AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS E OS RISCOS AO LAGO TITICACA NOS ANDES

Lago Titicaca

Uma série de pequenas mudanças no clima do planeta vem ocorrendo de forma contínua nos últimos 250 anos sem que a maioria da população do mundo perceba. Ao longo do tempo geológico, nosso planeta vem passando por inúmeras mudanças no clima global – a última grande mudança climática ou período glacial, mais conhecido como Era do Gelo, teve início há cerca de 21 mil anos e terminou a aproximadamente 11,5 mil anos atrás. De lá para cá, o clima planetário vem se mantendo razoavelmente estável. 

Em meados do século XVIII, quando começou a chamada Revolução Industrial, foi iniciado um ciclo contínuo de emissões de gases de efeito estufa, gerados principalmente pela queima do carvão usado nos processos de produção das indústrias, nas locomotivas, centrais geradoras de energia elétrica e na calefação de milhões de residências. A partir das últimas décadas do século XIX, com o início da produção em massa de carros, caminhões e ônibus, combustíveis fósseis derivados do petróleo também passaram a dar a sua colaboração na geração de poluentes atmosféricos. 

Na minha cidade, São Paulo, as mudanças no padrão climático são bem mais visíveis que em outras regiões do país. Nos meus anos de infância, entre as décadas de 1960 e 1970, os invernos na cidade costumavam ser congelantes, com temperaturas chegando próximas dos 0° C nos dias mais frios. Um outro fenômeno climático bem paulistano daqueles tempos era a garoa (que na grafia antiga se escrevia garôa), uma chuva rápida com gotas finíssimas que caía todo final de tarde. A garoa desapareceu no final da década de 1970 e nos últimos invernos no Planalto de Piratininga raramente tivemos temperaturas abaixo dos 10° C. Em outras regiões do Brasil, as mudanças climáticas podem ser observadas claramente nas alterações dos padrões das chuvas anuais. 

Um dos locais aqui da América do Sul onde as mudanças no clima são bem mais visíveis são os Andes Tropicais, trecho da Cordilheira que vai do Sul da Bolívia até Colômbia e Venezuela ao Norte. Inúmeros glaciares ou geleiras dessa extensa região estão derretendo a velocidades alarmantes nos últimos anos. Para dar uma ideia do tamanho dos problemas – das 10 geleiras que existiam nas montanhas dos Andes na Venezuela até 1952, só restaram 5. No mesmo período, 8 geleiras da Colômbia desapareceram e só restam 6.  

Mais ao Sul, os problemas são ainda mais evidentes – no Equador, as geleiras dos vulcões AntizanaCotopaxi e Chimborazo já perderam entre 42 e 60% de suas massas. As 722 geleiras existentes na Cordillera Blanca no Peru sofreram uma redução de 22,4% desde 1970 e na Bolívia, as geleiras de Charquini perderam entre 65 e 78% das suas áreas nas últimas décadas, entre outros derretimentos confirmados

Em todos esses países, cidades importantes estão tendo sérios problemas para o abastecimento de água de suas populações. As nascentes de água em toda a Cordilheira dos Andes sempre dependeram do lento derretimento das geleiras para a formação dos seus caudais. Com o desaparecimento de geleiras do trecho Tropical dos Andes, todo o ciclo da água nessas regiões está ficando comprometido e milhões de pessoas estão sob ameaça de ficar sem água em suas casas e plantações. 

O maior corpo de água doce natural da América do Sul, o Lago Titicaca, está se tornando refém dos riscos de desaparecimento de algumas geleiras Andinas. Com mais de 8,3 mil km² de superfície, o Lago Titicaca se estende na região do Altiplano entre o Peru e a Bolívia, a uma altitude de 3.812 metros acima do nível do mar. Nessa região de chuvas escassas, a alimentação do Lago Titicaca depende de um sem números de pequenos rios com nascentes nas geleiras das grandes altitudes. 

Nas altas montanhas Andinas (com altitudes entre 5 e 6 mil metros) a precipitação anual normalmente se situa na faixa entre 1.200 e 1.500 mm, resultando num acúmulo de neve entre 2 e 3 metros. Ao longo de milhares de anos, essa neve anual foi se compactando e formando todo um conjunto de glaciares de Norte a Sul da Cordilheira. Nessas regiões, a precipitação é controlada, principalmente por correntes de ar vindas do Oceano Pacífico, que se misturam com massas de ar quente vindas da região amazônica. As altas montanhas interceptam as massas de ar, resultando em precipitação e acúmulo de neve – o derretimento gradual de uma pequena parte dessa massa de gelo está na origem das nascentes de água de todos os rios andinos, inclusive os rios que alimentam o Lago Titicaca. 

Com a alta incidência de radiação solar no Altiplano, uma lâmina de água com até 120 cm de espessura evapora a cada ano no Lago Titicaca e precisa ser reposta a partir da água dos seus rios tributários. É justamente aqui que se encontra a principal ameaça – com o desaparecimento de muitas geleiras nas regiões de entorno do Titicaca, os tributários estão despejando quantidades cada vez menores de água e o nível do Lago está baixando lentamente. 

De acordo com informações da Universidad Nacional del Altiplano, localizada na cidade de Puno no Peru, o nível do Lago Titicaca está atualmente na cota de 3.808 metros acima do nível do mar, cerca de 4 metros abaixo do nível médio histórico. A universidade afirma que, além da diminuição dos caudais dos rios tributários, existem grandes perdas de água no Lago Titicaca para inúmeros sistemas de irrigação agrícola nas regiões lindeiras. Parte importante dessa água se perde por evaporação devido ao uso abusivo e ineficiente

Um sinal de alerta importante sobre a situação da água no Altiplano se deu em 2017, quando o segundo maior lago da Bolívia, o Poopó, simplesmente desapareceu. O Lago Poopó se localizava no Departamento de Oruro, próximo da divisa com o Chile. Nos períodos de cheia, esse Lago chegava a cobrir uma superfície de 2,5 mil km², com uma profundidade média de 2,5 metros, podendo chegar até 6 metros em alguns trechos. A intensa atividade mineradora na região levou ao assoreamento de diversos rios tributários do Lago e contribuiu para essa tragédia.  

A principal fonte de água que alimentava o Lago Poopó era o rio Desaguadero, uma fenda natural localizada na parte Sul do Lago Titicaca. Essa fenda funcionava como uma espécie de “ladrão”, escoando todo o excedente de água do Lago Titicaca na direção do Lago Poopó, localizado num trecho mais baixo do Altiplano. O Lago Poopó era o trecho terminal dessa bacia hidrográfica fechada, que em geografia recebe o nome de bacia endorreica

Com a redução do nível médio do Lago Titicaca, a quantidade de água que escapava pelo canal do rio Desaguadero foi sendo gradualmente reduzida, até o momento em que o nível da água ficou próximo do nível do canal de fuga. Para piorar o problema, as águas do rio Desaguadero passaram a ser desviadas para uso em diversos programas de irrigação, acelerando assim o colapso do Lago Poopó

As autoridades dos países, principalmente da Bolívia, procuram minimizar a situação, afirmando que “as oscilações do nível do Lago Titicaca são normais e que não há motivos para pânico“. Se o desaparecimento de um lago com uma área quase seis vezes maior que a Baía da Guanabara ou três vezes o tamanho da cidade de São Paulo, o que foi caso do Lago Poopó, não é motivo para pânico, eu sinceramente não sei o que seria. 

Além da perda sistemática de água, o Lago Titicaca também está sofrendo intensamente com a poluição e com o despejo de lixo. Vamos falar disso na próxima postagem. 

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