A TECA, O DENDEZEIRO, O PINUS E O EUCALIPTO TAMBÉM ESTÃO INVADINDO A AMAZÔNIA

A Floresta Amazônica ocupa uma área total com aproximadamente 5,5 milhões de km² em nove países, sendo que 60% desse total fica dentro do Brasil. Diferentemente do que muitos podem imaginar, não se trata de uma floresta única e contínua – a Amazônia é um verdadeiro mosaico de sistemas florestais, onde se incluem campos, restingas, matas secas, matas úmidas, manguezais, florestas de altitude, várzeas alagáveis ou iguapós, entre muitos outros.

A imagem mais representativa que sempre me vem a mente para demonstrar esses diferentes biomas é a de um alcochoado de retalhos que minha avó fazia. Ela costurava diferentes pedaços de tecidos coloridos até formar o corpo do alcochoado, que depois era recheada com algodão e pedaços picados de tecido. Esse tipo de trabalho era coisa de gente pobre e caipira. Hoje em dia virou coisa chic – patchwork, e alcochoado é mais conhecido como ededron. Em resumo: a Floresta Amazônica parece uma grande “colcha de retalhos” e a melhor forma de se conhecer cada um desses “pedaços” é viajando por lá.

Há cerca de dez anos atrás, quando viajava de Porto Velho em Rondônia para a cidade de Humaitá no Sul do Estado do Amazonas, observei uma grande área desmatada na beira da rodovia, talvez com uns 5 km². Meses depois, refazendo a viagem pelo mesmo caminho, vi que essa área havia recebido o plantio de milhares de mudas de árvores, que imaginei há época serem mudas de eucalipto. Conversando depois com um colega natural da região, fiquei sabendo que aquela era mais uma plantação de teca, uma espécie de árvore nativa do Sudeste Asiático e que estava se transformando numa verdadeira praga na região. Para aqueles que não prestaram atenção na minha frase: uma área com cerca de 5 km² de Floresta Amazônica foi desmatada para ser reflorestada com teca – isso é ou não é uma praga?

teca (Tectona grandis) é uma espécie de árvore tropical de crescimento rápido, que produz uma madeira de ótima qualidade e com uma textura similar à do mogno brasileiro. A espécie é cultivada em larga escala desde o século XVIII em países como a Índia, Myanmar, Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã e Indonésia. Em décadas recentes, a espécie foi introduzida em áreas tropicais de países como Togo, Camarões, Zaire, Nigéria, Trinidad e Tobago, Honduras e no Brasil. Atualmente, as áreas com plantações de teca no mundo são estimadas em mais de 3 milhões de hectares. 

O sucesso e a expansão das plantações de teca pelo mundo afora tem uma razão muito simples: o metro cúbico da madeira no mercado internacional pode valer entre US$ 400 e US$ 3 mil, a depender da qualidade da textura da madeira e da bitola das toras. Esse é um ótimo argumento para alguém desmatar uma grande área da Floresta Amazônica, lembrando do caso citado de Humaitá, para plantar essa árvore exótica.  

Uma outra espécie exótica que vem ganhando espaço na Região Amazônica já há muito tempo é a palma-da-Guiné ou dendezeiro (Elaeis guineensis), que produz um fruto rico em óleo e muito conhecido pelos brasileiros: o azeite de dendê. A espécie é originária da costa Oeste do continente africano, no trecho entre o Senegal e Angola. De acordo com estudos históricos, o dendê vem sendo utilizado pelas populações há mais de 5 mil anos. No Brasil, a espécie foi introduzida no Período Colonial, quando era intenso o trânsito de navios negreiros e mercantes entre a África e o Brasil. Uma extensa região no Estado da Bahia passou a ser dedicada ao cultivo da palma-da-Guiné. Na década de 1960, foram introduzidas as primeiras mudas da espécie no Pará, Estado que responde atualmente por 70% da produção brasileira. 

dendê se destaca pela sua alta produtividade de óleo: uma plantação com um hectare de palma-da-Guiné pode produzir cerca de 5 toneladas de óleo, contra 700 kg da mesma área com mamona e 500 kg no caso da soja. O óleo ou azeite de dendê é o mais comercializado do mundo, respondendo por 30% do mercado total de óleos de origem vegetal e por 45% do mercado de óleos específicos para alimentos, gerando negócios anuais da ordem de US$ 45 bilhões. 

Uma das aplicações mais recentes do azeite de dendê é o seu uso como biocombustível em motores a diesel. A abertura de campos agrícolas para o plantio de dendezeiros responde por cerca de 0,4% dos desmatamentos mundiais – na Indonésia e Malásia, entretanto, essa cultura responde por metade dos desmatamentos. Ou seja, o biocombustível renovável feito a partir dos frutos do dendezeiro é o maior responsável pela destruição das Florestas Equatoriais do Sudeste Asiático. 

No Brasil, a cultura da palma-da-Guiné ocupa uma área total superior a 230 mil hectares, sendo que mais de 200 mil hectares estão localizados em áreas da Floresta Amazônica no Estado do Pará. Segundo estimativas do Governo Federal, que fazem parte do Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, existem 30 milhões de hectares adequados para a produção de azeite de dendê no Brasil, especialmente na Amazônia. A princípio, essas já são áreas degradadas e que poderiam ser “reflorestadas” através de plantações de palma-da-Guiné. Porém, a exemplo do que vem ocorrendo com as florestas tropicais do Sudeste Asiático, nada impede que áreas da Floresta Amazônica venham a ser suprimidas para a expansão de plantações de palma. 

Outras espécies exóticas que vêm conquistando espaço na Amazônia são o eucalipto e o pinus, citados numa postagem anterior. O eucalipto foi introduzido no Brasil em 1868 com o objetivo de fornecer lenha em grande quantidade para alimentar as locomotivas a vapor que transportavam as grandes cargas de café produzidas no Estado de São Paulo. A espécie é originária da Austrália e da Indonésia, sendo uma árvore de grande porte e de crescimento muito rápido, justamente o que as autoridades da época buscavam.  A madeira do eucalipto também era indicada para a produção de dormentes para ferrovias, mourões, postes e também tábuas, caibros e vigas para uso na construção civil.  

Uma aplicação menos nobre, mas muito importante era seu uso para a produção de carvão vegetal para consumo na siderurgia – o Brasil sempre foi carente de fontes de carvão mineral. Em Minas Gerais, o maior produtor brasileiro de minério de ferro, grandes extensões de Mata Atlântica no Estado foram devastadas ao longo de várias décadas para a produção de carvão vegetal para uso nos altos-fornos das empresas siderúrgicas. Só em anos bem recentes, com a adoção de normas rígidas de preservação ambiental, é que a madeira do eucalipto de áreas de reflorestamento passou a ser usada para a produção desse carvão. 

Na Região Amazônica algo semelhante está acontecendo – com a criação do Projeto Carajás nas décadas de 1970 e 1980, onde é feita a exploração da maior jazida de minério de ferro do mundo, passaram a surgir inúmeras empresas produtoras de ferro-gusa no Pará e no Maranhão. Para suprir parte das necessidades de carvão dessas empresas, pequenos produtores de carvão vegetal passaram a derrubar trechos da Floresta Amazônica para a obtenção de lenha. Além do evidente crime ambiental, essas carvoarias (grande parte clandestinas) são famosas pelo uso de mão de obra escrava e infantil

O plantio de eucalipto em áreas desmatadas da Amazônia vem ganhando força nos últimos anos como uma alternativa para o fornecimento de lenha para a produção de carvão vegetal. De acordo com estudos da UFPA – Universidade Federal do Pará, as empresas siderúrgicas da região demandam um consumo anual de 3,5 milhões de toneladas de carvão vegetal, sendo necessário 22,5 milhões de metros cúbicos de madeira para se obter essa produção de carvão. Desse consumo de madeira, mais de 12 milhões de metros cúbicos são extraídos ilegalmente através de desmatamentos na Floresta Amazônica

pinus (Pinus caribaea) é uma espécie originária da América Central e Sul da América do Norte, também de rápido crescimento, fácil adaptação a solos pobres e que não tem inimigos naturais, predadores ou herbívoros que se alimentem de suas sementes aqui no Brasil. A madeira do pinus é largamente utilizada para a fabricação de papel e celulose, o que levou a espécie ser muito difundida em todo o mundo. O pinus é considerada a espécie de planta mais agressiva do mundo. Conforme comentamos em outras postagens, os solos da Amazônia são pobres e extremamente ácidos, se degradando rapidamente após a derrubada da mata. É justamente nesses solos degradados onde estão sendo implantadas grandes plantações de pinus por toda a Amazônia. Um grande exemplo disso é o Projeto Jari., que além do pinus introduziu também a gmelina arbórea originária do Sudeste Asiático

A maior e mais rica floresta equatorial do mundo, a Amazônia, está sendo destruída pouco a pouco pela extração ilegal de madeira, pelas queimadas e pelo avanço da agropecuária. Em muitos lugares onde outrora havia a Floresta nativa, estão surgindo plantações de árvores exóticas como a teca, o eucalipto, o pinus a palmeira-da-Guiné, entre muitas outras espécies. Um cenário cada vez mais surreal.  

É o grande alcochoado da Amazônia ganhando cada vez mais novos “retalhos” exóticos…

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BABAÇU: UMA PALMEIRA AMAZÔNICA QUE TAMBÉM É UMA PLANTA INVASORA NA AMAZÔNIA

Entre os anos de 2009 e 2010, morei na cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia. A empresa em que eu trabalhava há época ganhou a licitação para a implantação de um grande sistema de coleta e tratamento de esgotos nessa cidade. Com cerca de 400 mil habitantes, Porto Velho dispunha de redes coletoras de esgotos atendendo apenas 3% dessa população. Brigas entre diferentes grupos políticos da cidade e do Estado, infelizmente, impediram que essas obras avançassem. 

Logo depois da segunda semana em que eu cheguei por lá, alguns amigos da empresa organizaram uma viagem de fim de semana até a cidade de Guajará Mirim, na fronteira com a Bolívia. No lado boliviano, na cidade de Guayaramerin, existiam dezenas de lojas que vendiam produtos importados livres de impostos. Curioso em conhecer a região, acabei indo nessa viagem. 

Ao longo do percurso de cerca de 330 km, vi e senti pela primeira vez a grandiosidade da Floresta Amazônica. Apesar de existiram imensas fazendas à beira das estradas, todas com seus típicos quadrângulos desmatados, as matas ainda dominavam os horizontes. 

Em vários trechos do caminho passei a observar grandes áreas descampadas cobertas apenas por palmeiras. A certa altura, acabei questionando um colega de trabalho que era da região e que ocupava o posto de engenheiro de meio ambiente da obra. Foi aí que fiquei sabendo que aquelas palmeiras eram babaçu, uma espécie da flora local que se transformou em uma verdadeira praga em áreas de pastagens abandonadas.  

O babaçu (Atallea speciosa) é uma palmeira típica das florestas ombrófilas da Amazônia e também do bioma Cerrado. Na Amazônia, é uma das espécies de palmeiras mais abundantes, ocupando uma área total de 17 milhões de hectares no Brasil, na Bolívia e nas Guianas. 

O babaçu tem uma enorme importância econômica e social para as populações da Amazônia, sendo explorado por meio de extrativismo. Do babaçu aproveita-se praticamente tudo: suas folhas são usadas na cobertura de casas; suas fibras são transformadas em cestos, chapéus, peneiras e esteiras, entre outros tipos de artesanato. A madeira do caule de árvores velhas tem usos em marcenaria e, no caso das palmeiras novas, pode-se extrair um ótimo palmito. A palmeira também produz uma seiva, que depois de fermentada, produz um delicioso vinho. 

As amêndoas verdes dos cocos produzem um leite muito utilizado na culinária local e que tem propriedades nutritivas semelhantes ao leite humano. Do mesocarpo do babaçu é extraída uma farinha, mais conhecida como pó de babaçu, usada na preparação de bolos e mingaus. Outro produto importante é o óleo do coco do babaçu. No total, existem 62 aplicações catalogadas para os frutos e demais subprodutos do babaçu

Uma outra característica importante do babaçu é grande resistência da casca dos cocos e que resulta em uma forte proteção para as suas amêndoas, que são as sementes da planta. Os cocos caídos nos solos da floresta podem durar vários anos, resistindo às intempéries e ao fogo das queimadas. São essas sementes “estocadas” nos cocos espalhados pelo solo da floresta que, em determinado momento, começarão a brotar em massa em áreas que foram desmatadas 

Nas florestas naturais, como é o caso da Amazônia, as populações animais e vegetais sofrem um controle populacional influenciado por fatores abióticos como tipo de solo, clima e topografia e também por fatores bióticos como disponibilidade de alimentos para espécies animais e de condições para a dispersão de sementes das espécies vegetais. Enquanto as condições naturais de uma determinada área forem mantidas, esse controle das populações se mantém. 

Cada metro quadrado dos solos da Floresta Amazônica possui milhares de sementes lançadas pelas árvores e demais plantas. Esse “banco de sementes” fica à espera de uma oportunidade para germinar – uma grande árvore velha que cai durante uma forte chuva, citando um exemplo, abrirá uma clareira na mata, o que permitirá que a luz do sol atinja o solo. É neste momento que um sem número de sementes vai germinar criando uma alucinante corrida pela luz solar. A planta que crescer mais rápido ganhará a disputa. 

Apesar de serem encontradas em pequeno número no meio da mata, cada palmeira de babaçu produz entre 3 e 5 cachos, cada um desses cachos produz entre 300 e 500 cocos, e cada coco possui entre 3 e 5 amêndoas, o que nos dá uma ideia da grande quantidade de sementes lançadas em suas proximidades ao longo dos anos. Muitas dessas sementes resistem por anos a fio esperando a hora certa de germinar. 

É justamente aqui que entram em cena os desmatamentos, muitos deles feitos por pioneiros da ocupação da Amazônia décadas atrás, quando o Governo Federal criou uma série de programas para estimular a ocupação da Região Norte do Brasil. Foi a época da construção de grandes rodovias como a Belém-Brasília e a icônica Transamazônica

Entre as diversas estratégias para a fixação dos “homens sem terra em uma terra sem homens”, foram criadas as agrovilas, empreendimentos onde os colonos recebiam uma casa e um pedaço de terra. Devido às imensas dificuldades criadas pela falta de infraestrutura dessas agrovilas – principalmente serviços hospitalares, educação e transporte, muitos dos colonos acabavam por abandonar as agrovilas poucos anos depois. Em muitos casos, até 90% dos colonos abandonaram suas terras. 

Outros casos que podemos citar foram os desmatamentos feitos para a formação de pastagens para a criação de gado. Conforme já comentamos em postagens anteriores, a maior parte das terras da Amazônia é formada por solos ácidos e de baixíssima fertilidade. O que dá uma falsa sensação de imensa fertilidade é uma grossa camada de húmus formado pela decomposição de restos de plantas da própria floresta e de carcaças de animais mortos.  

Quando as árvores são cortadas, essa camada fértil de húmus fica exposta e acaba sendo arrastada pelas chuvas, o que faz os solos perderem a fertilidade rapidamente. Nos solos empobrecidos que restam, a quantidade de pastagem que cresce não é suficiente para o sustento de grandes rebanhos, o que levou muitos fazendeiros a abandonar suas terras. 

Essas terras desmatadas e sem usos é que passaram a permitir o crescimento de grandes quantidades de palmeiras de babaçu, uma árvore de crescimento rápido e que pode atingir uma altura entre 20 e 30 metros, A sombra formada pelas palmeiras impede o desenvolvimento de outras espécies de árvores, alterando completamente a ecologia dessas áreas. Apesar de ser uma espécie nativa da Amazônia, as palmeiras de babaçu nessas situações passam a ser consideradas como uma espécie invasora. 

Uma grande concentração de palmeiras de babaçu em uma área relativamente pequena vai resultar em solos saturados de sementes – mesmo que se faça o corte de todas as palmeiras para usar a terra para agricultura ou para a formação de pastagens, chegará um momento em que as sementes enterradas no solo começarão a brotar, saturando novamente a área com palmeiras. É o típico problema sem solução. 

E aí você pode perguntar – essas áreas não podem ter os frutos e os subprodutos do babaçu explorados? A dura resposta é não – essas áreas são muito pequenas para uma exploração lucrativa pelas “mulheres quebradeiras de coco” (vide foto), que preferem viver em regiões que concentram milhares e milhares de palmeiras de babaçu. 

PINUS E EUCALIPTO: DUAS IMPORTANTES ESPÉCIES DE ÁRVORES “INVASORAS”

Nas últimas postagens falamos de várias espécies animais exóticas que foram introduzidas aqui no Brasil e em países vizinhos. Destaco os castores norte-americanos que estão assolando as florestas do Sul da Argentina e do Chile, os javalis-europeus que se disseminaram por extensas áreas da Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil, além do terrível mexilhão-dourado que está ocupando rios, lagos e represas em grande parte da América do Sul.

Espécies invasoras, porém, não são apenas do reino animal – diversas espécies de plantas exóticas foram introduzidas em diferentes partes do mundo e causam enormes problemas para as faunas e floras locais. Isso fica bastante claro quando analisamos as principais culturas agrícolas aqui do Brasil: a exceção da mandioca e de uma ou outra planta “brazuca”, a grande maioria das espécies vegetais cultivadas para fins comerciais são exóticas.

Nas primeiras décadas de nossa história colonial começamos com a cana-de-açúcar (Sudeste e Sul Asiático), depois vieram o café (Etiópia), o algodão (Egito – as espécies nativas tem pouca produtividade), tabaco (Andes), cacau (México – existem espécies nativas, porém de baixa produtividade), coco (Índia), laranja (Oriente Médio), banana (Sudeste Asiático), manga (Sudeste Asiático), batata (Andes), arroz (Extremo Oriente) e o feijão (Andes), entre muitas outras. Em épocas mais recentes foram introduzidas a soja (Extremo Oriente), o pinus (América do Norte) e o eucalipto (Austrália).

Essas plantas exóticas ocuparam mais de 90% da área original da Mata Atlântica, 50% do Cerrado e dos Pampas, grandes extensões da Caatinga – o Pantanal e Amazônia assistem suas bordas sendo atacadas sistematicamente por essas espécies. Uma das indústrias que mais investem em plantações de espécies exóticas é a do papel e da celulose, especialmente a partir do eucalipto, cultura que responde por 85% da matéria prima usada pela indústria. A matéria prima restante é fornecida pelas plantações de pinus, fortemente concentradas na região sul do Brasil.

Árvores conhecidas como folhosas ou hardwood como o eucalipto produzem a chamada celulose de fibra curta; as coníferas ou softwood como o pinus produzem a celulose de fibra longa. Cada tipo de celulose tem características diferentes, adequadas para a produção de tipos diferentes de papel: a fibra curta é ideal para a produção de papéis macios, de alta absorção e opacidade; a celulose de fibra longa produz papéis de maior resistência mecânica.

O pinus, como qualquer outra planta exótica introduzida em um outro ecossistema, sofre um processo de adaptação ou naturalização e, não encontrando predadores naturais como aqueles existentes em seus ambientes originais, começa a ocupar o espaço das espécies nativas e produz mudanças nos ecossistemas. Essas plantas recebem o título nada honroso de “invasoras biológicas” – o pinus é considerado a espécie de planta mais agressiva do mundo. A espécie de origem norte-americana não tem inimigos naturais, predadores ou herbívoros que se alimentem de suas sementes aqui no Brasil. Também não depende de animais ou insetos para sua polinização, cresce em solos pobres e tem alta capacidade de regeneração.

Espécies de árvores como o pinus são grandes dispersoras de sementes, podendo lançar até 3 milhões de sementes por hectare, com um índice de germinação de 90%. As sementes possuem duas abas semelhantes a asas e são facilmente carregadas pelos ventos, invadindo áreas de mata nativa que, vítimas do rápido crescimento das árvores invasoras, acabam sendo sufocadas e mortas em poucos anos. Em Santa Catarina, por exemplo, as áreas de restinga estão sendo invadidas sistematicamente por pinus, que cobre a vegetação – sem a luz solar a vegetação não frutifica e, sem frutas, os animais da fauna silvestre se afastam.

O eucalipto é uma árvore de origem australiana, de grande porte e rápido crescimento. As primeiras mudas da espécie foram introduzidas no interior do Estado de São Paulo em 1868, como uma alternativa para a produção de lenha para queima nas locomotivas a vapor e também de madeira para a produção de dormentes para os trilhos das ferrovias. Com o forte avanço do café pelo interior do Estado a partir de meados do século XIX, as matas paulistas foram fortemente reduzidas e começou a faltar madeira. O eucalipto chegou para, literalmente, “salvar a lavoura”. A cultura do eucalipto ganhou força e forte expansão nas primeiras décadas do século passado.

Assim como o pinus, o eucalipto não tem predadores naturais ou espécies locais que se alimentem das suas folhas – na Austrália, os coalas se alimentam das folhas da árvore. Florestas de eucalipto se formam rapidamente e ocupam grandes espaços nas paisagens. As sementes dessa árvore também são facilmente espalhadas pelos ventos e novas plantas surgem em áreas de matas vizinhas às plantações. No Espírito Santo e no Sul da Bahia, grandes extensões dos antigos domínios da Mata Atlântica foram tomados por plantações comerciais de eucalipto a partir da década de 1960 (vide foto).

A invasão de espécies exóticas ou contaminação biológica é considerada a segunda maior causa de extinção de espécies no mundo. Além das espécies de grande valor comercial, grande parte das plantas exóticas introduzidas são de espécies ornamentais, que acabam se tornando invasoras e interferem nos processos ecológicos das áreas invadidas, comprometendo os mecanismos de reciclagem de nutrientes, decomposição, processos evolutivos e polinização. Essas interferências levam à extinção sistemática das espécies nativas, ao empobrecimento dos ecossistemas e  também à perda da variabilidade genética.

As culturas de pinus e eucaliptos são importantes fornecedoras de matérias prima para a produção de celulose e papel e grandes fontes de receitas para o nosso país – na pauta de exportações de produtos de origem agrícola, a celulose e o papel ocupam o segundo lugar em importância. Porém, é fundamental que hajam cuidados adequados para minimizar os impactos nas florestas e matas nativas, especialmente com a invasão por sementes.

Em muitos países, especialmente do Hemisfério Norte, grande parte da produção de celulose e papel é feita a partir da derrubada de árvores das florestas nativas de coníferas como a taiga. Aqui no Brasil temos a vantagem de utilizar árvores de florestas plantadas e renováveis, o que do ponto de vista ambiental é importante. Porém, é inadmissível que a implantação dessas florestas artificiais leve à invasão de florestas e matas nativas por sementes de espécies exóticas, levando à redução e destruição gradativa destas áreas.

É preciso muita atenção para não perdermos o pouco que restou de muitas de nossas matas nativas para o pinus e o eucalipto.

INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES EXÓTICAS EM ILHAS: OS CASOS DE FERNANDO DE NORONHA E DE TRINDADE

Ambientes insulares são ecossistemas naturalmente sensíveis, com flora e fauna especializados, sujeitos a fortes impactos por povoamento e introdução de espécies exóticas. Isoladas de outros ecossistemas e de sua flora e fauna, as espécies vegetais e animais de ilhas tendem a seguir por caminhos evolutivos próprios, muitas vezes originando espécies bem diferentes e muito especializadas. 

Um exemplo bem interessante é o da Ilha Queimada Grande, mais conhecida pelo grande público como a Ilha das Cobras. Essa ilha está localizada a cerca de 35 km da costal do Estado de São Paulo, a altura dos municípios de Itanhaém e Peruíbe. Até cerca de 11 mil atrás, quando o último Período Glacial ou Era do Gelo chegou ao fim, essa ilha estava ligada ao continente e se encontrava coberta com vegetação de Mata Atlântica, além de possuir uma fauna típica desse bioma. 

Com o derretimento de grandes massas de gelo em todo o mundo, o nível dos oceanos começou a subir e a “ponte de terra” que ligava essa ilha ao continente começou a ser encoberta pelas águas. Diversas espécies de animais terrestres ficaram ilhadas – a maioria dessas espécies se extinguiu. Entre os ilhados existia uma população de cobras da espécie jararaca (Bothrops jararaca).  

Em função do isolamento, essas cobras evoluíram e se adaptaram às limitações da ilha, surgindo assim uma nova espécie: a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis). Essa espécie é menor e mais leve que sua “prima-irmã” continental, tendo desenvolvido a habilidade de subir nas árvores para caçar. Para isso ela desenvolveu uma ponta de cauda preênsil para conseguir se agarrar em galhos e troncos, o coração ficou mais próximo da cabeça, além de desenvolver presas mais curvadas para trás, mais eficientes para a captura de presas. 

Outra característica impressionante da jararaca-ilhoa é o seu veneno, que é muito mais forte que o da jararaca comum. Isso se deve à particularidade de sua dieta, formada em grande parte por aves. Uma vez que a ave é picada pela cobra, o veneno precisa agir rápido para não dar chance à sua fuga. Essa espécie de cobra é tão mortal que só pesquisadores especializados são autorizados a desembarcar na Ilha das Cobras. Feita essa introdução, falemos de Fernando de Noronha. 

Existem diversas hipóteses sobre a descoberta do arquipélago por diferentes expedições entre os anos de 1500 e 1504, porém nenhuma certeza absoluta sobre qual foi a data exata e a expedição responsável pela sua descoberta. Fernando de Noronha (ou Fernão de Loronha no original) foi um rico comerciante, empreendedor e armador português, que figurou entre os financiadores das primeiras expedições exploratórias dos recursos naturais das recém descobertas terras brasileiras, especialmente do pau-brasil.  

Em 1504, Dom Manuel I, o Rei Venturoso, doou para Fernando de Noronha a Ilha de São João da Quaresma, a primeira Capitania do mar do Brasil, em agradecimento aos seus serviços. Ele nunca visitou a ilha, que acabou sendo rebatizada com seu nome: Fernando de Noronha

Isolada do continente e sem grandes fontes de água, o arquipélago ficou abandonado por muito tempo, tendo sido invadido sucessivamente por holandeses, franceses e ingleses, que também não se estabeleceram. Em 1700 a ilha foi integrada à Capitania de Pernambuco. O famoso naturalista inglês Charles Darwin, autor da teoria da evolução das espécies, esteve em Fernando de Noronha em 1832, numa das paradas da famosa viagem do lendário navio Beagle – ele ficou admirado com a densa mata tropical que cobria todas as ilhas do arquipélago.  

Foi somente no final do século XVIII que o arquipélago ganhou uma função específica: foi transformado em um presídio, função que se manteve até o final da década de 1950. Durante a II Guerra Mundial, o aeroporto da ilha de Fernando de Noronha foi cedido aos Estados Unidos e utilizado como base de reabastecimento para os aviões americanos que se dirigiam para os campos de batalha na África. 

A primeira espécie exótica a invadir Fernando de Noronha foram os ratos que infestavam os porões dos navios. Ratos, aliás, são as espécies invasoras mais difundidas por todo o mundo e dedicaremos algumas postagens para falar especificamente dos problemas causados por esses animais em diferentes ilhas e países. As espécies mais conhecidas são o Mus musculus, os camundongos, Rattus rattus, os ratos que vivem em esgotos ou ratazanas, e o Rattus norvegicus, o rato preto. 

Entre as espécies domésticas introduzidas em Fernando de Noronha, as mais problemáticas foram as ovelhas e as cabras, que causaram grandes estragos na vegetação original. Outra ideia “genial” de algum iluminado foi a introdução de lagartos teiú, répteis da família Teiidae, com o objetivo de combater os ratos que infestavam a ilha principal do arquipélago.  

Esse tipo de ideia não funcionou nada bem – os lagartos não conseguiram eliminar os ratos e são atualmente um dos grandes problemas ambientais da ilha, atacando ninhos das diversas espécies de aves nativas das ilhas (vide foto) ou predando espécies que realizam paradas para descanso e alimentação durante seus voos migratórios.  

Retirados de seu ambiente natural na Mata Atlântica e em áreas da Caatinga, locais onde esses animais sofriam a predação de outras espécies, os teiús foram introduzidos na ilha principal do arquipélago. Sem nenhum predador natural, como sempre acontece na introdução de espécies exóticas, os animais se multiplicaram sem controle e agora são encontrados por todos os cantos. 

Outro exemplo de devastação ambiental numa ilha brasileira é o caso da Ilha de Trindade. Localizada a cerca de 1.200 km do litoral do Estado do Espírito Santo, Trindade e a ilha vizinha de Martin Vaz são as primeiras porções do território brasileiro vistas por quem vem da África em direção da América do Sul. 

Até meados do século XIX, a Ilha de Trindade era coberta por uma densa floresta tropical. A maior parte das espécies eram originárias da Mata Atlântica e chegaram até a ilha por via aérea – através de sementes presentes nas fezes de aves migratórias, por sementes carregadas a longas distâncias pelos ventos ou ainda por restos de vegetação arrastados pelas correntes marinhas. 

A espécie vegetal mais abundante na ilha era a Colubrina glandulosa, uma árvore que pode atingir até 20 metros de altura e que é encontrada desde o Ceará até o Rio Grande do Sul. Nas diferentes regiões brasileiras, a árvore recebe diferentes nomes: sobrasil, saguaraji, sabiá-da-mata, falso-pau-brasil ou saguari. Segundo alguns estudos, essa espécie representava perto de 80% da vegetação da Ilha de Trindade. 

Numa expedição realizada entre os anos de 1959 e 1965, um naturalista do Museu Nacional do Rio de Janeiro – Johann Becker, constatou que a espécie havia sido extinta da ilha. As responsáveis pelo feito foram as cabras introduzidas na ilha, que se multiplicaram descontroladamente e foram devorando toda e qualquer vegetação que encontravam pela frente. 

Cabras, aliás, são animais vorazes e responsáveis por processos de desertificação em muitos locais, especialmente em regiões semiáridas como nossos Sertões Nordestinos. O botânico Alberto Loefgren (1854-1918), sueco de nascimento e depois radicado no Brasil, estudando a devastação das árvores e das matas nas terras do Ceará, atribuiu um papel importante nesta degradação vegetal aos rebanhos soltos na região. Vejam o registro que ele nos deixou: 

“Outro fator não desprezível na devastação das matas, ou pelo menos para conservar a vegetação em estado de capoeira, são as cabras. Sabe-se quanto este animal é daninho para a vegetação arborescente e arbustiva e como a criação de cabras soltas no Ceará é, talvez, maior que a do gado, sendo fácil imaginar-se o dano que causa à vegetação alta”. 

A vegetação atual da Ilha de Trindade está restrita a uma rala capoeira com capins, plantas rasteiras e pequenos arbustos – obra das “cabras da peste”… 

MEXILHÃO-DOURADO: UMA DAS MAIORES AMEAÇAS À BIODIVERSIDADE DOS RIOS BRASILEIROS

Nas postagens anteriores falamos de duas espécies invasoras aqui em terras brasileiras: os javalis-europeus, que começaram a causar problemas na década de 1990, e dos pardais, espécie que foi introduzida na cidade do Rio de Janeiro em 1903. Par mostrarmos a complexidade dos problemas causados pelas espécies invasoras, na postagem de hoje vamos falar de um molusco aquático oriental: o mexilhão-dourado. 

As comunidades aquáticas dos nossos rios – peixes, crustáceos, vermes, anfíbios, répteis, mamíferos e aves aquáticas, além de plantas de inúmeras espécies, vem sofrendo agressões ambientais por todos os lados. São problemas ligados ao despejo de esgotos domésticos e industriais, ao lançamento de lixo e todos os tipos de resíduos, aos desmatamentos de matas ciliares e fragmentos florestais, com o açoreamento e entulhamento dos canais, com a contaminação por resíduos de agrotóxicos e fertilizantes, por causa da mineração, entre muitas outras agressões.  

Existe uma outra “linha de frente” dessas agressões que acaba não sendo muito comentada – a invasão dos ecossistemas locais por espécies exóticas. A invasão de muitos dos nossos rios pelo mexilhão-dourado é, atualmente, a principal ameaça “externa” enfrentada pelos nossos rios, lagos e represas.  

O mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei) é um molusco bivalve de água doce nativo de regiões da China e do Sudeste Asiático. Esse molusco pertence à família Mytilidae, que é a mesma família dos mexilhões marinhos. Sua concha tem o formato de uma gota, sendo formada por duas laterais chamadas de valves (por isso a denominação bivalve). No ápice dessa concha existem filamentos proteicos (bissos), que permitem ao mexilhão-dourado se alojar sobre os mais diferentes tipos de superfícies como rochas, madeiras, caules de plantas aquáticas, placas de aço de embarcações, carapaças de animais, entre outras superfícies.  

A concha do mexilhão-dourado mede cerca de 4,5 cm de comprimento e possui, normalmente, uma coloração amarelo-dourada. A espécie é classificada como um animal filtrador, se alimentando de plâncton (plantas e animais microscópicos que vivem nas águas) – cada molusco filtra até 350 ml de água a cada hora. As colônias de mexilhões-dourados chegam a concentrar 120 mil animais por metro quadrado, sendo 2/3 dessa população constituída por fêmeas e 1/3 por machos, que em regiões quentes se reproduzem continuamente.  

Os moluscos atingem a maturidade sexual quando atingem um tamanho a partir de 5,5 mm e liberam seus gametas diretamente na água, onde é feita a fertilização. As larvas (veliger) são levadas pela correnteza ou por vetores até locais mais distantes, onde formarão novas colônias.  

Dentro do seu ambiente original, onde se encontram grandes bacias hidrográficas como a do rio Mekong, o mexilhão-dourado possui uma série de predadores naturais, que mantém sua população em constante equilíbrio. O problema da espécie em outros ecossistemas pelo mundo afora começou quando larvas do molusco pegaram carona na água de lastro usada por navios cargueiros de passagem pelo Sudeste Asiático e pela China.  

Esses navios possuem uma série de tanques ao longo de sua estrutura, os chamados tanques de lastro, que são usados para equilibrar as cargas, que apresentam variações de peso ao longo da embarcação. Esse equilíbrio é feito através do enchimento desses tanques com água do mar ou de rios. O grande problema ambiental criado por esses procedimentos é que espécies aquáticas da região de partida das embarcações acabam sendo sugadas junto com a água e assim são transportadas para regiões diferentes ao redor do mundo.  

Quando essas embarcações, especialmente cargueiros, chegam aos portos de destino, que normalmente têm uma profundidade muito limitada, eles descarregam essa água de lastro, liberando assim espécies animais exóticas em novos ambientes. E foi justamente isso o que aconteceu com o mexilhão-dourado, que foi detectado pela primeira vez na América do Sul em 1991, na Praia de Bagliardi, localizada no rio da Prata na Argentina.  

Durante vários anos, o molusco ficou restrito na região do estuário do rio da Prata e parecia que não criaria maiores problemas ambientais. A partir de 1995, o molusco começou a migrar rapidamente para o Norte, atingindo as bacias hidrográficas dos rios Paraná e Paraguai.  

As primeiras notícias da invasão do mexilhão-dourado em águas de rios brasileiros datam de 1998, quando colônias da espécie foram identificadas, quase que simultaneamente, no rio Paraná em Mato Grosso do Sul, e na região do Complexo Lagunar Guaíba/Lagoa dos Patos. Estudos científicos sugerem que, a partir de 1995, a espécie atingiu uma velocidade de expansão de cerca de 240 km a cada ano.  

O principal vetor desse preocupante avanço do mexilhão-dourado são as embarcações de transporte de cargas usadas na hidrovia Paraná-Paraguai, além de navios de cabotagem que realizam o transporte de cargas entre o Sul do Brasil e os portos de Montevideo, no Uruguai, e Buenos Aires, na Argentina, ambos localizados no rio da Prata.  

Atualmente, há registros de colônias de mexilhão-dourado nas Regiões Sul, Centro-Oeste e parte do Sudeste. Os limites mais ao Norte dessa invasão da espécie exótica estão hoje na região de Cáceres, no Pantanal do Mato Grosso, e no sul do Estado de Minas Gerais. Além dessas regiões, já foram identificados três focos na bacia hidrográfica do rio São Francisco, na região do Lago de Sobradinho, onde se supõe que larvas do mexilhão-dourado chegaram junto com alevinos de peixes destinados a projetos de piscicultura e, muito provavelmente, com origem na bacia hidrográfica do rio Paraná. É apenas uma questão de tempo até que o mexilhão-dourado invada a Bacia Amazônica e se espalhe por toda a Região Norte do Brasil e países vizinhos.  

A velocidade e a facilidade dessa expansão da espécie em uma extensa região da América do Sul têm uma resposta biológica bem simples – o mexilhão-dourado praticamente não possui predadores naturais no continente. Espécimes do molusco grudam no casco das embarcações e assim são transportados a longas distâncias.  

A correnteza dos rios, por sua vez, transporta as larvas para os rincões e meandros mais distantes dos rios, formando assim novas colônias. Sem preocupações com predadores naturais, a população da espécie cresce sem qualquer controle, se apropriando dos recursos naturais que seriam consumidos por outras espécies nativas dos habitats.  

Um exemplo dos prejuízos causados pelo mexilhão-dourado pode ser visto nas inúmeras usinas hidrelétricas instaladas nas calhas dos rios infestados pela espécie. Os moluscos invadem as tubulações, formando colônias nas paredes internas e tubulações, prejudicando assim o funcionamento de diversos sistemas.  

Essas colônias também se formam nas pás dos rotores dos geradores, implicando na paralização frequente das operações de geração de energia elétrica para limpeza das peças, o que é feito com fortes jatos de areia. Estudos feitos por técnicos da Usina Hidrelétrica de Itaipu identificaram uma incrível densidade de mais de 140 mil mexilhões-dourados por metro quadrado em algumas unidades do empreendimento.  

Na biota das águas, os impactos provocados pela espécie invasora são ainda maiores. Na região do Complexo Lagunar Guaíba/Lagoa dos Patos, os mexilhões-dourados estão destruindo grandes extensões de juncais e de plantas aquáticas, prejudicando assim inúmeras espécies de peixes, crustáceos e aves que usam esses locais para reprodução.  

Os mexilhões-dourados se prendem ao caule das plantas, que acabam enfraquecendo e se partem com a força dos ventos. Essas vegetações tem um papel similar ao dos manguezais, abrigando larvas de crustáceos e alevinos de peixes, que encontram ali proteção contra os seus predadores. Sem a proteção dessas áreas, várias espécies do Complexo Lagunar estão assistindo uma forte redução das suas populações.  

Os juncais também são usados por diversas espécies de aves, algumas migratórias, para nidificar. Longe das margens, aves e ovos estão relativamente bem protegidas de uma série de predadores terrestres. A proximidade das águas também garantia um fácil acesso aos estoques de alimentos. Com a destruição dessa vegetação, estas aves também tem sua sobrevivência ameaçada.  

E tudo isso é apenas o começo – ainda não se completaram 30 anos da chegada do mexilhão-dourado na América do Sul e ninguém sabe ainda o que o futuro nos reserva. 

PS: Hoje é dia do 5° Aniversário do blog e completamos 1.300 postagens publicadas. Viva!

OS ONIPRESENTES PARDAIS

Uma espécie invasora extremamente simpática e que pode ser encontrada em todos os cantos e recantos do Brasil são os pardais (Passer domesticus). Essa ave, que de tão disseminada pelo país parece ser tão brasileira como os bem-te-vis e sabiás, é originária do Oriente Médio e acabou colonizando também algumas regiões na Europa e na Ásia. 

As aves foram introduzidas na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX para combater uma grande infestação de mosquitos Aedes aegypti. Naquele momento, a antiga Capital Federal do Brasil enfrentava uma série de doenças como febre amarela, que é transmitida pelo mosquito Aedes, além de varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose. O responsável pela importação e soltura dos pardais na cidade foi o então Prefeito Pereira Passos

Francisco Franco Pereira Passos (1836-1913), prefeito indicado da cidade do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, iniciou uma série de obras que tinham como objetivo a modernização da cidade. Inspirado nas reformas urbanas da cidade de Paris décadas antes, Pereira Passos desapropriou grandes áreas para a construção de largas avenidas e praças, iniciou a modernização da área do porto da cidade e também a construção do Teatro Municipal, do Museu Nacional de Belas Artes e da Biblioteca Nacional.  

Consta que muitos cortiços foram demolidos e que os moradores se refugiaram nos morros, dando origem a algumas das mais famosas favelas cariocas. Parte importante do legado de Pereira Passos foram os trabalhos na área de saneamento básico e de higienização da cidade, cuja coordenação foi confiada ao médico sanitarista Oswaldo Cruz, empossado como diretor do Serviço de Saúde. 

Muitas das ações de Oswaldo Cruz não foram muito bem recebidas pela população, levando ao episódio que ficou conhecido como a Revolta da Vacina de 1904. Os agentes de saúde entravam nas residências, muitas vezes a força, buscando focos de mosquitos e de ratos, o que não era totalmente compreendido pela população. Quando o governo tornou obrigatória a vacinação contra a varíola, a população tomou as ruas e entrou em confronto com as forças de segurança. 

Uma das ações polemicas do período foi a importação de 200 pardais de Portugal em 1903. Alguns cientistas haviam afirmado ao Prefeito Pereira Passos que essas aves eram vorazes comedoras de insetos e que, uma vez introduzidas na cidade do Rio de Janeiro, atuariam como um agente biológico natural para o controle da população de mosquitos. As aves foram soltas no Campo de Santana, em cerimônia com pompa e muito protocolo. 

Aqui precisamos fazer um parêntese: de acordo com dados da BirdLife Internacional, organização ambiental envolvida com a conservação e proteção da biodiversidade de aves e seus habitats, existem cerca de 10.426 espécies de aves no mundo. Segundo o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos, o Brasil abriga 1.919 dessas espécies, sendo um dos países com a maior diversidade de espécies – essa imensidão de bicos já seria suficiente para conter qualquer infestação de mosquitos aqui no país sem a necessidade de ajuda “estrangeira”. 

Os pardais, assim como a imensa quantidade de pássaros autóctones já existentes no Brasil, se alimentam de grandes quantidades de insetos na época da reprodução, quando necessitam e maior quantidade de proteína. Na maior parte do ano são aves oportunistas, que comem o que lhes aparecer pela frente – frutas, sementes, formigas, cupins, minhocas etc, tornando inócua a soltura das aves para o combate aos mosquitos Aedes aegypti.  

Os pontos negativos da introdução dos pardais, ao contrário, foram muito grandes no meio biológico: o pardal é uma ave robusta e rústica, acostumada a enfrentar os invernos rigorosos da Europa e da Ásia. Na competição natural contra os pássaros nativos, o pardal não encontrou competição à sua altura e acabou se espalhando com facilidade por todo o país. Cambacicas, curruíras, sanhaços, tico-ticos e outras espécies de pássaros de menor porte da Mata Atlântica perderam espaço nos seus nichos ecológicos para as aves invasoras.  

Com o passar dos anos, as aves começaram a migrar para outros biomas, inclusive para a Região Amazônica e países vizinhos, ocupando nichos ecológicos de outras espécies de aves. É impossível calcular o tamanho do estrago causado ao meio natural pela introdução dos pardais em nossas terras. 

Além da grande robustez física, os pardais são onívoros, ou seja, comem qualquer coisa que estiver a sua disposição – insetos, verems, sementes, frutos, pequenos animais, entre outros. Ou seja, os pardais competem simultaneamente na disputa de alimentos com diversas espéceis de aves. Essa característica se tornou um importante diferencial competitivo – por ser maior e mais forte, os pardais levaram vantagem na competição com aves nativas menores.  

Conforme já comentamos em postagens anteriores, as diferentes espécies animais ocupam um determinado nicho ecológico na natureza e se especializam no consumo de determinados tipos de alimentos. Um caso interessante entre as aves brasileiras é o do gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis) dos banhados sulinos. 

O principal alimento dessa ave é a pomácea, uma espécie de caramujo comum nas áreas de banhados do Rio Grande do Sul. O gavião-caramujeiro possui o bico em formato de gancho, perfeito para extrair a carne dos caramujos do interior da concha – a ave segura o caramujo com um dos pés e introduz o bico na concha, puxando o corpo do molusco para fora. Se uma espécie exótica com a mesma predileção pelo consumo dos caramujos for introduzida no bioma, a espécie local passa a ser ameaçada. 

Outro caso que já comentamos aqui no blog é o da gralha-azul, ave que tem como um dos seus principais alimentos o pinhão, a semente das Araucárias (Araucaria angustifolia). A gralha-azul coleta e enterra os pinhões no solo ou em nichos de troncos caídos nas matas, formando uma reserva de alimentos. Como muitos pinhões são esquecidos, eles acabam brotando e formando novas árvores – a gralha-azul é conhecida como a plantadora das Araucárias. 

As gralhas-azuis não são as únicas consumidoras dos pinhões – cutias, pacas e caxinguelês, também conhecidos como esquilos-brasileiros, também são havidos consumidores de pinhão. Durante a evolução conjunta dessas espécies num mesmo ambiente acabou ocorrendo um equilíbrio entre a oferta e o consumo das sementes. Agora, se uma outra espécie de ave ou de mamífero vier a ser introduzida nessas matas e, eventualmente, também passe a consumir os pinhões, aí haverá um desequilíbrio e, a depender do porte da espécie invasora, as espécies locais serão prejudicadas. 

É esse o grande problema da introdução de espécies exóticas em um determinado habitat – elas muitas vezes passam a ocupar com vantagem o mesmo nicho ecológico de espécies locais e, muito pior, é comum que elas não tenham nenhum predador natural nesse novo bioma. O caso dos javalis-europeus que citamos na última postagem é um caso clássico de espécie invasora que está dominando biomas locais. 

Os fofos e simpáticos pardais que vemos praticamente todos os dias ao redor de nossas casas e dos nossos caminhos não são uma exceção à regra. Sua introdução aqui no Brasil, apesar de todas as boas intenções, causou uma enormidade de problemas a muitas de nossas espécies de aves, podendo, inclusive, ter provocado a extinção local de muitas delas. 

OS JAVALIS INVADEM O BRASIL

Quem é um pouco mais velho deve se lembrar de Asterix, personagem dos livros ilustrados e dos filmes de animação. O herói gaulês era morador da última cidadela da Gália que ainda não havia sido conquistada pelo Império Romano aos tempos de Júlio Cesar. O personagem foi inspirado em um herói gaulês real chamado Vercingentorix. O segredo dos gauleses era uma poção mágica feita por Paranomix, o druída local. Essa poção dava aos gauleses uma força sobre humana, que lhes permitia derrotar as poderosas legiões romanas. Essa poção tinha um efeito temporário.

Um personagem marcante das histórias era Obelix, o melhor amigo de Asterix. Ela era o único dos gauleses que não precisava tomar a poção mágica para conseguir a super força – quando criança, Obelix caiu dentro do caldeirão em que a poção estava sendo preparada e ganhou uma super força que nunca acabava. O gigante Obelix adorava comer javalis assados, que ele caçava nas matas ao redor da cidadela.

Comecei esta postagem relembrando dessas estórias da infância por que foi nelas em que ouvi falar pela primeira vez dos javalis selvagens da França, nome atual da antiga Gália. Depois, fui descobrindo que o animal era encontrado em toda a Europa, partes da Ásia e também na África. As diferentes espécies de javalis existentes são aparentadas com os porcos domésticos.

No continente Americano existem algumas espécies de porcos selvagens nativos que são encontrados do Norte da Argentina e Sul do Brasil até o Sul dos Estados Unidos. Existem 14 subespécies descritas, embora alguns autores só considerem a existência de 3 subespécies. Os javalis foram introduzidos por diversos criadores de todo o continente em momentos diferentes. Esses animais se destinavam a criação em cativeiro.

No Brasil, as principais espécies de porcos selvagens são o cateto (Pecari tajacu) e o queixada (Tayassu pecari). Apesar de lembraram os javalis no aspecto, essas espécies não tem qualquer parentesco. Os catetos pesam em média 20 kg e atingem no máximo 1 metro de comprimento. Esses animais costumam viver em bandos entre 6 e 30 animais. Os queixadas são maiores, podendo alcançar até 1,1 metro de comprimento e um peso de 35 kg, mas tem diferenças importantes no comportamento, principalmento no quesito agressividade.

Catetos e queixadas ocupam o mesmo nicho ecólogico dos javalis. Quando uma região é invadida pelos javalis, os pequenos catetos e queixadas não tem qualquer chance contra os competidores “estrangeiros”, um problema que ameaça a sobrevivência das espécies.

De acordo com informações da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, os primeiros registros da introdução do javali-europeu (Sus scrofa) na América do Sul se deram entre 1904 e 1906 na Argentina. No período foram trazidos alguns exemplares da espécie para a criação em cativeiro na Província de La Pampa. Os animais dessa espécie costumam ter 1,3 metro de comprimento e um peso da ordem de 80 kg. Os machos possuem presas e pelos longos de cor preta.

Existem também relatos da introdução de animais da espécie no município de Palmeiras, no Estado do Paraná durante a década de 1960. Entre os anos de 1996 e 1997 foram feitas importações de javalis puros do Canadá e da Europa para criadores dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Infelizmente, diversos animais fugiram dessas criações ao longos dos anos e. soltos na natureza, se tornaram uma verdadeira praga ambiental que está causando enormes problemas em grande parte do Brasil e também em países vizinhos.

Existem registros da presenças de grandes varas de javalis soltos na natureza no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Rondônia e Acre. Esses animais são extremamente agressivos, facilmente adaptáveis ao meio ambiente e, na falta de grandes predadores como as onças e as sussuaranas, espécies nativas que infelizmente estão ameaçadas de extinção, os javalis se reproduzem descontroladamente.

Dono de uma apetite voraz, os javalis atacam e devastam plantações, se alimentam de filhotes de pequenos animais e aves, além de ovos. O animal também pode transmitir uma série de doenças para os animais da fauna silvestre. Os javalis “selvagens” também podem cruzar com porcos domésticos, gerando animais miscigenados que podem atingir até 250 kg de peso, o que aumenta muito o problema.

A presença de javalis em uma região pode apresentar uma série de riscos às populações humanas e de animais domésticos. Os animais invasores são hospedeiros de várias doenças que podem ser fatais para bovinos, suínos e ovinos. Existem relatos de ataques de javalis contra seres humanos em todo o mundo, inclusive com um caso confirmado de morte nos Estados Unidos, onde a espécie também é considerada inavasora.

Devido ao aumento da infestação de javalis por todo o país, as autoridades recomendam medidas preventivas como a construção de cercas e de abrigos para os animais domésticos, evitando ao máximo o contato com a espécie invasora. Existe uma grande polêmica aqui no Brasil sobre a liberação da caça dos javalis como uma alternativa para o controle das populações. Essa prática é adotada frequentemente em outros países. A legislação brasileira proíbe a caça de aniamis da fauna silvestre como os catetos e os queixadas. Como os javalis são muito parecidos com as espécies de nossa fauna , um caçador pode imaginar se tratar de um filhote de javali e acabar atirando em um queixada ou num cateto.

Os javalis constam na lista das 100 espécies invasoras mais agressivas e problemáticas do mundo e estão causando inúmeros problemas em países vizinhos como a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, além de Estados Unidos, México, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, onde animais fugiram (ou foram soltos propositalmente) de criações.

Que falta nos faz um bando de guerreiros gauleses ávidos por um bom javali assado…

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A INTRODUÇÃO DE SALMÕES E TRUTAS EM RIOS E LAGOS DA PATAGÔNIA ARGENTINA

Na postagem anterior falamos rapidamente dos inúmeros problemas ambientais decorrentes da introdução de castores no Sul da Patagônia argentina e também na Terra do Fogo, território que é compartilhado com o Chile. A introdução dos animais foi feita ainda na década de 1940, com a concordância de altas autoridades do Governo da Argentina. A ideia era fomentar uma indústria local de processamento de peles de castor, um produto altamente valorizado há época. 

Além dos altos ganhos esperados com exportação das peles, o Governo da Argentina esperava estimular a colonização dos seus territórios austrais, que sempre foram muito pouco povoados. A iniciativa não alcançou os resultados esperados – foram muito poucos os que abandonaram as suas regiões originais para se aventurar nos “desertos’” frios do Sul. Já os castores, esses prosperaram muito e se transformaram numa verdadeira praga. 

Essa, entretanto, não foi a primeira experiência dos argentinos na introdução de espécies exóticas em seu território. Cerca de meio século antes da chegada dos castores à Patagonia, outros Governos já haviam feito seus próprios experimentos nessa área introduzindo peixes de rios e lagos do Hemisfério Norte, especialmente trutas e salmões, na Patagônia e na Terra do Fogo.. 

Trutas e salmões são espécies de peixes que pertencem a uma mesma grande família e são comuns em águas frias de rios e lagos do Hemisfério Norte. Uma característica comum nessas espécies são as impressionantes migrações que realizam rumo às cabeceiras dos rios na época da reprodução, onde são obrigados a lutar contra as fortes correntezas e quedas d’água.  

Animais como ursos, lobos, aves e também seres humanos, adaptaram seus ciclos de vida às migrações desses peixes, que representam um período de fartura de alimentos e de acúmulo de reservas de energia para os difíceis tempos do inverno. A prática da pesca esportiva dessas espécies surgiu como uma consequência dessa convivência entre presas e predadores. 

No Hemisfério Sul não existem tantos territórios nessas mesmas latitudes – se você consultar um mapa mundi, verá que as águas dos oceanos predominam por aqui. Mas existem alguns territórios no Sul da América do Sul, na Austrália e na Nova Zelândia, que apresentam exatamente essas mesmas paisagens do Norte do Hemisfério Norte.  

A semelhança é tão grande que até mesmo a famosa Aurora Boreal, um fenômeno de luzes atmosféricas criadas pelo magnetismo terrestre em regiões próximas do Círculo Polar Ártico, tem sua equivalente no Hemisfério Sul – a Aurora Austral. 

Com a existência de paisagens tão parecidas como as do distante Norte, muita gente nesses territórios aqui do Sul acabou não resistindo à tentação e tudo fizeram para introduzir espécies de peixes nativos de seus países de origem nas águas frias de rios e lagos Austrais.  

O raciocínio era simples – pescadores do Hemisfério Norte ganhariam uma opção de pesca no Hemisfério Sul: os mesmos cenários, o mesmo clima e os mesmos peixes. Em tese, nada poderia dar errado. Infelizmente, muita coisa deu errado. 

A Patagônia argentina é um desses territórios Austrais alterados artificialmente e onde os problemas ambientais decorrentes da introdução dessas espécies exóticas crescem sem parar. Trutas e salmões capturados em rios de países do Hemisfério Norte passaram a ser introduzidos em rios e lagos das províncias de Rio Negro, NeuquénChubut, Santa Cruz e Terra do Fogo, todas na região Sul da Argentina, ainda no início do século XX.  

Seguindo o raciocínio que citei, as autoridades dessas Províncias imaginavam estar criando um cenário perfeito para o desenvolvimento da pesca esportiva e assim poderiam atrair milhares de pescadores de países do Hemisfério Norte. 

Como todos devem lembrar, as estações do ano são invertidas nos dois Hemisférios – quando é inverno no Norte, vivemos o verão aqui no Sul. Esse seria um apelo irresistível a todos os endinheirados amantes da pesca esportiva, que passariam a contar com duas temporadas de pesca a cada ano. Regiões do Sul da Austrália e Nova Zelândia seguiram essa mesma linha de raciocínio e fizeram exatamente a mesma coisa. 

De acordo com estudos realizados por órgão ambientais da Argentina, as trutas e os salmões se adaptaram perfeitamente aos corpos d’água locais e passaram a representar uma grande ameaça a toda uma série de espécies autóctones. Os estudos indicam que houve redução nas populações de rãs e comunidades betônicas (algas, vermes e pequenos crustáceos que colonizam o fundo dos rios e lagos), assim como de espécies de crustáceos e peixes. A truta-crioula (Percichthys trucha) e o peixe-rei-patagônico (Odontesthes microlepidotus) são as espécies de peixes locais mais ameaçadas. 

Existe aqui um detalhe importante e que merece um comentário: a convergência evolutiva ou evolução convergente. Esse é um interessante conceito da biologia que explica que espécies diferentes de seres vivos evoluem de forma semelhante em ambientes iguais.  

A truta-arco-íris (Oncorhynchus mykiss), citando um exemplo, evoluiu em rios turbulentos de águas frias da América do Norte. Vivendo em rios da Patagônia com essas mesmas característica, a truta-crioula, que não tem relações familiares com as trutas-arco-íris, desenvolveram exatamente o mesmo comportamento e ocupam o mesmo nicho ecológico. 

Um pescador norte-americano ou canadense se sentiria em casa pescando uma esperta e brigadora truta-crioula – talvez ele nem percebesse que está bem longe do seu país durante uma pescaria. Com os salmões acontece a mesma coisa – existem espécies locais praticamente iguais e cito como exemplo o dourado (Salminus brasiliensis), um dos peixes mais amados pelos praticantes de pesca esportiva aqui na América do Sul.  

Com a existência desses peixes autóctones, a introdução de espécies exóticas seria absolutamente desnecessária para o desenvolvimento da pesca esportiva por aqui. Infelizmente, depois que a “Caixa de Pandora” foi aberta e os males (ou peixes) foram liberados, não há muito mais o que se fazer. 

De acordo com a UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza, as trutas são uma das espécies de peixes invasores mais impactantes de todo o mundo. Extremamente fortes e adaptáveis, as trutas ocupam nichos ecológicos de espécies autóctones, passando a competir com vantagem nas disputas por espaços e alimentos.  

Só que as trutas invasoras vão além – elas também podem predar ovos e filhotes de pássaros, algo que as trutas-crioulas nunca fizeram. Na Patagônia argentina, o macá tobiano (Podiceps gallardoi), uma espécie ave endêmica que só foi descrita pela ciência em 1979, está em estado crítico por causa das trutas-arco-íris. 

De acordo com informações de organizações argentinas que trabalham para a preservação de aves, existem entre 3 e 5 mil exemplares de macás distribuídas em 130 lagoas da estepe patagônica na Província de Santa Cruz. Os macás constroem instintivamente seus ninhos em moitas de vegetação rasteira ao lado de lagos – essas aves não possuem uma “programação” em seu DNA que lhes alertem do comportamento predatório de trutas na sua vizinhança.  

As trutas-arco-íris sentem o cheiro dos ovos e dos filhotes e dão saltos para fora d’água, investindo diretamente contra os ninhos e assim conseguem um apetitoso lanche. É esse comportamento das trutas que está levando os macás à beira da extinção. 

Para as pessoas que tiveram um grande trabalho para importar e introduzir essas espécies de peixes exóticos em rios e lagos da Patagônia há mais de um século, essa atitude representaria no futuro uma grande fonte de receitas externas para seu país e suas Províncias. O tempo provou que, na verdade, elas estavam ligando uma bomba relógio, que causaria terríveis impactos ao meio ambiente – uma grande lição ecológica a ser aprendida por muita gente nos dias atuais. 

OS CASTORES DA PATAGÔNIA E DA TERRA DO FOGO, OU FALANDO DE ESPÉCIES INVASORAS

Os castores são roedores semiaquáticos da família Castoridae. Existem duas espécies: o Castor canadensis, também conhecido como castor-americano, que é nativo da América do Norte, e o Castor fiber, encontrado na Europa. Já existiram outras espécies como o castor-de-kellogg (Castor californicus), mas essa e outras já estão extintas. 

Os castores são famosos na literatura e nos contos por causa das grandes represas que constroem a fim de proteger as suas tocas subaquáticas. Eles se valem dos seus poderosos dentes incisivos para cortar o caule de árvores, que depois de derrubadas são arrastadas até suas barragens. É comum encontrarmos referências aos castores como os “engenheiros da natureza”. 

As represas construídas pelos castores modificam, literalmente as paisagens. Rios mudam seus cursos, trechos de florestas desaparecem, áreas secas ficam inundadas depois de formadas as suas represas. Muitos rios que no passado eram retilíneos, com o tempo ganharam curvas após a intervenção de sucessivas gerações de castores. 

Assim como acontece com outros mamíferos aquáticos e semiaquáticos como as focas, os leões-marinhos, as morsas e as lontras, os castores possuem uma pelagem dupla, uma adaptação natural que permite que o animal nade em águas congelantes sem maiores problemas. Devido a essa particularidade, a pele dos castores sempre foi muito valorizada, principalmente para a fabricação de botas e casacos ‘impermeáveis”. Os animais foram duramente caçados ao longo de vários séculos. 

Foi justamente visando o valioso mercado de peles de castor que, em 1946, o Governo da Argentina resolveu introduzir a espécie na região da Patagônia e na Terra do Fogo, províncias mais meridionais do país. Na cabeças de Suas Excelências, o clima e as florestas do extremo sul da Argentina eram bastante similares aos habitats naturais dos animais no Hemisfério Norte e imaginaram que a adaptação seria perfeita. 

Soldados do Exército argentino soltaram 10 casais de castores canadenses no Lago Fagano. Caso os animais se adaptassem perfeitamente às condições ambientais do lugar e se reproduzem adequadamente, o Governo imaginava que assim poderia fomentar uma poderosa indústria de comércio de peles,conseguindo atrair povoadores para o seu Deserto Frio do Sul. 

Ao contrário das melhores expectativas dos Governantes do país vizinho, a indústria de peles de castor acabou não decolando – foram poucos os que se aventuraram rumo ao Sul para ganhar a vida caçando animais nas florestas e lagos. Já os castores, esses se adaptaram muito bem ao clima local e se reproduziram como nunca. 

Ao contrário de seus habitats naturais, onde a espécie é predada por lobos, coiotes e até ursos, no Extremo Sul da América do Sul praticamente não existem predadores para os animais. Com amplos estoques de alimentos, árvores, rios e lagos, a Patagônia se transformou numa espécie de “paraíso na terra para os castores”. A passagem bíblica “crescei e multiplicai” nunca foi tão seguida por uma espécie. 

Na década de 1960, foram encontrados os primeiros castores no lado chileno da Terra do Fogo. No início da década de 1990, começaram a ser avistados castores na Península de Brunswick, na região continental do Chile. Os animais conseguiram vencer a nado as fortes correntezas do Estreito de Magalhães e aumentaram assim o seu território. 

Essa colonização do Extremo Sul da América do Sul pelos castores não é tão inofensiva como nas florestas da América do Norte e da Europa. Ao longo de milhões de anos de convivência com o voraz roedor, as árvores do Hemisfério Norte desenvolveram mecanismos de defesa contra os dentes do animal. Espécies de árvores como o salgueiro, o algodão-americano, a faia e o amieiro voltam a brotar depois de cortadas pelos animais, produzem substâncias químicas de defesa e se adaptam a ambientes úmidos. 

Na Patagônia, as árvores nunca precisaram se defender de uma animal com essas características e tiveram uma vida evolutiva diferente. Cortadas pelos castores, a maioria das árvores não volta a brotar e acaba morrendo. Os locais com grandes populações de castores formam um cenário fantasmagórico com milhares de tocos de árvores mortas. 

Em meados da década de 1990, tanto o Governo da Argentina quanto o do Chile perceberam o tamanho do problema criado pelos “simpáticos” invasores e começaram a criar programas de incentivo à caça recreativa comercial dos castores, mas a medida não foi bem sucedida. Há época, uma pele de castor valia no máximo US$ 20, um valor baixo diante do trabalho que se tem para caçar o animal. 

De acordo com as estimativas populacionais realizadas pelo GEF – Global Environment Facility, uma parceria internacional que financia esforços ambientais, entre 70 e 110 mil castores vivem atualmente na Patagônia Argentina e Chilena, além da Terra do Fogo. O território ocupado pelos animais é de cerca de 70 mil km², onde já destruíram cerca de 310 km² de turfeiras, florestas e pradarias. Segundo um artigo científico publicado em 2009, esses castores provocaram “a maior alteração de paisagem em florestas subantárticas desde a última era do gelo”. 

Um grupo de pesquisadores da Universidade do Texas realizou uma pesquisa sobre os ambientes modificados pelos castores na Ilha Navarino no Chile e encontrou novos problemas. Duas outras espécies invasoras, os arganazes (Muscardinus avellanarius) e as martas (existem diversas espécies) estão se aproveitando dos ambientes criados pelos castores para prosperar. 

Os arganazes usam as represas criadas pelos castores para caçar e viver, onde acabam sendo predados pelas martas. As martas também caçam aves como patos e gansos, além de pequenos roedores. Ou seja, a combinação de castores, arganazes e martas criou um “processo descontrolado de invasão ambiental”. 

Há vários anos que os Governos da Argentina e do Chile vêm criando planos mirabolantes para o extermínio de dezenas de milhares de castores a fim de conter os inúmeros problemas ambientais criados pelos “invasores”, porém nunca conseguem levar as ideias avante. 

Enquanto isso, os castores vão se sentindo cada vez mais confortáveis em seu novo habitat e vão colonizando novas áreas. Eu particularmente temo que algum outro “gênio da raça” resolva introduzir lobos do Ártico na Patagônia, um predador natural dos castores em seus habitats naturais no Hemisfério Norte. 

Só para lembrar, caso alguém realmente tenha essa infeliz ideia, lobos também adorar comer ovelhas e os maiores rebanhos de ovinos da Argentina ficam justamente na Patagônia… 

DESABAMENTO DE EDIFÍCIO EM MIAMI PODE ESTAR ASSOCIADO AO AUMENTO DO NÍVEL DO OCEANO

No último dia 24 de junho, uma parte do edifício Champlain Towers South, localizado na região de Surfside em Miami desabou (vide foto). De acordo com as últimas notícias oficiais divulgadas pelas autoridades norte-americanas já são 18 as vítimas fatais e existem dezenas de desaparecidos. 

Como sempre acontece em meio a uma tragédia dessa magnitude, muita gente já começou a especular sobre quais seriam as causas prováveis do colapso do edifício. A construção foi finalizada há cerca de 40 anos, o que na construção civil é uma estrutura considerada jovem. Muitos moradores do edifício afirmaram que as condições e o aspecto do edifício eram muito bons e nada sinalizava para a tragédia que se consumou. 

De acordo com um relatório publicado em 2019, pelo Escritório de Sistemas Costeiros e Praias, órgão do Departamento de Proteção Ambiental da Flórida, “toda a área ao longo da costa Atlântica estava criticamente erodida, o que torna imperativo rever a situação das construções na praia e as leis para o futuro”. Os temores desses técnicos com o avanço do oceano contra a costa podem ter se concretizado. 

Uma das hipóteses que vem sendo considerada como provável causa da tragédia é o aumento do nível do oceano – nos últimos 100 anos, o nível do oceano no Estado da Flórida subiu cerca de 30 cm. Somente entre 1993 e 2019, houve um aumento de 12,7 cm no nível do mar no Sul da Flórida e há uma expectativa de um aumento de mais 15 cm até o ano de 2030

Em qualquer lugar do mundo, um aumento do nível do mar com essa ordem de grandeza já causaria uma enormidade de problemas. Na Flórida, a questão ganha proporções bem maiores, quase trágicas, por causa da qualidade dos solos de muitas cidades, que cresceram em terrenos onde pântanos e manguezais foram aterrados. 

Quando os primeiros exploradores espanhóis desembarcaram na região ainda no século XVI, encontraram uma sucessão de terrenos pantanosos e grandes manguezais. Um exemplo das paisagens locais há época ainda pode ser visto em parques naturais como o Everglades. Até o final do século XIX, a Flórida era um canto esquecido dos Estados Unidos e tinha uma população muito pequena. 

Essa situação mudou abruptamente na década de 1880, quando grandes depósitos de fosfato foram descobertos no Estado. Para conseguir explorar e transportar o minério, uma grande malha ferroviária teve de ser construída, uma infraestrutura que impulsionou a agricultura, especialmente a produção de laranjas – a Flórida é uma das maiores produtoras de laranja do mundo. 

O clima subtropical e as belas praias também começaram a chamar a atenção dos norte-americanos, transformando o Estado em um importante destino turístico. A partir da década de 1920, a população começou a crescer vigorosamente e impulsionou o crescimento das cidades, o que por sua vez levou ao aterramento de áreas cada vez maiores de pântanos e terrenos alagadiços, além de levar à destruição de extensas áreas de manguezais. 

A cidade de Miami e vizinhanças exemplificam esse avanço das cidades sobre áreas aterradas. As belas praias, os modernos edifícios, as grandes avenidas, as lojas sofisticadas e os ótimos restaurantes repousam sobre antigas áreas úmidas. Essa beleza e sofisticação, que atraem milhões de visitantes todos os anos, tem um custo que muitos nem sabem que existe.  

Entre os anos de 1950 e 2015, somente para manter o “visual” das praias da Flórida, foram gastos U$ 1,3 bilhão somente com a compra de areia – falo aqui da areia da praia. As tempestades e furacões, cada vez mais frequentes e fortes, arrastam a areia para o mar e é preciso recompor os cenários. 

E as despesas não param por aí – o Plano Diretor do Sistema de Águas Pluviais de Miami, que foi apresentado no último mês de abril, prevê gastos da ordem de US$ 4 bilhões em obras para preparar a cidade para um aumento ainda maior do nível do oceano. Entre as obras previstas destacam-se a construção de paredões com quase 2 metros de altura, redes de tubulações subterrâneas e poços. 

O Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos apresentou uma proposta ainda mais radical para conter a elevação do nível do oceano na cidade de Miami – a construção de uma barreira ao longo da costa com uma altura de 6 metros e com um custo estimado de US$ 6 bilhões. As projeções indicam que, ao ritmo atual, 40% da cidade estará submersa em 2060. 

O Sul da Flórida não está sozinho nesse cenário de mudanças climáticas e aumento do nível dos oceanos. Prefeituras e Governos fazem planos de obras para conter o avanço das águas do mar e as enchentes. Um caso extremo é a cidade de Jacarta, a capital da Indonésia, que foi construída sobre antigas áreas de manguezais aterrados. Com os problemas que já estão sendo sentidos na cidade – alguns bairros estão literalmente afundando, o Governo planeja mudar a capital para uma outra região mais alta e estimular a população a se mudar para lá. 

O trágico desabamento do edifício Champlain Towers South pode ter sido apenas o primeiro exemplo dos impactos do aumento do nível do mar contra as grandes construções da faixa costeira – muitos outros edifícios em cidades litorâneas de todo o mundo poderão ter o mesmo destino. Até o momento, tínhamos notícias de calçadas e avenidas costeiras sofrendo danos por causa do avanço das ondas. O problema subiu de patamar. 

Conforme já comentamos em postagens anteriores, o aumento do nível dos oceanos é uma tragédia irreversível. Governos, países e populações precisam planejar e viabilizar obras para preparar as cidades para esse novo cenário. Em países ricos como os Estado Unidos, as coisas são bem mais fáceis e, como mostramos, já existem planos em andamento 

Em países pobres com populações miseráveis como Bangladesh, onde os sinais do avanço do oceano já são evidentes, as coisas são bem mais difíceis – falta dinheiro para tudo e não há como pensar em novas despesas. Formado majoritariamente por terrenos com altitude máxima de 10 metros acima do nível do mar, Bangladesh poderá ver mais de 40% do seu território engolido pelo mar. 

E Bangladesh não está sozinha diante dessa tragédia anunciada – a lista de países ameaçados é enorme, incluindo muitas regiões aqui do Brasil. As próximas décadas serão bastante complicadas para todos nós…