BABAÇU: UMA PALMEIRA AMAZÔNICA QUE TAMBÉM É UMA PLANTA INVASORA NA AMAZÔNIA

Entre os anos de 2009 e 2010, morei na cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia. A empresa em que eu trabalhava há época ganhou a licitação para a implantação de um grande sistema de coleta e tratamento de esgotos nessa cidade. Com cerca de 400 mil habitantes, Porto Velho dispunha de redes coletoras de esgotos atendendo apenas 3% dessa população. Brigas entre diferentes grupos políticos da cidade e do Estado, infelizmente, impediram que essas obras avançassem. 

Logo depois da segunda semana em que eu cheguei por lá, alguns amigos da empresa organizaram uma viagem de fim de semana até a cidade de Guajará Mirim, na fronteira com a Bolívia. No lado boliviano, na cidade de Guayaramerin, existiam dezenas de lojas que vendiam produtos importados livres de impostos. Curioso em conhecer a região, acabei indo nessa viagem. 

Ao longo do percurso de cerca de 330 km, vi e senti pela primeira vez a grandiosidade da Floresta Amazônica. Apesar de existiram imensas fazendas à beira das estradas, todas com seus típicos quadrângulos desmatados, as matas ainda dominavam os horizontes. 

Em vários trechos do caminho passei a observar grandes áreas descampadas cobertas apenas por palmeiras. A certa altura, acabei questionando um colega de trabalho que era da região e que ocupava o posto de engenheiro de meio ambiente da obra. Foi aí que fiquei sabendo que aquelas palmeiras eram babaçu, uma espécie da flora local que se transformou em uma verdadeira praga em áreas de pastagens abandonadas.  

O babaçu (Atallea speciosa) é uma palmeira típica das florestas ombrófilas da Amazônia e também do bioma Cerrado. Na Amazônia, é uma das espécies de palmeiras mais abundantes, ocupando uma área total de 17 milhões de hectares no Brasil, na Bolívia e nas Guianas. 

O babaçu tem uma enorme importância econômica e social para as populações da Amazônia, sendo explorado por meio de extrativismo. Do babaçu aproveita-se praticamente tudo: suas folhas são usadas na cobertura de casas; suas fibras são transformadas em cestos, chapéus, peneiras e esteiras, entre outros tipos de artesanato. A madeira do caule de árvores velhas tem usos em marcenaria e, no caso das palmeiras novas, pode-se extrair um ótimo palmito. A palmeira também produz uma seiva, que depois de fermentada, produz um delicioso vinho. 

As amêndoas verdes dos cocos produzem um leite muito utilizado na culinária local e que tem propriedades nutritivas semelhantes ao leite humano. Do mesocarpo do babaçu é extraída uma farinha, mais conhecida como pó de babaçu, usada na preparação de bolos e mingaus. Outro produto importante é o óleo do coco do babaçu. No total, existem 62 aplicações catalogadas para os frutos e demais subprodutos do babaçu

Uma outra característica importante do babaçu é grande resistência da casca dos cocos e que resulta em uma forte proteção para as suas amêndoas, que são as sementes da planta. Os cocos caídos nos solos da floresta podem durar vários anos, resistindo às intempéries e ao fogo das queimadas. São essas sementes “estocadas” nos cocos espalhados pelo solo da floresta que, em determinado momento, começarão a brotar em massa em áreas que foram desmatadas 

Nas florestas naturais, como é o caso da Amazônia, as populações animais e vegetais sofrem um controle populacional influenciado por fatores abióticos como tipo de solo, clima e topografia e também por fatores bióticos como disponibilidade de alimentos para espécies animais e de condições para a dispersão de sementes das espécies vegetais. Enquanto as condições naturais de uma determinada área forem mantidas, esse controle das populações se mantém. 

Cada metro quadrado dos solos da Floresta Amazônica possui milhares de sementes lançadas pelas árvores e demais plantas. Esse “banco de sementes” fica à espera de uma oportunidade para germinar – uma grande árvore velha que cai durante uma forte chuva, citando um exemplo, abrirá uma clareira na mata, o que permitirá que a luz do sol atinja o solo. É neste momento que um sem número de sementes vai germinar criando uma alucinante corrida pela luz solar. A planta que crescer mais rápido ganhará a disputa. 

Apesar de serem encontradas em pequeno número no meio da mata, cada palmeira de babaçu produz entre 3 e 5 cachos, cada um desses cachos produz entre 300 e 500 cocos, e cada coco possui entre 3 e 5 amêndoas, o que nos dá uma ideia da grande quantidade de sementes lançadas em suas proximidades ao longo dos anos. Muitas dessas sementes resistem por anos a fio esperando a hora certa de germinar. 

É justamente aqui que entram em cena os desmatamentos, muitos deles feitos por pioneiros da ocupação da Amazônia décadas atrás, quando o Governo Federal criou uma série de programas para estimular a ocupação da Região Norte do Brasil. Foi a época da construção de grandes rodovias como a Belém-Brasília e a icônica Transamazônica

Entre as diversas estratégias para a fixação dos “homens sem terra em uma terra sem homens”, foram criadas as agrovilas, empreendimentos onde os colonos recebiam uma casa e um pedaço de terra. Devido às imensas dificuldades criadas pela falta de infraestrutura dessas agrovilas – principalmente serviços hospitalares, educação e transporte, muitos dos colonos acabavam por abandonar as agrovilas poucos anos depois. Em muitos casos, até 90% dos colonos abandonaram suas terras. 

Outros casos que podemos citar foram os desmatamentos feitos para a formação de pastagens para a criação de gado. Conforme já comentamos em postagens anteriores, a maior parte das terras da Amazônia é formada por solos ácidos e de baixíssima fertilidade. O que dá uma falsa sensação de imensa fertilidade é uma grossa camada de húmus formado pela decomposição de restos de plantas da própria floresta e de carcaças de animais mortos.  

Quando as árvores são cortadas, essa camada fértil de húmus fica exposta e acaba sendo arrastada pelas chuvas, o que faz os solos perderem a fertilidade rapidamente. Nos solos empobrecidos que restam, a quantidade de pastagem que cresce não é suficiente para o sustento de grandes rebanhos, o que levou muitos fazendeiros a abandonar suas terras. 

Essas terras desmatadas e sem usos é que passaram a permitir o crescimento de grandes quantidades de palmeiras de babaçu, uma árvore de crescimento rápido e que pode atingir uma altura entre 20 e 30 metros, A sombra formada pelas palmeiras impede o desenvolvimento de outras espécies de árvores, alterando completamente a ecologia dessas áreas. Apesar de ser uma espécie nativa da Amazônia, as palmeiras de babaçu nessas situações passam a ser consideradas como uma espécie invasora. 

Uma grande concentração de palmeiras de babaçu em uma área relativamente pequena vai resultar em solos saturados de sementes – mesmo que se faça o corte de todas as palmeiras para usar a terra para agricultura ou para a formação de pastagens, chegará um momento em que as sementes enterradas no solo começarão a brotar, saturando novamente a área com palmeiras. É o típico problema sem solução. 

E aí você pode perguntar – essas áreas não podem ter os frutos e os subprodutos do babaçu explorados? A dura resposta é não – essas áreas são muito pequenas para uma exploração lucrativa pelas “mulheres quebradeiras de coco” (vide foto), que preferem viver em regiões que concentram milhares e milhares de palmeiras de babaçu. 

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