OS CASTORES DA PATAGÔNIA E DA TERRA DO FOGO, OU FALANDO DE ESPÉCIES INVASORAS

Os castores são roedores semiaquáticos da família Castoridae. Existem duas espécies: o Castor canadensis, também conhecido como castor-americano, que é nativo da América do Norte, e o Castor fiber, encontrado na Europa. Já existiram outras espécies como o castor-de-kellogg (Castor californicus), mas essa e outras já estão extintas. 

Os castores são famosos na literatura e nos contos por causa das grandes represas que constroem a fim de proteger as suas tocas subaquáticas. Eles se valem dos seus poderosos dentes incisivos para cortar o caule de árvores, que depois de derrubadas são arrastadas até suas barragens. É comum encontrarmos referências aos castores como os “engenheiros da natureza”. 

As represas construídas pelos castores modificam, literalmente as paisagens. Rios mudam seus cursos, trechos de florestas desaparecem, áreas secas ficam inundadas depois de formadas as suas represas. Muitos rios que no passado eram retilíneos, com o tempo ganharam curvas após a intervenção de sucessivas gerações de castores. 

Assim como acontece com outros mamíferos aquáticos e semiaquáticos como as focas, os leões-marinhos, as morsas e as lontras, os castores possuem uma pelagem dupla, uma adaptação natural que permite que o animal nade em águas congelantes sem maiores problemas. Devido a essa particularidade, a pele dos castores sempre foi muito valorizada, principalmente para a fabricação de botas e casacos ‘impermeáveis”. Os animais foram duramente caçados ao longo de vários séculos. 

Foi justamente visando o valioso mercado de peles de castor que, em 1946, o Governo da Argentina resolveu introduzir a espécie na região da Patagônia e na Terra do Fogo, províncias mais meridionais do país. Na cabeças de Suas Excelências, o clima e as florestas do extremo sul da Argentina eram bastante similares aos habitats naturais dos animais no Hemisfério Norte e imaginaram que a adaptação seria perfeita. 

Soldados do Exército argentino soltaram 10 casais de castores canadenses no Lago Fagano. Caso os animais se adaptassem perfeitamente às condições ambientais do lugar e se reproduzem adequadamente, o Governo imaginava que assim poderia fomentar uma poderosa indústria de comércio de peles,conseguindo atrair povoadores para o seu Deserto Frio do Sul. 

Ao contrário das melhores expectativas dos Governantes do país vizinho, a indústria de peles de castor acabou não decolando – foram poucos os que se aventuraram rumo ao Sul para ganhar a vida caçando animais nas florestas e lagos. Já os castores, esses se adaptaram muito bem ao clima local e se reproduziram como nunca. 

Ao contrário de seus habitats naturais, onde a espécie é predada por lobos, coiotes e até ursos, no Extremo Sul da América do Sul praticamente não existem predadores para os animais. Com amplos estoques de alimentos, árvores, rios e lagos, a Patagônia se transformou numa espécie de “paraíso na terra para os castores”. A passagem bíblica “crescei e multiplicai” nunca foi tão seguida por uma espécie. 

Na década de 1960, foram encontrados os primeiros castores no lado chileno da Terra do Fogo. No início da década de 1990, começaram a ser avistados castores na Península de Brunswick, na região continental do Chile. Os animais conseguiram vencer a nado as fortes correntezas do Estreito de Magalhães e aumentaram assim o seu território. 

Essa colonização do Extremo Sul da América do Sul pelos castores não é tão inofensiva como nas florestas da América do Norte e da Europa. Ao longo de milhões de anos de convivência com o voraz roedor, as árvores do Hemisfério Norte desenvolveram mecanismos de defesa contra os dentes do animal. Espécies de árvores como o salgueiro, o algodão-americano, a faia e o amieiro voltam a brotar depois de cortadas pelos animais, produzem substâncias químicas de defesa e se adaptam a ambientes úmidos. 

Na Patagônia, as árvores nunca precisaram se defender de uma animal com essas características e tiveram uma vida evolutiva diferente. Cortadas pelos castores, a maioria das árvores não volta a brotar e acaba morrendo. Os locais com grandes populações de castores formam um cenário fantasmagórico com milhares de tocos de árvores mortas. 

Em meados da década de 1990, tanto o Governo da Argentina quanto o do Chile perceberam o tamanho do problema criado pelos “simpáticos” invasores e começaram a criar programas de incentivo à caça recreativa comercial dos castores, mas a medida não foi bem sucedida. Há época, uma pele de castor valia no máximo US$ 20, um valor baixo diante do trabalho que se tem para caçar o animal. 

De acordo com as estimativas populacionais realizadas pelo GEF – Global Environment Facility, uma parceria internacional que financia esforços ambientais, entre 70 e 110 mil castores vivem atualmente na Patagônia Argentina e Chilena, além da Terra do Fogo. O território ocupado pelos animais é de cerca de 70 mil km², onde já destruíram cerca de 310 km² de turfeiras, florestas e pradarias. Segundo um artigo científico publicado em 2009, esses castores provocaram “a maior alteração de paisagem em florestas subantárticas desde a última era do gelo”. 

Um grupo de pesquisadores da Universidade do Texas realizou uma pesquisa sobre os ambientes modificados pelos castores na Ilha Navarino no Chile e encontrou novos problemas. Duas outras espécies invasoras, os arganazes (Muscardinus avellanarius) e as martas (existem diversas espécies) estão se aproveitando dos ambientes criados pelos castores para prosperar. 

Os arganazes usam as represas criadas pelos castores para caçar e viver, onde acabam sendo predados pelas martas. As martas também caçam aves como patos e gansos, além de pequenos roedores. Ou seja, a combinação de castores, arganazes e martas criou um “processo descontrolado de invasão ambiental”. 

Há vários anos que os Governos da Argentina e do Chile vêm criando planos mirabolantes para o extermínio de dezenas de milhares de castores a fim de conter os inúmeros problemas ambientais criados pelos “invasores”, porém nunca conseguem levar as ideias avante. 

Enquanto isso, os castores vão se sentindo cada vez mais confortáveis em seu novo habitat e vão colonizando novas áreas. Eu particularmente temo que algum outro “gênio da raça” resolva introduzir lobos do Ártico na Patagônia, um predador natural dos castores em seus habitats naturais no Hemisfério Norte. 

Só para lembrar, caso alguém realmente tenha essa infeliz ideia, lobos também adorar comer ovelhas e os maiores rebanhos de ovinos da Argentina ficam justamente na Patagônia… 

10 Comments

  1. […] O Governo da Nova Zelândia anunciou há cinco anos atrás a ousada meta de livrar todo o seu território de algumas espécies invasoras – principalmente os ratos, até o ano de 2050. O programa recebeu o nome de Predator Free 2050. Essa medida drástica tem como principal objetivo proteger as delicadas e exclusivas espécies dos biomas locais da competição com as espécies invasoras.  […]

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