BANGLADESH: A CRIAÇÃO DE UM DOS PAÍSES MAIS POBRES DO MUNDO EM 1971

Enchentes em Bangladesh

Nas postagens anteriores falamos bastante dos problemas ambientais da Ilha de Madagascar, um dos países mais pobres do mundo. Mais de 80% das florestas tropicais da Ilha já foram destruídas devido ao avanço da agricultura, da exploração madeireira e produção de carvão vegetal e lenha. Como consequência, há graves riscos de extinção de espécies animais e vegetais, além da destruição dos corpos d’água devido a erosões de solos e assoreamento. 

Continuando nessa mesma linha de temas, vamos falar um pouco da situação crítica em Bangladesh, outro país que está entre os mais pobres do mundo. Curiosamente, conforme já comentamos, as massas de terra que formaram a atual Ilha de Madagascar e o subcontinente indiano, do qual Bangladesh faz parte, estiveram unidas por cerca de 80 milhões de anos após a fragmentação do supercontinente de Gondwana. Talvez por causa disso, algum “DNA” de graves problemas ambientais também tenha sido herdado pelos bengalis de Bangladesh. 

Antes de falarmos dos problemas ambientais vividos por Bangladesh, que são inúmeros e vão nos ocupar por diversas postagens, precisamos voltar um pouco no tempo para entender as razões que levaram a criação deste país em décadas relativamente recentes. 

Até 1947, ano em que foi proclamada a Independência da Índia, todo o subcontinente indiano e parte do Sudeste Asiático formavam a chamada Índia Britânica, um domínio colonial do Reino Unido. Esse Vice-Reino abrangia o território da Índia, do Paquistão, de Bangladesh e da Birmânia, que foi rebatizada como Mianmar. Os britânicos chegaram à região nos primeiros anos do século XVII e em 1858 consolidaram o seu domínio na região. O processo de independência foi longo e doloroso, tendo como um de seus principais personagens Mahatma Gandhi

Sem entrarmos em maiores detalhes, o processo de Independência acirrou as disputas entre os dois maiores grupos religiosos do país – os hindus e os muçulmanos. A solução encontrada pelos líderes políticos dessas diferentes facções foi a separação do país – as regiões de maioria muçulmana no Norte e Nordeste do país, onde fica Bangladesh formaram o Paquistão; o restante do subcontinente, de maioria hindu, formou a Índia. Apesar das populações do Paquistão e de Bangladesh serem muçulmanas, os dois grupos apresentam enormes diferenças culturais, históricas, linguisticas e políticas. Depois de uma guerra civil que durou 9 meses, o Paquistão Oriental declarou sua independência em 1971 e passou a ser chamado de Bangladesh. Desde então, sua grande população vem tentando se consolidar como um país viável. 

Bangladesh ocupa uma área de 144 mil km², o que é pouca coisa maior que a área do nosso Estado do Amapá. A população é de 162 milhões de habitantes, o que resulta em uma das maiores densidades populacionais do planeta. O PIB – Produto Interno Bruto, foi calculado em US$ 67,8 bilhões em 2019 , um valor que equivale a apenas 12 dias do PIB brasileiro. A relação cruel entre o tamanho da população de Bangladesh e o PIB resulta numa renda per capita anual de apenas US$ 420,00 por habitante. Segundo dados do Banco Asiático de Desenvolvimento, 30% da população do país sobrevive com apenas US$ 1.00 por dia, o que é considerado o limite da pobreza extrema

Pobreza extrema e devastação ambiental são inseparáveis e estão na raiz de inúmeros dos problemas de Bangladesh. Infelizmente, há muitos mais coisas entre os céus e as planícies alagáveis do país. Vamos começar falando da geografia do país. 

O território de Bangladesh é cortado por dois grandes rios, o Ganges, que logo após entrar no território bangladês ou bangladeshiano (também é usual o termo bengali, grupo étnico ao qual pertence 98% da população) se abre num gigantesco delta, e o Brahmaputra. Um dos principais canais do delta do Ganges se une ao rio Brahmaputra e forma o rio Padma, que logo abaixo da cidade de Dhaka passa a ser chamado de rio Meghna e tem sua foz no Golfo de Bengala. Praticamente todo o território de Bangladesh é formado por uma grande planície sedimentar que foi moldada por esses rios, onde 90% dos terrenos possuem uma altitude inferior a 10 metros em relação ao nível do mar. Esses terrenos estão sujeitos a grandes alagamentos anuais (vide foto), que se alternam com fortes secas. Essa planície também sofre com a intrusão de água do mar, um fenômeno que vem provocando problemas de salinização de solos. 

Durante o chamado período da Monção, sistema de fortes ventos que sopram do Oceano Índico na direção das Montanhas Himalaias e provocam fortes chuvas, o Golfo de Bengala fica sujeito a violentas tempestades e formação de ciclones, que por vezes avançam contra o território de Bangladesh e causam grandes tragédias. Por outro lado, o grande volume de chuvas nos terrenos mais altos no sopé das Himalaias produz grandes alagamentos nas calhas dos rios Ganges e Brahmaputra, que fatalmente atingirão o território de Bangladesh. 

Esse verdadeiro “cerco de águas” por todos os lados causa enormes prejuízos para os produtores agrícolas, atividade que emprega mais de 70% da população economicamente ativa do país. Esses eventos extremos também resultam na perda de casas e bens dos agricultores nessas enchentes. Os principais produtos agrícolas de Bangladesh são o arroz e a juta, planta que produz uma fibra muito utilizada pela indústria têxtil, que aliás é uma das atividades industriais mais importantes do país. 

As mudanças climáticas no Oceano Índico, tema que já abordamos em postagens anteriores, estão na origem de muitos dos problemas ambientais enfrentados por Bangladesh. As chuvas da Monção, que ao longo de milhares de anos da ocupação humana no subcontinente indiano sempre foram regulares, nas últimas décadas vêm se apresentando de forma muito irregular, ora muito abaixo da média, ora muito violentas. O visível aumento do nível do mar no Golfo de Bengala é outra grande preocupação. Recentemente, uma ilha oceânica que era disputada entre Bangladesh e a Índia, a Ilha New Moore, simplesmente foi encoberta pelas águas do oceano e desapareceu. 

A frustração com as atividades agrícolas tem levado muitas famílias a migrar para as grandes cidades do país, onde a já conhecida pobreza no campo é trocada pela miserabilidade da vida nas pequenas confecções ou pelo arriscado trabalho de desmonte de navios no litoral. A mão de obra em Bangladesh é, inacreditavelmente, mais barata que na China, o que transformou o país no segundo maior produtor de roupas e tecidos do mundo. Em lojas de grifes famosas da Europa e dos Estados Unidos é comum encontrar roupas caríssimas com uma etiqueta onde se lê Made in Bangladesh

As costureiras de Bangladesh trabalham de 12 a 14 horas por dia em oficinas apertadas e abafadas, em troca de um salário mínimo de apenas US$ 67.00 por mês (até 2013, o salário mínimo no país era de US$ 38.00). Estudos de entidades ligadas aos Direitos Humanos mostram que 15% das crianças de Dhaka, a capital do país, com idades entre 6 e 14 anos, deixam de ir para a escola para ajudar os pais com o trabalho nas confecções. Nos estaleiros de desmanche de navios a situação não é muito diferente – são os mesmos salários baixos combinados com um trabalho perigoso: há um acidente de trabalho grave a cada dia e pelo menos um operário morre a cada semana vítima de explosões, quedas, incêndios e quedas de peças, entre outros tipos de “acidentes”. 

Continuaremos a falar disso nas próximas postagens. 

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