DESABAMENTO DE EDIFÍCIO EM MIAMI PODE ESTAR ASSOCIADO AO AUMENTO DO NÍVEL DO OCEANO

No último dia 24 de junho, uma parte do edifício Champlain Towers South, localizado na região de Surfside em Miami desabou (vide foto). De acordo com as últimas notícias oficiais divulgadas pelas autoridades norte-americanas já são 18 as vítimas fatais e existem dezenas de desaparecidos. 

Como sempre acontece em meio a uma tragédia dessa magnitude, muita gente já começou a especular sobre quais seriam as causas prováveis do colapso do edifício. A construção foi finalizada há cerca de 40 anos, o que na construção civil é uma estrutura considerada jovem. Muitos moradores do edifício afirmaram que as condições e o aspecto do edifício eram muito bons e nada sinalizava para a tragédia que se consumou. 

De acordo com um relatório publicado em 2019, pelo Escritório de Sistemas Costeiros e Praias, órgão do Departamento de Proteção Ambiental da Flórida, “toda a área ao longo da costa Atlântica estava criticamente erodida, o que torna imperativo rever a situação das construções na praia e as leis para o futuro”. Os temores desses técnicos com o avanço do oceano contra a costa podem ter se concretizado. 

Uma das hipóteses que vem sendo considerada como provável causa da tragédia é o aumento do nível do oceano – nos últimos 100 anos, o nível do oceano no Estado da Flórida subiu cerca de 30 cm. Somente entre 1993 e 2019, houve um aumento de 12,7 cm no nível do mar no Sul da Flórida e há uma expectativa de um aumento de mais 15 cm até o ano de 2030

Em qualquer lugar do mundo, um aumento do nível do mar com essa ordem de grandeza já causaria uma enormidade de problemas. Na Flórida, a questão ganha proporções bem maiores, quase trágicas, por causa da qualidade dos solos de muitas cidades, que cresceram em terrenos onde pântanos e manguezais foram aterrados. 

Quando os primeiros exploradores espanhóis desembarcaram na região ainda no século XVI, encontraram uma sucessão de terrenos pantanosos e grandes manguezais. Um exemplo das paisagens locais há época ainda pode ser visto em parques naturais como o Everglades. Até o final do século XIX, a Flórida era um canto esquecido dos Estados Unidos e tinha uma população muito pequena. 

Essa situação mudou abruptamente na década de 1880, quando grandes depósitos de fosfato foram descobertos no Estado. Para conseguir explorar e transportar o minério, uma grande malha ferroviária teve de ser construída, uma infraestrutura que impulsionou a agricultura, especialmente a produção de laranjas – a Flórida é uma das maiores produtoras de laranja do mundo. 

O clima subtropical e as belas praias também começaram a chamar a atenção dos norte-americanos, transformando o Estado em um importante destino turístico. A partir da década de 1920, a população começou a crescer vigorosamente e impulsionou o crescimento das cidades, o que por sua vez levou ao aterramento de áreas cada vez maiores de pântanos e terrenos alagadiços, além de levar à destruição de extensas áreas de manguezais. 

A cidade de Miami e vizinhanças exemplificam esse avanço das cidades sobre áreas aterradas. As belas praias, os modernos edifícios, as grandes avenidas, as lojas sofisticadas e os ótimos restaurantes repousam sobre antigas áreas úmidas. Essa beleza e sofisticação, que atraem milhões de visitantes todos os anos, tem um custo que muitos nem sabem que existe.  

Entre os anos de 1950 e 2015, somente para manter o “visual” das praias da Flórida, foram gastos U$ 1,3 bilhão somente com a compra de areia – falo aqui da areia da praia. As tempestades e furacões, cada vez mais frequentes e fortes, arrastam a areia para o mar e é preciso recompor os cenários. 

E as despesas não param por aí – o Plano Diretor do Sistema de Águas Pluviais de Miami, que foi apresentado no último mês de abril, prevê gastos da ordem de US$ 4 bilhões em obras para preparar a cidade para um aumento ainda maior do nível do oceano. Entre as obras previstas destacam-se a construção de paredões com quase 2 metros de altura, redes de tubulações subterrâneas e poços. 

O Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos apresentou uma proposta ainda mais radical para conter a elevação do nível do oceano na cidade de Miami – a construção de uma barreira ao longo da costa com uma altura de 6 metros e com um custo estimado de US$ 6 bilhões. As projeções indicam que, ao ritmo atual, 40% da cidade estará submersa em 2060. 

O Sul da Flórida não está sozinho nesse cenário de mudanças climáticas e aumento do nível dos oceanos. Prefeituras e Governos fazem planos de obras para conter o avanço das águas do mar e as enchentes. Um caso extremo é a cidade de Jacarta, a capital da Indonésia, que foi construída sobre antigas áreas de manguezais aterrados. Com os problemas que já estão sendo sentidos na cidade – alguns bairros estão literalmente afundando, o Governo planeja mudar a capital para uma outra região mais alta e estimular a população a se mudar para lá. 

O trágico desabamento do edifício Champlain Towers South pode ter sido apenas o primeiro exemplo dos impactos do aumento do nível do mar contra as grandes construções da faixa costeira – muitos outros edifícios em cidades litorâneas de todo o mundo poderão ter o mesmo destino. Até o momento, tínhamos notícias de calçadas e avenidas costeiras sofrendo danos por causa do avanço das ondas. O problema subiu de patamar. 

Conforme já comentamos em postagens anteriores, o aumento do nível dos oceanos é uma tragédia irreversível. Governos, países e populações precisam planejar e viabilizar obras para preparar as cidades para esse novo cenário. Em países ricos como os Estado Unidos, as coisas são bem mais fáceis e, como mostramos, já existem planos em andamento 

Em países pobres com populações miseráveis como Bangladesh, onde os sinais do avanço do oceano já são evidentes, as coisas são bem mais difíceis – falta dinheiro para tudo e não há como pensar em novas despesas. Formado majoritariamente por terrenos com altitude máxima de 10 metros acima do nível do mar, Bangladesh poderá ver mais de 40% do seu território engolido pelo mar. 

E Bangladesh não está sozinha diante dessa tragédia anunciada – a lista de países ameaçados é enorme, incluindo muitas regiões aqui do Brasil. As próximas décadas serão bastante complicadas para todos nós… 

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