Entre meados do século XIX e o fatídico ano de 1929, quando a Bolsa de Valores de Nova York quebrou e teve início a Grande Depressão, o café foi o mais valioso produto de exportação do Brasil, respondendo por mais da metade das vendas do país. A forte demanda internacional pelo produto surgiu num momento complicado de nossa economia colonial, quando a produção do açúcar, do algodão e do ouro perderam relevância. Podemos dizer que o café foi uma espécie de “salvador da pátria” há época, ao mesmo tempo em que se transformou no novo vilão da devastação da Mata Atlântica.
O interesse internacional pela bebida não surgiu de uma hora para outra – foi uma trajetória de centenas de anos entre as montanhas da Etiópia, no Nordeste da África, até chegar aos sofisticados cafés vienenses e Botteghe del Caffè de Veneza. Vamos conhecer um pouca dessa fantástica jornada:
Conforme comentamos na postagem anterior, o café é originário da região de Cafa, na Etiópia. De acordo com a tradição oral da população, um jovem pastor de cabras observou que os seus animais gostavam de comer os frutos vermelhos e as folhas de alguns arbustos, ficando muito ativos depois disso. Conta-se ainda que foi a partir daí que os habitantes locais passaram a preparar chás a partir das folhas e frutos da planta.
Com a popularização do consumo do café, sementes da planta foram levadas para o Iêmen, no Sul da Península Arábica, onde passou a ser conhecido como kahwaf ou cahue, palavras que em árabe significam “força”. Manuscritos locais do século VI de nossa era já falavam do cultivo da planta em terras árabes – inclusive, o nome científico da planta, Coffea arabica, dado pelo cientista Lineu, veio daí. Graças ao intenso tráfego de caravanas de mercadores e de tribos beduínas, o consumo e o gosto pela bebida foram disseminados por todo o Oriente Médio ao longo do tempo.
A partir do século XIV, a produção de café do Iêmen ganhou escala comercial e o principal porto exportador do país ficava na região de Moka, um nome que passou a estar associado aos melhores cafés do mundo. Em 1475, foi inaugurada a primeira cafeteria do mundo na famosa cidade de Constantinopla (atual Istanbul) na Turquia – o Kiva Han. O estilo social de consumo de café criado pelos turcos se popularizou por todo o Oriente Médio, principalmente no Egito. No final do século XVII já existiam perto de 650 Bayt Gahwa, as famosas cafeterias do Cairo, locais que eram o ponto de encontro de artistas e intelectuais.
Os egípcios criaram vários tipos de café, que depois acabaram se popularizando em países de língua árabe. O arriha é um café levemente adocicado. O mazboot é meio doce e o ziyada é muito doce. O cliente precisava escolher o tipo de café desejado antes da preparação, uma vez que o açúcar era dissolvido na água usada no preparo da bebida. Um outro tipo de café, o sada, era amargo e servido apenas em ocasiões tristes como nas cerimônias fúnebres.
Constantinopla também serviu como caminho para a chegada do café na Europa. A primeira cafeteria italiana ou Bottheghe del Caffè conhecida foi fundada em Veneza em 1615. Sendo um dos polos comerciais mais importantes da Europa há época, Veneza acabou por popularizar o café por todo o continente.
Surgiram muitas histórias e estórias associadas ao café na Europa. Uma delas foi a forte oposição ao consumo do café por religiosos católicos, que associavam a bebida de origem árabe aos muçulmanos e ao Islã. Quem consumia café era considerado herege por muitos padres. O papa Clemente VIII (1536-1605) precisou intervir e até propôs o batismo do café como forma de tornar a bebida cristã.
Outro “causo” interessante tenta explicar a origem dos famosos cafés de Viena. Consta que após o fracasso da conquista da cidade pelos turcos em 1687, grandes quantidades de sacas de café foram deixadas para trás pelos exércitos que batiam em retirada. Os austríacos teriam considerado esse café como uma espécie de despojo de guerra e passaram a consumir a bebida com um prêmio pela vitória.
É bastante folclórica também a origem dos famosos capuccinnos italianos. Conta-se que os monges franciscanos da ordem dos Capuchina não gostavam muito do sabor forte do café, que há época era consumido sem açúcar. Os monges então passaram a adicionar leite e mel a bebida. Com o passar do tempo, a receita foi incrementada com a adição de chocolate e chantily, e o nome da bebida passou a ser uma homenagem aos religiosos que a criaram.
Na Inglaterra, a primeira cafeteria conhecida foi aberta em 1652. Em 1672, foi inaugurada a primeira dessas lojas na cidade de Paris. Foi na França, durante o reinado de Luís XIV, que se criou o hábito de tomar café com açúcar. Com a popularização do café entre ingleses e franceses, surgiu a necessidade de expandir a produção para atender o forte aumento no consumo. Consta que foi um oficial francês, Gabriel Mathien de Clieu, o responsável pela introdução das primeiras mudas de café na Guiana e Ilha Martinica, territórios da França nas Américas. Rapidamente a cultura se espalhou pelas ilhas do Mar do Caribe e países da América Central.
O café chegou ao Brasil em 1727, pelas mãos do sargento-mor Francisco de Melo Palheta (ou Palhete, segundo algumas fontes), um militar a serviço do Governo de Portugal e que realizou trabalhos de demarcação de limites entre a Colônia portuguesa e a Guiana Francesa. Consta que Palheta ganhou uma muda de café da esposa do Governador da Guiana e trouxe a planta para a cidade de Belém, capital do Grão-Pará, a grande província da Região Norte há época. A partir de Belém, o café começou a se espalhar por pequenas cidades e fazendas dos sertões, onde a produção era destinada apenas ao consumo doméstico.
Com o aumento da demanda pelo produto no mercado internacional, foram feitas as primeiras tentativas de plantio em escala comercial no Maranhão e na Bahia, tentativas essas que foram frustradas devido ao clima excessivamente quente dessas regiões. A planta encontraria as condições ideais para o seu cultivo nas regiões serranas e de clima ameno da região Sudeste do Brasil. As primeiras sementes de café chegariam na cidade do Rio de Janeiro por volta de 1774, onde foram semeadas no Convento dos Frades Barbadianos.
As primeiras mudas de café foram plantadas nos arredores da cidade do Rio de Janeiro e, pouco a pouco, passaram a conquistar espaço ao longo do Vale do rio Paraíba do Sul, interior do Estado do Rio de janeiro e primeiro grande centro produtor de café do Brasil. A cultura mudaria radicalmente toda a região, faria a fortuna de muitos barões e baronesas fluminenses, e destruiria grande parte da Mata Atlântica da região.
Contaremos essa história na próxima postagem.
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