Imagine um lago de água salgada, com um tamanho equivalente a seis vezes a Baia da Guanabara ou três vezes o tamanho da cidade de São Paulo, desaparecendo literalmente no ar – por mais inacreditável que isso possa parecer, foi exatamente o que aconteceu com o Lago Poopó no altiplano da Bolívia.
O Poopó ficava (é estranho usar esse tempo passado) no departamento de Oruro, região que faz divisa com o Chile, onde o espelho d’água se espalhava por uma área que podia chegar a 2.500 km² nos períodos de cheia. O nível do lago se encontrava numa altitude de 3.686 metros acima do nível do mar, com uma profundidade média de 2,5 metros, podendo chegar em alguns trechos a 6 metros. Todo esse complexo lagunar está reduzido hoje a três áreas úmidas com superfície total inferior a 1 km² e profundidade máxima de 30 centímetros.
Pesquisando dados sobre esta catástrofe ambiental, encontramos diversas matérias publicadas em jornais locais que, desde a década de 1990, já alertavam as autoridades sobre a redução sistemática do Lago Poopó – todas as matérias, rigorosamente, contém declarações de autoridades locais informando que a situação estava sendo monitorada e cada qual dando o seu diagnóstico carregado de ideologia – o mais frequente era se falar e colocar a culpa no aquecimento global provocado pelas grandes nações capitalistas do hemisfério Norte; providências – nenhuma.
A hidrologia do Lago Poopó está ligada diretamente ao Lago Titicaca, o maior corpo de água da América do Sul, localizado ao Norte, na divisa da Bolívia com o Peru – vamos falar do Titicaca em outros posts. Um conjunto de aproximadamente vinte e cinco rios, formados a partir do degelo de glaciares no alto dos Andes, corre para as terras mais baixas do altiplano alimentando o Lago Titicaca – uma fenda natural na parte sul do Lago, conhecida como Rio Desaguadero, funcionava com uma espécie de “ladrão”, escoando todo o excedente de água na direção do Poopó, localizado num trecho mais baixo do altiplano ao Sul, que funcionava como lago terminal da bacia hidrográfica; ciclos de evaporação das águas e realimentação via drenagem do Lago Titicaca mantinham a estabilidade do Lago Poopó.
Apesar de inúmeros desmentidos das autoridades locais, o nível do Lago Titicaca rebaixou em pelos menos 1 metro nos últimos anos, reduzindo a quantidade de água drenada pelo Rio Desaguadero. Para aumentar o problema, o Governo local realizou obras no Rio, desviando as águas para outras regiões, para usos em sistemas agrícolas e abastecimento de comunidades (o Titicaca tem água doce). Como já comentamos em outras publicações, lagos terminais como o Mar de Aral, o Mar Morto e o Lago Chade, precisam ser reabastecidos periodicamente com grandes aportes de água para compensar as perdas por evaporação – sem receber despejos de água, os lagos secam, como aconteceu com o Lago Poopó.
Mas a tragédia tem outro componente fundamental – a mineração predatória e intensa realizada na região desde o tempo dos conquistadores espanhóis. Usando técnicas das mais rudimentares, os mineiros nunca se preocuparam com a construção de barragens de rejeitos minerais. No altiplano boliviano, o Lago Poopó foi transformado “na barragem” de rejeitos, recebendo sedimentos arrastados pelas escassas chuvas ao longo dos séculos, que reduziram gradativamente a profundidade do lago e amplificaram os efeitos da evaporação das águas. O nível de contaminação das águas com metais pesados chegou a um nível altamente critico, matando 30 milhões de peixes em um único dia – milhares de aves, que se alimentaram destes peixes envenenados tiveram o mesmo fim. As aves e animais que conseguiram fugir a tempo, ganharam uma sobrevida em outras regiões – os flamingos rosados, por exemplo, migraram para o pequeno Lago Oruro, que também está secando; a carência de nutrientes no novo ambiente já afeta estes flamingos – as vistosas penas rosas agora estão brancas. Cerca de 200 espécies de aves, peixes, mamíferos, répteis, anfíbios e uma grande variedade de plantas desapareceram junto com o Lago Poopó.
O desastre também teve um custo humano. Cerca de 350 famílias das comunidades indígenas locais, em sua maioria pescadores do lago, foram afetadas. Os Urus eram os donos do lago e tiravam o seu sustento das suas águas – 38 espécies de animais entre peixes, aves e mamíferos: nada sobrou. De acordo com as leis bolivianas, o território dos Urus é a água dos lagos e eles não podem cultivar as terras, que pertencem aos Aymaras.
E assim, todo um ecossistema e uma cultura milenar evaporaram junto com as águas salgadas do Lago Poopó. Quanta tristeza!
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[…] se deu em 2017, quando o segundo maior lago da Bolívia, o Poopó, simplesmente desapareceu. O Lago Poopó se localizava no Departamento de Oruro, próximo da divisa com o Chile. Nos períodos de cheia, […]
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