BOLÍVIA: A PRODUÇÃO DA QUINOA, OS RISCOS DE DESERTIFICAÇÃO E O DESAPARECIMENTO DO LAGO POOPÓ

Brasil e Bolívia são países vizinhos que compartilham algumas características físicas comuns ao longo da sua grande fronteira seca com mais de 3.400 km de extensão. As regiões Leste e Norte da Bolívia são tomadas pela Floresta Amazônica, bioma que ocupa uma grande área do território brasileiro. 

No Sudeste do país encontramos La Chiquitania ou Los Llanos de Chiquitos, uma grande extensão de campos que guardam semelhanças com o Cerrado brasileiro. Por fim, a parte Sul do país é ocupada com grandes terrenos alagadiços – o Gran Chaco Boliviano, que em parte é uma extensão do Pantanal Mato-Grossense. 

Essa grande semelhança nos biomas também implica numa semelhança de problemas – a região da Chiquitania é bastante suscetível a incêndios florestais assim como o nosso Cerrado. Em 2019, essa região ardeu impiedosamente por causa de fortes queimadas, que também atingiram áreas da Amazônia boliviana. Os meios de comunicação internacionais fizeram um grande estardalhaço ao falar dos incêndios na Amazônia brasileira há essa época, mas pouco falaram dessas queimadas na Bolívia. 

Durante a COP 25 – Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Madrid no final de 2020, os representantes do Governo Interino da Bolívia afirmaram que mais de 5 milhões de hectares da Amazônia boliviana foram devastados e/ou queimados apenas em 2019.  

Um estudo feito em 2010, pela FES – Friedrich Ebert Stiftung, uma fundação ambiental da Alemanha, já havia concluído que a devastação florestal na Bolívia era uma das mais altas do mundo – cerca de 320 metros quadrados por habitante, vinte vezes maior que a média mundial de 16 metros quadrados por habitante. As declarações dos representantes da Bolívia na COP 25 corroboraram essa informação.

Pela semelhança desses biomas com seus correspondes brasileiros e também pelas mesmas agressões ambientais, os solos dessas regiões bolivianas apresentam problemas de erosão e, em muitos casos, de desertificação muito parecidos com aqueles que ocorrem no Brasil. Para darmos um enfoque diferente a essas questões, vamos nos ater a região do Altiplano, onde vive a maior parte da população da Bolívia. 

Toda a área Central e Oeste do território da Bolívia é tomado pela Cordilheira dos Andes. O trecho boliviano da Cordilheira é bem largo e se divide em duas grandes cadeias montanhosas paralelas – a Cordilheira Oriental e a Cordilheira Ocidental. Entre essas montanhas encontramos o Altiplano ou Planalto Boliviano, onde as altitudes médias são de 3.800 metros. 

O Altiplano Boliviano constitui a segunda maior área de planalto do mundo, só ficando atrás do Planalto do Tibet. A diversidade climática é grande, com áreas apresentando um clima mais frio e úmido e outras possuindo climas áridos e semiáridos. 

Um grande exemplo dos problemas ambientais do Altiplano foi mostrado em uma postagem anterior, quando falamos do desaparecimento do Lago Poopó no início de 2017. Esse lago era considerado o segundo maior corpo d’água da Bolívia, só ficando atrás do Lago Titicaca. O espelho d’água desse lago ocupava uma área total que, nos momentos de cheias máximas, chegava aos 2.500 km², uma área equivalente a 6 vezes a Baía da Guanabara. 

As águas que alimentavam o Lago Poopó vinham de uma fenda natural na parte Sul do Lago Titicaca, conhecida como rio Desaquadero. Essa fenda funcionava como uma espécie de “ladrão”, que escova todo o excedente de águas do Lago Titicaca na direção do Lago Poopó. As águas que formam o Lago Titicaca são originárias do degelo de neves de glaciares espalhados nas montanhas e tem seu volume variável ao longo dos anos. 

A tragédia derradeira do Lago Poopó teve início quando as autoridades locais passaram a realizar obras para a construção de canais de irrigação a partir do rio Desaguadero, especialmente para atender as grandes plantações de quinoa (vide foto), um grão típico dos Andes. Em 2007, a NASA – Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, na sigla em inglês, divulgou um estudo sobre os alimentos que seriam usados pelos astronautas da Estação Espacial e deu grande destaque para a quinoa, um grão extremamente rico em proteínas. 

Após a divulgação desse estudo, a quinoa virou uma verdadeira febre entre os adeptos da “vida saudável” – todos passaram a consumir a quinoa e as principais regiões produtoras nos Andes em países como Bolívia, Peru e Chile foram grandemente ampliadas. Isso foi o que também ocorreu no Altiplano Boliviano, uma região de solos pobres e arenosos, e também com pouca disponibilidade de água. Na Bolívia, a maior fonte de água doce do Altiplano é o Lago Titicaca – o desaparecido Lago Poopó tinha águas salgadas. 

Pois bem – com a febre da quinoa e com o uso intensivo das águas do rio Desaguadero para irrigação, os caudais que chegavam até o Lago Poopó foram rapidamente diminuindo. Sem conseguir repor os grandes volumes de água perdidos para a evaporação nessa região de grandes altitudes, o lago Poopó começou a secar rapidamente. 

A situação dramática do Lago Poopó já não era nova a essa altura – desde os tempos coloniais, imensos volumes de rejeitos da mineração, que sempre foram abandonados sobre os solos sem maiores preocupações, eram carreados pelas chuvas na direção do Lago Poopó. Esses sedimentos foram se acumulando sobre o fundo do Lago, cuja coluna d’água mal passava dos 3 metros, e reduzindo ainda mais a sua profundidade Essa situação contribuiu muito no processo de evaporação e desaparecimento das águas do Lago Poopó. 

O antigo fundo do Lago Poopó era coberto por uma grossa camada de sal, que passou a ser varrida pelos fortes ventos do Altiplano, espalhando sedimentos salgados por uma extensa área, comprometendo ainda mais a baixa fertilidade dos solos das regiões de entorno. O que era um antigo lago cheio de vida – especialistas da Bolívia calculam que cerca de 200 espécies de aves, peixes, mamíferos, répteis e anfíbios, além de uma grande variedade de plantas viviam no Lago, desapareceram e surgiu no seu lugar um pequeno deserto de areias salgadas que está em expansão

A febre da quinoa prossegue no Altiplano. Muitos camponeses que há muito haviam trocado o trabalho na agricultura pela vida complicada nas cidades estão voltando para seus locais de origem para tentar a sorte na produção do grão. Existem muitos conflitos entre grupos pela posse das terras. No mercado internacional, o quilo da quinoa chega a valer US$ 30,00, mas os produtores do Altiplano conseguem menos de US$ 2,00 pela sua produção. 

Os solos frágeis do Altiplano, que chegam a possuir um teor de areia de até 80%, estão sendo sobrecarregados e utilizados de forma inconsequente. A preciosa água também está sendo explorada ao máximo. A busca alucinada pelo saudável alimento andino está, desgraçadamente, provocando a destruição e a desertificação do Altiplano Boliviano. 

Vida saudável às custas da devastação ambiental de um importante bioma – que alguém me explique isso… 

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