI, O CICLONE QUE DEVASTOU REGIÕES DE MOÇAMBIQUE, ZIMBABWE E MALAWI

Idai Moçambique

Desde o último dia 15 de março, quando o ciclone Idai atingiu Moçambique, o Zimbabwe e o Malawi, o mundo inteiro tem se surpreendido com o número cada vez maior de vítimas dessa tragédia. O Idai é o ciclone tropical mais forte a ser registrado desde o ano 2000, quando a tempestade Eline passou por Moçambique e deixou um rastro de destruição, matando mais de 800 pessoas. Conforme as informações divulgadas, o número total de vítimas fatais do Idai já passa de 700. 

Essa região, conhecida entre os meteorologistas como Bacia Ciclônica do Sudoeste do Oceano Índico, é famosa por apresentar uma forte temporada de ciclones tropicais no período do verão. Nessa temporada, já foram registrados 7 ciclones na região e existe uma nova tormenta em formação. Normalmente, os ciclones se formam em uma extensa área do Oceano Índico ao largo da Ilha de Madagáscar – o Idai surpreendeu a todos ao avançar violentamente contra o continente, com ventos superiores aos 200 km por hora, velocidade que o coloca na categoria 3 da escala dos ciclones.  

Um exemplo da violência extrema desse ciclone foi a devastação deixada em Beira, a segunda maior cidade de Moçambique com 500 mil habitantes, que ficou totalmente destruída. Os ventos devastadores avançaram por cerca de 500 km continente adentro, atingindo regiões do Zimbabwe e do Malawi, completando o rastro de destruição. Essa é uma região extremamente pobre do continente africano, onde as populações vivem em habitações construídas com os materiais mais precários e sem infraestrutura básica, o que dificulta a chegada das equipes de resgate e dos carregamentos com alimentos e remédios. 

Equipes da Organização Médicos sem Fronteiras, citando um exemplo, só conseguiram chegar aos locais atingidos pelo Idai no dia 19, o que mostra as dificuldades de acesso. Segundo os relatos dessas equipes, os hospitais e unidades de saúde que encontraram estavam sem energia elétrica e com telhados destruídos, problemas que só fizeram aumentar as dificuldades no atendimento das vítimas. Extensas áreas do interior dos países atingidos ainda se encontram alagadas, com dezenas de milhares de casas destruídas e com muitas comunidades e vilas ainda isoladas.  

A FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, que tem forte atuação nessa região, calcula entre 500 e 600 mil o número de pessoas diretamente afetadas pela catástrofe. Já para o UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, as consequências são ainda mais catastróficas – a entidade calcula que 1 milhão de crianças e adolescentes estão sendo diretamente afetadas. Só o tempo mostrará as reais dimensões dessa grande tragédia climática. 

Os cientistas têm sido muito cautelosos em associar a violência do ciclone Idai a todo um conjunto de mudanças climáticas que vem sendo observadas em todo o Oceano Índico, que tem resultado em fortes secas no Sul e no Leste do continente africano. Estudos conduzidos desde 1980 demonstram que o volume de chuvas em toda esta extensa região diminuiu em, pelo menos, 15%, ao mesmo tempo que o número de pessoas subalimentadas mais do que duplicou – em algumas regiões, a redução no volume de chuvas pode chegar a 48%. E a origem desta redução das chuvas está ligada ao aumento da temperatura das águas do Oceano Índico, problema que não se limita ao continente africano, mas a todos os países asiáticos localizados ao longo da extensa orla deste oceano.  

Conforme tratamos em uma postagem anterior, grande parte da África vem passando por fortíssimos ciclos de seca. Esses eventos climáticos, considerados como um dos piores dos últimos 35 anos, estão atingindo mais de 50 milhões de habitantes em áreas no Chifre da África, onde se encontram países como Somália, Etiópia, Quênia, Uganda e Djibuti. Mais ao Sul, estão sofrendo com a seca o Malawi, Moçambique, Zimbabwe, Madagáscar e África do Sul, além dos enclaves em território sul-africano do Lesoto e Suazilândia.  

As medições sistemáticas da temperatura das águas do Oceano Índico começaram em 1880. Nos últimos anos, estas medições têm apresentado aumentos sucessivos nas temperaturas das águas: em 2010, foi observado um aumento de 0,70° C em relação à média histórica; em 2011, a temperatura média caiu um pouco e mostrou um aumento de 0,58° C; em 2012, o aumento foi de 0,62° C e em 2013, o aumento  foi de 0,67° C. Nos anos seguintes, foram registrados recordes sucessivos de aumento da temperatura: 0,74° C em 2014, 0,90° C em 2015 e 0,94° C em 2016.  Um evento que pode estar diretamente associado a toda essa elevação de temperatura nas águas do Oceano Índico é o desaparecimento da Ilha New Moore, no Golfo de Bengala, que mostra a extensão e a complexidade do problema.

De todos os grandes oceanos do planeta, o Índico é o que, proporcionalmente, mais sofre com as interferências das mudanças climáticas na Antártida. O derretimento de grandes massas de gelo no Pólo Sul tem provocado alterações nas correntes marinhas do Oceano Índico que, combinadas com o aumento da temperatura das águas, tem reflexos diretos na formação e no deslocamento das massas de umidade que atingem a África e a Ásia – algumas áreas estão sofrendo com chuvas abaixo da média e outras com volumes muito acima da média histórica.  

Além de comprometer a dinâmica de distribuição de chuvas por uma extensa área da África e da Ásia, esse aumento das temperaturas das águas do Oceano Índico também pode resultar em um aumento da intensidade e do poder de destruição dos ciclones tropicais que se formam na região e, não só isso – catástrofes ambientais como o ciclone Idai podem se tornar cada vez mais frequentes por todo o Sul e Sudeste da África, ameaçando a vida de milhões de pessoas. 

As perspectivas para o futuro nessa região não são nada animadoras – os estudos indicam que essa tendência de redução ou aumento das chuvas persistirá e até se intensificará, uma vez que o aquecimento das águas do Oceano Índico é um fenômeno que está ligado diretamente ao aquecimento global, que tende a aumentar cada vez mais. E na esteira das mudanças dos ciclos de chuva, existem perspectivas de ciclones cada vez mais devastadores. Como diz um velho ditado popular – se correr a seca ou chuva pegam, se ficar o ciclone come… 

As mudanças climáticas regionais, já em andamento por todo o planeta, forçarão os países a investir cada vez mais em sistemas alternativos de produção de água como a transposição entre diferentes bacias hidrográficas, em sistemas de dessalinização da água do mar e também em sistemas de água de reuso – depender exclusivamente das chuvas será uma aposta cada vez mais arriscada. Também serão necessárias várias medidas em sistemas de defesa civil e em forças de resgate para situações de emergências. 

O grande problema é que os países que mais poluem o meio ambiente e que provocam as grandes mudanças climáticas no planeta são as nações ricas do Hemisfério Norte. E quem mais está sofrendo com os efeitos dessas mudanças climáticas são países miseráveis do Sudeste da África. 

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