AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL: OS BÚFALOS ”QUASE NATIVOS” DA FLORESTA AMAZÔNICA

Búfalos e bois pertencem a uma mesma subfamília de animais – a dos bovinos ou bovinae, nome científico em latim, onde se incluem cerca de 24 espécies agrupadas em 9 gêneros. Apesar das grandes semelhanças entre as diferentes espécies de bovinos, os especialistas ainda não têm certeza sobre as razões evolutivas que levaram a uma diversificação tão grande da “família”. 

Uma das diferenças mais marcantes entre bois e búfalos está ligada ao ambiente onde os animais costumam viver. Enquanto bois preferem solos secos, os búfalos se sentem à vontade em terrenos úmidos e brejosos, onde se valem dos seus cascos largos e espalmados, que permitem que caminhem com mais facilidade e sem afundar na lama. 

Um dos casos mais interessantes da convivência dessas duas espécies de animais é a Índia, país que possui enormes rebanhos de bovinos e de bubalinos. Por razões que não fazem muito sentido para nós estrangeiros, os indianos hinduístas consideram bois, vacas e touros animais sagrados. Já os pobres búfalos são animais usados no transporte de cargas e em outros serviços pesados. Também são os búfalos os provedores de carne para algumas populações e, especialmente, para exportação pelo país.  

A Índia é, ironicamente, a maior exportadora de carne vermelha do mundo, predominantemente carne de búfalos. Essas exportações, inclusive, superam a de países como o Brasil e a Austrália, grandes produtores de carne. Os frigoríficos ficam localizados nos Estados do Sul do país, onde a imensa maioria da população segue outras religiões. 

Os búfalos (Bubalus bubalis) são originários da Ásia e ainda hoje podem ser encontrados em estado selvagem em áreas pantanosas da Índia, Nepal, Butão e países do Sudeste Asiático como Tailândia, Indonésia, Malásia e Myanmar. Também existem búfalos selvagens na Austrália, onde a espécie foi introduzida no século XIX. O animal pode superar o peso de 1,2 tonelada e atingir um comprimento de 3 metros. 

Registros históricos falam da domesticação dos búfalos há mais de 5 mil anos atrás, quando ele se tornou uma importante fonte de carne, leite e couro. Os búfalos também se prestam a trabalhos como animal de carga, de montaria, de tração para arados agrícolas entre outras funções. 

O sabor e a aparência da carne dos búfalos são quase idênticos à dos bovinos, porém, possui 40% menos colesterol, 12 vezes menos gordura, 55% menos calorias, 11% mais proteínas e 10% mais minerais. Esses são apelos muito fortes para aqueles consumidores que buscam uma vida mais saudável a partir de uma boa alimentação. 

Ao longo da história, os búfalos foram levados da Ásia para a África, Austrália, Europa e, bem mais recentemente, para as Américas. De acordo com a tradição popular da Amazônia, principalmente da ilha do Marajó no Pará, os búfalos chegaram na região depois do naufrágio de uma embarcação de transporte de animais que havia acabado de zarpar da Guiana Francesa. Os animais teriam nadado na direção das praias das ilhas do Arquipélago de Marajó e acabaram “colonizando” todo o seu território. 

De acordo com a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a história real é um pouco destoante dessa “lenda”. Os animais foram na verdade importados por um criador local de nome Vicente Chermont de Miranda. O primeiro lote de de animais da raça Mediterrânea foi trazido diretamente da Itália em 1895.  

Com mais de 40 mil km², a Ilha do Marajó é a principal do arquipélago e tem o tamanho do Estado do Rio de Janeiro, sendo considera a maior ilha fluviomarítima do mundo. Formada ao longo das eras pelo acúmulo de sedimentos carreados pelas águas do rio Amazonas, a Ilha do Marajó apresenta uma espécie de mosaico com todos os subsistemas florestais do bioma amazônico com áreas de várzeas, campos, matas, manguezais, restingas, entre outros. Esses ambientes são quase idênticos aos encontrados nas florestas do Sul e Sudeste da Ásia, o que fez os búfalos se sentirem praticamente em sua terra natal. 

Existem cerca de 600 mil búfalos vivendo na Ilha do Marajó, o que supera em número a população de marajoaras, estimada em 533 mil habitantes. A criação dos animais é uma das principais atividades econômica da ilha. Apesar do grande rebanho de animais, os impactos ambientais provocados pelos búfalos na Ilha do Marajó foram muito pequenos nesses quase 130 anos da introdução da espécie na região. 

Ao contrário dos rebanhos bovinos, que necessitam de pastagens e espaços abertos, os bubalinos vivem perfeitamente nos ambientes naturais das várzeas e dos campos amazônicos. Por ser uma espécie adaptada a ambientes aquáticos, os búfalos não sentem os impactos do período das cheias como os bovinos, que precisam ser transferidos para terras mais altas e secas a exemplo do que acontece na região do Pantanal Mato-grossense

Além da Ilha do Marajó, a Amazônia possui grandes áreas de várzeas inundáveis com grande potencial para a exploração pecuária de búfalos. Um exemplo são grandes trechos do Médio e Baixo rio Amazonas, onde ocorre uma diferença de mais de 5 metros no nível das águas entre a época mais seca do ano, que vai de novembro a dezembro, e a mais chuvosa, que vai de maio a junho. Quando as águas baixam, os solos são cobertos por uma abundante vegetação de plantas forrageiras de alto valor nutritivo. 

Entre as plantas forrageiras que abundam nessas áreas alagáveis, a EMBRAPA destaca as gramíneas dos gêneros Echinochloa, Hymenachne, Leersia, Luziola, Paspalum, Oryza, Panicum, Eriochla e Paratheria. Além de nutritivas, essas plantas são consideradas “anfíbias” por sobreviverem flutuando ou mesmo submersas sob as águas na época das cheias, o que garante que os búfalos tenham uma boa disponibilidade de alimentos durante todo o ano. Os animais também buscam seus alimentos nas áreas de campos naturais, ambiente que também é encontrado em toda a Amazônia. 

Dos cerca de 58 milhões de hectares desmatados na região da Floresta Amazônica em décadas recentes, perto de 15 milhões de hectares tinham como finalidade a criação de grandes fazendas para a criação de gado. Uma das áreas mais afetadas por esses desmatamentos foram as faixas Leste e Sudeste do Pará. Muitos desses empreendimentos não conseguiram prosperar devido à baixa fertilidade dos solos da Amazônia, um problema que afeta cerca de 92% dos solos da região. 

Estudos indicam que existem cerca de 20 milhões de hectares de terras abandonadas ou degradadas em toda a Amazônia justamente por causa dos problemas de baixa fertilidade dos solos. Sem conseguir produzir forração em quantidade suficiente para a alimentação do gado ou para a produção agrícola, essas áreas foram simplesmente abandonadas e largadas à própria sorte. Lembro aqui que a partir da década de 1960, os sucessivos Governos distribuíram terras na Amazônia com o objetivo de estimular a migração e ocupação da região. Eram tempos em que governantes e militares temiam ideias de internacionalização da Amazônia.

Pelas suas características de grande adaptação aos diferentes biomas da Amazônia e onde não existe a necessidade da derrubada de matas para a formação de pastagens, a bubalina cultura é uma excelente opção de atividade econômica sustentável para a região. Falta é claro melhorar as condições de infraestrutura para o transporte dos animais até os frigoríficos e centros consumidores, o que pode ser feito através da fabulosa rede de vias hidroviária, desenvolver bons mecanimos para a divulgação e venda da produção, entre outros problemas operacionais. 

A EMBRAPA possui excelentes trabalhos com novas técnicas para a criação de búfalos em sistemas de rotação de pastagens, o que aumenta grandemente a produtividade e a lucratividade da atividade. Também existe a possibilidade da criação dos búfalos em consórcio com a psicultura, o que garante um retorno financeiro ainda maior e sem causar maiores impactos ambientais. 

Existem inúmeras atividades econômicas que podem ser desenvolvidas em toda a Amazônia com impactos ambientais extremamente baixos e ecologicamente sustentáveis – a criação de búfalos é uma delas. 

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