Tempos atrás eu recebi através de uma rede social um interessante documentário em vídeo – Como os lobos mudam rios. Em pouco mais de 4 minutos, o documentário mostrou os impactos positivos da reintrodução de lobos no famoso parque norte-americano de Yellowstone (aquele do personagem Zé Colmeia). Acusados de matar ovelhas e outros animais domésticos, os lobos da região foram caçados impiedosamente pelos fazendeiros até seu completo desaparecimento em 1920.
Em 1995 foi criado levado a cabo um projeto de ambientalistas para a reintrodução de alguns lobos em Yellowstone, que até então, por falta de um grande predador, abrigava uma grande população de veados. Os lobos passaram a caçar os veados e esses, para se proteger, passaram a evitar os vales e as áreas mais baixas do Parque. Sem a presença dos veados, muitas novas árvores passaram a crescer nessas áreas, o que atraiu muitas aves e animais como esquilos, texugos, castores e doninhas. Com a presença dos lobos, os coiotes passaram a evitar o Parque, o que fez aumentar as populações de ratos e coelhos, presas que passaram a atrair águias e raposas. Os restos das carcaças de animais abatidos pelos lobos também passaram a atrair animais carniceiros como abutres e corvos.
Com o crescimento de novas árvores que produziam frutas, os ursos ganharam uma nova fonte de alimentos e tiveram a sua população aumentada. Ursos também caçam outros animais, inclusive veados, ajudando a controlar suas populações. Com o aumento das árvores, as margens dos rios passaram a sofrer menos com as erosões, o que por fim estabilizou o curso e os caudais dos rios. Em resumo – a reintrodução de uma espécie animal num ecossistema alterou, inclusive, a geografia do Parque Yellowstone.
Comecei a postagem contando essa história para falar de um assunto importante ainda ligado a Ilha de Madagascar. De acordo com um relatório publicado pela IUCN – União Internacional pela Conservação da Natureza, na sigla em inglês, 95% da população de lêmures, espécie de primata nativo da Ilha de Madagascar, está à beira da extinção. Conforme apresentamos em postagem anterior, Madagascar sofre intensamente com o rápido desflorestamento – algumas estimativas indicam que mais de 80% da cobertura florestal original da Ilha já foi destruída por atividades humanas.
O relatório da IUCN mostra que, das 111 espécies e subespécies de lêmures conhecidas, 105 estão ameaçadas. A espécie em situação mais crítica é a do chamado lêmure-esportivo-do-Norte, cuja população está reduzida a apenas 50 indivíduos. A perda de habitats e a caça de animais para venda estão entre as maiores ameaças para as populações remanescentes de lêmures.
A Ilha de Madagascar se formou a partir da fragmentação do supercontinente de Gondwana, num processo geológico de movimentação das placas continentais, também chamadas de placas tectônicas. Até cerca de 82 milhões de anos atrás, a massa de terra que formou a Ilha de Madagascar ainda estava unida ao bloco correspondente ao subcontinente indiano, que por fim acabou se separando e “rumando“ em direção do Sul da Ásia.
De acordo com estudos fósseis e testes com DNA, os ancestrais dos lêmures chegaram na Ilha de Madagascar entre 40 e 52 milhões de anos atrás. A hipótese mais aceita é que esses animais chegaram junto com vegetação flutuante, o que lhes permitiu atravessar o Canal de Moçambique. Também não está descartada a existência temporária de uma ponte de terra que permitiu a migração dos animais do continente para a Ilha. Esses animais, que também são ancestrais de macacos africanos, ficaram isolados na Ilha de Madagascar e seguiram por um caminho evolutivo próprio, ocupando os mais diferentes nichos ecológicos.
As menores espécies de lêmures têm pesos desde os 30 gramas chegando até 240 kg, que era o peso de uma espécie gigante já extinta. Cada uma dessas espécies desenvolveu preferências por alguns tipos de alimentos, especialmente insetos e frutas, o que nesse último caso transformou esses animais em importantes dispersores de sementes e frutos, um serviço ambiental fundamental para a sobrevivência de um sem número de espécies de árvores. Caso os lêmures desapareçam, essas árvores perderão seus parceiros nos trabalhos de dispersão de sementes e, no médio e longo prazo, as próprias árvores entrarão em extinção.
Para que todos entendam a importância dessa parceria ambiental entre lêmures e árvores, vou citar um exemplo brasileiro – a gralha-azul, a ave que é reconhecida como a plantadora das araucárias, também conhecidas como pinheiros-do-Paraná. A Araucaria angustifolia é uma espécie de árvore classificada como gimnosperma, ou seja, cujas sementes possuem uma casca dura e não protegida pela polpa dos frutos (a grande maioria das árvores é classificada como angiospermas, ou seja, que produzem frutos com sementes). É uma espécie adaptada para regiões de clima subtropical, com temperaturas mais baixas nos invernos, encontradas comumente nos planaltos da região Sul do Brasil, especialmente nos Estados do Paraná e de Santa Catarina, e também nas regiões serranas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A gralha-azul (Cyanocorax caeruleus) é uma ave com aproximadamente 40 cm de comprimento, com coloração das penas do corpo de um azul vivo e com a cabeça, a parte frontal do pescoço e partes do peito na cor preta. Essas aves costumam viver em pequenos bandos, se alimentando de frutas, insetos e, especialmente, dos pinhões das araucárias. Durante os meses de outono, época em que as araucárias produzem os pinhões, as gralhas-azuis coletam os pinhões e os “estocam” em áreas delimitadas do solo ou os encravam em troncos caídos no solo, criando assim uma reserva de alimentos para o período do inverno. Muitos desses pinhões acabam esquecidos pelas aves e germinam, produzindo novos exemplares de araucárias.
Com a intensa derrubada de matas de Araucárias nas últimas décadas para exploração madeireira e criação de campos agrícolas, as gralhas-azuis estão ameaçadas de extinção. O caso dos lêmures é exatamente o contrário – a ameaça de extinção dos animais é que poderá levar muitas espécies de árvores a extinção, reduzindo ainda mais a já rala cobertura florestal da Ilha de Madagascar.
Assim como mostrado no exemplo dos lobos do Parque Yellowstone, a presença dos lêmures vivos nas florestas malgaxes também influencia a vida dos rios – com a dispersão das sementes e frutos das árvores, os lêmures garantem que novas árvores nasçam, o que por sua vez vai assegurar a dinâmica das águas dos rios. Com as matas em pé, as margens dos rios ficam protegidas e livres de desmoronamentos e assoreamentos. As árvores também garantem a permeabilidade dos solos e a recarga dos aquíferos e lençóis subterrâneos com as águas das chuvas.
São os lêmures e os lobos garantindo o futuro dos rios. Acredito que nenhum de vocês imaginava que algo assim fosse possível.
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[…] Falo aqui da fragmentação e diminuição dos habitats, que no curto e médio prazo implicam na perda de espécies animais, mas que no longo prazo implicam na destruição da própria […]
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[…] ribeirões. A maior parte das águas pluviais então corre com violência sobre os solos desnudos, provocando erosão e assoreamento dos corpos d’água, e correndo diretamente na direção do oceano, sem deixar reservas para os meses de […]
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