AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS E SEUS IMPACTOS EM BANGLADESH

Dhaka

Ao longo das últimas postagens apresentamos um quadro bastante preocupante da situação ambiental na pequena e superpovoada República Popular de Bangladesh, um enclave muçulmano na região Nordeste da Índia, que primeiro fez parte do Paquistão e depois, em 1971, conseguiu a sua independência. Bangladesh é um dos países mais pobres e miseráveis do mundo que, para manter a sua população de mais de 170 milhões de habitantes, sedia algumas das “indústrias” mais degradantes da humanidade. 

A situação geopolítica do país resulta num custo de mão de obra inferior ao da China, onde a exploração dos trabalhadores ultrapassa limites da dignidade humana. Graças aos seus baixos custos, Bangladesh se transformou no segundo maior produtor mundial de têxteis e sedia também algumas das maiores empresas de desmonte naval da Ásia. Por fim, o país se transformou no destino de gigantescos volumes de resíduos plásticos gerados por países ricos, que são exportados para reciclagem no país – uma parte considerável desses resíduos, que não pode ser reaproveitada, acaba se transformando em lixo e se juntando a outros milhões de toneladas de resíduos abandonados em lixões a céu aberto por todo o país. 

Mas não são só as ações antrópicas locais as fontes dos inúmeros problemas ambientais vividos por Bangladesh – os efeitos de mudanças no clima global, essas criadas por toda a humanidade, podem ser vistas facilmente nas terras baixas do país, em especial aquelas que estão ligadas à elevação do nível do mar e ao aumento das enchentes. Vamos entender isso. 

Entre todos os grandes oceanos do planeta, o Índico é o que, proporcionalmente, mais sofre com as interferências das mudanças climáticas que estão ocorrendo na Antártida. O derretimento de grandes massas de gelo no Polo Sul tem provocado alterações nas correntes marinhas do Oceano Índico que, combinadas com o aumento da temperatura das águas, tem reflexos diretos na formação e no deslocamento das massas de umidade que atingem a África e a Ásia – algumas áreas estão sofrendo com chuvas abaixo da média e outras com volumes muito acima da média histórica. Essas mudanças também têm levado a formação de grandes tempestades e ciclones devastadores. 

As medições sistemáticas da temperatura das águas do Oceano Índico começaram em 1880. Nos últimos anos essas medições têm encontrado aumentos sucessivos nas temperaturas das águas: em 2010, foi observado um aumento de 0,70° C em relação à média histórica; em 2011, a temperatura média caiu um pouco e mostrou um aumento de 0,58° C; em 2012, o aumento foi de 0,62° C e em 2013, o aumento foi de 0,67° C. Nos anos seguintes, foram registrados recordes sucessivos de aumento da temperatura: 0,74° C em 2014, 0,90° C em 2015 e 0,94° C em 2016.  

Um perceptível aumento no nível das águas do Oceano Índico é uma grande ameaça também. Um dos países em situação mais preocupante nesse momento são as Ilhas Maldivas, uma república formada por 1.196 pequenas ilhas, agrupadas em 26 atóis e onde vivem 330 mil pessoas. Essas ilhas se estendem numa faixa de águas próximas do Sudoeste da Índia e têm como principais fontes de renda a pesca e o turismo. A altitude média dessas ilhas é de apenas 1,5 metro acima do nível do mar – o ponto mais alto de uma das ilhas é de 2,3 metros. A capital do país, Malé, onde vivem 100 mil pessoas, tem uma altitude média de 0,9 metros acima do nível do mar. Dentro de poucos anos, as Ilhas Maldivas poderão, simplesmente, ser encobertas pelas águas do Oceano Índico. 

A situação de Bangladesh não é muito mais confortável – cerca de 90% das terras do país tem uma altitude máxima de 10 metros em relação ao nível do mar. Para piorar, o território bangladês (eu uso esse neologismo em substituição ao oficial e horrível bangladeshiano) recebe todas as águas do trecho final de duas grandes bacias hidrográficas – dos rios Ganges e Brahmaputra. Durante o período das Chuvas da Monção, metade do território de Bangladesh já fica inundado; com o aumento do nível das águas do Golfo de Bengala, há uma tendência de crescimento das terras inundáveis. 

De acordo com estudos realizados pela Diretoria de Gestão de Mudança Climática e Risco de Desastres do Banco Asiático de Desenvolvimento, um eventual “aumento do nível do mar poderia inundar periodicamente 14% da superfície de Dhaka, e as zonas mais próximas a Sundarbans terão pior sorte”. Os estudos também mostram que uma área de 47 mil km² próxima da costa do país ficará sujeita aos impactos de fortes tempestades, ciclones e aumento da salinidade. Nessa região vive cerca de 40 milhões de pessoas ou o equivalente a 25% de toda a população de Bangladesh

Em termos econômicos, essas mudanças no padrão climático serão simplesmente catastróficas. A produção do arroz, o produto mais importante da agricultura local, sofreria perdas ente 17% e 28%. A agricultura responde por 20% do PIB – Produto Interno Bruto, de Bangladesh e ocupa 48% da mão de obra. Outros dois importantes setores da economia do país, a indústria do desmonte naval e a têxtil, também serão fortemente impactadas. Dhaka (vide foto), a maior e mais importante cidade de Bangladesh, que sedia milhares de pequenas oficinas de corte e costura, já sofre imensamente com o drama das enchentes – basta uma chuva de meia hora para inundar toda a cidade. Já os estaleiros espalhados ao longo da costa, esses ficariam simplesmente inviabilizados. 

Ainda existem más notícias – os modelos matemáticos criados pelos especialistas do Banco Asiático de Desenvolvimento indicam que um aumento na temperatura global de 2° C poderá levar Bangladesh a perder 8,8% do PIB até o ano de 2100. Até o ano de 2030, estão sendo estimados gastos anuais da ordem de US$ 89 milhões apenas para adaptar o país a resistir aos primeiros impactos ambientais. A partir do ano de 2050, esses investimentos precisarão ser quadruplicados e serão necessários investimentos anuais de US$ 369 milhões em obras para o combate dos efeitos das mudanças climáticas. Em um país onde a renda per capita é pouco superior a US$ 400.00, isso é muito dinheiro. 

Para todos aqueles que imaginam que esses dados são profecias de capadócio de um ambientalista radical: recentemente, uma ilha do Golfo de Bengala com posse disputada pela Índia e por Bangladesh, a Ilha New Moore ou Ilha de Talpati na língua bengali, simplesmente foi encoberta pelas águas do mar. Essa ilha desabitada tinha aproximadamente 10 km² e apresentava uma altitude média de 2 metros acima do nível do mar. Ao longo de 10 anos foi possível observar uma redução sistemática no tamanho da ilha até o seu completo desaparecimento sob as águas. 

A transferência de populações de uma área sujeita ao avanço do nível do mar é uma possibilidade e poderá ser uma opção para os 330 mil moradores das Ilhas Maldivas, que poderão ser repatriados para alguma área continental. Agora, no caso de Bangladesh, onde o problema afetará dezenas de milhões de pessoas, se esbarra em inúmeros problemas econômicos e políticos. 

O aumento regional das temperaturas do Oceano Índico também tem seus impactos no aumento da temperatura dos ventos que sopram na direção da área continental, especialmente nas geleiras que cobrem os picos da Montanhas Himalaias. As nascentes dos maiores rios da Ásia, como o rio Ganges e o Brahmaputra, dependem do degelo desses glaciares. Estudos indicam que essa grande massa de gelo está diminuindo e que, dentro de poucas décadas, muitos desses rios estarão ameaçados. Ou seja, ao mesmo tempo em que a água do mar poderá avançar para dentro do território de Bangladesh, as águas doces que descem das Himalaias poderão diminuir.

Como é que pode dormir sabendo que as águas do mar poderão bater na porta da sua casa durante a noite ou que os rios poderão secar? 

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7 Comments

  1. […] Essa verdadeira catástrofe ambiental dos nossos dias, que ainda está apenas em seus estágios iniciais, vem se juntar a outras também decorrentes do aumento das temperaturas do planeta. Falo aqui do derretimento de grandes massas de gelo nas regiões polares e no alto de grandes cadeias de montanhas, do aumento do nível dos oceanos, de mudanças nos padrões nas correntes marinhas e nos ventos, entre outros gravíssimos problemas.  […]

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