AS EXPORTAÇÕES ILEGAIS DE LIXO ELETRÔNICO NO MUNDO

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Em 2003, assim meio que por acidente, recebi um convite para assessorar a comunicação social de um grupo construtor que estava iniciando a segunda fase das obras do Complexo Viário Jacu Pêssego, na Zona Leste da cidade de São Paulo. O trabalho consistia em apresentar as obras para os moradores da Comunidade Pantanal, em São Miguel Paulista, onde seria necessária a remoção e realocação de centenas de casas, liberando uma faixa para a construção de um prolongamento da Avenida até a Rodovia Ayrton Sena. Muita conversa e negociação.

A comunidade tinha um cheiro característico, marcante desde o primeiro dia de trabalho – cheiro de plástico e de borracha queimados. Não demorei muito a perceber que, por todos os cantos, se encontravam moradores ao lado de pequenas fogueiras queimando fios e cabos elétricos, “achados” nas ruas e em lixões próximos. Essa queima tinha por objetivo remover a capa de plástico e borracha – os resíduos de cobre eram depois vendidos em ferros velhos da região. Além de todos os problemas de falta de infraestrutura, desde calçamento de vias e vielas até no acesso a água tratada, esses moradores respiravam um ar contaminado por fumaça tóxica durante o dia e a noite. Essa técnica de queima é muito usada nos países pobres por recicladores de lixo eletrônico para separar cobre e outros metais de peças plásticas dos componentes – como eu comentei no meu último post, são poucos os países que possuem modernas tecnologias para a separação limpa e eficiente dos metais do lixo eletrônico.

Dados da OIT – Organização Internacional do Trabalho, mostram que o volume de lixo eletrônico cresce sem parar nos países em desenvolvimento – a fonte desse crescimento não se deve necessariamente ao uso de equipamentos eletroeletrônicos pelas populações desses países, mas na exportação ilegal de lixo eletrônico dos países ricos para países pobres como Gana, Nigéria, Índia e China. Segundo o documento O Impacto Global do Lixo Eletrônico: Lidando com o Desafio (2013), 80% do lixo eletrônico das nações ricas é enviado ilegalmente outros países, sob a rubrica de equipamentos eletroeletrônicos de segunda mão. Vendidos a preços extremamente baixos, metade destes equipamentos quebra em pouco tempo e se transforma em lixo eletrônico; 30% dos equipamentos já chega aos países sem funcionar e, na prática, já é lixo eletrônico.

De acordo com as conclusões do estudo, ”as nações em desenvolvimento estão tendo de lidar com o ônus de um problema global, sem ter a tecnologia para lidar com isso. Além disso, os países em desenvolvimento estão eles próprios cada vez gerando maiores quantidades de lixo eletrônico”.

O estudo constatou que está havendo um aumento rápido na geração de lixo eletrônico em todo o mundo, especialmente na China, no Leste Europeu e na América Latina. Estima-se que 70% dos produtos eletrônicos descartados são exportados para a China, que terceiriza os trabalhos de reciclagem com países pobres da região como o Camboja e Vietnã. Os trabalhadores destes países utilizam ferramentas rudimentares para desmontar os equipamentos e separar os componentes – o uso do fogo é recorrente. Como seria de se esperar, esses trabalhadores não têm vínculos formais com os empregadores e não contam com as mais elementares garantias trabalhistas. E, como sempre, o deplorável trabalho infantil é prática comum.

Além de todos os riscos de acidentes associados às mais precárias condições de trabalho, esses trabalhadores ficam expostos à fumaça tóxica resultante da queima dos fios, cabos e componentes, que além dos resíduos dos plásticos e borrachas queimados, exalam vapores de metais como mercúrio, chumbo, alumínio, prata e cobre, metais tóxicos para o organismo humano quando inalados nestas condições e responsáveis pelo desenvolvimento de inúmeras doenças.

Os resíduos dos resíduos eletroeletrônicos, por sua vez, estão causando todos os tipos de problemas ambientais nesses países. A baixa tecnologia disponível permite a recuperação de uma pequena porcentagem dos metais – os resíduos que sobram são descartados em lixões improvisados, contaminando o solo e as águas: como a base econômica destes países pobres está na agricultura e na pecuária, os problemas ambientais provocados pelos resíduos eletroeletrônicos se espalham em cadeia por todas as direções – toda a população acaba sofrendo, direta ou indiretamente.

Durante a maior parte da história da humanidade, o mundo parecia ser muito maior do que é hoje.

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