O MERCÚRIO NOS SOLOS DA FLORESTA AMAZÔNICA

Chuva na Amazônia

Nas últimas postagens publicadas aqui no blog, falamos bastante dos problemas criados pelos despejos e emissões de mercúrio no meio ambiente. Além das emissões feitas por indústrias, incineração de lixo, pela queima do carvão e de outros combustíveis fósseis, além de outras fontes difusas, o garimpo do ouro é um dos grande vilões deste problema global. O mercúrio é usado pelos garimpeiros para separar os fragmentos de ouro dos sedimentos – o mercúrio se liga ao ouro, formando uma amálgama. 

Quando a amálgama é queimada pelos garimpeiros com um maçarico, o mercúrio evapora rapidamente e entre 65 e 83% desse vapor é lançado na atmosfera e espalhado pelos ventos; entre 2 e 7% do mercúrio permanece ligado ao ouro, só sendo eliminado no processo de purificação do metal em fornos de altas temperaturas; o restante do mercúrio volta ao estado líquido, caindo sobre solos e águas na forma de micro gotículas, sendo essa a principal fonte de contaminação da água dos rios com o metal – porém, ela não é a única. Vamos entender: 

Entre os anos de 1972 e 1984, o consumo de mercúrio no Brasil permaneceu estável, na casa de 160 toneladas anuais. A partir desse ano, o consumo começou a crescer e em 1989 atingiu a marca de 340 toneladas, coincidindo com o crescimento da mineração e da produção de ouro em Serra Pelada. Estimativas indicam que, nos últimos anos, a produção anual de ouro no país tem se situado entre 80 e 100 toneladas, o que implica num consumo total de mercúrio entre 100 e 260 toneladas. Considerando que a maior parte do mercúrio evaporado fica na atmosfera, falamos de um volume anual de emissões no Brasil entre 65 e 216 toneladas nesses últimos anosEm termos globais, as estimativas ficam entre 2 mil e 6 mil toneladas de mercúrio lançadas na atmosfera a cada ano.

Por definição, o mercúrio é um elemento natural que não pode ser criado ou destruído. O volume de mercúrio que existe na natureza é o mesmo desde a formação do nosso planeta – esse volume é transferido, de diferentes formas, de um ecossistema para o outro. O volume de mercúrio que é lançado na atmosfera, seguido essa linha de raciocínio, tem de ir para algum lugar – ele é disperso, transportado e transformado na atmosfera, sendo depois depositado nos mais diferentes ecossistemas. Um dos principais processos naturais que removem o mercúrio e seus derivados da atmosfera é a deposição úmida, ou seja, sua combinação com a água que forma a chuva, a neve, o granizo e o orvalho, elementos que se precipitam na direção dos solos e das águas. 

A Amazônia é maior floresta equatorial do mundo e, graças à sua posição geográfica e a toda uma combinação de correntes de ventos, recebe volumes de chuvas extraordinários todos os anos, com precipitações médias anuais entre 1.500 e 1.700 mm (vide foto). E, junto com toda essa chuva, grandes volumes de mercúrio presentes na atmosfera retornam para a superfície e se acumulam nos solos da Floresta Amazônica. Com o avanço dos desmatamentos em toda a Amazônia nas últimas décadas, esses solos contaminados ficam expostos à ação das chuvas e quantidades significativas de mercúrio passam a ser carreados na direção da imensa rede de rios da Bacia Amazônica. 

A Região Amazônica brasileira permaneceu praticamente isolada do restante do país até meados do século XIX, quando foram introduzidas no país e nos grandes rios, especialmente da Bacia Amazônica, as primeiras embarcações movidas a vapor. O regime de ventos e de correntes marinhas do Atlântico tornava a ligação por via marítima entre a faixa Leste do Brasil e a Amazônia bastante difícil para as embarcações a vela – era mais fácil uma nau sair de Portugal e fazer o percurso até Belém do Pará e voltar, do que a mesma nau sair do Rio de Janeiro e chegar até Belém. Esse isolamento foi altamente benéfico para a preserva da Floresta Amazônica, que permaneceu praticamente intacta até as primeiras décadas do século XX. 

A partir de meados do século XX, com a implementação de várias políticas governamentais de integração e colonização da Região Amazônica, teve início um intenso processo de abertura de rodovias para a interligação das Regiões Centro-Oeste e Norte ao restante do país. Nessa nova fase da história do Brasil, grandes contingentes de migrantes de regiões densamente povoadas ou carentes, passaram a chegar às terras virgens do interior com o objetivo de criar novas frentes agrícolas e pecuárias. A descoberta de grandes reservas de ouro, como a de Serra Pelada, também deram enormes contribuições para chegada de grandes contingentes de migrantes para a região – muitos desses aventureiros acabaram por desistir do garimpo e se voltaram para a produção agropecuária. Assim começaram os grandes desmatamentos da Amazônia. 

De acordo com dados do INPE – Institutos Nacional de Pesquisas Espaciais, cerca de 550 mil km² da Floresta Amazônica brasileira já foram devastados desde então, o que equivale a cerca de 13,7% da mata. Desse total, cerca de 200 mim km² acabaram sendo abandonados pelos colonizadores devido ao rápido esgotamento da fertilidade dos solos. A Floresta Amazônica é responsável por fertilizar seus solos com uma grossa camada de húmus, criada a partir da decomposição de folhas, galhos e troncos de árvores mortas. Sem a proteção da mata, essa camada fértil é rapidamente “lavada” pelas fortes chuvas da região. Qualquer traço de mercúrio que esteja depositado nessas camadas superficiais de solo, também acaba sendo arrastado pelas águas das chuvas diretamente para a calha dos rios e igarapés. 

Além do problema dos solos pobres em nutrientes, o excesso de chuvas também é um limitador para uma agropecuária sustentável. De acordo com um estudo feito no ano 2000 pelo IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, 83% da região Amazônica recebe chuvas em excesso, o que prejudica essas atividades. Apesar desse alerta, os desmatamentos na região avançam cada vez mais, expondo cada vez mais maiores áreas de solo aos efeitos da chuva e, consequentemente, maiores volumes de mercúrio são arrastados na direção dos corpos d’água a cada ano. 

Essa é uma área de estudos relativamente nova e ainda não existe um volume de dados grande o bastante para que se determine, cientificamente, o tamanho e a extensão geográfica do problema. O que se pode afirmar, com certeza, é que mesmo eliminando todos os garimpos de ouro da Amazônia e parando de se usar o mercúrio nessas atividades, o volume de mercúrio presente nos solos da região ainda deverá causar sérias preocupações por muitas e muitas décadas. 

Por hora, conter os desmatamentos na Floresta Amazônia parece ser uma ótima ideia para se controlar a dispersão desse mercúrio dos solos para a água dos rios. 

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